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sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Um Pouco da História da Colônia de Santa Felicidade no Paraná

Igreja de Santa Felicidade


Na colônia de Santa Felicidade teve início em 1889 a organização religiosa estável quando o padre Colbachini mudou-se da Colônia Dantas (atual bairro da Água Verde) para lá. 

O estudo das origens da Colônia de Santa Felicidade nos dá uma oportunidade ímpar de conhecer alguns fatos ocorridos com os primeiros imigrantes italianos nas terras do Paraná. São fatos dramáticos, verdadeiros que, aos poucos, estão sendo esquecidos pelas novas gerações. Assim, creio ser importante descrever alguns deles que, talvez, possam interessar toda àquela comunidade.

Em 5 de novembro de 1877, um navio com 900 emigrantes, a maioria deles provenientes da Região do Vêneto, partiu do porto de Gênova com destino ao Brasil. 

No dia seguinte, 6 de novembro fizeram uma parada técnica no porto de Marselha, na França, por suspeita de epidemia, onde  foram obrigados a ficar em quarentena. Foram identificados dois casos de difteria entre os passageiros. 

Alguns dias depois, quando já estavam para reiniciar a viagem, ficaram sabendo, pelos fortes rumores que corriam, de que a empresa proprietária do navio, em vez de um vapor, conforme constava no contrato, queria agora  embarca-los em um veleiro. Quando os emigrantes tiveram as evidências de tal fato em suas mãos,  recorreram às autoridades italianas e francesas para fazerem valer os seus direitos. 

A fiscalização do porto logo constatou que o navio não conseguiria completar a longa viagem, pois, nem mesmo tinha sido provido das provisões necessárias para a longa travessia: a companhia de navegação estava prestes a perpetrar mais uma das grandes tragédias que ilustram a história das primeiras emigrações em massa. 

A companhia marítima foi obrigada pelas autoridades a organizar um navio à vapor ou então a devolver o dinheiro a cada um daqueles passageiros, mas, a empresa tentou arrastar as coisas, tentando escapar da obrigação. Os emigrantes se viram obrigados a recorrer à caridade da população da cidade francesa, que os ajudou generosamente. 

Muitos dos passageiros mais exaltados clamavam por vingança, mas, os responsáveis pela empresa ​​desapareceram e não foram encontrados pela justiça. Por fim, o cônsul italiano em Marselha conseguiu providenciar a repatriação de todo o grupo. 

Chegando de retorno ao Porto de Gênova em 28 de novembro, desanimados, alguns emigrantes desistiram do seus sonhos de tentar uma vida nova fora da Itália e preferiram voltar para as suas casas. Outros porém, mais resilientes, em 11 de dezembro embarcaram no vapor Sulis, que depois de uma longa travessia chegou ao porto do Rio de Janeiro no dia 2 de janeiro de 1878.  Subiram em um outro navio de menor calado e desembarcaram no porto de Paranaguá em 5 de janeiro do mesmo ano.

Do porto foram transportados para as colônias cedidas pelo governo, ou seja, para as localidades de Porto de Cima e São João da Graciosa, onde encontraram boa acolhida, alimentação, alojamento e uma ajuda financeira de 400 réis por dia. 

Infelizmente, a área à eles destinada não era aquela que eles esperavam. O terreno era pantanoso e insalubre o que dificultava a agricultura e proporcionava o surgimento de doenças. Além do sofrimento moral causado ​​pelo isolamento os imigrantes eram torturados pelos bichos-de-pé, doença para eles desconhecido, larvas de insetos que se esgueiravam sob as unhas dos pés, para depositar seus ovos. Também os percevejos, e as larvas de uma espécie de mosca que penetravam na pele e ficavam do tamanho do bicho da seda Os enxames de mosquitos e o tracoma assolavam os pioneiros naquele local malsano. O descontentamento do grupo era muito grande.




Pelos tropeiros os emigrantes souberam em quais regiões era possível criar gado. Assim, aprenderam que nos arredores de Curitiba, a capital da província do Paraná, poderiam encontrar locais mais saudáveis ​​e adequados para o tipo de agricultura que estavam habituados. Esta cidade estava situada em um altiplano e as temperaturas agradáveis, tendo inclusive um inverno bastante frio.

O governo provincial tentou de todas as maneiras impedir a mudança do grupo; mas os emigrantes fizeram uso do seu direito contratual, no qual, em uma das suas cláusulas, dizia que caso que não se adaptassem ao local previamente destinado, poderiam mudar de residência por até duas vezes. 

O pouco dinheiro que economizaram na breve estada no litoral paranaense foi suficiente para comprarem pequenos terrenos, ao preço de 80 mil réis por alqueire - um alqueire são 24.200 metros quadrados, dos irmãos Antônio e Arlindo Borges e da irmã Felicidade Bandeira.  Relatavam aqueles pioneiros, que foi justamente por empenho desta senhora que a nova colônia surgiu e levou o nome de Santa Felicidade. 

Consistia inicialmente em quinze lotes de terras, que foram adquiridos, pelas primeiras 15 famílias de imigrantes, em novembro de 1878, nas quais prontamente foi semeado o milho. 

Outras 14 famílias compraram terras que pertenciam em parte ao Lobo Alemão e em parte aos brasileiros Paulo França e João de Freitas.

O início não foi fácil. Algumas famílias tiveram que morar em outros locais de Curitiba ou nos municípios vizinhos, por um período de seis meses, até que as suas casas pudessem ser construídas; outros, entretanto, se adaptaram a viver algum tempo nas suas terras, sob as árvores ou em cabanas feitas de galhos. 

Esses pioneiros tiveram muito trabalho para defender as suas primeiras culturas semeadas, do ataque dos porcos selvagens e outros animais. Também chegaram a passar fome até que veio a primeira colheita. Nesse período de grandes dificuldades, no entanto, tiveram ajuda generosa dos  brasileiros que ali já viviam.

Episódios de violência também não faltaram naqueles primeiros anos na nova colônia. Podemos citar como exemplo: nas terras de João de Freitas já estavam morando algumas famílias brasileiras, ali instaladas há muito tempo, eram posseiros que agora reclamavam os direitos de propriedade e, não reconheciam os contratos firmados entre os colonos italianos com aquele proprietário. Queriam ser indenizados  para se retirarem do local.  Por sua vez os imigrantes italianos não estavam dispostos a pagar duas vezes pela mesma terra. 

Assim, um dia o imigrante Antonio Bosa cercou, ajudado por outros vinte italianos armados, cerca de dez brasileiros que haviam entrado em suas terras para cortar erva-mate. 

Após um dia de cerco, um brasileiro fingiu se render e pediu para ir para casa buscar o dinheiro necessário para reparar os danos, mas, voltou acompanhado por um bando de duzentos brasileiros armados, liderados por um tal de  Freitas. Estes vendo que os italianos estavam tão inferiorizados numericamente, dirigiu-se cavalheirescamente a Bosa, que o ameaçou com uma espingarda, porém, dizem, descarregada. Descobrindo o peito o brasileiro gritou: "Atira aqui, mata-me, mas estamos no nosso direito". O italiano respondeu: "Não, a terra é minha, porque eu paguei por ela. Retirem-se, senão atiro." Nesse momento que as coisas estavam esquentando a esposa de Bosa, que já havia aprendido um pouco de português, e membros da família Freitas se interpuseram, e um acordo foi estabelecido: os brasileiros ficavam com a erva mate já colhida e pagavam uma indenização de 10 mil réis. 

Para solucionar este e outros pequenos incidentes, os imigrantes italianos sempre recorreram ao governo, que interveio acertando tudo.

Desde os primeiros meses na nova terra os colonos sentiram a necessidade de conseguir um local de culto que estivesse mais próximo da Colonia. A fé católica estava diretamente ligada à vida daqueles colonos. Nos dias feriados e domingos iam à missa em Curitiba, a sete quilômetros de distância, mas, por falta de estradas ou pelo mau tempo, não podiam sempre enfrentar esta viagem. Portanto, eles começaram a se organizar, reunindo-se  em uma casa, para recitar orações, ouvir a leitura de livros religiosos e ensinar catecismo às crianças; depois compraram um crucifixo de um italiano de Curitiba e o carregaram em procissão para o oratório improvisado.


No ano de 1879, outras 23 famílias chegaram a colonia procedentes de Morretes e alguns deles  vindos diretos da Itália. Em 1882 já haviam 70 famílias na Colônia Santa Felicidade e o pequeno oratório não era mais suficiente para abrigar a todos. O Sr. Marco Mocellin doou um terreno, e foi construída uma capela de madeira, abençoada pelo pároco de Curitiba, Pe. José Barros, que ali celebrou a primeira missa, mas, não pôde confessar os imigrantes porque não entendia o idioma italiano. 

Esta primeira igreja de construção em madeira foi inaugurada em 1882. O primeiro missionário italiano que visitou a Colônia Santa Felicidade em 1885 e pregou a primeira missa italiana, foi o infatigável jesuíta padre Giovanni Cibeo, que apesar da sua idade muito avançada e das enfermidades que sofria, vinha de vez em quando do Estado de Santa Catarina e visitava as diversas colônias. Nessas ocasiões  precisava ser  carregado em uma liteira, que era levada nas costas dos imigrantes, devido à falta de estradas para a passagem de carruagens.

No ano de 1886 o padre Cibeo abençoou o cemitério, um mês após a chegada do padre Colbacchini ao Paraná. A primeira colônia italiana visitada pelo padre Colbachini foi justamente a de Santa Felicidade.


Imigrante italiana de Santa Felicidade, em sua carroça típica, levando produtos agrícolas para 
serem comercializados em Curitiba


Quando padre Colbachini precisou retornar à Itália, em julho de 1894, Santa Felicidade e as demais colônias ficaram a cargo do padre Francesco Bonato, que durante seis anos havia residido em Timbotuva com jurisdição também sobre as colônias de Rio Verde, Rondinha e Campina. 

Dom Bonato precisou de enorme esforço durante um ano inteiro, pois o padre Francesco Brescianini e o padre Faustino Consoni, destinados a substituir o padre Colbachini, chegaram em S. Felicidade apenas a 16 de julho de 1895.