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segunda-feira, 16 de agosto de 2021

A Epidemia de Peste Negra na Veneza do Século XVI

 

Rua de Veneza durante uma das epidemias de peste

No século XVI, se pelo lado político a cidade de Veneza já começava a perder o seu papel de grande importância que tivera nos três últimos séculos, do ponto de vista demográfico ela ainda continuava em constante expansão. Sua população girava por volta de 175.000 habitantes e era uma das cidades mais populosas do mundo. 

Culturalmente era muito famosa entre as capitais europeias, local onde trabalharam famosos pintores, escultores, arquitetos e escritores que respondiam pelos nomes de Ticiano, Tintoretto, Veronese, Bassano, Palladio, Sansovino, Pietro Aretino, Galileo Galilei. 

Esta vitalidade cultural só foi possível pela notável liberdade de pensamento, que fez com que muitos intelectuais estrangeiros, perseguidos em seus países de origem, encontrassem um segundo lar na Sereníssima República de Veneza. Tudo isso antes de estourar a terrível epidemia da peste negra. 

No triênio 1575-1577 a Sereníssima foi sacudida pelo flagelo da peste: favorecida pela altíssima concentração de habitantes, a doença se espalhou por muito tempo e infligiu perdas muito grandes, com um ressurgimento dramático nos meses de verão no segundo ano da epidemia. 

As vítimas fatais foram quase 50.000, o que representava mais de um terço de seus habitantes. 

A peste se espalhou principalmente entre as classes mais pobres, devido a uma promiscuidade mais generalizada e um padrão de vida precário. No início a gravidade do fenômeno foi minimizada, mas com o evoluir da peste o governo teve que adotar medidas de saneamento muito restritivas: criou lazaretos, mandou enterrar os mortos cobertos com cal, apreendeu casas ou mesmo bairros inteiros, disciplinou o contato com os fora, conseguindo manter as instituições vivas. 


Máscara usada pelos médicos durante os períodos de peste em Veneza


Durante a peste, duas figuras diretamente ligadas à epidemia, vagaram pelas ruas de Veneza: o médico e o coveiro. 

O médico estava sempre muito exposto ao risco de contágio ao ter contato mais de perto com os doentes. Precisou tomar muitos cuidados para também não contrair a doença: endossava uma comprida túnica preta, provavelmente confeccionada por tecido  impermeável, chapéu de abas largas e também usava uma extravagante máscara com um longo bico adunco, onde eram colocados substâncias perfumadas para "evitar" a peste e respirar um ar com dos mais agradável.   Essas máscaras ficaram intimamente ligadas ao período da epidemia e até hoje são confeccionadas identificando-se indelevelmente com aquele flagelo.

O coveiro, por sua vez, também ele protegido por uma jaqueta de pano grosso e luvas de couro, tinha a ingrata tarefa de transportar os cadáveres das vítimas da peste levando-os para os locais da cremação. Ao passar pelas estreitas vielas da cidade, sua presença era sentida pelos transeuntes pelo som dos sinos de bronze que levava amarrados em seus tornozelos, ocasião em que todos se afastavam terrificados. 

Em 4 de setembro de 1576 as autoridades do grande conselho da república decidiram que o Doge deveria fazer o voto de erigir uma grande igreja dedicada ao Redentor, para que ele pudesse interceder pelo fim da praga. 

A cada ano,  a cidade se comprometia a homenagear nesta igreja, no mesmo dia em que foi publicamente declarada livre da peste, uma forma de perpétua lembrança da graça obtida. 


Chiesa del Redentore




Em 3 de maio de 1577, com a praga ainda não oficialmente erradicada, foi lançada a pedra fundamental e o templo votivo, obra de Palladio, foi consagrado em 1592, 12 anos após a morte do famoso arquiteto. 

A sua fachada é caracterizada por quatro colunas gigantescas que sustentam um grande tímpano triangular e parece estar em três pisos sobrepostos. O interior é solene e simples, com planta em cruz latina.


Festa del Redentore


Em 13 de julho de 1577 foi declarada a erradicação definitiva da peste, pelo que se decidiu celebrar a libertação da peste no terceiro domingo de julho. Ao aspecto religioso da celebração juntou-se imediatamente o aspecto de festa popular, momento libertador depois de tanta tristeza. Para atravessar o Canal da Giudecca e permitir a passagem da procissão, foi erguida já no primeiro ano uma imponente ponte de barcos, elemento característico da festa. Em torno da ponte e do templo votivo, os gritos de gente alegre e alegre, a pé ou em barcos ricamente decorados, também davam à festa um aspecto profano, onde a devoção popular era acompanhada de prazer e diversão. Era uma noite de vigília, uma “noite ainda muito esperada”, que só termina com a chegada da madrugada.




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS