Na Itália do final do século
XIX a miséria e fome estavam presentes em milhares de famílias de norte a sul da
península. Segundo a chamada Investigação Agrária Jacini sobre o mundo agrícola
italiano e publicada à partir de 1880 já nos relatava:
“Nos vales alpinos e naqueles dos apeninos, nas planícies da Itália
meridional e também em algumas províncias melhor cultivadas do norte, existem
casebres onde em um único aposento enfumaçado, sem circulação de ar e sem
iluminação, vivem juntos homens, cabras, porcos e galinhas.
E esses casebres se contam
talvez em centenas de milhares por todo o país”.
Ainda na mesma investigação
agrária Jacini podemos encontrar:
“A estrebaria é a parte principal da casa do pequeno agricultor, é ao
mesmo tempo o local para o gado, o salão e o santuário da família. É na
estrebaria que passam os longos invernos; é lá que a dona de casa recebe os
parentes e amigos; é lá que a família trabalha, se diverte, come e dorme. Enquanto
as mulheres costuram, remendam e giram o fuso, os homens jogam cartas ou passam
o tempo contando casos”.
Continuando
nos relatos da mesma pesquisa:
“O consumo excessivo e quase exclusivo de polenta, onde na média cada
pessoa consumia 33 K ao ano, as vezes mais nas províncias do norte, a pelagra
era uma doença muito prevalente. Era conhecida por doença dos 3 D: dermatite,
diarreia e demência. O principal pelagrosário italiano estava em Mogliano
Veneto, na província de Treviso”.
Ainda de acordo com a mesma
investigação sobre o mundo agrícola entorno do ano de 1880 podemos ler:
“Era muito dura a vida na planície padana e na região da “pedemontana”
vêneta e lombarda que nos lugares onde existiam parreiras os pequenos
agricultores acrescentavam o vinho a dieta muito pobre, sempre à base de
polenta sem gosto, que para melhorar o sabor a passavam cada membro da família
a sua vez, sobre um pedaço de arenque defumado. O vinho faz sangue diziam!
Segundo a Revista Vêneta de
Ciências Médicas citada por Eduardo
Pittalis, no seu livro Dalle Tre Venezie
al Nordest, entre os séculos XIX e XX, em uma pesquisa entre doze mil
estudantes primários da província somente três mil não bebem, cinco mil bebem
bebidas com alta graduação alcoólica e
nove mil bebem regularmente vinho, sendo que a metade abusa”.
A pobreza nos últimos
decênios do século XIX era tal, explica Marco Porcella no livro La fatica e la Merica, que uma fonte de
ganho das famílias que trabalhavam na agricultura, era devido totalmente ao
sacrifício das mulheres (amas de leite) em criar os órfãos no lugar do estado.
Explica:
“eram os órfãos, filhos quase sempre ilegítimos, que nas grandes cidades
nunca faltavam, abandonados nas Rodas (dos orfanatos). Nas pequenas cidades onde não havia a Roda dos orfanatos, as crianças
eram abandonadas nos degraus das igrejas, nas portas dos párocos ou ainda mesmo
nas mãos das parteiras. Uma boa parte deles estavam desnutridos, enregelados, alguns prematuros, morriam nos primeiros
dias. Em períodos de ausência de epidemias ou outras circunstâncias
excepcionais se calculava uma mortalidade infantil na ordem de 33%. Nas cidades
a maioria deles eram abandonados devido a crenças das amas de leite que eles
poderiam transmitir doenças para os seus filhos verdadeiros. Se acreditava que
o “filho da culpa” transmitisse à ama de leite e portanto ao irmão de leite,
filho legítimo, doenças como a sífilis, que na verdade vinha diagnosticada como
causa da morte. Transcorrido um ano a criança “de leite” se transformava em
“criança de pão” e podia ser criado até os doze anos de idade, depois do que o
hospital cessava qualquer responsabilidade.
Nos relatos do médico Luigi Alpago
Novello, que trabalhava entre os pequenos agricultores na província de Treviso
na segunda metade do século XIX, fruto da necessidade mais absoluta, podemos aquilatar
a importância que, nas famílias carentes, se dava então aos membros doentes em
relação aos animais que forneciam o sustento para todos. Diz o médico em seu
relato:
“Os
membros de uma família são avaliados em razão do que podem produzir para o
grupo, daquilo de útil que podem trazer para todos. A morte daqueles que são
incapazes ou pouco adaptados para o trabalho, ou aqueles que portadores de
doenças incapacitantes ficam limitados ao leito por muito tempo, são de menor importância
e a dor da sua morte é muito menor, não direi de grande animal, uma vaca ou um
boi, mas de uma simples ovelha ou cabra. Se adoece um bovino a família fica em
desesperação e correm para o veterinário – se gratuito – ou a um curador e
executam todas as ordens por ele dadas. Frequentemente percorrem muitos
quilômetros para chamar o veterinário para que venha consultar o vitelo “que
tem pouca vontade de comer”. Por outro lado deixam adoecer e morrer as crianças
sem qualquer chamado do médico e muitas vezes sem ao menos executar as suas
prescrições’.
Os avanços da medicina e as campanhas
de higiene em toda Itália, e particularmente no Vêneto durante a dominação
austríaca, fizeram com que em 1911 a idade média dos óbitos subisse, de apenas
seis anos e meio para trinta anos. Entretanto a mortalidade infantil continuava
altíssima. No mesmo ano de 1911 as crianças abaixo de cinco anos representavam
38% do total de mortos.
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS
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