A festividade da Madonna della Salute, celebrada em 21 de novembro em Veneza, é profundamente enraizada na história da cidade, especialmente durante a terrível epidemia de peste bubônica que assolou o norte da Itália entre 1630 e 1631. Como mencionado por Alessandro Manzoni em "I Promessi Sposi", essa epidemia teve um impacto devastador na população veneziana.
A transmissão da peste bubônica ocorria principalmente através das pulgas dos ratos, que eram abundantes em áreas urbanas densamente povoadas. Para combater essa ameaça, os venezianos recorreram aos gatos, conhecidos por sua habilidade na caça a roedores. Durante a era da Sereníssima, quando Veneza era uma potência marítima, os gatos eram incluídos nas embarcações que partiam em longas viagens comerciais ao Oriente.
Os venezianos não escolhiam gatos comuns; eles preferiam raças específicas conhecidas por sua agilidade e destreza na caça, como os "soriani" importados da Síria. No entanto, mesmo com essas precauções, o risco de transportar ratos inadvertidamente em navios comerciais persistia. Diante dessa ameaça contínua, os venezianos organizaram expedições à Dalmácia para abastecer os navios com gatos adicionais, que eram então soltos pelas ruas e praças da cidade.
Esses elegantes felinos venezianos rapidamente se tornaram parte integrante da vida na cidade. Os venezianos nutriam um carinho especial por esses animais, reconhecendo sua importância na proteção contra a propagação da peste. Mesmo diante da tragédia da epidemia, os gatos permaneceram como figuras fundamentais na história de Veneza, sendo considerados heróis peludos que contribuíram para preservar a saúde da população.
Além do papel prático dos gatos na defesa contra os roedores durante a epidemia, sua presença na cultura veneziana ganhou contornos especiais. Os gatos não eram apenas considerados guardiões eficazes contra a peste, mas também adquiriram um significado simbólico na vida cotidiana dos venezianos. Sua elegância e agilidade eram admiradas, e muitos viam neles uma representação da graça e da destreza que a cidade buscava em tempos difíceis.
Durante as expedições à Dalmácia para trazer mais gatos, os venezianos não apenas garantiam a segurança sanitária da cidade, mas também reforçavam a conexão única entre Veneza e esses animais. Os gatos tornaram-se parte integrante da identidade veneziana, simbolizando não apenas a resistência contra a peste, mas também a resiliência e a adaptação em face das adversidades.
Com o tempo, a presença dos gatos em Veneza foi além da necessidade prática de controle de pragas. Os venezianos desenvolveram uma relação afetuosa com esses animais, muitas vezes cuidando deles e proporcionando-lhes um lar nos becos e praças pitorescas da cidade. Esses felinos não eram apenas guardiões da saúde pública, mas também companheiros estimados, e essa ligação especial persiste na mentalidade veneziana até os dias de hoje.
Atualmente, enquanto caminhamos pelas ruelas de Veneza, podemos capturar vislumbres fugazes desses descendentes dos valentes gatos da época da peste. A presença de gatos nas ruas venezianas serve como uma ponte viva para o passado, uma lembrança das lutas enfrentadas pela cidade e da resiliência que a caracteriza. Esses felinos, muitas vezes solitários, tornam-se embaixadores silenciosos de uma época em que Veneza contou com sua destemida população de gatos para superar uma das mais desafiadoras crises de sua história.