terça-feira, 28 de julho de 2020

Caterina Cornèr Uma Rainha em Asolo




Caterina Cornaro, ou Caterina Cornèr na língua vêneta, nasceu em Veneza no ano de 1454, em uma família antiga e nobre, a Cornèr, uma das doze famílias mais importantes. Era filha de Marco Di Giorgio Cornèr e de Fiorenza di Nicolò Crispo, duquesa de Nasso, esta neta pelo lado materno do Imperador Giovanni IV de Trebisonda. Caterina foi educada em Pádua e era muito famosa por sua beleza.

Em Veneza, entre os séculos XV e XVI, duas são as figuras femininas mais proeminentes do patriciado: Bianca Cappello, Grã-duquesa da Toscana e Caterina Cornaro. Entre os dois, a escolhida para se casar com Jacques II de Lusignano, é Caterina, nascida de uma antiga família que haviam grandes interesses econômicos na ilha de Chipre, além disso, ostentava pelo lado materno um parentesco com a dinastia imperial Bizantino dos Comnenos.
Foi claramente um casamento de conveniência tanto para a família Cornèr, a quem uma filha rainha conferia uma posição de alto privilégio social, quanto para o rei, nascido ilegítimo sempre temendo com as intrigas do pretendente legítimo. 


  

Também entre os interesses dos Cornèr na ilha de Chipre, constavam importantes plantações de cana-de-açúcar, algodão, linho, cânhamo e trigo. Outros membros da família Cornèr, chamados Psicopio, também habitavam a ilha desde o início do século XIV e possuíam vastas terras, incluindo o grande feudo de Episkopi. 

Em 1468, o tio paterno de Caterina, Andrea Cornèr, amigo íntimo do rei de Chipre, Giacomo II de Lusignano, um jovem de 30 anos de idade, combinou o casamento de Caterina com ele, prometendo-lhe também a proteção de Veneza. Isso foi muito importante porque mesmo filho de Jean II, este pertencente a uma dinastia de cruzados originários de Poitou e possuidor também do título de rei de Jerusalém, embora naquela época já sob completo domínio dos muçulmanos, fôra contra outros herdeiros e estes ainda contestavam seu direito ao trono. Giacomo II vivia bastante inseguro com o futuro do seu reinado e a alegada proteção de Veneza seria de grande valia.

O noivado ocorreu em Veneza em julho de 1468, durante uma cerimônia suntuosa, na presença do representante do noivo, embaixador Filippo Mistahel. Caterina, foi declarada "filha adotiva da República" pelo Senado veneziano - uma honra nunca dada a nenhuma mulher antes dela - e recebeu um dote de 100.000 ducados de ouro; além disso, a família Cornèr adquiriu direitos e privilégios sobre as cidades de Famagusta e Cerines. Mas foi somente em 1472 que Catarina foi trazida para Chipre.
  

Imediatamente após a morte do rei, seu marido, em Famagusta, houve um tumulto, promovido pelos inúmeros pretendentes para substituir Caterina, tal como a cunhada Carlotta, casada com Ludovico di Savoia, que se considerava a  herdeira "legítima" do trono. 

Foi à partir desse momento que Veneza passou a intervir orientando a política de Caterina, que governava Chipre, auxiliada por um Conselho de Regência, formado pelo seu tio Andrea Cornèr e mais dois primos. Após a tomada do poder da ilha por Veneza, a nobreza cipriota passou a ser regida pelo Conselho Maior da Ilha, com 145 membros, no qual os patrícios venezianos que se estabeleceram em Chipre estavam em maioria.
Em 14 de novembro do mesmo ano de 1473, um grupo de nobres catalães, tendo o arcebispo de Nicósia à frente, invadiu o Palácio Real e, no quarto da rainha, assassinou o seu tio Andrea, seu primo Marco Bembo, o médico real e um servo. Caterina foi tomada como refém e vigiada, após ser forçada a entregar o dinheiro, as jóias e o selo oficial do estado. Os rebeldes pretendiam casar a pequena Carlotta, filha natural do rei Jacques II com Alfonso de Aragão, filho de Fernando, Rei de Nápoles, forçando Catarina e o filho recém-nascido Jacques III a cederem seus direitos como rei.

Veneza, como combinado, reagiu rapidamente e em 23 de novembro, dez galeras sob as ordens de Vettore Soranzo aportam em Famagusta com o exército veneziano, sob o comando do capitão-general Pietro Mocenigo, pronta para combate. As tropas venezianas desembarcaram rapidamente e ocuparam a cidade, fazendo os conspiradores fugirem. A Serenissima tinha ordenado que à partir de agora a rainha seria auxiliada por um Provedor e dois conselheiros, patrícios venezianos.  As tropas ficariam sob as ordens do Provedor e as guarnições venezianas passavam a controlar Famagusta e Kyrenia. No entanto, nenhuma decisão poderia ser tomada sem o consentimento da rainha e apenas seus estandartes seriam hasteados nas fortalezas. Apesar de tudo, a rainha estava cada vez mais isolada, situação que piorou quando da morte de seu pai Marco Cornèr, ocorrido em Veneza, ocasião em que a sua mãe Fiorenza Crispo também deixou a ilha. 

Em 21 de fevereiro de 1487, o Senado veneziano decidiu que o Reino de Chipre seria anexado aos domínios da República da Sereníssima. O Conselho dos Dez foi encarregado do planejamento e execução da missão, tendo em vista que as ameaças de Alfonso de Aragão, eram cada vez mais inquietantes e causava muita preocupação para Veneza.
Em 28 de outubro de 1488, o Conselho dos Dez da Sereníssima reiteraram a ordem ao capitão-general Francesco Priuli de trazer Caterina de volta para Veneza, inicialmente tentando persuadi-la, mas também depois a ameaçando, se fosse necessário. Em caso de recusa em retornar deveriam avisá-la de que ela poderia ser  tratada como rebelde e que as suas mordomias seriam retiradas. Ao mesmo tempo, ordenam que Giorgio Cornèr, irmão de Caterina, se juntasse ao capitão-geral em Chipre e que exerça toda a sua influência para convencer sua irmã a abdicar em favor de Veneza. Giorgio percebeu que sua irmã não estava disposta a obedecer e assim passou para as ameaças, lembrando que o exército veneziano tinha chegado, e ela perderia neste caso todas as vantagens que teria para sua família caso não aceitasse em abdicar. Enfim, ele conseguiu convencê-la.


Em 26 de fevereiro de 1489 em Famagusta, após um solene "te Deum", a bandeira de Lusignano é abaixada e a bandeira de San Marco é erguida nos mastros. A cerimônia foi repetida na presença da rainha em todas as cidades cipriotas, incluindo Nicósia. E em 18 de março, vestida de preto, a rainha deixa a ilha de Chipre para sempre.




Veneza foi muito generosa com sua "filha", dando-lhe uma memorável boas-vindas ​​em 6 de junho de 1489. Foi conduzida  pelo Bucintoro, a embarcação oficial da Sereníssima, onde Catherine foi acolhida pelo Doge Agostino Barbarigo. Depois de uma forte tempestade, mas de curta duração, a comitiva dirigiu-se em procissão, acompanhada pelo repicar de sinos, até a Basílica de São Marcos, onde foi celebrado um ato solene no qual Catarina renovou a abdicação da coroa de Chipre em favor da Sereníssima, entregando-a para o mandatário supremo da República de Veneza.
Desde então, todos os anos, no dia 5 de setembro, em Veneza, é celebrada a data com a Regata Histórica em memória a aquela cerimônias de boas vindas reservadas à rainha de Chipre.



Em seguida, seguiram-se suntuosas honrarias também para o seu irmão Giorgio, pelo fato de ter conseguido a desistência de Caterina do reino de Chipre, os banquetes duraram três dias. O Senado Veneziano também presenteou Caterina com a posse de Asolo e a permissão para manter o título de "Rainha de Jerusalém Chipre e Armênia". Asolo então era uma pequena cidade na área da Marca Trevisana, onde ainda se incluíam trinta e três aldeias.


Em 10 de outubro de 1489, em sua viagem de Veneza à Asolo, a ex-rainha conheceu, perto da cidade de Treviso, a dois embaixadores asolanos, que lhe deram a primeira saudação em nome da comunidade. Na noite de 11 de outubro foi recebida na praça de Asolo pelas autoridades locais,  pelos cidadãos mais ilustres e uma grande multidão que acorreu para vê-la, seguindo para a catedral onde foi oficiado um ato religioso e cantado o Te Deum. As festividade de acolhimento se estenderam por vários dias. 



Caterina chegou a Asolo acompanhada por um pequeno séquito: um capelão cipriota, seus dois secretários, um médico, dois chanceleres e um mordomo e até de alguns nobres como Nicolò Priuli, prefeito em Asolo, de 1489 a 1497 e Filippo Cornaro, um meio-irmão de Caterina, que se tornará chanceler real em Asolo.

Uma vez instalada em Asolo, Caterina logo estabeleceu laços de amizade com os expoentes das famílias asolanas e acolheu em torno da corte escritores famosos como Pietro Bembo, futuro cardeal.

 



Catarina reinou por 20 anos com seu séquito no Palazzo Pretorio, hoje um belíssimo castelo em estilo medieval, que ainda preserva a torre do relógio, a torre cortada e a sala de audiências da rainha. Ela também adorava uma suntuosa vila construída em Altivole, localidade vizinha de Asolo, que Bembo havia chamado de "il Barco", um local de prazer e caça.
Cornaro passava seu tempo entre obras piedosas e beneficentes, além de doações para parentes, amigos e a igreja de Asolo. Criou uma casa de penhores e não negligenciou das atividades mundanas, como o casamento da fiel dama de honra Alvisa, com Floriano de Floriani, no castelo de Asolo em 1494. 

Caterina costumava ir a Veneza, não muito longe de Asolo. Lá ela também frequentava a magnífica vila de seu irmão Giorgio, em Murano, considerada uma elegante propriedade de férias ao longo do século XVI. Neste local, no ano de 1493, Caterina recebeu Isabella d'Este Gonzaga, marquesa de Mantua e mais tarde Beatrice Sforza, duquesa de Milão. Nesta vila, o humanista Andrea Navagero plantou um jardim botânico raro, o primeiro da Europa. 



Da mesma forma, em Veneza, recebia esplendidamente seus convidados no belo Palazzo situado no Grande Canal, que Giorgio a havia disponibilizado, após a morte de sua mãe.
Uma outra propriedade ficava em San Cassiano, onde a rainha de Chipre abriu os salões de seu palácio para celebrar casamentos de netos com damas e senhores de linhagem nobre, como o casamento de seu sobrinho Filippo Cappello com Andriana Marcello. 


Túmulo de Caterina Cornaro


Com o tempo, a saúde de Caterina se tornou bastante precária e em 18 de maio de 1508, ela foi atingida por uma "dor tipo cólica muito séria".  Cada dia mais doente e enfraquecida morreu em em Veneza em 10 de Julho de 1510. A Sereníssima reservou-lhe grandiosas pompas fúnebres, tendo sido sepultada na Basílica dos Santos Apóstolos em Veneza, no túmulo da família.

A ilha de Chipre permaneceu em mãos venezianas até a derrota para os turcos em 1571 com a queda de Famagusta. 





Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS

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