terça-feira, 3 de abril de 2018

Final do Século XIX - Período de Extrema Pobreza na Itália



Na Itália do final do século XIX a miséria e fome estavam presentes em milhares de famílias de norte a sul da península. Segundo a chamada Investigação Agrária Jacini sobre o mundo agrícola italiano e publicada à partir de 1880 já nos relatava:

Nos vales alpinos e naqueles dos apeninos, nas planícies da Itália meridional e também em algumas províncias melhor cultivadas do norte, existem casebres onde em um único aposento enfumaçado, sem circulação de ar e sem iluminação, vivem juntos homens, cabras, porcos e galinhas.
E  esses casebres se contam talvez em centenas de milhares por todo o país”.

Ainda na mesma investigação agrária Jacini podemos encontrar:

A estrebaria é a parte principal da casa do pequeno agricultor, é ao mesmo tempo o local para o gado, o salão e o santuário da família. É na estrebaria que passam os longos invernos; é lá que a dona de casa recebe os parentes e amigos; é lá que a família trabalha, se diverte, come e dorme. Enquanto as mulheres costuram, remendam e giram o fuso, os homens jogam cartas ou passam o tempo contando casos”.

Continuando nos relatos da mesma pesquisa:

O consumo excessivo e quase exclusivo de polenta, onde na média cada pessoa consumia 33 K ao ano, as vezes mais nas províncias do norte, a pelagra era uma doença muito prevalente. Era conhecida por doença dos 3 D: dermatite, diarreia e demência. O principal pelagrosário italiano estava em Mogliano Veneto, na província de Treviso”.




Ainda de acordo com a mesma investigação sobre o mundo agrícola entorno do ano de 1880 podemos ler:

Era muito dura a vida na planície padana e na região da “pedemontana” vêneta e lombarda que nos lugares onde existiam parreiras os pequenos agricultores acrescentavam o vinho a dieta muito pobre, sempre à base de polenta sem gosto, que para melhorar o sabor a passavam cada membro da família a sua vez, sobre um pedaço de arenque defumado. O vinho faz sangue diziam! Segundo a Revista Vêneta de Ciências  Médicas citada por Eduardo Pittalis, no seu livro Dalle Tre Venezie al Nordest, entre os séculos XIX e XX, em uma pesquisa entre doze mil estudantes primários da província somente três mil não bebem, cinco mil bebem bebidas com alta graduação alcoólica  e nove mil bebem regularmente vinho, sendo que a metade abusa”.


A pobreza nos últimos decênios do século XIX era tal, explica Marco Porcella no livro La fatica e la Merica, que uma fonte de ganho das famílias que trabalhavam na agricultura, era devido totalmente ao sacrifício das mulheres (amas de leite) em criar os órfãos no lugar do estado. Explica:

eram os órfãos, filhos quase sempre ilegítimos, que nas grandes cidades nunca faltavam, abandonados nas Rodas (dos orfanatos). Nas pequenas cidades onde não havia a Roda dos orfanatos, as crianças eram abandonadas nos degraus das igrejas, nas portas dos párocos ou ainda mesmo nas mãos das parteiras. Uma boa parte deles estavam desnutridos, enregelados, alguns prematuros, morriam nos primeiros dias. Em períodos de ausência de epidemias ou outras circunstâncias excepcionais se calculava uma mortalidade infantil na ordem de 33%. Nas cidades a maioria deles eram abandonados devido a crenças das amas de leite que eles poderiam transmitir doenças para os seus filhos verdadeiros. Se acreditava que o “filho da culpa” transmitisse à ama de leite e portanto ao irmão de leite, filho legítimo, doenças como a sífilis, que na verdade vinha diagnosticada como causa da morte. Transcorrido um ano a criança “de leite” se transformava em “criança de pão” e podia ser criado até os doze anos de idade, depois do que o hospital cessava qualquer responsabilidade.

Nos relatos do médico Luigi Alpago Novello, que trabalhava entre os pequenos agricultores na província de Treviso na segunda metade do século XIX, fruto da necessidade mais absoluta, podemos aquilatar a importância que, nas famílias carentes, se dava então aos membros doentes em relação aos animais que forneciam o sustento para todos. Diz o médico em seu relato:

Os membros de uma família são avaliados em razão do que podem produzir para o grupo, daquilo de útil que podem trazer para todos. A morte daqueles que são incapazes ou pouco adaptados para o trabalho, ou aqueles que portadores de doenças incapacitantes ficam limitados ao leito por muito tempo, são de menor importância e a dor da sua morte é muito menor, não direi de grande animal, uma vaca ou um boi, mas de uma simples ovelha ou cabra. Se adoece um bovino a família fica em desesperação e correm para o veterinário – se gratuito – ou a um curador e executam todas as ordens por ele dadas. Frequentemente percorrem muitos quilômetros para chamar o veterinário para que venha consultar o vitelo “que tem pouca vontade de comer”. Por outro lado deixam adoecer e morrer as crianças sem qualquer chamado do médico e muitas vezes sem ao menos executar as suas prescrições’.


Os avanços da medicina e as campanhas de higiene em toda Itália, e particularmente no Vêneto durante a dominação austríaca, fizeram com que em 1911 a idade média dos óbitos subisse, de apenas seis anos e meio para trinta anos. Entretanto a mortalidade infantil continuava altíssima. No mesmo ano de 1911 as crianças abaixo de cinco anos representavam 38% do total de mortos.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS

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