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sábado, 11 de novembro de 2023

Cura Ancestral: Os Segredos dos Curadores das Colônias Italianas no Rio Grande do Sul



Em um rincão remoto da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, cercado por densas florestas, onde despontavam majestosas árvores, os pinheirais, as primeiras colônias italianas ali instaladas, longe da civilização, isoladas, sem estradas, distantes de qualquer cidade, mantinham uma rica herança de conhecimento ancestral. Nesse lugar especial, a Medicina sem Médicos era uma tradição venerada, um legado vital que atravessava as eras e se fundia com a essência da vida naquelas terras.
No centro dessa narrativa estavam as chamadas  "comare", as parteiras com mãos habilidosas e olhos penetrantes que transmitiam sabedoria. Elas eram as guardiãs do mistério da vida e do nascimento, uma figura maternal que acolhia as novas vidas que brotavam dos ventres daquelas mulheres corajosas. Com carinho e conhecimento transmitido por gerações, elas enfrentavam as horas dolorosas, guiando as mães pelo milagre do parto e desafiando o implacável andar do tempo.
Ao lado das "comare", estavam os "agiustaossi ou giustaossi", como eram conhecidos nas comunidades rurais italianas os "arrumadores de ossos", verdadeiros artistas em sua profissão. Eles eram os depositários dos segredos ancestrais, conhecimentos altruístas que lhes permitiam restaurar corpos e almas com técnicas passadas de uma geração para a seguinte. Suas mãos eram instrumentos da cura, capazes de aliviar dores intensas e almas aflitas, irradiando uma bondade que trazia esperança a cada toque.
Também as benzedeiras, sábias curandeiras dos males físicos e espirituais, desempenhavam um papel fundamental nessa tradição. Com preces e benzeduras, elas conseguiam acalmar tempestades da alma, invocar a fé e a esperança nos rituais ancestrais e fechar feridas profundas que nem todos conseguiam enxergar. Suas mãos eram carregadas de amor, um bálsamo para aqueles que sofriam.
Mas a Medicina sem Médicos não se limitava apenas a esses mestres da cura. Ela incluía simpatias e chás caseiros, poções de alívio e cura, remédios retirados diretamente da generosa natureza que cercava a colônia. Eram heranças passadas de geração em geração ainda na Itália, caminhos de cura e alívio que se entrelaçavam com a tradição e o respeito pela terra e suas dádivas. Com os caboclos, negros e  índios que habitavam entorno da colônia, os italianos aprenderam o uso de muitas outras plantas medicinais por eles desconhecidas e  típicas da nossa região. 
Essa Medicina sem Médicos era um tesouro inestimável, um conhecimento que transcendia as barreiras do tempo e das circunstâncias. Era uma forma profunda de cuidar, um tributo à ancestralidade que fluía dos corações dos habitantes daquelas terras.
Ao longo das gerações, essa sabedoria florescia e evoluía. A cura tornava-se um elo que enriquecia a história da colônia, enquanto os segredos antigos resistiam ao desgaste do tempo, sendo transmitidos com amor e reverência.
Nas noites agitadas, as "comares" sábias conduziam o destino das novas vidas que surgiam, tecendo laços invisíveis entre mães e filhos. Os giustaossi, mestres dos ossos quebrados, dos entorses e lesões musculares, com suas artes ancestrais, reconduziam as pessoas a um destino de cura, trazendo-as de volta à integridade física e espiritual. As benzedeiras e curandeiros, com suas preces e gestos de amor, espantavam dores como raios de calor, envolvendo aqueles que buscavam consolo em um abraço acolhedor.
Assim, a Medicina sem Médicos ensinava que, além dos remédios, a tradição e o calor da comunidade eram o coração da cura. Cada gesto de cuidado, cada abraço da comunidade e a força da amizade eram como um bálsamo que aliviava a dor e permitia que a cura florescesse.
Nas isoladas colônias italianas do Rio Grande do Sul, a Medicina sem Médicos continuava a brilhar como uma luz radiante que guiava o caminho do bem-estar e da cura de geração em geração. A sabedoria e o amor estavam profundamente enraizados na própria essência da vida, e juntos, a comunidade seguia pelo caminho da cura. Era uma história de resiliência, tradição e compaixão que ecoaria eternamente nas montanhas e vales daquelas terras especiais ainda possíveis de serem encontrados até hoje.





terça-feira, 15 de setembro de 2020

A Arte de Curar sem Médicos nas Colônias Italianas no Sul do Brasil


A vida nas colônias italianas no Rio Grande do Sul era muito dura, principalmente nos primeiros anos da chegada dos imigrantes. Quando finalmente puderam construir as primeiras casas, essas ficavam muito distantes umas das outras. Estavam no meio de uma densa floresta, com uma pequena roça entorno da casa e não havia estradas, somente caminhos estreitos, cercados pela escuridão da mata e os gritos dos animais que a povoavam. 


Os lotes eram formados por imensas áreas de terra, com montes, precipícios e às vezes até pequenos rios. Os vizinhos só se encontravam quando transitavam por meio desses caminhos, que eram então chamados de linhas. A cidade mais próxima, geralmente, ficava a muitos quilômetros de distância e precisavam de horas para chegar até lá. Ao mesmo tempo que as distâncias eram muito grandes, as estradas eram de péssima qualidade ou mesmo  inexistentes nos primeiros anos, os recursos médicos disponíveis eram escassos. 

Os poucos médicos que existiam, sobretudo  nos primeiros anos na nova pátria, só poderiam ser encontrados em apenas algumas cidades maiores, sempre muito distantes das colônias.  Para fazer frente a essa dramática situação se desenvolveu uma medicina doméstica, baseada em conhecimentos empíricos alguns trazidos da Itália e muitos outros adquiridos ao longo do tempo, com as populações nativas locais, como os mestiços e os  índios. O uso de plantas medicinais foi largamente utilizado pelos imigrantes italianos, existindo  então uma erva para cada tipo de doença e o conhecimento desta arte era exercido  por  algumas pessoas geralmente mulheres, aquelas de mais idade. Nesse contesto, aos poucos, foram aparecendo importantes figuras para as colônias, como as parteiras, também conhecidas pelos colonos como comadres ou cegonhas, muitas das quais já traziam consigo uma experiência familiar de várias gerações atendendo as mulheres no período da gravidez e nos partos. À  elas cabia orientar a futura mãe nos cuidados de higiene pré natal e assisti-la no momento do parto. Atendiam na casa das parturientes e se deslocavam a pé  por grandes distâncias,  mais tarde iam à cavalo, independente do tempo que fazia. Eram conhecidas por todos e algumas delas alcançaram grande fama que se perpetuou por muitos anos.

Outro personagem importante nas colônias eram os arrumadores de ossos, procurados por muitos até nos dias de hoje, eram conhecidos na zona colonial italiana, como os "giusta ossi". Esta arte já era de muito tempo um "mestieri" tradicional na Itália, cujo conhecimento geralmente era transmitido de pai para filho, como uma espécie de herança. Os arrumadores de ossos, quase sempre homens, mas, também existiram diversas mulheres que exerciam esta atividade, tinham a função de recompor e imobilizar fraturas, curar entorses e distensões musculares, usando diversas técnicas de manipulação, massagens executadas com movimentos firmes de suas mãos e aplicação local de calor e remédios naturais, em forma de emplastros. 


Uma outra figura muito requisitada, com fama até nos dias de hoje, são as benzedeiras, que usando um conhecimento empírico, adquirido principalmente dos caboclos locais ou mesmo dos índios, que conviviam entorno das colônias,  procuravam curar as doenças e minimizar as dores, estimulando a auto sugestão do doente, em um ambiente místico de ladainhas, rezas, banhos de infusão de ervas, chás e defumações. No início essas mulheres, mas também alguns homens, eram, geralmente, caboclos mestiços, ou ainda negros, escravos libertos, que moravam vizinhos às pequenas vilas, perto das colônias de imigrantes. Com o tempo os próprios emigrantes foram aprendendo e desenvolvendo essa arte e eles mesmos passaram a exercer esse trabalho.  


Dr. Luiz Carlos Piazzetta

Erechim RS