A emigração, especialmente aquela transoceânica, foi sem dúvidas, o fato revolucionário mais importante acontecido no Vêneto nos anos sombrios da economia italiana do final do século XIX e início do século XX. A saída de milhares de pequenos agricultores, famílias inteiras, com destino ao Brasil, Argentina e aos Estados Unidos, abandonando o cultivo dos campos, foi um fato marcante para a ainda semi feudal sociedade rural italiana daquele período.
A emigração definitiva era agora um fato novo para aquele povo habituado, desde muitos séculos, com a migração sazonal para os países vizinhos, mais ricos e industrializados, como a Alemanha e a França, o qual afetava preferencialmente os homens, os chefes de família, mas também as crianças maiores, que procuravam assim com o seu trabalho aumentar o rendimento familiar, com empregos nas indústrias, na construção de estradas de ferro e nas minas de carvão, geralmente nos períodos da entre safra do campo. As mulheres, por sua vez, em particular aquelas residentes nas zonas de montanha do norte da Itália, como na província de Belluno, também já emigravam temporariamente, para trabalhar como domésticas em casas particulares, ou como amas de leite, para as famílias mais abastadas na própria Itália e no exterior.
Os salários que os homens e rapazes recebiam eram muito baixos e ainda tinham descontados o alojamento e a alimentação. Além disso ficavam expostos a inúmeros perigos e aos frequentes acidentes de trabalho, que mutilavam e causavam muitas mortes, infortúnios esses que não davam direito a qualquer tipo de indenização.
No final do século XIX, a partir da maior difusão do socialismo e do cooperativismo, aconteceram as primeiras tentativas dos empregados italianos de obterem melhores salários e condições de trabalho melhores. Os industriais europeus seus patrões logo identificavam esses considerados "agitadores", como os líderes das ligas operárias, e os despediam e eram mandados de volta à Itália. Posteriormente, deixaram de procurar por operários italianos, preferindo contratar aqueles de outras regiões da Europa não tão exigentes e contestadores, como os poloneses. A partir de então termina a fase da emigração temporária para os italianos, a qual foi diminuindo gradativamente até 1876, também coincidindo com a redução do número de trabalhadores que eram necessários nos canteiros de obras da Europa. As condições econômicas dentro da Itália continuavam a se agravar rapidamente, principalmente para aquelas famílias que haviam encontrado na emigração temporária a sua fonte maior de sustento. Os inúmeros e odiados novos impostos gravavam de maneira cruel os mais pobres, como aquelas taxas sobre o sal e o grão moído. Os conflitos sociais eram cada vez mais frequentes, principalmente nas províncias do centro da Itália, e uma grande revolução já era contada como certa. A emigração em massa como protesto foi a válvula de escape encontrada pelos vênetos que iniciaram o êxodo, que evitou a iminente conflagração.
Em seguida a diminuição de trabalho, mesmo nos canteiros de obras europeus, fez com que os agricultores vênetos se apressassem em deixar o país para procurar trabalho em terras desconhecidas, localizadas muito mais distantes, enfrentando o desconhecido oceano e o desafio de um novo recomeço.
A partir de 1876 politicamente também muitas coisas tinham mudado para pior na Itália quando a direita histórica cedeu o governo para a esquerda, ocasionando uma série de acontecimentos. Nesse contexto os vênetos foram os primeiros a escolher a emigração como uma forma de protesto ao governo da Itália e uma maneira de escaparem da pobreza e falta de futuro. Assim, a diminuição de empregos nos países mais industrializados vizinhos da Itália; a difícil situação econômica da população menos favorecida do campo e pequenos artesãos; a propaganda maciça e muitas vezes mentirosa exercida por agentes de emigração, intermediários contratados pelas companhias marítimas italianas e pelos governos do Império do Brasil e da Argentina; uma política de facilitação das viagens marítimas com o oferecimento de viagens gratuitas para aqueles dispostos a emigrarem; o favorecimento à imigração pelos governos dos dois grandes países sul americanos para suprirem a escassez de mão de obra nas grandes plantações de café como no caso do Brasil.
No início do grande êxodo as autoridades do governo italiano viam com bons olhos, e até estimulavam a emigração, pois, na opinião deles esses milhares de pobres certamente não fariam falta para a Itália e até ajudaria a deter o excesso populacional. A situação mudou alguns anos depois, quando começou a faltar mão de obra nos campos para os grandes proprietários rurais, que temendo perder uma parte importante de sua força de trabalho, promoveram estudos e seminários em nível local sobre como impedir a emigração de agricultores. Entretanto, já era tarde, a grande enxurrada humana não poderia e não queria mais ser detida. Mesmo quando as facilidades para emigrar diminuíram o povo humilde já tinha se conscientizado que emigrar era preciso e viam nela a única saída para décadas de fome e submissão explorados pelos senhores proprietários da terra. Não raro havia também um desejo tácito de deixar esses senhores trabalharem a terra sozinhos, visto que para a maioria dos agricultores era o patrão a causa da miséria em que eram obrigados a viver, e em parte isso era verdade.
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS
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