A Investigação Agrária de Jacini no Vêneto do século XIX
No decorrer do século XIX, ainda no período liberal, entre os anos de 1845 e 1877, o parlamento do Reino da Itália determinou a realização de uma investigação de grande alcance destinada a examinar de forma minuciosa a situação real da classe agrícola italiana.
Esse vasto inquérito passou a ser conhecido como Inquérito Jacini, em referência ao senador Stefano Jacini, que foi escolhido para presidir a comissão executiva responsável pelos trabalhos. Essa comissão era formada por doze integrantes, sendo quatro indicados pelo governo, quatro pela Câmara e outros quatro pelo Senado.
A primeira sessão ocorreu em 30 de abril de 1877, ocasião em que Jacini, além de senador, também presidente do Conselho de Agricultura do Reino, foi oficialmente eleito presidente da investigação.
Trata-se do primeiro levantamento estatístico de âmbito nacional voltado para a agricultura, abrangendo não apenas a produção, mas também a distribuição da terra e os tipos de cultivo existentes no território do Reino da Itália.
Durante todo o século XIX, a agricultura permaneceu praticamente como a única fonte de sustento da maioria dos municípios do Vêneto. Outras formas de produção com expressão econômica quase não existiam, à exceção da sericultura (criação do bicho-da-seda), que obteve algum êxito por um período limitado e apenas em certas localidades específicas da região.
No que se refere ao panorama agrícola do Vêneto, as informações históricas são escassas, razão pela qual o relatório Jacini constitui o documento mais completo e confiável de que se dispõe.
As condições dos agricultores no Vêneto
Salvo raras exceções em alguns poucos municípios, em quase todos os demais repetiam-se os mesmos relatos: queixas constantes, lamentos idênticos e uma realidade marcada pela penúria. Isso se tornava ainda mais evidente nas áreas de montanha, onde a produção agrícola não ia além da subsistência.
Os depoimentos fornecidos por grande número de prefeitos, em resposta ao questionário enviado pela investigação agrária, revelam com clareza a precariedade da vida rural no Vêneto. Essa situação atingia indistintamente pequenos proprietários de terra, arrendatários, meeiros, trabalhadores pagos por diária e até mesmo os artesãos locais, que, diante da escassez de emprego e da alta dos preços, já não conseguiam garantir sua sobrevivência. Todos, sem distinção, encontravam-se reduzidos à mesma condição de miséria, como indigentes abandonados à própria sorte.
A habitação, por sua vez, era considerada reflexo direto da vida social e econômica de cada família, servindo como verdadeiro espelho da condição material de toda uma comunidade.
Para compreender melhor essa realidade, os responsáveis pela investigação formularam diversas perguntas destinadas aos prefeitos de cada município. A participação foi bastante ampla, com forte adesão, e a maioria respondeu às solicitações feitas pela comissão.
Na província de Belluno, apenas dois municípios — Chies d’Apago e Sedico — declararam possuir casas em razoável estado de conservação.
Em todos os demais, inclusive nas sedes municipais, os relatórios descrevem uma situação crítica: moradias apontadas como péssimas, deploráveis, miseráveis, segundo as palavras utilizadas pelos próprios sindaci.
Tratava-se de casas estreitas, frágeis, mal arejadas, mal construídas, sem piso, muitas vezes cobertas de palha, onde se amontoava grande número de moradores. Frequentemente, eram habitações úmidas, baixas, escuras e com montes de esterco acumulados ao redor.
Quando questionados se as moradias eram salubres, muitos prefeitos responderam negativamente, afirmando tratar-se de cabanas insalubres, a ponto de que alguns homens solteiros preferiam dormir no celeiro a residir nelas.
Essas casas em condições tão precárias eram habitadas, em sua maioria, pelos próprios donos. Casos de locatários eram muito raros: apenas excepcionalmente alguém pagava um aluguel de cerca de 5 liras anuais, ou pouco mais, por cada quarto que compunha a residência.
Contudo, o simples fato de ser “proprietário” dificilmente se traduzia em algum tipo de conforto ou em segurança patrimonial. Como escreveu o sindaco de Valle di Cadore, “a miséria impede a conservação das casas, que correm o risco de desabar”.
Ocorreu, em algumas situações, de certas prefeituras prestarem auxílio a esses desvalidos; porém, os consertos costumavam se arrastar por longo tempo, em virtude da escassez quase absoluta de recursos nas administrações locais.
A pobreza observada no Friuli não diferia muito da registrada no Vêneto, embora nessa região houvesse um número maior de localidades onde as casas se encontravam em condições relativamente aceitáveis.
Na província de Treviso, entretanto, os problemas apontados pela investigação eram quase uniformes. Em Breda di Piave, os prefeitos descreveram as moradias como infectadas, mais próximas de antros do que de habitações humanas; em Povegliano, compararam-nas a tocas de animais ou a algo ainda pior; já em Zero Branco, os relatos falavam da disseminação da pelagra e de furtos constantes.
Em Istrana, as casas eram tão antigas que se fazia necessária uma reconstrução completa. Em certas vilas de Conegliano, famílias inteiras viviam amontoadas “como sardinhas em lata”, situação semelhante à de Pieve di Soligo, onde a recomendação também era demolir e reconstruir.
Em Moriago, a descrição era de residências em estado lastimável, com inquilinos que sequer conseguiam pagar aluguel. Em San Pietro di Barbozza, registrou-se a ausência de varandas e janelas; em Cavaso e Volpago, falava-se de moradias arruinadas e abandonadas. A situação em Oderzo também era crítica, com raras exceções; já em Chiarano, além das casas precárias, havia o agravante de propriedades avançando sobre o espaço público das estradas.
Nas demais províncias venetas, as respostas dos prefeitos mantinham o mesmo padrão, confirmando um quadro generalizado de miséria e degradação das habitações rurais.
De cada dez casas examinadas, em nove não se encontrava uma moradia digna desse nome: faltava sol, faltava proteção contra o frio rigoroso do inverno e contra a umidade vinda do solo, faltava espaço suficiente para a família em crescimento e até mesmo condições mínimas de ventilação.
Mesmo quando não estavam prestes a ruir — ou quando não eram piores que simples palheiros — continuavam expostas ao calor excessivo do verão e às geadas do inverno, quase sempre sem piso, com a terra nua servindo de chão e janelas incapazes de oferecer ventilação adequada.
Na maioria das vezes, os moradores se acotovelavam nesses cubículos sombrios, homens e mulheres, crianças e adultos, dividindo os mesmos espaços insalubres. Eram, em essência, moradias indignas, antros de doença e desconforto.
Em todas as províncias do Vêneto, a realidade era praticamente a mesma: miséria generalizada, somada à incapacidade financeira das administrações locais para auxiliar as famílias que necessitavam de reparos urgentes em suas casas.
O prefeito de Cirignago, município da província de Veneza, relatou em seu parecer:
“Pergunto-me muitas vezes por que os estudiosos da pelagra não levam em conta essa causa tão evidente de insalubridade. Talvez não baste, por si só, para explicar a enorme difusão dessa doença no Vêneto; mas, somada a outros fatores, exerce um poder devastador. Essas paredes, feitas de entulhos e fragmentos, que só permanecem de pé por um equilíbrio quase milagroso, não pelo reboco gasto ou pela argila rachada, incapazes de proteger contra o tempo ou contra ladrões, são uma defesa miserável contra febres e enfermidades de todo tipo, que ameaçam os corpos fatigados dos camponeses”.
O relatório observava ainda que as mulheres pouco se ocupavam da manutenção das casas. Frequentemente eram acusadas de descuido e de falta de higiene, mas a própria investigação levantava a questão: como manter limpo o que já nasce condenado, como conservar em ordem ruínas?
Segundo os investigadores, a razão estava no próprio trabalho agrícola, que impedia as mulheres de permanecer em casa. Os teares haviam se tornado escassos, e a migração temporária dos homens para regiões montanhosas obrigava muitas delas a buscar ocupações nos campos. Nas planícies, eram empregadas em quase todas as tarefas, exceto as mais pesadas: desde a capina e o preparo do trigo-miúdo, até o trabalho com arroz ou tabaco. Além disso, o desejo crescente de obter algum dinheiro próprio — fosse para se enfeitar um pouco, fosse para imitar o estilo masculino no modo de vestir — fazia com que se afastassem com mais frequência do lar, deixando em segundo plano os cuidados domésticos.
O documento prosseguia reunindo os depoimentos dos prefeitos, abrangendo desde pequenos municípios do Friuli e de Bolzano até localidades da planície padana, e trazia também recomendações para que o governo central adotasse medidas eficazes diante do grave problema habitacional.
Quanto à questão dos salários rurais, os prefeitos apontavam inúmeras dificuldades. Propunham a revisão dos contratos vigentes e dos valores pagos, questionando se deveria haver remuneração diferenciada para jovens, mulheres e trabalhadores ocasionais. Observavam ainda que a introdução das máquinas agrícolas podia estar contribuindo para a redução dos estipêndios.
Ficava evidente, nas respostas, que uma intervenção mais firme do Estado seria necessária. Alguns prefeitos defendiam a criação de linhas de crédito hipotecário, com juros baixos e prazos longos; outros solicitavam maior fiscalização do governo e apoio direto às comissões municipais; havia também aqueles que pediam a elaboração de leis obrigando os proprietários a adaptar suas casas às condições mínimas de habitabilidade.
No relatório final, o investigador resumiu:
“Se a investigação agrária pretende gerar efeitos concretos aqui no Vêneto, é preciso, antes de tudo, voltar os maiores cuidados às casas dos camponeses mais pobres. Oferecer educação, sem ao mesmo tempo garantir um teto — ainda que modesto, mas minimamente salubre e habitável — é uma farsa e um absurdo. Construir sedes confortáveis para os conselhos municipais (e já vi algumas até elegantes), e deixar de pé os casebres de que falei, parece-me uma contradição que não sei como descrever”.
Na sequência, o relatório trazia uma análise detalhada dos salários pagos aos diaristas, ressaltando que os valores variavam muito de uma província para outra, e até mesmo entre os municípios de uma mesma província. De modo geral, porém, eram insuficientes para atender às necessidades básicas das famílias.
Além disso, o estudo examinava o aspecto moral e social da vida rural em todas as sete províncias venetas. Tratava também da criminalidade, sobretudo furtos, e das medidas empregadas para reprimi-los.
Os dados mostravam que as lesões e agressões físicas eram incomuns, surgindo em geral de discussões motivadas pelo excesso de vinho. Casos passionais apareciam de forma esporádica, enquanto crimes ligados a rivalidades ou disputas eram ainda mais raros.
Entre 1866 e 1877, a média de assassinatos no Vêneto foi de 16 por milhão de habitantes. Para efeito de comparação, na Ligúria esse índice chegava a 25, e no Lazio era muito mais elevado: 135 casos registrados entre 1872 e 1877.
O relatório encerrava-se com descrições minuciosas das condições em cada província do Vêneto, reforçando os testemunhos dos prefeitos locais e oferecendo uma visão abrangente da realidade rural da região.
Nota Explicativa sobre A Investigação Agrária de Jacini
A chamada Investigação Agrária Jacini não é uma criação literária, mas um episódio real da história italiana do século XIX. Em 1877, o parlamento do recém-unificado Reino da Itália instituiu uma comissão nacional para estudar de forma ampla e detalhada as condições da agricultura e da vida rural no país. Essa investigação, concluída em 1885, foi a primeira grande pesquisa estatística e social do Estado italiano e marcou profundamente a compreensão das desigualdades regionais da época.
O senador Stefano Jacini (1826–1891), político e economista lombardo, foi nomeado presidente da comissão que reuniu 12 membros designados pelo governo, pela Câmara e pelo Senado. O trabalho consistiu em questionários enviados a prefeitos, visitas locais e coleta sistemática de informações sobre habitação, salários, contratos de trabalho, formas de propriedade e produção agrícola em todas as regiões.
No Vêneto, a investigação revelou um quadro alarmante de miséria e precariedade, sobretudo nas zonas montanhosas e rurais. As casas dos camponeses, frequentemente descritas como insalubres, úmidas e mal ventiladas, simbolizavam a penúria da população. O relatório destacou também os salários insuficientes, a disseminação de doenças como a pelagra e a ausência de alternativas econômicas além da agricultura de subsistência e, em alguns locais, da criação do bicho-da-seda.
As conclusões da Investigação Jacini tiveram enorme repercussão política e social. Elas alimentaram o debate sobre a “questão meridional” e a pobreza rural, serviram de base para propostas de reforma agrária e ajudaram a explicar as razões estruturais que impulsionaram a grande emigração italiana para as Américas, entre o final do século XIX e início do XX.
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