Os Sonhos de Pederobba
O ano era 1890, e o pequeno município de Pederobba, na margem direita do sinuoso rio Piave, aninhado aos pés das montanhas Dolomitas, estava impregnado de silêncio e saudade. As videiras se entrelaçavam pelos campos, mas o solo não era mais tão generoso quanto antes. As colinas que outrora sustentaram gerações pareciam agora menos promissoras. Os dias de fartura tinham sido engolidos por guerras, impostos pesados, crises econômicas e a sombra do desemprego começava a atingir a zona rural.
Entre as ruas de pedras gastas, um jovem casal, Pietro e Maria Betina, olhava para o horizonte com os corações carregados de esperança e medo. Com apenas 25 anos, Pietro era um agricultor robusto, com mãos calejadas pela terra dura e olhos que brilhavam com o desejo de um futuro melhor. Maria, segurando nos braços o pequeno Lorenzo, de apenas dois anos, tinha a serenidade das mulheres que conhecem a dureza da vida, mas também a força para enfrentá-la.
As conversas na pequena cidade giravam em torno de cartas recebidas de parentes no Brasil. As palavras nas páginas amareladas falavam de terras vastas, florestas densas e a promessa de um futuro mais generoso. Era como se o outro lado do oceano oferecesse um recomeço.
Após semanas de discussões, lágrimas e orações diante do altar da pequena igreja de Pederobba, Pietro e Maria tomaram a decisão que mudaria suas vidas para sempre. Eles venderam tudo o pouco que tinham: a pequena casa de pedras, herança de família, as antigas ferramentas de trabalho e até mesmo a velha carroça que havia pertencido ao pai de Pietro. Com o pouco dinheiro que conseguiram juntar, compraram passagens de um navio a vapor, o Adria, para atravessar o Atlântico.
A Jornada
O caminho até o porto de Gênova, onde embarcariam no navio, foi longo e exaustivo. Carregando suas poucas posses em sacos de juta, o casal seguiu a pé até a vizinha estação de trens de Cornuda. As despedidas em Pederobba foram dolorosas. Maria chorou abraçada à mãe, sabendo que talvez nunca mais a veria. Pietro tentou esconder a tristeza ao apertar a mão de seu irmão mais velho, prometendo que, se tudo corresse bem, um dia mandaria buscar a todos.
Quando finalmente chegaram ao porto, o tamanho do navio que os levaria ao Brasil os impressionou. Chamado Adria, parecia para eles uma fortaleza flutuante, abarrotada de famílias como a deles, cheias de sonhos e temores. A vida a bordo era dura. O pequeno Lorenzo adoeceu durante a viagem, devido uma epidemia de sarampo que eclodiu a bordo já na primeira semana de viagem. Maria passou noites em claro cuidando dele enquanto Pietro fazia o possível para ajudar outras famílias, compartilhando o pouco que tinham. Aproveitou ociosidade forçada para trocar informações sobre o que poderiam encontrar na nova Pátria.
Um Novo Lar
Após semanas de mar revolto, encerrados amontoados em compartimentos estreitos, escuros e malcheirosos da terceira classe, o navio finalmente atracou no porto do Rio de Janeiro, Brasil. O calor era sufocante, a paisagem tropical exuberante e a língua estrangeira soava como música desconhecida. A família exausta por noites maldormidas foi encaminhada para a Hospedaria dos Imigrantes, onde ficou alojada por dois dias até que outro navio chega-se para os levar até o porto de Paranaguá, seu destino final, onde se instalariam em uma colônia italiana no estado do Paraná.
As primeiras semanas na nova terra foram as mais difíceis. A mata entorno era densa, o calor sufocante e a terra precisava ser desbravada partindo do zero. Mas Pietro e Maria trabalharam incansavelmente. As mãos que antes colhiam milho e trigo em Pederobba agora derrubavam árvores e plantavam cultivos desconhecidos como o feijão preto e a mandioca. Com o tempo, a comunidade italiana em Morretes começou a crescer ao redor deles, mas a situação de vida na colonia não agradava ninguém. A má administração central do empreendimento e as terras inapropriadas para o cultivo acabaram por levar a bancarrota toda aquela aventura de Pietro Tabacchi, o empresário italiano responsável pela contratação dos colonos na Itália e administração da Colônia Nova Itália em parceria com o governo da província do Paraná. Eles não estavam sozinhos e o descontentamento era geral entre os colonos: pensavam que precisavam mudar dali o mais rápido possível. E a solução por fim veio com a autorização do governo de transferencia de todos os descontentes para Curitiba, a capital do então já estado do Paraná, localizada em um planalto a 900 metros acima do nível do mar onde ficava a desventurada colonia, no altiplano central com terras mais férteis e clima muito semelhante aquele do norte da Itália. Com dezenas de outros emigrantes, compraram lotes na periferia da cidade, em um local amplo chamado de Colonia Dantas, hoje o pujante bairro curitibano da Água Verde.
A Saudade e o Futuro
Embora a saudade da Itália nunca os abandonasse, Pietro e Maria encontraram no Brasil um lar onde seus filhos puderam prosperar. Lorenzo, que quase perdeu a vida na travessia, cresceu forte e com o tempo tornou-se carpinteiro em Curitiba e mais tarde tornou-se um profissional muito requisitado abrindo com mais dois sócios uma grande carpintaria.
Décadas depois, já com cabelos grisalhos, Pietro e Maria sentavam-se em uma varanda da simples casa de madeira, no bairro que por sua vez crescia cada vez mais, olhando para os terrenos que agora pertenciam à sua família. Eles sentiam orgulho de terem transformado a dor da partida em raízes profundas em uma nova terra.
Na pequena e bucólica Pederobba, infelizmente, anos mais tarde arrasada pelos confrontos da grande guerra, as cartas que mandavam carregavam histórias de esperança, provando que, embora distantes, seus corações ainda estavam conectados às colinas que os viram partir.