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sábado, 23 de janeiro de 2021

A Migração a Pé



Com uma caixa de madeira nas costas, como uma grande e pesada mochila, sustentada por duas tiras de couro, os chamados maiolini partiam a pé levando no seu interior diversas estampas coloridas representando santos, imagens sacras e cartas de baralho. Eram vendedores ambulantes itinerantes que chegavam a percorrer trajetos muito longos, ficando fora de casa durante muitos meses e até anos. Vendiam as gravuras produzidas pela estamparia Remondini de Bassano, empresa famosa em toda a região, reconhecida até em lugares distantes, pela qualidade do material editado, e naqueles tempos era considerada uma das melhores do mundo nesse setor. 

Já no século XVIII e no XIX, devido as precárias condições de vida que enfrentavam, milhares de pequenos agricultores e lenhadores deixaram seus trabalhos para se tornarem vendedores ambulantes de estampas da Remondini, percorrendo vales e cidades, batendo de porta em porta por toda a Itália e nos territórios do Império Austríaco, França, Suiça, Inglaterra, Alemanha, Polônia, Dinamarca, Rússia, chegando até a cidade de São Petersburgo. 

O trabalho  desses vendedores era muito duro e perigoso, vivendo em situações precárias, sempre longe das suas casas e da família. Alguns deles não retornariam mais, outros roubados por delinquentes. Alguns deles ao conhecerem novas terras acabaram por se fixar definitivamente, abrindo algum tipo de comércio. Ainda hoje podem ser encontrados seus descendentes em várias regiões da Itália  com na Lombardia, Vêneto, Emilia Romagna e no Alto Adige. No entanto, para a maioria deles todo esse esforço despendido nem sempre trazia a compensação financeira esperada, pois, somente alguns conseguiam algum lucro palpável no seu retorno à casa. Esses pequenos comerciantes ambulantes, com a grande caixa sobre os ombros, certamente, se constituíram nos precursores da grande emigração vêneta que já se desenhava e surgiria com força no século seguinte. 

Passaram-se alguns anos e na região da Valsugana  surgiram algumas fábricas de artigos de vidro e esses vendedores ambulantes passaram também a revender  jarras, garrafas, copos e outros objetos de vidro para uso caseiro. 

Profundas transformações ocorreram no século XIX, em todos os países da Europa, que deram lugar a construção de grandes obras públicas: estradas, pontes, galerias e ferrovias, atraiam cada vez mais centenas de milhares de trabalhadores, que se deslocavam entre os países, em busca de trabalho. Esse início da emigração italiana atingiu em cheio a região de Bassano e as zonas montanhosas de Belluno e nessas grandes obras, nos países vizinhos, encontraram o trabalho necessário para melhorar as precárias condições de vida a que estavam sujeitos, saindo das suas humildes casas para encontrar a Europa. Entretanto, todo esse movimento migratório foi precedido em mais de 200 anos pelos pequenos comerciantes ambulantes, os quais, a pé e com uma pesada caixa de madeira nas costas, percorriam enormes distâncias para sobreviverem.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

A Emigração Temporária



Os moradores da regiões alpinas, os "mestieranti", que viviam na zona de montanhas e nos profundos vales, desde tempos antigos, andavam regularmente fazer a chamada emigração temporária, partindo regularmente em determinadas estações do ano, em busca de trabalho, nos países vizinhos, como a França e o Império Austríaco, mas também muitos deles se dirigiam para outros locais da própria Italia, como as férteis planícies mais ao sul.  

No período da primavera saíam para buscar trabalho na colheita das folhas da amoreira, necessárias para a criação do bicho da seda. No verão partiam para fazer a colheita de cereais e cortar o feno, que seria armazenado para o inverno. No outono partiam para a colheita da uva. 




Junto com essa emigração de braços relacionados com trabalhos agrícolas, também existia a emigração temporária de artesãos: serradores, cortadores de lenha, fabricantes e arrumadores de cadeiras, guarda-chuvas, caldeiras, utensílios domésticos  afiadores de facas e tesouras, cortadores de árvores, pedreiros, fabricantes de carvão e tantos outros, até os mais simples como os "badilanti"e os "carriolanti" que migravam apenas com uma pá ou com o seu carrinho de mão, Também os "spazzacamini", limpadores de chaminés, que se deslocavam em zonas distantes, sendo que em alguns países vizinhos essa profissão era exercida somente por italianos. Todos eles deixavam temporariamente as suas casas para oferecerem seus trabalhos nas zonas mais ricas da própria Itália ou nos países vizinhos. 

Para as populações mais pobres do Vêneto esse tipo de  emigração temporária serviu durante muito tempo para compensar a falta crônica de recursos financeiros e mitigar a fome de muitos.




O êxodo de homens válidos era total, ficando em casa somente os velhos, mulheres e crianças. Mas, muitas vezes, partiam também elas para fazerem trabalhos domésticos nas cidades, como transportadoras de água em Veneza, empregadas domésticas e babás nas casas particulares mais ricas da Itália e dos países vizinhos. Também partiam as "balie", jovens mães que ainda amamentavam no peito os  seus próprios filhos, os quais deixavam em casa aos cuidados de familiares, para servirem, por alguns meses, de amas de leite para os filhos das famílias ricas mais bem sucedidas. As amas de leite da província de Belluno eram uma das mais requisitadas.




Nesse período as populações do Vêneto ainda não estavam preparadas para uma emigração definitiva para lugares mais distantes. Tentavam encontrar trabalho nas cidades vizinhas pois, ainda se sentiam ligados às famílias e ao "campanile". Se transferir para o Novo Mundo  ainda parecia uma solução extrema e por demais  desesperada. Por isso se limitavam a ir até a França, Áustria, Alemanha e Suiça. Ficavam longe de casa por alguns meses. Deixavam as mulheres e filhos sozinhos esperando pelo seu retorno.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS