A partir da década de 1870 as autoridades italianas passaram a questionar o envolvimento dos padres, e de seus inflamados discursos religiosos, no aumento da organização de grupos cada vez com mais de emigrantes para trabalharem nas terras do Novo Mundo. As consequências da deterioração crescente da já precária economia italiana, acrescida pelo aumento populacional, eram já sentidas na pele pelos pequenos agricultores e acompanhada com preocupação pelos párocos das pequenas cidades e vilas do norte da Itália. Eram eles que estavam mais perto daquela pobre gente que enfrentava o desemprego cada vez maior, as doenças e a fome que rondava muitos lares, fazendo vítimas entre os adultos mais fracos e crianças menores de idade. Foram os padres, por serem mais esclarecidos e preocupados com o destino dos seus paroquianos que começaram a divulgar e incentivar a emigração como uma forma pacífica de melhorar as condições de vida do povo. Os pequenos agricultores também viam nela uma oportunidade real para a sobrevivência da família. Assim nas últimas décadas do século XIX os padres de muitos municípios da região do Veneto, passaram a incentivar e a organizar grupos de emigrantes para a partida definitiva para a América.
Os párocos passaram a ser vistos pelas autoridades policiais como agentes disfarçados da emigração, que enganavam as famílias dos pequenos agricultores com a propagação de informações falsas. Alguns desses sacerdotes conseguiram realmente organizar a viagem para a América para centenas dos seus paroquianos. Para tal se dedicaram com coragem e muita tenacidade. Sabiam eles dos enormes riscos de se transformarem em alvos de censuras, mesmo das próprias autoridades da Igreja, que não queriam entrar em choque com as autoridades do governo, como também de investigações policiais e possíveis processos judiciários.
Como exemplo, entre tantos corajosos sacerdotes, podemos citar o desempenho do padre Angelo Cavalli, nascido no ano de 1834, em Valstagna, um pequeno município da província de Vicenza, região do Vêneto, assumiu a paróquia de Santo Spirito in Oliero no ano de 1871. Oliero era uma pequena "frazione" do município de Valbrenta, localizada em meio do vale do rio Brenta. Don Cavalli foi denunciado diversas vezes pela polícia por ser um recrutador não licenciado de emigrantes para a América e levado às autoridades judiciárias de Bassano del Grappa. O fato de ser ele um agente da emigração era sem dúvida conhecido da população de todo o vale do rio Brenta que o protegia. As autoridades afirmaram "que devido ao seu mau comportamento, o padre teria causado amargas desilusões a muitos infelizes que, acreditando em suas palavras, venderam todos os seus bens e, não conseguindo embarcar, retornaram a este distrito".
A casa do padre Don Cavalli, que ficava em Campolongo sul Brenta, província de Vicenza, as autoridades encontraram e apreenderam inúmeras cartas e circulares que comprovavam o seu envolvimento com o movimento emigratório. Ali estava uma contínua correspondência entre Don Cavalli e Clodomiro de Bernardes, agente de uma companhia de navegação marítima no porto de Genova, que estava organizando a transferência de emigrantes com destino ao Brasil. O referido agente emitia circulares com informações sobre as partidas dos navios e cartas com notícias concernentes as diversas regiões que estavam recebendo agricultores no território brasileiro. Em muitas correspondências, passava informações e instruções para determinadas pessoas que estavam organizando a transferência de emigrantes. Nas cartas também existiam informações sobre os custos do transporte e da existência de embarque gratuito para grupos familiares.
Não tendo autorização oficial para atuar como um promotor de emigração, o padre Cavalli ,mesmo assim, emitiu carta ao agente Caetano Pinto solicitando o embarque gratuito em um mesmo navio para um grupo de pessoas conhecidas que pretendiam emigrar para o Brasil. A participação do padre, que era uma pessoa bem conhecida, que gozava de boa reputação e confiança, como um intermediador da emigração, dava para aqueles pequenos agricultores a segurança necessária na tomada de decisões. Os camponeses que pensavam emigrar procuravam se informar junto a pessoas de confiança não somente sobre a viagem mas, também a respeito das vantagens que estavam sendo divulgadas pelos países de destino. Quando no momento da partida eles já estavam informados dos privilégios e oportunidades que encontrariam nas diversas províncias do Brasil.
Através das cartas que foram apreendidas em sua casa pode-se perceber a existência de uma ampla rede de contatos e informações que forneciam subsídios às famílias antes de embarcarem. Padre Cavalli foi censurado pelas autoridades superiores da igreja, tendo sido suspenso temporariamente pelo seu bispo das suas funções eclesiásticas por estar sendo acusado de envolvimento com a emigração, recebendo dinheiro dos pequenos agricultores que pretendiam emigrar. Don Cavalli de algum tempo vinha realmente circulando por diversas cidades da região apesar dos riscos de cair nas mãos da justiça e a população sabia que ele desempenhava também a atividade de agente de emigração. Para as autoridades policiais ele estava divulgando o próximos embarques para a América, iludindo os camponeses.
Os frequentes deslocamentos do padre Cavalli entre as cidades de Veneza, onde ficava o consulado brasileiro, e Genova revelavam que ele ainda continuava a exercer a função de agente clandestino de emigração. As autoridades ao confrontar as partidas de dois navios diretos para o Brasil com emigrantes arrolados por dom Cavalli confirmaram a participação ativa do padre no movimento emigratório. Por diversas vezes, dom Angelo fazia pequenos discursos em bares e feiras, de diferentes municípios das províncias de Treviso e Vicenza, explicando os caminhos da emigração para aqueles que desejavam partir da Itália. Em maio de 1877, o cônsul do império do Brasil em Veneza, Leopoldo Bizio, afirmou ser grande o fornecimento de informações para aqueles que se deslocavam até o consulado. Apesar de recomendar cautela à população, disse que o padre Cavalli “animava o espírito dos emigran- tes” nas províncias do Vêneto, desencadeando em alguns lugares graves desordens. Em face do contínuo aumento dos deslocamentos e do surgimento de tumultos por parte das famílias que retornavam exaltadas dos portos da região, visto não terem conseguido embarque gratuito, a autoridade consular destacava que nenhuma instrução havia sido transmitida pelo governo imperial brasileiro aos agentes consulares na Itália, nem para recrutar, nem para conceder facilitações de viagens, nem, ainda, para “favorecer qualquer modo de emigração”.
Em fevereiro de 1877, esperando escapar das perseguições por parte das autoridades, padre Cavalli comunicou, ao delegado do distrito de Bassano del Grappa, que em abril ele iria partir para o Brasil junto com familiares, mãe e irmãos, além de algumas famílias conhecidas. A viagem já estava acertada, declarando ter ido até Gênova para pessoalmente acordar com Clodomiro de Bernardes o embarque e certificar-se das condições oferecidas aos familiares e aos outros emigrantes. No entanto, padre Cavalli não cumpriu com a afirmação de que iria partir, preferindo continuar a atuar como agente da emigração, como o fez durante todo aquele ano.
Nos primeiros anos da emigração para o Brasil, muitos foram os padres que emigraram com os seus paroquianos e conhecidos. O que os motivava eram variados, desde o deseja de fazer fortuna na América até outros que partiam com a intenção de fazer um serviço missionário junto as famílias que emigravam. Partiam por conta própria acompanhados de familiares e amigos, financiados pelos antigos paroquianos que já estavam no Novo Mundo, outros emigravam para escapar de perseguições, dificuldades pessoais e familiares. Uns outro partiam pro serem suspeitos de cometer alguma infração como aquela contra o voto de castidade.
O trabalho de dom Angelo como agente de emigração também estava ligado ao desejo de se estabelecer no Brasil junto aos seus familiares e amigos. Nas palavras de um imigrante que o conheceu, dom Cavalli era um jovem inteligente e cheio de vida, sempre pronto para descrever as diversas etapas da longa viagem e o que poderiam encontrar na terra prometida. Dizia que o Brasil era o novo El Dorado, a terra da cucagna. Dom Cavalli acabou se fixando na cidade de Morretes na então província do Paraná. Morreu menos de um ano após a sua chegada ao Brasil.
Um outro padre, que também como dom Angelo Cavalli promovia a emigração, orientando os agricultores desejosos de partir, foi o padre Giovanni Solerti, que trabalhava na paróquia de Piavon, na província de Treviso. Ele ajudou um grande grupo de paroquianos e de localidades vizinhas a se transferirem para a província do Rio Grande do Sul. Considerado pelas autoridades do governo italiano como sendo um fanático, incentivador da emigração para a América, foi por elas acusado de ter sido condenado a prisão em 1860, por fraudes, embustes e trapaças, quando ele ainda não trabalhava na paróquia rural de Treviso. O padre Solerti havia sido preso junto com outros paroquianos por roubo, fraude e posse ilegal de arma de fogo, mas, nada foi comprovado e absolvido por falta de provas.
Nesse período eram comuns denúncias das autoridades constituídas contra sacerdotes que se interessavam em ajudar os pequenos agricultores, abrindo para eles os caminhos da emigração. Procuravam de todas as formas colocar obstáculos para impedir a livre partida dos agricultores.
Camponeses e muitos padres da província de Treviso caíram nas malhas da justiça porque esta estava empenhada em reprimir a contestação das leis. Diversos padre que atuavam nas paróquias rurais acabaram sendo presos. As autoridades diocesanas, por outro lado, partiam orientações para que os sacerdotes observassem as leis do Estado, porém isso não foi seguido por todos, pois conviviam diretamente com o sofrimento do povo, o desemprego crescente, as doenças por falta de boa alimentação. A fome literalmente rondava inúmeros lares onde os desesperados pais de família não conseguiam mais dar o sustento aos seus dependentes. O processo de formação do estado italiano modificaram a forma como os pequenos agricultores garantiam o necessário para o sustento das suas famílias. A proibição do uso das terras públicas e as da igreja, de onde tradicionalmente os camponeses plantavam alimentos, criavam alguns animais e retiravam frutos e madeira, desencadearam revoltas nas populações. A implantação de alguns novos tributos, destinados a equilibrar a cambaleante economia italiana, como as novas taxas que passaram a incidir sobre a moagem dos grãos, imposto esse que passou a ser cobrado diretamente nos moinhos, e a taxa sobre o sal, fizeram os preços dos alimentos subirem e aumentaram o desemprego por toda a Itália.
O padre Giovanni Solerti se envolvia em questões que iam além das relacionadas com a administração dos bens da igreja e a assistência religiosa aos fiéis. Foi acusado, igual como o padre Ângelo Cavalli, de ser também um incentivador da imigração para a América. Através de seus “discursos empolgantes”, segundo as autoridades policiais, fazia surgir a “esperança entre a população camponesa de que poderiam melhorar a própria sorte” no além-mar. E, ainda: que longe da pátria teriam liberdade para “conservar sua religião”. Além disso, apresentava o Brasil como a “terra da promissão”, assegurando que “na Itália a religião católica desapareceria”, que a “população seria destruída pela peste, fome e guerra”, e que todos cairiam “sob o domínio Turco”; e que “um novo papa seria eleito do outro lado do Atlântico”. Tal como o padre Cavalli, parece que dom Solerti transmitia em seus discursos uma imagem positiva das vantagens que as famílias camponesas poderiam encontrar na América, uma delas sendo a liberdade de constituir novas comunidades católicas, longe das ameaças e dos problemas enfrentados na pátria de origem.
Padre Solerti foi acusado pelas autoridades, pela imprensa de ser um dos principais instigadores da emigração de Oderzo, que atuava como um agente das companhias de navegação nos municípios de da província de Treviso. Um dos jornais dessa província o acusava também "de pregar a decadência da igreja católica na Itália e estimular os camponeses a fundarem uma colônia religiosa na América". Neste mesmo período acontecia na Itália o crescimento das idéias comunistas, do surgimento de campanhas anti clericais e a perda dos terrenos da igreja, fizeram com que alguns padres reagissem tentando preservar a religião e o poder em terras do Novo Mundo com a participação dos emigrantes. Além de se revoltarem contra a cobrança de novos impostos e proibições, alguns padres foram perseguidos pela justiça por não respeitarem as novas leis estabelecidas. Os discursos, de muitos padres italianos tais como dom Cavalli e dom Solerti, de encorajamento ao abandono da pátria também era uma forma de se manifestarem contra as novas instituições do Estado liberal italiano, considerado por eles o grande responsável pelas dificuldades socioeconômicas que pesadamente, atingiam as populações rurais.
As escolhas realizadas tanto pelo padre Giovanni Solerti quanto por Angelo Cavalli auxiliam a compreender o universo de atuação das lideranças religiosas frente ao fenômeno da imigração para a América, pelo menos em sua fase inicial, entre os anos 1877 e 1887, nas províncias do Vêneto. O comportamento de ambos os padres ajuda a entender as percepções políticas e os projetos individuais e coletivos dos paroquianos. As suspeitas sobre a atuação “clandestina” de algumas lideranças religiosas levaram as autoridades policiais a invadir suas residências para apreender objetos como cartas e listas com nomes que indicavam o envolvimento nas atividades de recrutamento de emigrantes.
Todo esse ambiente criado em torno da figura de dom Solerti, acabou tornando insustentável a vida do padre, o qual após dar assistência para um novo grupo de emigrantes, com destino ao Brasil, desapareceu da sua paróquia.
Esses padres que com seus discursos e ações pregavam e facilitavam a emigração das famílias camponesas para o exterior, ao contrário de estarem ludibriando os seus paroquianos e conhecidos ao falarem das vantagens que seriam encontradas do outro lado do oceano, confiavam plenamente que a emigração definitiva era a grande chance para a maioria mudarem de vida, inclusive para eles.
Em carta, padre João Solerti mencionou que “sempre havia carregado consigo a vontade de acompanhar os seus conterrâneos até o outro lado do Atlântico”. Assim, na última década do século XIX, após tantos pedidos dos conhecidos já instalados no Brasil, expressados em cartas, depois de ter ajudado a partida de muitos paroquianos e conhecidos, decidiu também a emigrar para o sul do Brasil para trabalhar nas regiões ocupadas por italianos.
Dois meses após a sua partida para o Brasil, dom Solerti precisou retornar à Itália, pois ao sair apressadamente, quase certo fugindo às perseguições que vinha sofrendo, não levou consigo os documentos que o liberavam da sua diocese de origem. Sem essa carta de liberação, assinada pelo seu bispo, não podia legalmente assumir integralmente os serviços eclesiásticos que tencionava executar no local de destino. Foram diversos os sacerdotes que emigraram para o Brasil sem a permissão das autoridades diocesanas ou de posse de tão somente de um documento de licença temporária.
A confiabilidade entre as famílias camponesas e os padres é considerado um dos principais fatores que permitiram que eles tivessem sucesso ao atuarem também como agentes da emigração. Os padres mantinham regular contato, através de cartas, com seus antigos paroquianos já instalados na nova pátria e elas eram usadas para comprovar o acerto de suas orientação e a legitimidade seus discursos.
As escolhas realizadas tanto pelo padre Giovanni Solerti quanto por Angelo Cavalli auxiliam a compreender o universo de atuação das lideranças religiosas frente ao fenômeno da imigração para a América, pelo menos em sua fase inicial, entre os anos 1877 e 1887, nas províncias do Vêneto. O comportamento de ambos os padres ajuda a entender as percepções políticas e os projetos individuais e coletivos dos paroquianos. As suspeitas sobre a atuação “clandestina” de algumas lideranças religiosas realmente levaram as autoridades policiais a invadir suas residências para apreender objetos como cartas e listas com nomes que indicavam o envolvimento nas atividades de recrutamento de emigrantes.
O padre Giovanni Solerti se fixou no Rio Grande do Sul, na Colônia Silveira Martins, também conhecida como a Quarta Colônia Italiana do Estado, localizada próxima da cidade de Santa Maria, onde já estavam instalados centenas de seus conhecidos e ex paroquianos que ele ajudou a emigrar.