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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

A Estrutura Constitucional da Sereníssima

 


A República Sereníssima de Veneza ilustrou uma extraordinária longevidade, estabilidade e desenvolvimento por mais de quinhentos anos, atribuindo-se a sua decadência principalmente a fatores externos. O Doge, figura central tanto administrativa quanto militar, detinha o poder do Estado e da soberania territorial, porém suas ações estavam sujeitas à aprovação do Conselho dos Dieci, ou Conselho Menor, criado em 1033 com dois conselheiros, aumentando para seis em 1179. Este conselho era composto por seis patrícios, cada um representando um sestiere por um ano. O Conselho dos Dieci, presidido pelo Doge e seus seis conselheiros, representava uma magistratura poderosa, composta por dez senadores eleitos pelo Grande Conselho ou Conselho Maior. Todos os nobres do sexo masculino com mais de vinte e cinco anos faziam parte deste corpo, não havendo eleições diretas. Os Capitães do Conselho Maior eram sorteados mensalmente e responsáveis por abrir as correspondências destinadas ao Conselho, além de convocá-lo em datas fixas ou em casos de urgência. Foi sob a liderança desses dez senadores que se instituiu o Tribunal Secreto dos Inquisidores do Estado, composto por três magistrados, dois eleitos entre os dez e um entre os Conselheiros do Doge. Com o passar do tempo, este órgão se tornou progressivamente influente, expandindo suas atribuições para abranger possíveis crimes relacionados à impiedade e delitos contra o Estado, além de interferir em questões políticas, especialmente visando indivíduos desfavorecidos pelos aristocratas. Esta observação é corroborada por Casanova em suas memórias, durante sua detenção nos Piombi, onde ele comenta: "A singularidade das ações do Tribunal reside no fato de que ninguém conhece suas motivações: o segredo é a essência desta formidável magistratura, apesar de sua inconstitucionalidade, sendo considerada essencial para a preservação do bem público."

O Conselho Maior, anualmente eleito, nomeava diversas magistraturas e conselhos, que em conjunto compunham o Senado. Este órgão elegia três Comissões de Sábios, que juntamente com outros magistrados formavam o Colégio Excelentíssimo, composto por vinte e quatro patrícios, incluindo o Doge, seis conselheiros, os três líderes da Quarantia Criminal, os seis Grandes Sábios, os cinco Sábios da Terraferma e os cinco Sábios das Ordens. A participação de não aristocratas era prevista em todas as reuniões do Senado, sob a presidência do Doge e do Conselho Menor, com a assistência dos secretários da chancelaria ducal e de seu chefe, todos não pertencentes à nobreza.

Os "barnabotti", nobres em declínio financeiro que tentavam vender seus votos para melhorar suas condições econômicas, foram um elemento disruptivo e, ao mesmo tempo, um estímulo para as instituições dogais. Estes indivíduos buscavam contatos com nobres em posição de destaque, oferecendo seu voto como moeda de troca para uma melhoria de suas condições.

O respeito à legalidade era assegurado pela Avogaria do Dogado (advocacia), uma vez que o poder do Chefe de Estado, dos vários Conselhos e magistraturas, residia no Conselho Maior. Assim, a estrutura constitucional do Estado Veneziano evidenciava claramente sua natureza oligárquica, embora as múltiplas instâncias de poder público, as interferências entre as principais magistraturas e a rotatividade de cargos dentro das estruturas constitucionais servissem como uma salvaguarda contra abusos de poder e personalização do governo. Esta constituição extraordinária confiava o poder a indivíduos considerados capazes, que, apesar de controlarem as competências e habilidades, não detinham poderes de longo prazo.