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terça-feira, 16 de setembro de 2025

Difícil Viagem dos Pioneiros Italianos até a Colônia Silveira Martins


A Difícil Viagem dos Pioneiros Italianos até a 

Colônia Silveira Martins


Era o início do ano de 1877, o vapor Maranhão carregado com centenas de imigrantes italianos, tinha zarpado do porto do Rio de Janeiro, sulcava as águas do sul do Brasil, já no estuário do rio Guaíba, se dirigindo lentamente ao porto de Rio Grande, na cidade de mesmo nome. As centenas de passageiros ansiosos, muitos deles emocionados até as lágrimas, se aglomeravam nas amuradas do navio para acompanhar a operação de atracação. Eles compunham a primeira leva de imigrantes italianos que deveriam se estabelecer na Colônia Silveira Martins, em substituição aos imigrantes eslavos que depois de muitas adversidades resolveram abandonar definitivamente o local e depois soubesse que se estabeleceram no Paraná. Apesar de exaustos o moral de todo o grupo era elevado e cada um deles não via a hora de pisar na sua tão sonhada terra. Entre esses passageiros que estavam desembarcando estavam Francesco acompanhado da sua jovem esposa Mariana, ambos naturais de uma localidade de San Giorgio, no município de San Polo di Piave, província de Treviso. Mariana estava no início da sua primeira gestação. Tinham se casado quatro meses antes na igreja de San Giorgio Maggiore, em San Polo, uma antiga igreja do século II erguida sobre ruínas de aquedutos romanos.

O grupo de recem chegados foi levado ao alojamento provisório, não muito longe do porto, que nada mais era que grandes barracões de madeira grosseira, cobertos por folhas de zinco e chão de terra batido, sem muitas divisões internas, onde a privacidade era quase nula. Homens, mulheres, crianças, velhos procedentes de diversas províncias da Itália, se misturavam tentando cada um de conservar a dignidade.

Ficaram sabendo que deviam permanecer naquele lugar esperando pela ordem de prosseguir viagem emitidas pelas autoridades de imigração. Estes aguardavam que os funcionários demarcassem os lotes lá na colônia, mas este trabalho estava bastante atrasado, demorando devido as fortes chuvas que tornaram intransitáveis vastas áreas. A inquietação começava a tomar conta dos mais ansiosos sendo até motivo de algumas discussões entre eles.

Finalmente, depois de semanas de espera, em uma manhã, chegou a tão esperada ordem para o grupo prosseguir a viagem. As famílias foram encaminhadas ao porto e embarcados em pequenos navios fluviais a vapor que faziam o transporte até a cidade de Rio Pardo, já no coração da província do Rio Grande do Sul. Francesco e Mariana com cerca de trinta outros companheiros rapidamente subiram a bordo no vapor Guimarães, uma embarcação ainda relativamente nova, que rapidamente se afastou do cais, jogando um rastro de fumaça negra no céu.

Seguindo a viagem, passaram ao lado da cidade de Pelotas e adentraram na Lagoa dos Patos, uma vasta extensão de água, também chamada de rio Guaíba, formada pela confluência de vários rios que nele desembocavam na altura de Porto Alegre a capital da província. Nesse ponto após quase um dia de viagem faziam uma curta parada para descanso. No dia seguinte recomeçavam  seguindo correnteza acima pelo Rio Jacuí até a pequena cidade de Rio Pardo, fim de linha das embarcações mas para os imigrantes ainda faltava muito chão a percorrer.

De Rio Pardo os imigrantes destinados a Colônia Silveira Martins seguiam a pé ou em carroças puxadas por mulas, pela serra de São Martinho até a localidade de Val de Buia, situada a aproximadamente 30 Km de Santa Maria.

Esta primeira leva de imigrantes italianos destinados para a Colônia Silveira Martins coincidiu com a saída de um grande grupo de imigrantes eslavos que, depois de muitos insucessos, abandonaram a colônia e se dirigiram para Porto Alegre seguindo depois para o Paraná. Em Val de Buia os imigrantes italianos precisaram ficar mais tempo que o previsto devido atrasos na demarcação dos lotes e outros problemas que as autoridades brasileiras não conseguiram contornar. Nos meses de Maio e Junho do mesmo ano uma grande epidemia de tifo que dizimou cerca de 300 deles. Estavam reunidos ali em torno de 1500 imigrantes.

Quando a epidemia de tifo assolou imigrantes em Val de Buia, os dias tornaram-se um espetáculo macabro de angústia e resistência. As chuvas constantes transformavam o solo em um lodaçal pestilento e os abrigos improvisados, com suas paredes frágeis de madeira, não ofereciam refúgio contra o avanço da doença. A febre, persistente e cruel, derrubava jovens e idosos com a mesma impiedade.

Francesco e Mariana, recém-chegados, viram-se tragados por essa tempestade de sofrimento. Ele, ainda com os calos recentes do trabalho árduo, sentia o corpo arder e a mente cambalear, mas recusava-se a ceder. Mariana, com o ventre já levemente arredondado pela gravidez, dedicava suas forças a cuidar de outros doentes, mesmo quando o cansaço ameaçava dominá-la.

Certa manhã, quando o sol fraco tentava romper a névoa, Mariana encontrou uma criança abandonada em um dos barracões. A menina, que mal poderia ter completado cinco anos, estava envolta em um cobertor sujo e soluçava baixinho, chamando pela mãe que já havia sucumbido à febre dias antes. Sem hesitar, Mariana a acolheu, oferecendo-lhe o calor de seu próprio corpo e uma fatia de pão duro, enquanto prometia a si mesma que a salvaria.

Os dias se arrastavam, marcados por enterros improvisados em valas comuns e pelo odor amargo da doença que impregnava o ar. Mas, ao final daquele terrível outono, a epidemia começou a retroceder. A morte, saciada por centenas de vidas, finalmente deu uma trégua aos sobreviventes. Francesco e Mariana, enfraquecidos, mas de pé, juntaram o que restava de suas forças para recomeçar.

O terreno que lhes fora destinado era íngreme e coberto por uma vegetação espessa, mas eles o encararam como um campo de oportunidades. Francesco, com mãos firmes e uma determinação inabalável, abriu a terra com uma enxada, enquanto Mariana organizava a casa simples que ergueram com suas próprias mãos. O bebê nasceu em uma noite estrelada, como se a vida quisesse anunciar um novo capítulo em meio à escuridão que haviam enfrentado.

A pequena Antonella trouxe consigo uma luz que iluminou os dias mais sombrios. E a menina resgatada, que passou a chamar-se Rosa, cresceu ao lado de Antonella como uma irmã. Juntas, brincavam entre as plantações e corriam livres pelas colinas, seus risos um eco de esperança que se espalhava por toda a colônia.

Francesco e Mariana não se limitaram a construir apenas para si. Incentivaram a criação de uma escola e participaram ativamente da construção de uma capela, símbolos de que, mesmo em terra distante, poderiam recriar um lar.

Em uma manhã de primavera, muitos anos depois, Francesco e Mariana, já com os cabelos prateados pelo tempo, sentaram-se à sombra de uma figueira que plantaram no primeiro ano em sua nova terra. Ao longe, viram seus netos correndo pelos campos e ouviram os cânticos da missa dominical, que ressoavam como uma prova viva de tudo que haviam construído.

Nenhuma palavra foi trocada entre eles, mas o olhar que compartilharam dizia tudo. Eram sobreviventes, pioneiros e, acima de tudo, testemunhas de que até mesmo as adversidades mais esmagadoras podem ser vencidas com resiliência e amor. A figueira balançava suavemente ao vento, como se abençoasse aqueles que ainda caminhavam sob suas raízes profundas.


Nota do Autor

Este livro é uma obra de ficção inspirada em acontecimentos históricos reais que marcaram profundamente a trajetória de milhares de imigrantes italianos no Brasil, especialmente aqueles que desbravaram as terras do Rio Grande do Sul no final do século XIX. Embora muitos dos eventos e cenários descritos sejam baseados em registros históricos, os personagens, suas histórias e detalhes de suas vidas são fruto da imaginação do autor.

Meu objetivo foi lançar luz sobre as lutas e os sacrifícios desses pioneiros, que deixaram tudo para trás em busca de uma vida melhor em um continente desconhecido. Através da jornada de Francesco e Mariana, espero transmitir o espírito de resiliência e determinação que caracteriza a experiência de tantos imigrantes. Os desafios descritos, como as epidemias, as difíceis condições de viagem, o isolamento e a saudade, foram realidades enfrentadas por milhares de famílias. No entanto, o enredo e os protagonistas são fictícios, criados para oferecer ao leitor uma narrativa envolvente e emocionalmente rica, sem perder de vista a veracidade do contexto histórico. Escrever este livro foi também uma homenagem à herança cultural deixada por esses imigrantes, cujas contribuições moldaram significativamente a sociedade brasileira, especialmente nas regiões sulinas. Se, ao final desta leitura, você se sentir mais próximo dessas histórias, mais sensível à coragem e ao sacrifício daqueles que vieram antes de nós, então meu objetivo terá sido alcançado.

Agradeço a todos os leitores que embarcarem nesta viagem por um passado repleto de desafios, esperanças e realizações. Que esta história seja uma ponte entre o presente e o passado, um convite à reflexão sobre os valores humanos que nos conectam.

Com gratidão,

Dr. Piazzetta