O Purgatório Tropical:
O Drama Esquecido dos Italianos nas Selvas do Paraná
No relatório elaborado em 1892, o missionário italiano padre Pietro Colbacchini descreveu com crueza as condições desumanas enfrentadas pelos colonos instalados no litoral paranaense entre os anos de 1875 e 1877. Entre os inúmeros males que assolavam as colônias, o padre Colbacchini destacou especialmente as doenças provocadas pelos insetos, que transformavam a vida dos imigrantes em um verdadeiro martírio.
Sobre as colônias de Alexandra e Nova Itália, ele relatou:
“Durante o dia, o trabalho torna-se insuportável pelo calor excessivo e pelos enxames de mosquitos que fazem inchar as partes descobertas do corpo, causando dores e incômodos intensos. À noite, outra espécie desses insetos rompe o sono e suga o sangue dos pobres imigrantes. Entre a carne e a pele desenvolve-se um verme, grosso como um feijão, injetado por uma mosca dourada (berne). Nos pés, sobretudo nos calcanhares e extremidades, surgem coceiras insuportáveis e feridas malcheirosas, causadas por outro inseto (bicho-de-pé) que se aloja, incuba e cresce como uma minúscula pulga. Crianças e idosos são os mais vulneráveis a essa enfermidade terrível, que, entretanto, não poupa idade, sexo nem condição. A tudo isso somam-se os efeitos diretos do clima: tontura, fraqueza dos membros, falta de apetite, desânimo, apatia e um profundo tédio pela vida. Esta é a verdadeira condição daqueles que habitam o litoral do Paraná.”
O testemunho de Colbacchini revela com rara intensidade o quanto a adaptação dos imigrantes europeus às zonas tropicais do Brasil foi um processo doloroso, lento e profundamente desigual. As promessas de um novo começo, feitas ainda em solo italiano, chocavam-se com a realidade áspera das florestas úmidas, das doenças tropicais e da solidão. O que deveria ser uma terra de esperança transformou-se, para muitos, em um território de provação.
Nas colônias de Alexandra e Nova Itália, o cotidiano era marcado pela precariedade absoluta: habitações improvisadas, falta de alimentos, inexistência de assistência médica e a presença constante de insetos e parasitas que minavam o corpo e o ânimo dos colonos. O isolamento geográfico agravava a sensação de abandono — os imigrantes viviam distantes das cidades, cercados por matas densas e caminhos intransitáveis, sem meios de comunicação ou comércio estáveis.
Colbacchini, com olhar de missionário e coração de humanista, registrou não apenas a miséria material, mas também o abalo moral dessas comunidades. Sua narrativa ultrapassa o tom de denúncia e transforma-se em um testemunho de humanidade, onde cada frase ecoa a resistência silenciosa de homens e mulheres que, mesmo entre o desespero e a doença, ainda buscavam sobreviver, criar raízes e preservar a fé.
Mais do que um simples documento histórico, o relato de Colbacchini é uma crônica pungente da primeira fronteira da imigração italiana no Brasil — um retrato vívido do preço humano da colonização e da coragem de um povo que, mesmo diante da selva e do sofrimento, manteve viva a esperança de um amanhã melhor.
Nota do Autor
O relato do missionário Colbacchini, datado de 1892, é uma das mais vívidas e dolorosas descrições da realidade enfrentada pelos primeiros imigrantes italianos no litoral do Paraná. Suas palavras revelam não apenas o espanto de um observador europeu diante da natureza tropical, mas sobretudo a compaixão de um homem de fé diante do sofrimento humano.
As colônias de Alexandra e Nova Itália, criadas com a esperança de oferecer aos emigrantes um novo começo, transformaram-se em cenários de desespero e doença. O calor sufocante, a umidade constante, as florestas alagadiças e a proliferação de insetos tornaram a vida cotidiana quase insuportável. Mosquitos, bernes e bichos-de-pé eram inimigos permanentes, corroendo a saúde e a dignidade dos colonos. O corpo, atacado sem trégua, tornava-se símbolo da luta entre o homem e um ambiente que lhe era completamente estranho.
Mas por trás da descrição quase clínica de Colbacchini, percebe-se algo mais profundo: a triste constatação do fracasso de um sonho coletivo. Aqueles que haviam deixado a Itália em busca de prosperidade e paz encontraram no litoral paranaense um purgatório de febres, solidão e miséria. Faltavam médicos, alimentos, conforto e, sobretudo, esperança.
A carta de Colbacchini não é apenas um documento histórico — é um testemunho moral. Nela ecoa o lamento de centenas de famílias que pagaram com a saúde e com a vida o preço das promessas mal cumpridas da colonização. Sua voz, ao atravessar o tempo, recorda-nos que a epopeia da imigração italiana foi também, em muitos momentos, uma história de dor, resistência e sobrevivência no limite da condição humana.
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
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