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segunda-feira, 2 de setembro de 2024

O Retorno que Nunca Aconteceu

 


O Retorno que Nunca Aconteceu


No final do século XIX, a Itália atravessava uma das fases mais difíceis de sua história. A unificação do país, ocorrida em 1861, trouxe consigo promessas de prosperidade que não se concretizaram para a maioria da população, especialmente para os habitantes das áreas rurais. A região do Vêneto, onde se encontrava a fração Onigo, no comune de Pederobba, era uma dessas áreas. A situação socioeconômica era sombria: a agricultura, que constituía a base da economia local, estava em crise devido à fragmentação das terras, à falta de inovação e à exaustão do solo. O resultado era uma produção insuficiente para alimentar a crescente população.

Além disso, as novas políticas fiscais do governo italiano pressionavam ainda mais os camponeses, que já lutavam para sobreviver. O sistema de arrendamento de terras era opressor, e os camponeses frequentemente se viam endividados, com poucos recursos para sustentar suas famílias. A fome, a miséria e a desesperança permeavam a vida diária, levando muitos a considerar a emigração como a única saída para escapar dessa realidade cruel.

Foi nesse contexto que Domenico e Luigia, junto com seus filhos Angelo, de seis anos, e Maria Augusta, de quatro, tomaram a difícil decisão de deixar sua terra natal. Com eles, iria também a mãe de Luigia, a senhora Assunta, uma viúva de 57 anos que, apesar de sua idade avançada, estava determinada a acompanhar a família nessa jornada incerta. Assunta havia perdido seu marido para a mesma pobreza que agora os forçava a partir. A casa modesta em que viviam, construída com as pedras da própria terra, já não oferecia abrigo contra a fome e a incerteza do futuro.

Domenico, um homem forte e de poucas palavras, sabia que a decisão de emigrar significava abandonar tudo o que conheciam. No entanto, o desespero de ver seus filhos passarem fome era maior do que o medo do desconhecido. Luigia, uma mulher resiliente e profundamente ligada à sua família, compartilhou da mesma dor e da mesma esperança. Para Assunta, deixar a Itália era deixar para trás as memórias de uma vida inteira, mas ela não podia suportar a ideia de se separar da filha e dos netos.

Em 1890, com os corações apertados e a coragem forjada pela necessidade, a família partiu de Onigo, uma " frazione" do município de Pederobba. Venderam o pouco que possuíam e, com o dinheiro reunido, compraram passagens de navio para o Brasil. O destino era Curitiba, capital do estado do Paraná, uma terra desconhecida, mas cheia de promessas. A travessia do Atlântico foi longa e exaustiva. O navio Adria, abarrotado de outros imigrantes italianos que também fugiam da miséria, era um espaço de esperança, mas também de medo e incerteza.

Chegaram a Curitiba, a capital do estado do Paraná, após semanas de viagem. A cidade, em pleno processo de expansão, era um caldeirão de culturas e nacionalidades, com uma crescente comunidade italiana. Domenico com as economias obtidas com a venda da pequena casa onde moravam e de alguns poucos bens, adquiriu um lote de terra na Colônia Dantas, e encontrou trabalho plantando na sua propriedade, onde pôde, finalmente, retomar a vida que conhecia, embora em uma terra estrangeira. A natureza exuberante e o clima do Paraná ofereciam condições favoráveis para o cultivo, e, aos poucos, a família começou a reconstruir sua vida.

No entanto, apesar das novas oportunidades e da relativa estabilidade, o coração de Domenico e Luigia nunca se desprendeu completamente da Itália. O sonho de retornar à sua terra natal, de caminhar novamente pelas ruas de Onigo, permanecia vivo, alimentado pelas lembranças e pela saudade. Eles falavam da Itália com os filhos, Angelo e Maria Augusta, tentando manter viva a conexão com suas raízes. Assunta, por sua vez, continuava a contar histórias de sua juventude, das festas, das colheitas e das pessoas que haviam deixado para trás.

Os anos passaram, e com eles, a vida em Curitiba se tornou cada vez mais enraizada. Angelo e Maria Augusta cresceram, integrando-se à cultura brasileira, mas sempre carregando em seus corações as histórias de seus pais sobre a Itália. Domenico, que envelheceu trabalhando a terra, e Luigia, que nunca abandonou sua força de espírito, viram seus filhos formarem suas próprias famílias no Brasil. A cada ano que passava, o retorno à Itália se tornava menos provável, e o sonho de voltar foi, aos poucos, se desvanecendo.

Assunta, a matriarca da família, foi a primeira a partir desta vida. Morreu em paz, cercada por seus entes queridos, mas sem nunca ter visto novamente sua terra natal. Sua morte marcou profundamente a família, especialmente Luigia, que sentiu o peso da decisão de emigrar e o sonho não realizado de retornar. Domenico, por sua vez, continuou a trabalhar até o fim de seus dias, sempre com o olhar voltado para o horizonte, onde imaginava as montanhas do Vêneto.

No final, o "ritorno mai avvenuto" não foi um fracasso, mas sim uma aceitação das realidades da vida. O Brasil se tornou o novo lar da família, uma terra onde os sonhos de prosperidade se concretizaram, mesmo que o sonho de retornar à Itália nunca se realizasse. Angelo e Maria Augusta, agora adultos, continuaram a viver em Curitiba, passando para seus filhos a herança de suas raízes italianas e a história de seus pais, que, em busca de uma vida melhor, encontraram um lar em terras distantes.

A história de Domenico, Luigia, Assunta, Angelo e Maria Augusta é uma entre milhares de outras, de famílias que, em busca de sobrevivência, deixaram a Itália com a esperança de um dia voltar, mas que, ao final, encontraram um novo lar em terras estrangeiras. O retorno nunca aconteceu, mas a nova vida que construíram em Curitiba, com trabalho árduo e determinação, é o verdadeiro legado que deixaram para as gerações futuras.