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sábado, 29 de novembro de 2025

A Emigração Italiana para o Brasil: História, Dor e Esperança

 


A Emigração Italiana para o Brasil: 

Uma História de Esperança, Dor e Silêncio dos Imigrantes Italianos


Entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, o Brasil se transformou no destino de centenas de milhares de italianos que, movidos por necessidade e esperança, cruzaram o oceano Atlântico em busca de uma vida melhor. Dentre eles, os vênetos — naturais da região do Vêneto, ao norte da Itália — formaram uma das maiores correntes migratórias rumo às lavouras brasileiras.

O Vêneto e a raiz da partida

Após a unificação da Itália, em 1870, o país enfrentou uma severa crise econômica. No Vêneto, então composto por províncias como Padova, Rovigo, Treviso, Verona, Veneza, Vicenza e Belluno (com Udine até 1900), a pobreza se alastrou entre os pequenos proprietários rurais. A estrutura agrária era arcaica, os impostos aumentaram, e os preços dos produtos agrícolas caíram drasticamente. Famílias numerosas dividiam pequenas parcelas de terra, insuficientes para garantir sustento. A polenta, à base de milho, era o alimento diário das camadas mais pobres, enquanto a carne era consumida apenas em ocasiões festivas. O vinho bom e o pão branco, por sua vez, estavam reservados às épocas de colheita e às casas mais abastadas.

As condições de moradia também eram precárias. Casebres de pedras soltas, chão batido e pouca mobília contrastavam com os altares improvisados com imagens do Sagrado Coração de Jesus e da Virgem Maria, testemunhas silenciosas da fé e da resignação de um povo. Quando os filhos cresciam, os mais velhos assumiam o trabalho do pai, geralmente por volta dos 46 ou 47 anos, e o ciclo recomeçava. O casamento, feito por acordo entre famílias, acontecia cedo: os homens, entre 23 e 25 anos; as mulheres, entre 18 e 23. Viúvos com filhos pequenos costumavam se casar novamente com moças jovens e de braços fortes, valorizadas por sua capacidade de trabalho e fertilidade.

Diante desse cenário, a emigração tornou-se uma válvula de escape para a miséria. Muitos vendiam suas posses logo após a colheita do trigo, entre setembro e novembro, reuniam o que podiam carregar e partiam, muitas vezes em família, sem planos de retorno.

A travessia e a chegada ao Brasil

A chegada ao Brasil se intensificou entre 1870 e 1920, quando mais de 960 mil italianos desembarcaram no país. São Paulo foi o principal destino, recebendo cerca de 70% desse contingente. Outros estados também atraíram italianos: Rio Grande do Sul (10%), Minas Gerais (8%), Espírito Santo (6%), Santa Catarina (4%) e Paraná (2%). Essas estatísticas, colhidas nos registros da Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, mostram uma forte concentração inicial no Sudeste, mas também indicam a dispersão gradual dos imigrantes.

Contudo, os registros italianos apresentam números ainda maiores. Considerando o princípio do jus sanguinis(nacionalidade por descendência), a Itália contabilizou como italianos os filhos nascidos fora do país, o que eleva a estimativa para cerca de 1,5 milhão de emigrantes para o Brasil — 850 mil só para São Paulo. No Brasil, por outro lado, adota-se o critério jus soli, o que reduz os números oficiais.

Ao desembarcar, os recém-chegados aguardavam nos centros de acolhimento a distribuição para as fazendas. Alguns vinham contratados por intermédio de agentes oficiais ou particulares; outros, por conta própria, lançavam-se à busca de trabalho, de fazenda em fazenda, até encontrar colocação. Muitos insistiam para que familiares e conterrâneos fossem mantidos juntos, numa tentativa de preservar os laços de solidariedade.

Do sonho à frustração: a vida nas fazendas brasileiras

A realidade no Brasil, no entanto, mostrou-se dura. Nas lavouras de café paulista, os italianos substituíram os escravizados recém-libertos. O sistema de parceria, em que os colonos plantavam e colhiam o café em troca de uma fração da produção, rapidamente revelou sua face cruel: dívidas crescentes, preços controlados pelos fazendeiros e abusos frequentes. O colono italiano tornou-se refém do patrão. Relatos de maus-tratos se multiplicaram, incluindo agressões físicas e psicológicas.

Em 1895, escandalizado pelas denúncias, o governo da Itália suspendeu temporariamente a imigração subsidiada para o Brasil. Somente pessoas com recursos próprios puderam continuar partindo. Ainda assim, o fluxo não cessou. Em 1902, com o Decreto Prinetti, a Itália proibiu em definitivo o envio de trabalhadores para o Brasil com passagem custeada pelo governo, selando o fim da grande imigração incentivada.

Dos quase um milhão de italianos que vieram entre 1870 e 1920, cerca de 357 mil deixaram o Estado de São Paulo, migrando para países como Argentina e Estados Unidos, que ofereciam melhores condições de trabalho e salários. O movimento não era apenas por ambição, mas por desilusão com a vida nas plantações brasileiras.

Desmemória, dispersão e silêncio

Ao longo das décadas, muitos descendentes deixaram de saber com exatidão a cidade ou a província de origem de suas famílias. O rompimento com o passado, muitas vezes intencional, era uma forma de sobrevivência emocional. Os que chegaram aqui raramente contavam aos filhos sobre as dificuldades vividas na Itália. Sabiam que a volta era impossível — e, por isso, preferiam o silêncio. Os traumas da travessia, da pobreza e da opressão eram engolidos pelo trabalho árduo e pelas novas responsabilidades.

Casos de famílias separadas durante fugas de fazendas não são raros. Um imigrante relatou, por exemplo, que fugiu sozinho após sofrer humilhações, deixando para trás irmãos e tios com os quais viera da Itália. Nunca mais soube deles. Situações como essa explicam por que hoje tantos brasileiros com o mesmo sobrenome não sabem se são parentes. No início do século XX, no entanto, todos conheciam suas raízes — sabiam os nomes dos avós, a aldeia de onde vieram, e a história familiar era parte viva do cotidiano.

Em 1904, um relatório diplomático italiano informou que 424 imigrantes embarcaram de Santos para a Argentina, insatisfeitos com o Brasil. E muitos outros fizeram o mesmo, silenciosamente.

Legado e identidade

Ainda que a memória dos sofrimentos tenha sido abafada, a marca da imigração italiana no Brasil é profunda. Da língua às tradições culinárias, das festas religiosas às comunidades rurais formadas no interior, o legado persiste. Os descendentes podem não saber a origem precisa de seus bisavós, mas herdaram deles a resiliência, o senso de comunidade e o valor do trabalho.

A grande ironia é que muitos dos que partiram em busca de uma nova vida foram recebidos com dureza em seu novo lar. E mesmo assim, plantaram raízes. A dor foi o adubo — e a memória, mesmo fragmentada, ainda brota nas histórias de família contadas em voz baixa, nos sobrenomes repetidos com orgulho, nos documentos antigos guardados como relíquias.

A história da imigração italiana no Brasil não é apenas uma narrativa de deslocamento, mas de reconstrução. E, acima de tudo, de um povo que, mesmo longe da pátria, construiu outra. 

Nota Explicativa

Este texto apresenta, de forma resumida e acessível, o contexto histórico da emigração italiana para o Brasil entre o fim do século XIX e o início do século XX. Explica as causas da partida no Vêneto, as dificuldades da travessia, a dura realidade nas fazendas brasileiras e o impacto dessa migração na memória e na identidade dos descendentes.



sábado, 9 de abril de 2022

O Decreto Prinetti e a Imigração Italiana

 

Pequenos Imigrantes frente a sua escola no Brasil


Tendo em vista o grande número de denúncias provenientes do Brasil feitas por imigrantes italianos e padres, especialmente aqueles encaminhados para a província de São Paulo, o governo italiano, depois de aprovação do Comissariado Geral da Emigração emitiu, em 26 de março de 1902, o chamado Decreto Prinetti, que proibia a emigração subvencionada para o Brasil. 

Esta portaria ministerial recebeu o nome do então Ministro do Exterior da Itália, Giulio Prinetti. A sua aprovação se deu devido a um relatório sobre as condições de trabalho a que estava sujeitos os imigrantes italianos nas fazendas brasileiras.

O relatório denunciava as situações a que estavam sendo submetidos os imigrantes nas fazendas de café.


Imigrantes italianos no refeitório



O decreto proibia a emigração subsidiada para o Brasil, porém, não restringiu a migração expontânea: aqueles italianos que quisessem emigrar para o Brasil teriam que comprar suas próprias passagens e não mais depender da passagem paga pelo governo brasileiro. 

Nas últimas décadas do século XIX, várias companhias de navegação, não somente aquelas italiana, obtiveram licença do governo italiano para transportar imigrantes que tinhas as passagens pagas pelo governo da Província de São Paulo. A esse processo dava-se o nome de emigração subsidiada. 


Imigrantes italianos na colheita do café em São Paulo



O Brasil, com a abolição da escravidão, perdia boa parte da mão de obra para as suas grandes plantações de café, algodão e cana de açúcar.  O aliciamento de agricultores italianos foi a solução encontrada.

Rapidamente as companhias de navegação passaram a aliciar camponeses por toda a Itália através de uma grande rede de agentes que, com mentiras faziam a cabeça dos mais pobres para emigrarem. Era o início de um novo modelo de tráfego humano.

Durante muitos anos o governo não se importou com a emigração, mesmo quando estavam partindo milhares de agricultores. Pelo contrário, via com bons olhos e até incentivava a colossal partida naquele momento de depressão econômica pois, seriam evitados distúrbios internos que aquela massa de desempregados descontentes certamente provocaria, mantendo-se assim o equilíbrio social. 

Também viam com satisfação que os emigrantes, com as suas regulares remessas de valores, engordavam a economia italiana.  

Os colonos italianos ao chegarem nas fazendas encontravam péssimas condições de vida, locais isolados distantes dos centros urbanos, sem assistência médica, sem escola para os filhos, moradias pequenas e insalubres sem as mínimas condições de higiene. 

No trabalho os imigrantes sofriam abusos, inclusive com violências e uso de chicotes, dos capatazes e também de alguns fazendeiros, acostumados até então a lidar somente com escravos e não com seres humanos livres.

Durante os trabalhos nas lavouras os capatazes vigiavam os colonos durante toda a jornada. Da mesma forma eram também vigiadas as suas atividades familiares e sociais.

Os imigrantes eram também explorados economicamente sofrendo multas por motivos fúteis, retenção do salário, confisco de seus produtos e adulteração de pesos e medidas. 

Não havia para o colono qualquer proteção legal contra esses abusos praticados pelos fazendeiros.

À partir desse decreto o Brasil deixou de ser um destino atraente para os emigrantes italianos, principalmente para o estado de São Paulo, que sentiu economicamente a brusca queda na migração italiana.




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS