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quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Na Região de Santa Maria – A Vida dos Irmãos Bellatto na Colônia Silveira Martins


Na Região de Santa Maria – A Vida dos Irmãos Bellatto na Colônia Silveira Martins


No outono de 1887, três irmãos partiram das colinas pedregosas de Vittorio Veneto rumo ao desconhecido. Antonio, Gabriele e Ernesto Bellatto carregavam nos ombros a herança de uma família de pequenos camponeses, marcada pela pobreza, pelas dívidas e pelas sucessivas más colheitas que assolavam o Vêneto. A terra natal já não lhes oferecia sustento, e os recrutadores que percorriam os vilarejos descreviam o Brasil como um mundo novo, onde a terra era vasta e fértil, e onde cada braço de trabalho encontraria recompensa. Entre a miséria conhecida e a promessa distante, escolheram a promessa.

A viagem até o porto de Gênova foi o primeiro passo de uma marcha penosa. Embarcaram em um navio abarrotado de emigrantes como eles, famílias inteiras com baús de madeira, crianças doentes, velhos que tossiam sem parar. O ar nas porões era pesado e úmido, impregnado de maresia e suor. As semanas em alto-mar testaram a resistência de cada um. Muitos adoeceram, alguns morreram, e seus corpos foram lançados ao oceano com preces apressadas. Quando, após longas semanas, avistaram a linha irregular do litoral brasileiro, os três irmãos sentiram o peso de um destino sem volta.

No Rio de Janeiro, a recepção foi tumultuada. As multidões de recém-chegados eram empurradas para escritórios onde funcionários apressados os registravam e distribuíam para colônias agrícolas espalhadas pelo interior do país. Antonio, Gabriele e Ernesto com mais algumas dezenas de famílias seguiram viagem em outro navio rumo ao sul do país, até o porto de Rio Grande. Após algumas semanas de angustiante espera, abrigados precariamente em barracões de madeira perto do porto e com pouca privacidade, embarcaram novamente, desta vez em pequenas embarcações fluviais, atravessando a extensa Lagoa dos Patos e a seguir subindo contra a correnteza do rio Jacuí durante quase um dia inteiro, até alcançarem a modesta localidade de Rio Pardo onde desembarcaram. Dali em diante prosseguiram a jornada por terra, parte a pé, parte em carroças puxadas por bois, avançando lentamente pelo terreno pedregoso e íngreme até o coração da província do Rio Grande do Sul, em direção a um lugar chamado Santa Maria da Boca do Monte onde se localizava a extensa Colônia Silveira Martins. O nome soava grandioso, mas o que encontraram foi uma vastidão de matas fechadas, colinas íngremes e clareiras abertas a golpes de machado.

A realidade abateu-os logo nos primeiros dias. O governo pagava pelo trabalho de abrir estradas, mas os ganhos mal cobriam os custos de sobrevivência. Recebiam moedas em troca de jornadas inteiras sob o sol ou sob a chuva, cortando árvores colossais e arrastando troncos, sempre rodeados por enxames de insetos e pelo risco constante de febres. O alimento era escasso e repetitivo: mandioca, milho, feijão mal cozido. O corpo enfraquecia, e a saudade da pátria se tornava um fardo invisível.

A esperança de possuir terras próprias parecia distante. Os lotes prometidos eram quase sempre montanhosos, cheios de pedras e difíceis de cultivar. Cada clareira exigia semanas de esforço para ser aberta. As árvores, com raízes profundas, resistiam ao machado. O solo, quando exposto, revelava-se úmido demais em alguns pontos e árido em outros. Antonio, o mais velho, mantinha o grupo unido com sua disciplina. Gabriele, mais robusto, assumia as tarefas mais duras, sustentando a família com a força dos braços. Ernesto, ainda jovem, sofria mais com a adaptação; o clima sufocante, as febres e o trabalho exaustivo punham em risco sua saúde frágil.

Ao redor deles, repetia-se a mesma história. Centenas de famílias vindas da Itália enfrentavam os mesmos desafios: casas de madeira improvisadas, trabalho pesado para o governo, doenças que se espalhavam como incêndios. Muitos não resistiam. Alguns, desesperados, tentavam regressar, mas quase todos estavam presos pela falta de recursos. A travessia de volta custava mais do que a ida, e a pobreza tornava impossível a fuga.

Com o tempo, os irmãos Bellatto tomaram posse de suas tão sonhadas terras que juntas, unidas lado a lado, cobriam uma extensa área de floresta. Aprenderam a sobreviver. Descobriram plantas medicinais com os indígenas da região, caçaram animais menores, plantaram pequenas roças de milho e batata-doce. A cada ano, uma nova clareira era aberta. O cansaço acumulava-se, mas também crescia a sensação de pertencimento. A floresta, antes inimiga, começava a se transformar em lar.

A religiosidade sustentava-os nas horas de desespero. Aos domingos, caminhavam longas distâncias para assistir à missa em capelas improvisadas. Nessas reuniões, reencontravam outros conterrâneos, trocavam notícias e dividiam sofrimentos. As preces eram ditas com fervor, e as lágrimas que escorriam durante os cânticos falavam de saudade, mas também de esperança.

Os anos passavam, e a promessa de prosperidade permanecia incerta. O governo continuava a usar imigrantes como mão de obra barata para abrir estradas e construir ferrovias, e os colonos lutavam para transformar lotes inóspitos em campos produtivos. Muitos desistiram, outros morreram, mas os Bellatto resistiram e tornaram-se ricos agricultores.

A trajetória deles não foi de conquistas grandiosas, mas de persistência silenciosa. Antonio envelheceu curvado pelo machado e pela enxada, mas orgulhoso de ter mantido os irmãos unidos. Gabriele criou raízes na terra, adaptando-se à nova vida até tornar-se parte dela. Ernesto, embora frágil, encontrou forças para seguir, ajudando a família com o que podia. Nenhum deles voltou à Itália. O sonho de retorno esvaiu-se com os anos, substituído pela certeza de que sua vida agora pertencia ao Brasil.

A saga dos três irmãos confundiu-se com a de milhares de outros italianos que atravessaram o oceano naquele final de século. Não construíram palácios, nem acumularam riquezas, mas deixaram na terra sul-rio-grandense o rastro de sua luta. Cada clareira aberta, cada pedaço de estrada, cada colheita arrancada da mata foi parte de uma epopeia coletiva.

Sob o céu ardente de Santa Maria da Boca do Monte, os irmãos Bellatto transformaram sofrimento em resistência. Foram pioneiros de uma terra que os recebeu com dureza, mas que acabou por se tornar seu destino. Na memória das gerações que vieram depois, permaneceram como símbolos de coragem anônima, daqueles que ousaram trocar o certo pelo incerto, e que, entre perdas e cicatrizes, fincaram raízes no coração do Brasil.

Nota do Autor

A narrativa que o leitor acaba de conhecer é um resumo de um livro e foi inspirada em fatos reais do período da imigração italiana no Brasil, na segunda metade do século XIX. Os acontecimentos, os locais e as condições de vida descritos correspondem à realidade enfrentada por milhares de famílias que deixaram o Vêneto e outras regiões da Itália em busca de uma promessa de prosperidade nas terras brasileiras.

O ponto de partida desta história é uma carta autêntica, escrita em Santa Maria da Boca do Monte, em 1887, por imigrantes recém-chegados. Nela, relatavam com franqueza as dificuldades encontradas, os perigos da mata, o trabalho pesado e a decepção com as promessas não cumpridas. Essas cartas, ainda preservadas em arquivos e estudos históricos, revelam a dureza da vida dos primeiros colonos e sua luta constante entre esperança e desespero.

Para esta versão literária, os nomes originais foram substituídos por outros da mesma região de origem, a fim de proteger a identidade dos personagens e, ao mesmo tempo, preservar o valor universal de suas experiências. Assim nasceram os irmãos Bellatto, que representam tantos outros homens e mulheres anônimos que viveram dramas semelhantes.

Trata-se, portanto, de uma reconstrução literária baseada em documentos históricos, mas enriquecida por elementos narrativos que buscam transmitir a intensidade da vida cotidiana, a paisagem hostil do Brasil do século XIX e a dimensão humana da imigração. Nada aqui é invenção gratuita; ao contrário, tudo é fruto da realidade testemunhada pelos próprios imigrantes.

Esta é uma homenagem à coragem silenciosa daqueles que, com o coração dividido entre a saudade da pátria e a necessidade de sobreviver, escreveram com suor e lágrimas uma das páginas mais duras da história da imigração italiana no Brasil.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta




quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Cesare Petruzzio – Das Vinhas de Vittorio Veneto às Matas do Rio Grande do Sul


Cesare Petruzzio – Das Vinhas de Vittorio Veneto às Matas do Rio Grande do Sul


Nascido em 1860, em Manzana, um pequeno vilarejo encravado nas colinas do comune de Vittorio Veneto, no coração da província de Treviso, Cesare Petruzzio cresceu cercado pelo verde profundo dos vinhedos, que se estendiam como tapetes sobre o relevo ondulado da região. Cada parreiral parecia carregar não apenas uvas, mas também a memória de gerações de famílias que ali haviam trabalhado a terra com mãos calejadas e esperanças silenciosas. Era uma vida marcada pelo labor incessante, pelo ritmo das estações e pelo peso das tradições que moldavam cada escolha, cada gesto.

Filho de meeiros, Cesare aprendeu desde cedo que a terra, embora bela e fértil, também podia ser implacável. O trabalho na vinha, os invernos rigorosos e as promessas nunca cumpridas da unificação italiana deixavam marcas profundas na pele, no corpo e no espírito. As palavras sobre progresso e justiça, que chegavam em folhetos ou discursos pomposos, eram como nuvens passageiras: bonitas de longe, mas incapazes de aliviar a fome, a miséria e o cansaço que se acumulavam dia após dia.

À medida que crescia, Cesare sentia a esperança de um futuro melhor escapar-lhe entre os dedos, tão efêmera quanto o aroma das uvas maduras que enchiam o ar do vilarejo. As colinas do Vêneto pareciam silenciosas testemunhas de uma vida de sofrimento, onde cada família sustentava-se com esforço titânico, mas sempre à mercê do acaso e da injustiça. Mesmo assim, havia algo nos olhos de Cesare — uma inquietação silenciosa, uma chama que recusava-se a se apagar — que o tornava diferente daqueles que simplesmente aceitavam o destino. Ele começava a sonhar com horizontes que iam além das vinhas de Manzana, imaginando um mundo onde o trabalho árduo pudesse, enfim, ser recompensado.

Aos vinte e dois anos, Cesare começou a perceber que algo estava mudando em Manzana. Rumores viajavam de boca em boca, carregados pelo vento que descia das colinas e atravessava as ruas estreitas do vilarejo: falava-se de terras vastas e férteis, no outro lado do oceano, no Brasil, onde o solo era vermelho e abundante, onde a promessa de uma vida digna não se perdia entre decretos e promessas vazias. Diziam que o governo pagaria a passagem para quem quisesse tentar a sorte naquele Novo Mundo, que havia espaço para trabalhar, plantar e, finalmente, erguer uma casa própria sem depender de senhores de terras ou da generosidade de donos de vinhedos.

Cesare ouviu esses rumores nos campos, entre fileiras de uvas, e também nas conversas baixas das tabernas, onde homens envelhecidos falavam com os olhos cheios de nostalgia e desejo. Até os párocos começaram a encorajar a partida, dando bênçãos discretas aos que sonhavam em ir embora. Em suas pregações, a emigração era apresentada quase como um ato de coragem e dignidade, uma rebelião silenciosa contra um sistema que esmagava os pobres e reduzia famílias inteiras à submissão e à miséria. Alguns padres, de fato, partiam junto com suas comunidades, carregando livros de oração e esperanças renovadas, como se quisessem assegurar que ninguém seria deixado para trás na travessia.

Para Cesare, a ideia de emigrar provocava uma mistura de medo e fascínio. Partir significava abandonar tudo que conhecia: a casa de pedra da família, os vinhedos que haviam sustentado gerações, os amigos e os rituais que marcavam cada estação do ano. Mas também representava uma promessa de liberdade, de um espaço onde a vida pudesse ser moldada pelo próprio esforço, e não pelas regras rígidas de um sistema que parecia ter esquecido os que nasciam pobres. A decisão começava a crescer dentro dele, lenta e implacável, como as raízes das parreiras que ele aprendera a cultivar: silenciosa, mas impossível de arrancar.

Foi assim que Cesare, com os olhos ainda cheios de esperança e o coração apertado de saudade, embarcou na travessia do Atlântico acompanhado de seus pais, já envelhecidos, mas ainda vigorosos e determinados, e de seus irmãos e irmãs, cujas mãos jovens ainda brilhavam com o vigor da terra natal. Cada um carregava na bagagem sonhos, lembranças e o peso silencioso da partida, sabendo que jamais poderiam voltar da mesma forma que partiram.

O navio cortava as águas revoltas do mar, rangendo sob o peso de famílias inteiras, de barris de alimentos e de esperanças contidas em baús de madeira. As noites eram longas, escuras e agitadas pelo balanço constante das ondas, que pareciam sussurrar histórias de naufrágios e promessas quebradas. Cesare passava horas no convés, observando o horizonte infinito, tentando imaginar o novo mundo que se abria à sua frente, enquanto o cheiro de maresia e o murmúrio distante das estrelas lhe recordavam Manzana, suas colinas e os vinhedos que nunca mais veria.

A viagem era uma prova de resistência. Doenças, enjoo e o frio cortante das madrugadas no convés transformavam cada instante em um desafio, e ainda assim a família Petruzzio encontrava força na união e nos pequenos gestos de solidariedade com os outros imigrantes. Havia histórias contadas em sussurros, lágrimas silenciosas, risos nervosos e a constante esperança de que, do outro lado, a vida seria diferente — uma vida onde cada homem e cada mulher poderia finalmente decidir seu destino.

Após semanas que pareceram meses, o Atlântico enfim cedeu lugar às primeiras vistas de terra firme. Após o Rio de Janeiro, onde desembarcaram e apresentaram os documentos de viagem e depois foi a vez do Rio Grande do Sul se apresentar com seu solo vermelho, denso e fértil, cortado por rios e florestas que pareciam desafiar os recém-chegados. Silveira Martins, a colônia recém-fundada, aguardava Cesare e sua família com o mesmo misto de promessa e incerteza que tinha caracterizado toda a viagem. Cada árvore derrubada, cada pedacinho de terra conquistado da mata virgem seria um passo rumo a uma nova vida — e para Cesare, uma prova de que a coragem de deixar Manzana não fora em vão.

Lá, no coração da mata cerrada, onde a sombra das árvores se entrelaçava com o canto incessante dos pássaros e o rugido distante de rios turbulentos, começaria para Cesare uma verdadeira epopeia de resistência e esperança. Cada manhã trazia consigo o desafio da natureza indomável: chuvas torrenciais que transformavam o solo em lama escorregadia, dias de sol impiedoso que castigavam a pele e a energia, e insetos e animais desconhecidos que pareciam querer testar a coragem dos recém-chegados.

A cada árvore derrubada com machados pesados, a cada pedra removida da terra vermelha e densa, Cesare sentia crescer em si algo mais do que um lar; sentia erguer-se uma nova identidade, forjada no esforço, na coragem e na determinação. O suor misturava-se à terra, deixando marcas que não seriam apagadas, lembranças tangíveis de que cada passo dado, cada hectare conquistado, era uma declaração silenciosa de vida, de pertença, de resistência.

A vida na colônia não era apenas trabalho: era aprendizado constante, adaptação e descobertas. Cesare observava o ritmo das estações, a força do vento que soprava pela mata, o modo como a chuva escorria pelos troncos e riachos, e aprendia a respeitar a terra e a ouvir seus segredos. Havia noites em que, exausto, ele olhava para o céu estrelado e pensava na aldeia distante, em Manzana, nas vinhas que moldaram sua infância, percebendo que, embora tivesse deixado o Vêneto para trás, parte de sua alma continuava ali — mas agora se entrelaçava com a terra vermelha do Rio Grande, criando raízes novas, mais profundas e irrevogáveis.

Cada vitória, por menor que fosse — um canteiro limpo, um barraco erguido, a primeira colheita que despontava no solo conquistado — representava um passo na construção de um futuro que antes parecia impossível. E, no esforço coletivo dos imigrantes italianos, Cesare descobria que aquela terra estrangeira, dura e implacável, podia se tornar um lar não apenas de sobrevivência, mas de sonhos realizados, de memória preservada e de identidade reconstruída, tijolo por tijolo, árvore por árvore, gota de suor por gota de suor.

Essa é a história de um homem comum, Cesare Petruzzio, que, como milhares de seus conterrâneos, carregou no peito a saudade de uma terra distante e a esperança de um futuro ainda por escrever. Ele transformou a dor da partida — o adeus às vinhas de Manzana, às ruas estreitas de Vittorio Veneto, às famílias e amigos deixados para trás — em força, coragem e determinação para recomeçar em uma terra desconhecida.

Em Silveira Martins, cada pedra arrancada da mata, cada árvore derrubada, cada fileira de lavoura erguida com mãos calejadas contava a história de um povo que se recusava a sucumbir. Cesare aprendeu, dia após dia, que o trabalho árduo não era apenas um meio de sobrevivência, mas também uma forma de resistência silenciosa, uma maneira de reivindicar dignidade em um mundo que, tantas vezes, negava oportunidades aos humildes.

O passado de Vittorio Veneto nunca deixou de ecoar em sua memória — o perfume das uvas maduras, o som dos sinos da aldeia, a luz dourada que se espalhava pelas colinas ao fim de cada dia — mas essas lembranças não eram correntes que o aprisionavam; eram sementes que ele plantava em terras novas, fertilizando a identidade de uma vida reconstruída. Entre as roças vermelhas, os rios caudalosos e o horizonte infinito do Rio Grande do Sul, Cesare encontrou uma nova pátria, feita de suor, sonhos e comunidade.

E assim, a saga de um homem simples tornou-se um testemunho de coragem e persistência. Um relato de perdas irreparáveis, de batalhas diárias e de pequenas vitórias que, somadas, ergueram não apenas casas e plantações, mas uma nova história de esperança. Cesare Petruzzio não apenas sobreviveu — ele viveu plenamente, deixando um legado que atravessaria gerações, lembrando a todos que, mesmo diante do desconhecido e do impossível, o espírito humano é capaz de criar raízes e florescer, mesmo nas terras mais distantes e inesperadas.

Nota do Autor

A história de Cesare Petruzzio e de sua família é fruto da imaginação do autor, e todos os nomes citados foram criados para dar vida à narrativa. No entanto, a obra se baseia em fatos históricos reais, extraídos de cartas, registros e relatos de emigrantes italianos, cuidadosamente preservados em arquivos e museus do interior paulista. Essas cartas documentam a vida, os desafios e as esperanças daqueles que, no final do século XIX, deixaram suas terras natais no Vêneto em busca de um futuro melhor no Brasil.

Ao combinar pesquisa histórica com ficção literária, procurei recriar a atmosfera, os sentimentos e a coragem desses homens, mulheres e crianças que enfrentaram longas travessias, a dureza das matas e as dificuldades de uma terra desconhecida. A narrativa procura honrar a memória desses emigrantes, transformando suas experiências em uma história que, embora inventada em seus detalhes, reflete a verdade da coragem, da perseverança e do espírito de recomeço que marcou gerações de italianos no Brasil.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta



terça-feira, 16 de setembro de 2025

Difícil Viagem dos Pioneiros Italianos até a Colônia Silveira Martins


A Difícil Viagem dos Pioneiros Italianos até a 

Colônia Silveira Martins


Era o início do ano de 1877, o vapor Maranhão carregado com centenas de imigrantes italianos, tinha zarpado do porto do Rio de Janeiro, sulcava as águas do sul do Brasil, já no estuário do rio Guaíba, se dirigindo lentamente ao porto de Rio Grande, na cidade de mesmo nome. As centenas de passageiros ansiosos, muitos deles emocionados até as lágrimas, se aglomeravam nas amuradas do navio para acompanhar a operação de atracação. Eles compunham a primeira leva de imigrantes italianos que deveriam se estabelecer na Colônia Silveira Martins, em substituição aos imigrantes eslavos que depois de muitas adversidades resolveram abandonar definitivamente o local e depois soubesse que se estabeleceram no Paraná. Apesar de exaustos o moral de todo o grupo era elevado e cada um deles não via a hora de pisar na sua tão sonhada terra. Entre esses passageiros que estavam desembarcando estavam Francesco acompanhado da sua jovem esposa Mariana, ambos naturais de uma localidade de San Giorgio, no município de San Polo di Piave, província de Treviso. Mariana estava no início da sua primeira gestação. Tinham se casado quatro meses antes na igreja de San Giorgio Maggiore, em San Polo, uma antiga igreja do século II erguida sobre ruínas de aquedutos romanos.

O grupo de recem chegados foi levado ao alojamento provisório, não muito longe do porto, que nada mais era que grandes barracões de madeira grosseira, cobertos por folhas de zinco e chão de terra batido, sem muitas divisões internas, onde a privacidade era quase nula. Homens, mulheres, crianças, velhos procedentes de diversas províncias da Itália, se misturavam tentando cada um de conservar a dignidade.

Ficaram sabendo que deviam permanecer naquele lugar esperando pela ordem de prosseguir viagem emitidas pelas autoridades de imigração. Estes aguardavam que os funcionários demarcassem os lotes lá na colônia, mas este trabalho estava bastante atrasado, demorando devido as fortes chuvas que tornaram intransitáveis vastas áreas. A inquietação começava a tomar conta dos mais ansiosos sendo até motivo de algumas discussões entre eles.

Finalmente, depois de semanas de espera, em uma manhã, chegou a tão esperada ordem para o grupo prosseguir a viagem. As famílias foram encaminhadas ao porto e embarcados em pequenos navios fluviais a vapor que faziam o transporte até a cidade de Rio Pardo, já no coração da província do Rio Grande do Sul. Francesco e Mariana com cerca de trinta outros companheiros rapidamente subiram a bordo no vapor Guimarães, uma embarcação ainda relativamente nova, que rapidamente se afastou do cais, jogando um rastro de fumaça negra no céu.

Seguindo a viagem, passaram ao lado da cidade de Pelotas e adentraram na Lagoa dos Patos, uma vasta extensão de água, também chamada de rio Guaíba, formada pela confluência de vários rios que nele desembocavam na altura de Porto Alegre a capital da província. Nesse ponto após quase um dia de viagem faziam uma curta parada para descanso. No dia seguinte recomeçavam  seguindo correnteza acima pelo Rio Jacuí até a pequena cidade de Rio Pardo, fim de linha das embarcações mas para os imigrantes ainda faltava muito chão a percorrer.

De Rio Pardo os imigrantes destinados a Colônia Silveira Martins seguiam a pé ou em carroças puxadas por mulas, pela serra de São Martinho até a localidade de Val de Buia, situada a aproximadamente 30 Km de Santa Maria.

Esta primeira leva de imigrantes italianos destinados para a Colônia Silveira Martins coincidiu com a saída de um grande grupo de imigrantes eslavos que, depois de muitos insucessos, abandonaram a colônia e se dirigiram para Porto Alegre seguindo depois para o Paraná. Em Val de Buia os imigrantes italianos precisaram ficar mais tempo que o previsto devido atrasos na demarcação dos lotes e outros problemas que as autoridades brasileiras não conseguiram contornar. Nos meses de Maio e Junho do mesmo ano uma grande epidemia de tifo que dizimou cerca de 300 deles. Estavam reunidos ali em torno de 1500 imigrantes.

Quando a epidemia de tifo assolou imigrantes em Val de Buia, os dias tornaram-se um espetáculo macabro de angústia e resistência. As chuvas constantes transformavam o solo em um lodaçal pestilento e os abrigos improvisados, com suas paredes frágeis de madeira, não ofereciam refúgio contra o avanço da doença. A febre, persistente e cruel, derrubava jovens e idosos com a mesma impiedade.

Francesco e Mariana, recém-chegados, viram-se tragados por essa tempestade de sofrimento. Ele, ainda com os calos recentes do trabalho árduo, sentia o corpo arder e a mente cambalear, mas recusava-se a ceder. Mariana, com o ventre já levemente arredondado pela gravidez, dedicava suas forças a cuidar de outros doentes, mesmo quando o cansaço ameaçava dominá-la.

Certa manhã, quando o sol fraco tentava romper a névoa, Mariana encontrou uma criança abandonada em um dos barracões. A menina, que mal poderia ter completado cinco anos, estava envolta em um cobertor sujo e soluçava baixinho, chamando pela mãe que já havia sucumbido à febre dias antes. Sem hesitar, Mariana a acolheu, oferecendo-lhe o calor de seu próprio corpo e uma fatia de pão duro, enquanto prometia a si mesma que a salvaria.

Os dias se arrastavam, marcados por enterros improvisados em valas comuns e pelo odor amargo da doença que impregnava o ar. Mas, ao final daquele terrível outono, a epidemia começou a retroceder. A morte, saciada por centenas de vidas, finalmente deu uma trégua aos sobreviventes. Francesco e Mariana, enfraquecidos, mas de pé, juntaram o que restava de suas forças para recomeçar.

O terreno que lhes fora destinado era íngreme e coberto por uma vegetação espessa, mas eles o encararam como um campo de oportunidades. Francesco, com mãos firmes e uma determinação inabalável, abriu a terra com uma enxada, enquanto Mariana organizava a casa simples que ergueram com suas próprias mãos. O bebê nasceu em uma noite estrelada, como se a vida quisesse anunciar um novo capítulo em meio à escuridão que haviam enfrentado.

A pequena Antonella trouxe consigo uma luz que iluminou os dias mais sombrios. E a menina resgatada, que passou a chamar-se Rosa, cresceu ao lado de Antonella como uma irmã. Juntas, brincavam entre as plantações e corriam livres pelas colinas, seus risos um eco de esperança que se espalhava por toda a colônia.

Francesco e Mariana não se limitaram a construir apenas para si. Incentivaram a criação de uma escola e participaram ativamente da construção de uma capela, símbolos de que, mesmo em terra distante, poderiam recriar um lar.

Em uma manhã de primavera, muitos anos depois, Francesco e Mariana, já com os cabelos prateados pelo tempo, sentaram-se à sombra de uma figueira que plantaram no primeiro ano em sua nova terra. Ao longe, viram seus netos correndo pelos campos e ouviram os cânticos da missa dominical, que ressoavam como uma prova viva de tudo que haviam construído.

Nenhuma palavra foi trocada entre eles, mas o olhar que compartilharam dizia tudo. Eram sobreviventes, pioneiros e, acima de tudo, testemunhas de que até mesmo as adversidades mais esmagadoras podem ser vencidas com resiliência e amor. A figueira balançava suavemente ao vento, como se abençoasse aqueles que ainda caminhavam sob suas raízes profundas.


Nota do Autor

Este livro é uma obra de ficção inspirada em acontecimentos históricos reais que marcaram profundamente a trajetória de milhares de imigrantes italianos no Brasil, especialmente aqueles que desbravaram as terras do Rio Grande do Sul no final do século XIX. Embora muitos dos eventos e cenários descritos sejam baseados em registros históricos, os personagens, suas histórias e detalhes de suas vidas são fruto da imaginação do autor.

Meu objetivo foi lançar luz sobre as lutas e os sacrifícios desses pioneiros, que deixaram tudo para trás em busca de uma vida melhor em um continente desconhecido. Através da jornada de Francesco e Mariana, espero transmitir o espírito de resiliência e determinação que caracteriza a experiência de tantos imigrantes. Os desafios descritos, como as epidemias, as difíceis condições de viagem, o isolamento e a saudade, foram realidades enfrentadas por milhares de famílias. No entanto, o enredo e os protagonistas são fictícios, criados para oferecer ao leitor uma narrativa envolvente e emocionalmente rica, sem perder de vista a veracidade do contexto histórico. Escrever este livro foi também uma homenagem à herança cultural deixada por esses imigrantes, cujas contribuições moldaram significativamente a sociedade brasileira, especialmente nas regiões sulinas. Se, ao final desta leitura, você se sentir mais próximo dessas histórias, mais sensível à coragem e ao sacrifício daqueles que vieram antes de nós, então meu objetivo terá sido alcançado.

Agradeço a todos os leitores que embarcarem nesta viagem por um passado repleto de desafios, esperanças e realizações. Que esta história seja uma ponte entre o presente e o passado, um convite à reflexão sobre os valores humanos que nos conectam.

Com gratidão,

Dr. Piazzetta



quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Os Imigrantes Italianos na Colônia Silveira Martins

Monumento aos Imigrantes em Val del Buia (Foto Studio La Piazzetta)


O quarto núcleo de imigrantes italianos assentados no estado do Rio Grande do Sul, foi no centro do estado, próximo a cidade de Santa Maria. Esta nova colônia italiana, que levou o nome de Silveira Martins, ficou mais conhecida como a 4ª Colônia Imperial, devido a ordem cronológica de sua fundação, pois ela  se seguiu as outras três primeiras: Caxias, Conde D'Eu e Dona Isabel na Serra Gaúcha. 

Iniciada a colonização de Silveira Martins no início de 1877, à ela foi encaminhada um grupo de 100 famílias de imigrantes italianos, em um total de 1.600 pessoas que, saindo de Porto Alegre, a bordo de pequenos barcos a vapor, subiram o Rio Jacuí e desembarcaram em Rio Pardo. Desta pequena vila fizeram o restante do percurso a pé e em carretas puxadas por bois, caminhando durante 15 dias para então chegarem perto do destino, no Barracão de Imigrantes, no Vale de Buia, na Serra de São Martinho a 22 km do Município de Santa Maria e a 285 Km da capital do estado de onde iniciaram a viagem. Os primeiros emigrantes foram alojados no barracão, localizado na base da encosta do planalto. Este lugar foi denominado de Val de Buia devido a predominância de italianos provenientes de Buia, província de Udine, Itália. Neste local, uns dormiam no barracão outros em barracas feitas de lençóis ou ramos de árvores, esperando pela distribuição dos seus lotes.

A Colônia estava dividida em 716 lotes de terra com 22 hectares cada. Inicialmente a colônia foi nomeada de “Colônia de Santa Maria da Boca do Monte” e em 21 de setembro de 1878 teve seu nome alterado para “Colônia Silveira Martins”, em homenagem a Gaspar Silveira Martins, Ministro da Fazenda naquele ano.

Dela faziam parte, segundo o antigo vice-cônsul em Santa Maria, as seguintes famílias: Prospero Pippi, Pedro Salla, Francisco Mezzomo, Domingos Panis, Antônio Fantineli, Domingos e Guerrino Rech, Pedro e Guerrino Lucca, Valentim Zambonato, David Monaco, Matteo Borrin e vários ramos de família Dotta, compreendendo cerca de 40 pessoas. Esse grupo era capitaneado por Lorenzo Biassus e Giovanni Frota. Esses primeiros imigrantes italianos vieram à colônia de Silveira Martins para “fazer a América” desenvolvendo a agricultura e o comércio. 

A maioria deles era formada por pequenos agricultores, arrendatários e trabalhadores braçais diaristas que trabalhavam para vários patrões na Itália, os quais vieram ao Brasil para comprar e trabalhar no seu próprio lote de terra. 

Os imigrantes italianos, que se dirigiram ao Rio Grande do Sul, em sua maioria, almejavam abandonar seus patrões na Itália para se tornarem autônomos no Brasil, passando da condição de servos de patrões e da família para a condição de senhores de seu destino. Os imigrantes italianos eram mais apegados à família e a seu lote de terra do que a Itália ou ao Brasil, não se envolvendo diretamente com questões políticas da Colônia e da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. 

Quem se ocupasse de questões políticas ou públicas não era bem-visto pelos imigrantes, assim como quem estudasse, pois consideravam que as atividades políticas e educacionais afastavam as pessoas do trabalho. Quem trabalhasse com a terra era considerado honesto e digno de respeito, ao contrário, quem estudasse, fosse político ou trabalhasse no comércio era considerado preguiçoso ou desonesto. As únicas atividades públicas aceitas e valorizadas, desde que realizadas apenas nos finais de semana, eram as orações e o trabalho comunitário dedicado à manutenção da capela, do salão de festas e do cemitério. 

A fundação e o loteamento da Colônia foram idealizados e organizados pelo Estado do Rio Grande do Sul, o qual administrou a logística dos imigrantes fornecendo ferramentas aos mesmos para abrirem estradas, derrubarem a mata e construírem os primeiros barracões de madeira, porém, no início, a política local, a organização social e a educação dos imigrantes e seus filhos foram levadas a cabo pela Igreja Católica através dos institutos religiosos das Irmãs do Imaculado Coração de Maria que fundaram a Escola Nossa Senhora de Lourdes em 25 de julho de 1882 na localidade de Vale Vêneto e pelos Padres e Irmãos Palotinos que chegaram em 29 de julho de 1886 na mesma localidade. 

A falta de interesse dos imigrantes pela política local e de representantes dos próprios imigrantes, impediu que a Colônia obtivesse autonomia econômica e política logo no início da colonização. Os imigrantes italianos se identificavam mais com a Igreja Católica do que com a Itália ou o Brasil, porque na Itália, quando saíram, ainda não havia o sentimento de italianidade e no Brasil ainda não haviam se integrado aos nacionais. Eles eram católicos antes de serem italianos – dado que a Itália ainda era um Estado-Nação criado há pouco tempo e se identificava com o liberalismo e o anticlericalismo. Para esses camponeses, a Igreja era a instituição que normatizava as suas vidas, tanto no plano social quanto individual. 

A emigração italiana para o Rio Grande do Sul teve como característica principal ser familiar  e composta por até 3 gerações, pois emigravam com toda a família formada por avós, pais, filhos, netos, tios, sobrinhos e primos e com outras famílias da mesmo comune de origem. Como os imigrantes não estavam mais na Itália, e ainda não se identificavam como brasileiros, desenvolveram uma comunidade baseada na família, na Sociedade da Capela, no trabalho rural e na religiosidade católica. Assim, os imigrantes italianos vieram com toda a família para os estados do Sul do Brasil e se instalaram em pequenas propriedades rurais, onde desenvolveram uma agricultura familiar de subsistência.

A grande maioria dos imigrantes italianos, que vieram do Norte da Itália para o Rio Grande do Sul, a partir de 1875, era formada por agricultores, dos quais, noventa e cinco por cento deles foram trabalhar nos lotes de terra coloniais. A característica essencial da imigração  italiana no sul do Brasil foi seu destino profissional praticamente unívoco, embora não faltassem indivíduos que, não tendo direito à terra, exerciam atividades artesanais, 95% deles se dedicavam à agricultura. 

A política local da Colônia de Silveira Martins era dirigida pela Igreja Católica e pela Maçonaria, os quais disputavam o controle político e econômico sobre os imigrantes italianos, a produção agrícola e o comércio local. No entanto, os imigrantes faziam política de modo indireto: quando o Estado e a Igreja queriam impor suas condições aos colonos, os mesmos reagiam com lutas e resistências às decisões impostas pelas autoridades locais que atingiam diretamente o destino de suas vidas em seus lotes rurais e Sociedades da Capela. 

Na Colônia de Silveira Martins a maioria dos imigrantes era de pequenos agricultores católicos, e as lideranças locais eram constituídas por comerciantes e industriais, sendo que muitos deles também eram maçons. Por isso também haviam rivalidades entre os católicos e os carbonários adeptos de Garibaldi: os católicos ultramontanos eram favoráveis à soberania do Papa sobre os poderes políticos e religiosos e os carbonários eram partidários da unificação da Itália. Os imigrantes italianos não formavam um grupo coeso, pois haviam três grupos politicamente antagônicos: os “austríacos” que defendiam o domínio da Áustria sobre a Itália; os “carbonários” que defendiam a unificação do país e os “católicos” que desejavam a manutenção do domínio papal sobre os Estados Romanos. A Carbonaria surgiu em Nápoles, fundada por Joaquim Murat (1767-1815), que, mesmo sendo cunhado de Napoleão Bonaparte, lutava contra a espoliação francesa sobre o território italiano. As reuniões entre seus membros se davam em cabanas de carvoeiros daí a origem do nome, e os carbonari utilizavam uma escrita codificada para se corresponder entre si. Seus quadros saíam das camadas burguesas da sociedade, sendo universitários e intelectuais (a chamada inteligência), cuja direção de combate se aproximava daquela da maçonaria, ou seja, opor-se à intolerância religiosa, ao absolutismo, defendendo os ideais liberais. O objetivo do movimento era claro, o de conquistar a unidade política da península italiana.O Movimento Ultramontano surgiu na primeira metade do século XIX como uma resposta da Igreja Católica ao avanço das forças liberais e estavam dispostos à restaurar a ordem socio política tradicional. Frente ao liberalismo e ao iluminismo, a Cúria Romana tornou-se defensora da ordem, da hierarquia, do conservadorismo e do autoritarismo. 

A religião católica e as práticas de trabalho trazidas da Itália para o Brasil foram os principais valores que formaram a identidade e a cultura dos imigrantes italianos na Colônia de Silveira Martins, contudo, essas práticas não foram simples transposições de costumes da Itália para o Brasil, mas o surgimento de uma nova identidade local, influenciada pelo novo espaço geográfico e pelo decorrer do tempo.

Os imigrantes italianos da Colônia de Silveira Martins desenvolveram uma italianidade própria baseada na família, na propriedade da terra, no trabalho braçal e na religião católica que se diferenciou das práticas dos conterrâneos que permaneceram na Itália, pois seus costumes foram transformados pelos deslocamentos, pelo tempo e pela assimilação das práticas dos nacionais. Desse modo, os imigrantes italianos constituíram uma identidade ítalo-brasileira que, mesclada com a cultura de outros imigrantes e dos nacionais, consolidou novos usos e costumes no campo da cultura, do trabalho e da educação. A cultura de origem orienta o modo de vida das pessoas inseridas em uma nova sociedade, mas sua influência não é imune a transformações.

Para o imigrante italiano a posse da terra, mais do que uma emancipação econômica, significou o direito à liberdade individual e familiar, transformando o imigrante de empregado explorado na Itália em patrão livre no Brasil. O desejo de autonomia dos imigrantes pode ser percebido na compra de seus lotes, na construção de suas capelas e na reivindicação de sacerdotes, pois acreditavam que a religião também era necessária para o bom andamento do trabalho. O acesso à propriedade e ao trabalho permitiram que os imigrantes resistissem às determinações do Estado e da Igreja para defender seus interesses.

Portanto, da análise dos deslocamentos, da ocupação dos espaços e dos conflitos neles surgidos é possível concluir que na Colônia não existiu um único centro de poder, mas vários, pois todos os sujeitos históricos exerceram algum tipo de influência sobre as autoridades e os integrantes do grupo a que pertenciam. 

Com a chegada de novas levas de imigrantes a  colônia cresceu rapidamente, formando novos núcleos coloniais no seu entorno, entre os quais Vale Vêneto, Vale Veronese, Nova Palma, Norte, Nova Treviso e Dona Francisca, situados nos municípios de Santa Maria, Júlio de Castilhos e Cachoeira, além de Arroio Grande, na baixada, à margem da Estrada de Ferro. 






segunda-feira, 23 de junho de 2025

La Saga de Francesco e Mariana ´ntela Colònia Silveira Martins

 


La Saga de Francesco e Mariana ´ntela 

Colónia Silveira Martins


Zera el scomìnsio del ano 1877 quando el vapor Maranhão, pien de sòni e speranse, el taiava le aque del sud del Brasile. Transportando sentinaio de emigranti italiani, el navio gavea zà passà el sboco del fiume Guaíba e el se ga vissinà al porto de Rio Grande. Su le mura del vapor, i passegieri i se schisava par vardar la costa che la prometea 'n futuro novo. Fra de lori, Francesco e Mariana, 'na zòvane maridà de San Giorgio, ´ntel comune de San Polo di Piave, provìnsia de Treviso, i condividea sguardi de speransa e aprenssion. Mariana, con la man su la pansa che la costodiva el toso ancor non el ga nassesto, la se sforsava de tegner l’emossion. Maridà da solo quatro mesi prima, ´nte la cesa de San Giorgio Maggiore, le memòrie de la serimónia semplice, ma pien de significà, le zera ancora vive ´ntele so teste. El sbarco el zera 'n caos, pien de essitassion. El grupo de quei que ze rivà el zera portà in 'n alogio improvisà sui contorni del porto. I baracon de legno grosolano, coperti de foie de zinco, i dava poco conforto e ancor meno privassità. Òmeni, done e putèi, i ze vegnesti da tante provìnsie de l’Itàlia, i se sforsava de tegner la dignità tra el pian de tera dura e la mancansa de divisòri. Francesco, con la so postura robusta e riservà, el dava man a Mariana par sistemarse intanto che el vardava con disconfiansa l’ambiente che, anca se precàrio, el zera mèio de le caneve del Maranhão. I zorni ´nte i alogi i zera longhi, in atesa de le òrdine de le autorità par continuar el viaio. L’atessa la zera pesante, e le notìssie dei ritardi dovù a le piove le aumentava l’inquietudine fra i migranti. Se alsava ogni tanto de le discussion calde, ma i capi del grupo i le spegneva presto, esortando la pasiensa. Francesco, malgrado l’ánsia, el restava calmo par sostegner Mariana, che la ga scominsià a sentir i primi fastidi de la gravidessa. Quando i ze rivà l’ordine tanto aspetà, la contentessa ´nte l’alogiamento la se poteva quasi tocar. Francesco e Mariana lori i ze imbarcà su el vapor Guimarães insieme a ´na trentina di compagni, lassando drio el tumulto del porto e navigando su le aque de la Lagoa dos Patos. El viao fluvial el gavea portà 'n momento de pace. I paesaggi verdi dele rive e el brusio de l’aqua i gavea momenti de contemplassion e speransa. Quando i ze rivà a la sità de Rio Pardo, però, la realtà la ze tornà pesante. El transporto con careti a muli e la màrcia a piè su per la Serra de São Martinho la zera sfibrante. Mariana, anca straca, la mostrava 'na forsa incredìbile, mentre Francesco el gavea cura de i pochi ogeti del casal e el la sostegneva. La rivada a Val de Buia, ´nte la Colônia Silveira Martins, la ze stà 'na tapa importante, ma no gavea portà el solievo sperà. La tera promessa gera ancora pien de sfide. I loti no i zera segnà, e i emigranti i gavea da improvisar ripari mentre i spetava la definission de le tere. I mesi i zera pien de dificoltà sempre pì dure, testando coraio e la resiliensa de ogni famèia. 'Na epidemia de tifo la ze scopià con forsa devastante, spandendose presto ´ntei alogi e ´ntei campamenti lungo le strete strade. L’umidità e la mancansa de igiene le gavea rendesto el posto fèrtile par la malatia, che la portava via vite ogni dì. Pì de 300 emigranti i gavea perso la batàlia contro el tifo, ridusendo el grupo de 1.600 persone a 'na scena de dolor e disperassion. Francesco e Mariana, consapevoli dei rischi, i afrontava la minàssia con determinassion. Mariana, ormai visibilmente inssinta, la zera proteta con tuto el possìbile da Francesco, che el laorava sensa fermarse par garantire a ela sibo e riposo, no obstante le dificoltà. El gavea improvisà 'n riparo pi ventilà, lontan da le zone con pì malati, e el se dava da far par bolir l’aqua che beveva, anca se questo voleva dir consumar quela poca legna seca disponìbile. I do zòvane i ga trovà conforto ´nte la solidarietà del grupo de emigranti, che, anca in meso a la tragèdia, i se sosteniva un con l’altro. Le famèie i dividea quel poco che gavea, i curava i malati e i sepeliva i morti con dignità. Ogni gesto de aiuto, anca el pì pìcolo, el dava forsa par sperar zorni miliori. La comunità, anca se dèbole, la mostrava 'na forsa nata dal condivìder del sufrimiento e de la speransa de un futuro construito insieme. Par Francesco e Mariana, ogni dì superà el zera 'na vitòria, no solo contro la malatia, ma anca contro el sconforto che minassiava de rubar la forsa del cuor. Malgrado la devastassion atorno, lori i se rifiutava de molar, tegnendo fede che el so toso el saria nassesto in 'na tera ndove le dificoltà de incòi le sarìa cambià par le promesse de doman. Quando finalmente lori i ga ricevesto el so lote de tera, Francesco e Mariana ga sentì na mescola de alìvio e responsabilità pesar sora i so ombri. La tera, un toco de bosco denso e selvàdego, pareva tanto ostil quanto promissor. Le àlberi alte blocava la luse del sol, e el tereno iregolar, coerto de radise, gavea da èsser domà prima che qualchesìa semen possa germinar. E anca così, par la copa, quel peseto de tera rapresentava el prinsìpio de un sónio che i gavea sustenù par tuto el calvàrio del so viaio. Con strumenti sémplici e na forsa de volontà granda, i ga scominsià el laoro monumental de trasformar el bosco vèrgine in na casa. Francesco tegnia ben saldo el manaron, ogni colpo che rissuonava ´ntel cuor de la foresta, mentre Mariana, benché in stato de gravidessa, racolieva i rami e netava el tereno con movimenti delicà. El laoor el zera stracante e pareva che no finìsse mai, ma ogni àlbore taià e ogni solco fato ´na conquista che anunciava el prinsìpio de ´na vita nova. La comunità taliana ´nte la Colonia Silveira Martins la zera indafarà. I vessin sparsi sui loti, formea ´na rete de aiuto indispensàbile. Zera comune che i grupi se trovasse par aiutarse ´ntei laor pì dure, come costruir case o preparar le radure. La resiliensa e el spìrito de colaborassion dei migranti gavea scominsià a portar i sui fruti. Picole piantassion scominciava a aparìr chi e là, le prime bèstie le zera zà alevà, e la vita, benché dura, gavea un ritmo de speransa. Par Francesco e Mariana, l'isolamento el zera un nemico silensioso. La nostalgia de l'Itàlia, dei paesagi fameiari e dei cari che lori i gavea làssà indrio, sovente vegniva fora ´ntei discorsi de la sera, a la luse tremolante de na candea. Ma ogni matina la portava la promessa de un doman megliore. Pian pianin, la tera la ga diventà pì de un peseto de bosco. Zera el teatro de ´na stòria de superassion e perseveransa. Ogni zorno che passava, Francesco e Mariana piantava no solo semense ´nte la tera, ma anca le radise de ´na vita nova, ndove i fruti saria racolti da generassion che ancora gavea da vegnir.


Nota del Autor


Sta òpera la ze un omenaio ai emigranti italiani che, a la fin del sècolo XIX, ga traversà el Atlàntico in serca de nove oportunità ´nte le tere del Brasile. Inspirà su fati stòrici, el raconto de Francesco e Mariana reflete la traietòria de mile de famèie che ga afrontà l'inconossiù, mosse da sóni de prosperità e na determinassion indomàbile. I eventi qua scritti, da la traverssia durìsima sul vapor Maranhão fin a la lota par la sopravivensa ´nte la Serra de São Martinho, evidénsia no solo la forsa e el sacrifìssio de sti pionieri, ma anca i alti custi umani de sta aventura. Ntei fati pì tràgiche e impatanti de sto periodo el ze stà l'epidemia de tifo che la ga devastà la Colonia Silveira Martins tra magio e zugno del 1877, siapando la vita de pì de 300 emigranti italiani, su un total inisial de sirca 1.600 persone. Sta pèrdita devastante la ze un ricordo de la resiliensa de le comunità che, anca davanti a tanta pena, i ga ricostruì le so vite, onorando chi che lel ze partì. El lassà de sti emigranti va oltre le dificultà afrontà—el ze tessù ´ntei valori trasmessi a le generassion sussessive e ´nte la rica contribussion culturae che ga lassà su sta tera brasilian. Che sta òpera fitìssia, ma basà su fati stòrici contà dai pionieri stessi e documentà lungo la stòria, ispire na riflession su la bravura de sti òmeni e done e che rinforse l'importansa de preservar le so stòrie, no solo come memòria, ma come pilastri de identità e umanità.

Con rispeto e amirassion,

Dr. Piazzetta