"E eu deixo a minha casa, deixo o país e vou para a América para capinar. Parto para fazer fortuna e há um mês não vejo mais terra: só céu e mar. E deixo minha casa, a bela Itália, para ir tão longe, em terra estrangeira. E sob um outro céu e uma outra estrela levo os garotos e a mulher. E lá começa a melancolia pensando no campo onde nasci, naquela velha e santa mãe e em todas as coisas queridas do passado...” Assim escreveu um emigrante italiano.
O escritor e pesquisador italiano Delisio Villa, em seu livro Storia Dimenticata afirma que “Il 1860 è proprio l’anno zero della nostra emigrazione. Nel 1860 inizia la lunga marcia degli italiani alla ricerca di nuovi spazi, in Europa ed in America.” Traduzindo, "O ano de 1860 é realmente o ano zero de nossa emigração. Em 1860 começa a longa marcha dos italianos em busca de novos espaços, na Europa e na América." Esse grande êxodo ou longa marcha durou quase um século, sem que ninguém fizesse esforços concretos para contê-la, parece até que as autoridades de então a estimulava e considerando-a como uma espécie de válvula de pressão, para aliviar a crescente tensão social que ameaçava explodir no país com uma grande guerra civil. Nesse período, mais de trinta milhões de italianos, homens, mulheres e crianças, por conta própria e sem ajuda do estado, foram obrigados a abandonar o seu país para conseguir sobreviver.
No relatório do Censo Agrário, realizado por uma comissão parlamentar especial designada pelo governo italiano em 1880 chegaram a importantes conclusões. O objetivo principal desse censo era coletar informações sobre a distribuição da propriedade da terra na Itália, bem como obter dados sobre a produção agrícola, a situação econômica dos agricultores e outras questões relacionadas à agricultura. O resultado do censo foi usado mais tarde para a formulação de políticas agrárias pelo governo italiano. Entre os principais resultados apurados pelo censo temos:
- A concentração da propriedade da terra estava nas mãos de poucos proprietários, com cerca de 3% da população possuindo mais da metade da terra cultivável;
- A presença de uma grande quantidade de pequenas propriedades, mas muitas delas eram insuficientes para sustentar as famílias dos agricultores;
- A predominância da produção de cereais, em detrimento de outras culturas agrícolas;
- A existência de muitas terras abandonadas e improdutivas, especialmente no sul da Itália;
- A presença de um grande número de trabalhadores agrícolas assalariados, que viviam em condições de pobreza e insegurança;
- A falta de investimentos na modernização da agricultura, com pouca utilização de tecnologia e técnicas agrícolas avançadas;
- A necessidade de intervenção do Estado para resolver os problemas estruturais da agricultura italiana, através da implementação de reformas agrárias e incentivos para o desenvolvimento da produção agrícola.
Assim, o relator dessa comissão parlamentar descreveu a situação da Itália:
"Nos vales dos Alpes e dos Apeninos, e também nas planícies, especialmente na Itália Meridional, e até mesmo em algumas províncias entre as mais bem cultivadas da alta Itália, surgem casebres onde em um único quarto esfumaçado e sem ar e luz vivem juntos homens, cabras, porcos e galinhas. E tais casebres se contam talvez em centenas de milhares".
Seguem mais alguns trechos do relatório do referido censo de 1880:
- "O sistema de propriedade, com todas as suas complicações, apresenta-se como o mais característico e o mais difundido aspecto do nosso agro. Em torno dele gira toda a economia camponesa, da qual, por sua vez, depende todo o resto das atividades sociais e econômicas do país."
- "A grande maioria dos proprietários é formada por pequenos proprietários, que possuem terras insuficientes para suas necessidades e que, para compensar a falta de extensão, têm que se dedicar a trabalhos alheios à agricultura."
- "O estado de abandono e descuido em que se encontram muitas terras é uma consequência direta da incapacidade do proprietário de mantê-las e cultivá-las adequadamente."
- "O analfabetismo, especialmente nas áreas rurais, é um grande obstáculo para o desenvolvimento da agricultura, já que impede a adoção de novas técnicas e práticas mais eficientes."
- "O êxodo rural, que vem ocorrendo em larga escala nas últimas décadas, agrava ainda mais a situação, já que muitas terras ficam abandonadas e não cultivadas, enquanto a população urbana cresce rapidamente."
De acordo com o mesmo Censo Agrário Italiano de 1880, as condições das moradias dos agricultores eram bastante precárias. O relatório apontou que muitas das casas eram pequenas, escuras, úmidas e mal ventiladas, o que levava a problemas de saúde e higiene para os moradores. Além disso, muitas moradias eram compartilhadas por várias famílias, aumentando a superlotação e as condições insalubres. O documento também menciona que a falta de acesso a água potável e sistemas de saneamento básico eram comuns em muitas áreas rurais da Itália na época.
O Censo Agrário Italiano de 1880 também constatou que a saúde dos camponeses era bastante precária. As condições sanitárias eram ruins e a mortalidade infantil era alta. Além disso, muitas famílias tinham dificuldades em obter assistência médica adequada, devido à falta de recursos financeiros e à falta de médicos e hospitais nas áreas rurais. A situação era ainda pior para as famílias mais pobres, que muitas vezes viviam em condições insalubres e não tinham acesso a alimentos nutritivos e água potável.
O Censo Agrário de 1880 aborda a questão da pelagra na Itália, que contribuiu para o empobrecimento das populações rurais de muitas regiões, especialmente no Vêneto:
"A Pelagra ou Mal do Pellegrino é uma doença desconhecida nos países do norte da Europa e da América. Na Itália, é uma das enfermidades mais frequentes e mais cruéis que afetam os camponeses. [...] As causas da Pelagra foram estudadas com grande cuidado pelos médicos. Alguns a atribuem a uma alimentação insuficiente, outros a um regime alimentar inadequado, outros ainda a uma disposição especial do organismo, a influências atmosféricas, e a muitos outros fatores. [...] A Pelagra ataca especialmente os camponeses, que são obrigados a viver em casas úmidas, mal ventiladas e sujas, e que são privados de alimentos nutritivos e variados."
"Os camponeses afetados pela Pelagra tornam-se pálidos, magros e fracos. A pele, especialmente nas partes expostas do corpo, torna-se áspera e descama, como se tivesse sido queimada pelo sol. A seguir, a pele começa a escurecer e a descamar, e o doente sofre com dores e coceiras insuportáveis. Gradualmente, a doença se espalha para outras partes do corpo, como os lábios e as gengivas, causando lesões profundas e dolorosas. A Pelagra pode levar à morte em casos graves." O relatório continua:
"O remédio mais eficaz contra a Pelagra é uma alimentação saudável e nutritiva, especialmente rica em proteínas e vitaminas. No entanto, isso é difícil de conseguir para muitos camponeses, que são pobres e mal alimentados. É necessário, portanto, que o Estado e as autoridades locais intervenham para melhorar as condições de vida dos camponeses, fornecendo-lhes habitações mais saudáveis, promovendo uma agricultura mais moderna e produtiva, e educando-os sobre os princípios básicos de higiene e nutrição."
A literatura que temos disponível sobre as causas internas da onda migratória transoceânica do período 1880-1914 é vasta: podemos resumir esquematicamente o fato de que o fluxo foi determinado por motivos tanto de ordem demográfica (diminuição do índice de mortalidade e estabilização do índice de natalidade após 1870), quanto de ordem econômica (entre estes últimos, o primeiro lugar é assumido, sem dúvida, pela depressão agrícola dos anos 80, que provocou uma crise de disponibilidade alimentar). Mas foi sobretudo a impossibilidade, para os camponeses, de conseguirem dinheiro vivo que impulsionou massas inteiras a atravessar o oceano. Todos esses fenômenos, juntamente com a taxa sobre a farinha, cujo não pagamento podia comportar o confisco da propriedade, resultaram em uma sangria do mundo rural italiano. Entre os anos de 1875 e 1881, foram confiscadas 61.831 pequenas propriedades na Itália pela falta de pagamento da taxa sobre a farinha. Já entre os anos de 1884 e 1901, foram confiscadas 215.759 propriedades. Esse foi um dos fatores que levou a uma grande onda migratória italiana para outros países, principalmente para a América. A "taxa sobre a farinha" era um imposto cobrado sobre a moagem do trigo na Itália. Ela foi introduzida no início do século XIX, durante a ocupação napoleônica da Itália, e depois foi mantida pelos governos italianos que se seguiram. O objetivo inicial da taxa era arrecadar dinheiro para financiar as guerras napoleônicas, mas ela acabou sendo mantida como uma fonte de receita para o governo. A taxa era cobrada dos donos dos moinhos, que eram obrigados a pagar uma quantia em dinheiro para cada saco de farinha que produziam. A taxa era especialmente pesada para os pequenos proprietários de terras e para os camponeses pobres, que tinham que pagar uma grande parte de sua produção em dinheiro para o governo cobrada diretamente no moinho. A falta de pagamento da taxa sobre a farinha poderia levar à apreensão e confisco das propriedades dos camponeses, o que contribuiu para a crescente concentração fundiária na Itália e para a emigração em massa de camponeses italianos para outros países. Os camponeses perdiam suas terras devido à falta de pagamento da taxa sobre a farinha. Esta taxa era cobrada sobre a moagem do trigo e os proprietários de moinhos eram os responsáveis por pagá-la. Porém, muitas vezes, os proprietários de moinhos não repassavam a taxa cobrada dos camponeses que entregavam seu trigo para ser moído. Isso acontecia principalmente nas regiões mais pobres da Itália, onde os camponeses não tinham condições financeiras de arcar com os custos da taxa. Quando o governo descobria que a taxa não havia sido paga, ele poderia confiscar as terras do camponês para cobrir a dívida. Isso acabou levando a uma crescente concentração fundiária na Itália, com um pequeno número de grandes proprietários de terras detendo a maior parte das terras aráveis do país. A perda de suas terras tornou-se uma das principais razões pelas quais os camponeses italianos emigraram em massa para outros países, como o Brasil, Argentina e Estados Unidos, em busca de melhores condições de vida e oportunidades econômicas.
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS
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