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quinta-feira, 10 de agosto de 2023

De Rovigo a Província de São Paulo: A História de uma Família de Emigrantes Italianos - parte 3





A Vida em Mogi Mirim

Domenico finalmente acabou adquirindo seu tão sonhado lote de terra, a sua primeira propriedade na vida, uma chácara bem grande na periferia da cidade de Mogi Mirim. Tiveram muita sorte em encontrar aquele grande terreno, com uma ótima casa ainda nova encima. Na verdade, foi Giuseppina quem primeiro viu a oportunidade de negócio, fazendo amizade com a dona do imóvel, quando em uma de suas visitas semanais a cidade para negociar seus produtos. A velha senhora foi uma de suas primeiras freguesas e sempre comprava alguma coisa. Ficava tempo conversando com ela e daí nasceu uma amizade onde a velha senhora tinha uma afeição especial por Pina. Assim, ficou sabendo que ela era viúva de pouco tempo, seu marido, um comerciante, tinha morrido inesperadamente do coração, segundo o médico. Eles tinham somente um filho vivo no Brasil, um rapaz na casa de dezoito anos que sofria de paralisia cerebral, devido sequelas de traumatismo no parto. Tinham duas outras filhas, mais velhas e ambas casadas. Uma delas, Maria Augusta a primogênita, que também tinha vindo com eles para o Brasil, casou ainda bem nova com um conterrâneo da Calábria e depois de dois anos retornaram para a Itália para, pouco tempo depois, emigrarem novamente, desta vez para a França. Maria Augusta acompanhou o marido, depois deste ter recebido vários chamados de parentes que lá já estavam radicados. Amargurada disse que recebia poucas notícias dela e quase nada mais sabia dos netos. A outra filha, Chiara a segunda na ordem de nascimento, também veio pequena da Itália, se casou no Brasil com um jovem italiano de Verona, na região do Vêneto e logo retornaram para a Itália, passando a morar no município de Thiene, na província de Vicenza, onde seu marido tinha alguns parentes e encontrado um ótimo emprego em uma fábrica. Nenhuma das duas tinha mais interesse em retornar para o Brasil e ela sozinha, com o filho inválido, resolveu também voltar para a Itália, e ir viver com a filha Chiara. Esta era a razão dela estar vendendo a baixo preço a sua querida chácara. Na verdade, foi um negócio de ocasião que a perspicaz Pina soube aproveitar. As inúmeras viagens para negociar seus produtos, as conversas com as suas freguesas, deu à Pina a oportunidade de fazer aflorar um aguçado tino comercial. Os irmãos de Domenico, a mãe Luigia e o tio Giovanni Battista, com suas famílias também deixaram a fazenda e seguiram os mesmos passos, adquirindo lotes de terras na mesma cidade de Mogi que estava crescendo bastante. Somente o tio Francesco resolveu migrar para o Paraná, adquirindo um lote de terra na periferia de Curitiba, pois a sua mulher não suportava mais a vida difícil e de isolamento que levavam no interior de São Paulo. Com o tempo ele e os filhos progrediram bastante abrindo uma grande rede de restaurantes.
Domenico e Giuseppina começaram a plantar todo o tipo de hortaliças, auxiliados pelos filhos e pela mãe de Domenico que morava bem perto deles. Luigia, ainda era uma mulher bem forte para a sua idade, não refugava trabalho, auxiliando Pina na venda dos produtos. O irmão mais novo, muito esperto e hábil nas contas, conseguiu um emprego em um comércio local e estava indo muito bem, pois, apesar da idade já tinha o cargo de gerente e já estava pensando em se casar. Todos os nove filhos foram para escola municipal e as duas garotas mais velhas logo também começaram a trabalhar fora, como funcionárias de uma pequena fábrica.
Com o passar do tempo Domenico e Pina conseguiram fazer uma pequena fortuna e gradualmente foram colocando os nove filhos. Abriram uma casa de comércio em prédio próprio, no centro da cidade, onde se vendia de tudo. Nela trabalhavam todos os seus filhos, que se mostraram muito hábeis negociantes. Em anos posteriores, com o crescimento acelerado de Mogi e algumas cidades vizinhas, como Pirassununga, Piracicaba, Campinas, Rio Claro e Limeira, entre outras, Domenico e Pina expandiram os negócios abrindo novas filiais, sempre sob a gerência de um dos filhos. Agora  tinham em suas mãos um verdadeiro império, que englobava diversos ramos de atividades comerciais, desde lojas de departamentos até grandes supermercados, coisa inimaginável quando deixaram a decadente Itália.


Trecho do Conto "A História de uma Família de Emigrantes Italianos" de 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


quinta-feira, 27 de julho de 2023

De Rovigo a Província de São Paulo: A História de uma Família de Emigrantes Italianos - parte 2








A Vida na Fazenda 



Domenico era o segundo filho homem de uma família de dez irmãos que moravam na localidade de Rasa, província de Rovigo. Durante algum tempo, na sua juventude, trabalhou como empregado em uma grande plantação de arroz, justamente no local onde conheceu Giuseppina, a sua esposa. O namoro foi bastante rápido e logo resolveram se casar. O matrimônio foi realizado em Villa d’Adige, a pequena localidade onde a família de Pina morava há já várias gerações. Como o pai de Giuseppina havia falecido alguns meses após o casamento, o casal resolveu ficar morando na propriedade da família. Os cunhados eram ainda muito jovens e necessitavam de ajuda. Chegaram mesmo a pensar em se mudar para a cidade de Villa Bartolomea, na província vizinha de Verona, a convite de outros parentes que lá já estavam estabelecidos, mas, para não deixar a família da esposa desamparada, se fixaram na mesma vila onde Pina havia nascido. Era uma localidade muito afastada, pequena e atrasada, formada por poucas famílias, todas muito pobres, que viviam do trabalho nas plantações de arroz como diaristas. Domenico e Pina continuaram trabalhando nessas plantações de arroz da região onde, nos primeiros anos, não faltava serviço. Tiveram seus seis filhos naquela localidade, mas, não viam nenhuma possibilidade de progredir naquele local em que a pobreza só crescia. Devido aos impostos cobrados pelo novo governo, muitas fazendas fecharam e os proprietários emigraram para outros países. O desemprego começou a crescer, chegando a um ponto insuportável. As condições de vida do casal começaram a piorar após a morte do pai de Domenico, Giacomo Risottoni, que sempre os ajudava com o que podia, acometido por uma doença grave que consumiu os recursos de toda a família com médicos e remédios. Foi quando então resolveram emigrar para o Brasil seguindo o exemplo de milhares de outros italianos. Na ocasião, com Domenico também partiram, para o mesmo destino no Brasil, seus dois irmãos: Giuseppe, o mais velho deles, com a esposa Giulia e cinco filhos e o mais novo, que se chamava Antonio, ainda solteiro, acompanhado da mãe Luigia, então viúva com 57 anos. Entre os componentes do grupo de mais cinquenta pessoas também estavam vários primos e dois tios de Domenico, Giovanni Battista e o Francesco, acompanhados das suas esposas. 
Na fazenda Coquinhos, depois do impacto negativo da chegada, quando todos do grupo de imigrantes só pensavam em desistir de tudo e procurar um outro local para viverem, mas precisaram cair na realidade e se adaptar, tal qual dezenas de outros co-nacionais que ali também estavam trabalhando. A fazenda tinha aproximadamente quinhentos empregados, a quase maioria deles eram italianos. Toda aquela região da província de São Paulo, era rica em terras roxas, com relevo, altitude e clima bem definidos, favoráveis à cultura do café. Os colonos contratados recebiam um pagamento fixo pelo cultivo dos pés de café e um pagamento variável pela quantidade de frutos colhidos. Além disso, podiam criar pequenos animais e produzir alimentos para sustento da família na fazenda e vender o excedente. O pagamento de um ano era dividido entre os meses e distribuído no primeiro sábado de cada mês, tornando-o um dia de folga para compras e visitas. Ao chegarem ao Brasil, as famílias vindas da Itália eram relativamente jovens, em plena fase produtiva e reprodutiva, compostas em sua maioria só por casais ou por casal com filhos solteiros e pequenos. Ao contratar o colono, o fazendeiro contratava o trabalho de todos os elementos da família. Na cafeicultura paulista, o termo “colono” e “família colona” tem o mesmo significado. O número de pés de café sob a responsabilidade do colono era estipulado em contrato estabelecido com a fazenda e atribuído conforme o número de membros da família colona aptos ao trabalho. Os termos do contrato geralmente eram mais favoráveis ao fazendeiro, a quem, era permitido aplicar multas e demitir o empregado quando quisesse. A mentalidade dos fazendeiros paulistas era ainda aquela escravagista, em uso a mais de 200 anos e os colonos nem sempre conseguiam tolerar os maus tratos que sofriam. Muitas foram as reclamações enviadas de várias fazendas para o consulado italiano em São Paulo registrando crimes de agressão sofridos pelas famílias de imigrantes. As violências contra as mulheres italianas eram muito frequentes, pois os fazendeiros ainda não estavam acostumados a lidar com pessoas com direitos. Outros abusos eram adulterando pesos e medidas, subestimando a quantia realmente plantada ou colhida pelo trabalhador. Eles confiscavam produtos e, principalmente, usavam multas para limitar suas despesas. Até o motivo mais fútil era o suficiente para deduzir quantias consideráveis do caderno de contas do colono. As multas se tornam cada vez mais frequentes com a queda do preço interno do café. Devido à distância da fazenda até a cidade mais próxima, dependiam de produtos alimentícios que não podiam produzir como farinha, açúcar, sal e se abasteciam no armazém da própria fazenda que os explorava, cobrando  preços mais caros que na cidade. 
A jornada diária de trabalho dos empregados da Fazenda Coquinhos era muito dura, se estendia durante todo o ano do nascer do sol ao anoitecer, sempre sob a vigilância de fiscais de turma, que se reportavam diretamente ao administrador da propriedade. Acordavam às 5 da manhã e às 6h, com o tocar dos sinos da fazenda, partiam para mais um dia de trabalho no cafezal. Eles trabalhavam em média 12 horas por dia, podendo chegar a até 14 horas, não tinham registro em carteira, nem direito a férias ou outros benefícios. A estrutura familiar dos imigrantes se mantinha intocável como era na Itália, onde o pai era o chefe da família, com divisão das tarefas entre cada membro do clã, sendo que o serviço doméstico, o cuidado das crianças, idosos ou inválidos, era reservado para as mulheres da família. Ao pai cabia a palavra final na divisão das tarefas e nas decisões familiares. As mulheres quando grávidas, trabalhavam até a hora do parto, quando de carroça eram levadas para casa, muitas vezes ocorrendo o nascimento da criança no próprio veículo. Muitos bebês nasciam no meio do cafezal, sob a sombra de um cafeeiro e logo era enrolada em panos que a gestante havia reservado. Muitas fazendas tinham a sua capela, onde eram celebradas missas aos domingos, que os colonos podiam comparecer. Outras delas, como no caso onde Domenico e sua família foram parar, só recebia a visita mensal de um padre, que na ocasião fazia casamentos e batizados. O casamento era uma instituição obrigatória para a constituição das famílias dos imigrantes que se casavam muitas vezes somente no religioso e mais tarde faziam a cerimônia civil. A cidade mais próxima ficava a mais de três horas de caminhada e somente lá existia cartório para o devido registro do matrimônio. Através do batismo dos filhos se fortaleciam os laços de amizade entre as diversas famílias de imigrantes. Logo no primeiro ano de estadia na fazenda, Pina voltou a engravidar e deu à luz a um outro menino que Domenico deu o nome de Settimo, por ser o sétimo filho do casal. Por sorte Pina era muito forte e sadia sendo assistida pela sogra Luigia, que também era parteira. As condições sanitárias das casas dos empregados da Fazenda Coquinhos não eram boas. Frequentemente surgiam doenças graves que podiam invalidar um trabalhador e às vezes até matá-lo, como malária, varíola, febre amarela, tracoma e ancilostomose que também estavam presentes em quase todas as fazendas de café. Na fazenda só possuíam atendimento para casos simples de ferimentos e como a fazenda se localizava longe de centros urbanos, nos demais casos necessitavam se deslocar em carroça para obter atendimento médico. Esses eram caros e as visitas domiciliares quando necessárias eram caríssimas, e uma doença de curta duração podia desfazer os ganhos de meses ou mesmo de anos de trabalho. Domenico lembrava muito bem de quando o seu irmão mais novo Antonio, foi picado por uma cobra venenosa e ficou gravemente enfermo, necessitando sua remoção para uma cidade próxima, onde precisou ficar hospitalizado por alguns dias. A vida do rapaz corria sério perigo, inclusive de perder uma perna e o médico chamado para consultá-lo não tinha esperanças de salvá-lo na fazenda e resolveu pela hospitalização. As despesas médicas foram pagas pelo fazendeiro que emprestou o dinheiro para eles para ser devolvido no acerto mensal. Toda a família de Domenico precisou se cotizar para ajudar a pagar a dívida com o dono da fazenda. 
Já tinham se passado seis anos desde quando chegaram na fazenda e agora praticamente não deviam mais nada ao fazendeiro. A família de Domenico também havia crescido no Brasil com o nascimento de mais três filhos, sendo que agora eles eram dez ao todo. Como não havia escola na fazenda e nem próximo dela, era Giovanni Battista, o irmão mais velho de Domenico, que sabia ler e escrever, ainda que precariamente, que tentava suprir esta falta. 
Domenico e a família, algum tempo depois da chegada, percebendo as duras condições de trabalho na fazenda, a vida difícil que levavam e a falta de perspectivas para o futuro, chegaram à conclusão que a emigração não tinha trazido grandes vantagens para eles em termos de progresso: continuavam sob as ordens de um duro patrão, ainda permaneciam pobres e, sobretudo, depois desses anos passados ainda não tinham conseguido um dos principais objetivos que os tinha levado até o Brasil, que era obter a própria terra para cultivar. Durante os anos de trabalho na fazenda conseguiram fazer algumas economias, juntando o que ganhavam com o contrato de trabalho com o café e o que conseguiam obter vendendo o excedente dos produtos agrícolas que plantavam. Giuseppina, com as duas filhas mais velhas e a sogra Luigia eram muito espertas e negociantes, vendiam ovos, pães, doces e bolos que faziam. Uma vez por semana, quando o tempo permitia, iam de carroça até Mogi Mirim, a cidade mais próxima da fazenda, para vender o que produziam. O que produziam era de boa qualidade e chegaram a ter muitas freguesas fixas que faziam encomendas. A ideia de Domenico era adquirir uma pequena chácara na periferia dessa cidade usando as economias guardadas. Deixariam a fazenda assim que conseguissem o terreno que sonhavam. Ele e Pina pensavam muito na educação e no futuro dos filhos. A cidade estava crescendo rapidamente e poderiam conseguir algum emprego no comércio ou em uma pequena fábrica local e os filhos poderiam frequentar uma escola e mais tarde também trabalharem.

Continua 

Trecho do Conto "A História de uma Família de Emigrantes Italianos" de 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS





terça-feira, 30 de maio de 2023

De Rovigo a Província de São Paulo: A História de uma Família de Emigrantes Italianos



A Chegada

A longa e quase interminável viagem de navio a vapor, que durou mais de quatro semanas, do emigrante Domenico Risottoni e sua família, desde a província de Rovigo para a América do Sul, estava prestes para chegar ao fim. Muito cedo da manhã, com a luz do dia ainda fraca, desde o alto do tombadilho da velha e lenta embarcação, já se podia reconhecer ao longe o contorno mais escuro da costa brasileira, com as características montanhas que circundavam o porto do Rio de Janeiro. Quando se aproximaram do cais, uma dessas grandes pedras chamou muito a atenção de todos: era uma montanha, não muito alta, de forma arredondada, que se sobressaia pela sua inusual forma, no meio de tantas outras de diversas alturas. A exuberante vegetação tropical reinante na região e as longas praias com suas belas curvas e areia muito branca, logo cativaram a todos os passageiros, quase todos eles provenientes da região italiana do Vêneto, no nordeste da península. Quando desembarcaram, o encontro com algumas pessoas de pele escura, também foi uma grande novidade, fato muito comentado entre eles. Sabiam que ainda não era o fim da longa jornada. Depois de três dias abrigados na Hospedaria dos Imigrantes, chegava a hora de prosseguir. Os imigrantes que tinham como destino o Porto de Santos, foram todos embarcados em outro navio, de menor calado, que só fazia viagens ao longo da costa. Não era um trajeto muito longo, e depois de dois dias desembarcaram na cidade de Santos, com mais oito famílias, em um total de 52 pessoas, todos eles da mesma província. Ainda de madrugada se dirigiram à estação ferroviária, embarcando em direção à cidade de Campinas, no interior da Província de São Paulo, onde estava programada a troca de trem. Desde a chegada ao porto até ali, tudo o que eles puderam ver e sentir muito os agradou, especialmente o clima e a pujança daquela rica região. Ao chegarem a estação de Campinas, foram recebidos por dois empregados da fazenda que os tinha contratado, um dos quais falava perfeitamente a língua vêneta e com ajuda deles, após passado o meio-dia partiram novamente em outro trem, até a pequena estação Conselheiro Martin Francisco, um local desolado formado somente por duas ou três casas de madeira, o ponto mais próximo à fazenda de café que o trem podia alcançar. Já era quase cinco horas e todos estavam exaustos de tantas noites mal dormidas e pouca alimentação. No local os esperavam outros funcionários da fazenda, um deles negro, com dois enormes carroções puxados por várias juntas de bois cada um, para levar as crianças, os mais idosos e a bagagem de todo o grupo. Havia outra carroça, mais leve e com grandes rodas, puxada por duas mulas, para levar os funcionários. Informaram que a fazenda ainda ficava um pouco distante e todos precisavam caminhar. Não era uma verdadeira estrada e sim um caminho de sobe e desce, pouco transitado, tortuoso, com pedras soltas, muitos buracos e às vezes inesperados precipícios. Tiveram que atravessar pequenas e estreitas pontes de madeira sobre rios com grande correnteza e alguns precipícios. Já era noite e essa caminhada foi ficando cada vez mais perigosa. Domenico e os demais companheiros começaram a tomar conhecimento da realidade onde haviam se metido. Naquele momento era desejo de todos embarcar no primeiro trem de volta, de irem para outro lugar mais civilizado, mas, infelizmente, não era mais possível, estavam presos a um contrato assinado com o dono da fazenda que impedia tal procedimento. Caminhavam em marcha lenta ao lado dos carroções e alguns levavam lampiões, trazidos pelos funcionários da fazenda, para clarear um pouco a sinuosa estrada. Das matas ao longo do caminho, ouviam estranhos sons que ainda não conheciam e muito medo os incutiam. As mulheres e as crianças choravam amedrontadas com aqueles sons vindos da floresta, a escuridão e o isolamento. Eram aves noturnas, como as corujas, urutaus e bandos de macacos que, assustados com a luz e o barulho da conversa em voz alta do grupo, faziam grande algazarra. 
Giuseppina, a jovem esposa de Domenico, era uma mulher de 31 anos, muito forte e saudável, que já havia tido oito filhos, dois dos quais não sobreviveram ao primeiro ano de vida. Era a filha do meio de um casal de trabalhadores rurais, muito pobres, com doze filhos vivos. Casou-se muito cedo, como era habitual naqueles tempos. Desde os doze anos já trabalhava pesado, empregada como “mondine” nas plantações de arroz na sua vila natal próxima a Badia Polesine e também nos municípios vizinhos. Era um trabalho muito duro. Acordava as quatro da manhã e as cinco já estava na estrada, caminhando acompanhada por outras moças e mulheres de mais idade, em direção a “risaia”, as plantações de arroz nas margens alagadas pelas águas do rio Pó. O trabalho se desenvolvia em duas épocas do ano. Primeiro o preparo dos canteiros na terra que seria alagada e a plantação das mudas, já com água. O segundo momento, alguns meses depois, o da colheita, quando grandes grupos de mulheres e também alguns homens, com água até quase os joelhos arrancavam e amontoavam as plantas. Foi em uma dessas plantações de arroz, em uma vila bem distante da sua casa, onde as mulheres ficavam todas alojadas por dois ou três meses, até o término da colheita, que Pina, assim era o seu apelido, conheceu um rapaz, também empregado na mesma propriedade, que viria mais tarde ser o seu marido. 
Naquela noite escura, exausta, caminhando ao lado do carroção onde estavam dormindo os seus seis filhos, depois de muito chorar com as lembranças e recordações que teimavam aflorar, os seus pensamentos então se voltaram para o que estava fazendo ali perdida no meio do nada, em um país totalmente estranho e até hostil. O medo tomou conta dela. Angustiada pensou como seria agora a sua vida nesta nova terra, no meio dessa floresta cheia de perigos, como conseguiriam criar os filhos. Lembrou também da situação de miséria e até fome que estavam passando naquele Vêneto que não mais reconheciam como sua pátria. Mais guerras, humilhações, desemprego e fome era tudo o que podiam esperar do novo reino há poucos anos criado, daquele novo país que agora era chamado Itália. Os agricultores e os donos de pequenas áreas de terras, que sempre empregavam trabalhadores diaristas, não conseguiam mais suportar os impostos criados e muitos deles deixavam suas propriedades e também iam se aventurar nas cidades maiores ou partiam em emigração para outros países. Pela falta de uma indústria forte as cidades não conseguiam absorver toda essa mão de obra que chegava e os bolsões de pobreza se instalavam ao seu redor. Depois do casamento Pina, quase sempre estava grávida, não podia fazer outra coisa do que cuidar da casa e da criação dos filhos, que vinham quase anualmente, com uma impressionante regularidade. De repente lembrou das duas crianças que não conseguiu criar, mortas ainda bebês quando ela ficou sem leite para amamentar pela desnutrição causada pela falta de uma alimentação melhor para ela, e as lágrimas rolaram intensamente pela sua face. Naquela época, nem eles, nem as suas famílias tinham pelo menos uma vaca e também o dinheiro para comprar o leite. Domenico às vezes arrumava algum serviço como trabalhador braçal. Não eram trabalhos fixos com salários mensais e sim diários, mas o que conseguia ganhar mal dava para alimentar a família. Tanto ela como Domenico muitos dias deixavam de fazer uma das refeições para deixar alguma coisa para os filhos. Lembrou também de quando tomaram a decisão de emigrar para o desconhecido Brasil. Tinha sido em um domingo após a missa, que raramente faltavam. Na pequena praça frente a igreja viram um homem bem-vestido, portando alguns cartazes e gritando para chamar a atenção de todos. Era o representante de uma companhia de navegação com sede na cidade de Gênova, que girava por todos os municípios tentando contratar emigrantes para trabalharem em fazendas de café no Brasil. Descrevia o grande país sul-americano como um verdadeiro El Dorado onde uma pessoa poderia em poucos anos ser dono de sua própria terra. A viagem até o novo local de trabalho também seria paga pelos fazendeiros e pelas autoridades brasileiras. Como condição para ser aceito bastava estar gozando de boa saúde e ir acompanhado pela família. Tanto ela como Domenico acharam que esta seria a grande oportunidade deles deixarem para trás aquela Itália sem futuro, que não tinha condições para lhes dar um trabalho digno para sustentar a família.
Perdida com seus pensamentos, Pina se assustou quando Domenico se aproximou ao seu lado, trazendo uma caneca de barro com água. Por ele ficou sabendo que já estavam próximo do destino e que, se fosse dia, já poderiam ver parte da fazenda.
Quando finalmente chegaram a sede da grande propriedade, foram recebidos pelo administrador que os distribuiu nos seus alojamentos, que nada mais eram do que pequenos casebres de madeira, um ao lado do outro, distribuídos em fila, os quais alguns anos antes serviam de moradias dos escravos da fazenda. 

Continua

Trecho do Conto "A História de uma Família de Emigrantes Italianos" de 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS