Paroquianos na frente da Igreja de Santa Felicidade
em foto do final do século XIX
Nascido no ano de 1834, em Valstagna um pequeno município da província de Vicenza, região do Vêneto, assumiu a paróquia de Santo Spirito in Oliero, em 1871. Oliero era uma pequena "frazione" do município de Valbrenta, localizada em meio do vale do rio Brenta. Pelos relatos dos imigrantes era um bom pároco, que desenvolvia o seu dever com atenção e dedicação para os seus paroquianos.
Nessa mesma época, na sua paróquia, como também nas demais da vizinhança, estavam enfrentando novas dificuldades, além daquelas que já estavam passando causadas pelas condições cada vez piores da economia italiana e do Vêneto em particular. A cultura do tabaco, quase o único produto cultivado em todo o vale, agora passava a sofrer com as rigorosas novas taxas impostas pelo governo para o seu plantio. Quem quisesse cultivá-lo deveria pagar ao governo esse novo imposto. Em todo o vale ainda se produziam frutas e cultivavam parreirais, além da criação de pequenos animais: galinhas, alguns porcos e poucas vacas, insuficientes para manter a vida de uma família.
As notícias de que alguns países localizados do outro lado do oceano, estavam recrutando, em todo o Vêneto, grande quantidade de mão de obra e que até pagavam pelos bilhetes do transporte de navio, correram rapidamente por todo o vale. Para aquela pobre gente esta notícia trouxe um fio de esperança em uma nova vida.
A ideia de emigrar tomou conta de todos e passou a ser a conversa preferida quando os pequenos agricultores e artesãos se encontravam na igreja para missa ou nas osterias. Don Angelo Cavalli era um entusiasta da emigração e nela via a única saída possível para salvar os seus paroquianos da pobreza. Estava decidido a partir para o Brasil com alguns dos seus familiares, acompanhando centenas de pequenos agricultores e alguns artesãos. Para a concretização desse projeto, em 23 de dezembro de 1876, escreveu para o seu bispo pedindo a sua devida permissão. Escreveu: "Estou decidido emigrar para o Brasil, como bom sacerdote e para fazer o bem". E terminou esta sua carta prometendo: "... ajustar as minhas coisas de modo que não surjam escândalos".
Mas, essa sua decisão trouxe inúmeras atribulações para ele. Já em 12 de fevereiro de 1877 foi convocado pelo Comissário Distrital de Bassano para prestar esclarecimentos sobre tudo que sabia a respeito de um projeto de emigração do Vale do Brenta. Nesse encontro explicou às autoridades que já havia tido contato com o Sr. Clodomiro De Bernardis, em Gênova, um agente de emigração trabalhando para o Sr. Caetano Pinto, comendador do império do Brasil, a conselho do vice cônsul em Veneza. Explicou que já havia acertado o translado de duzentas famílias de agricultores do Vale do Brenta. Segundo suas declarações, o vice cônsul tinha afirmado que a companhia marítima de Clodomiro De Bernardis oferecia as melhores condições de viagem e também eram as mais seguras. Don Angelo ainda declarou para as autoridades que tinha obtido as informações sobre todas as condições que o governo brasileiro oferecia para aqueles que estivessem dispostos à partir em emigração, para cultivar as terras do sul do Brasil. De posse de tais informações iniciou a inscrever os interessados, colocando-os em uma lista de espera para a partida.
As autoridades italianas estavam desconfiadas que Don Angelo Cavalli estava enganando os agricultores, cobrando pelas inscrições na lista de espera e também para a emissão dos documentos necessários para deixar a Itália. Nesse meio tempo as autoridades da Cúria de Padova já sabedoras do que estava ocorrendo, haviam decidido pela suspensão de Don Angelo, tendo o monsenhor Federico Manfredini, que era então o bispo, o admoestado e exigindo o encerramento daquelas inscrições de emigrantes.
Por sua vez, a justiça italiana iniciou um processo contra Don Angelo imputando a ele uma pena por contravenção do artigo 54 da lei de segurança pública, entendendo ter ele se prestado como agente de emigração clandestina, sem a devida autorização das autoridades. Entretanto nesse período não havia ainda qualquer normatização da figura do agente de emigração, somente tinham sido emitidas algumas circulares que tentavam evitar abusos e fraudes com os que pretendiam emigrar. Com elas procurava-se alertar e coibir a emigração considerada artificial, forçosamente incitada por agentes de emigração, o que não era caso de Don Angelo.
Em sessão do dia 28 de fevereiro de 1877 o pretor de Valstagno, depois de ouvir as alegações da acusação e da defesa, sentenciou por absolvição, por não haver provas suficientes para condenar o pároco. Com essa decisão da justiça, Don Angelo e as famílias de emigrantes, aguardavam a autorização para o embarque, o qual inexplicavelmente tardava chegar de Gênova. Também, através de cartas, pediu por diversas vezes ao bispo a licença para poder se ausentar da paróquia e a sua reabilitação de poder rezar missa, suspensa já no início do processo. No mês de junho foi até Gênova para acompanhar, junto a companhia de navegação, a marcação do dia da partida para o Brasil. Isto custou a ele duas novas acusação por parte das autoridades policiais, as quais invocavam que Don Angelo havia incorrido novamente na lei de segurança pública como suspeito de fraudes e por ter aberto um escritório de correspondência sobre a emigração para a América, sem ter as devidas autorizações das autoridades competentes. Na noite desse mesmo dia a polícia fez uma incursão na casa de Giovanni Battista Cavalli, irmão do padre Angelo, onde ele ainda estava morando e sequestraram dez cartas que ele havia enviado ao agente De Bernardis. Com base nessas cartas instruíram um novo processo e situação se agravava para Don Angelo. Em 15 de junho foi novamente convocado ao escritório do pretor de Valstagna para ser admoestado por suspeita de fraudes com a emigração para a América. Ao se desculpar ele declarou: ... que não tinha feito nenhuma especulação com a emigração, mas, somente ter endereçado, aos seus companheiros, as normas relativas de onde podiam obter as informações para o que eles desejavam". As suas explicações não foram bem aceitas e o comissário, baseado na ajuda de duas testemunhas, o acusou de "agente não autorizado de emigração, e mais de ser um intrometido negociante de carne humana". No dia 21 de Junho teve que comparecer perante o procurador de justiça e no dia 27 de junho de 1877 novamente frente ao Pretor de Valstagna para se defender da acusação de "ter aberto um escritório sem ter obtido a autorização das autoridades". Nessa ocasião Don Angelo foi considerado culpado e condenado a um dia de reclusão em cárcere, além do pagamento de 20 liras de multa e despesas processuais. O advogado de Don Angelo apelou no mesmo dia contra esta decisão, alegando entre outras coisas que o estavam usando como bode expiatório pelas autoridades políticas para deter a vontade de emigrar dos agricultores do Vale do Brenta. Acolhido o recurso foi marcada a data de 28 de junho para a nova audiência. Nesta foi novamente absolvido de todas as acusações. No mês de Agosto o bispo concedeu a Don Angelo a permissão para deixar a paróquia.
Os problemas com justiça ainda não tinham acabado para Don Angelo. No período de tempo entre o processo de junho e a apelação do fim de julho, o padre viajou novamente para Gênova e isso não passou desapercebido para a polícia, que o mantinha em constante vigilância. Agora o estavam acusando de contravenção por ter se afastado da sua casa, no período em que aguardava a sua apelação, sem comunicar às autoridades. Em 7 de agosto foi novamente preso porque várias pessoas que queriam emigrar teriam ido até a sua residência e as autoridades suspeitavam que eles tivessem entregue dinheiro para agilizar as suas viagens. Em 20 de agosto recebeu outra intimação para comparecer ao tribunal de Valstagna para responder acusação de "contravenção por ter se ausentado de casa no dia 11 de julho e por suspeita de fraudes na emigração". Don Angelo foi novamente absolvido das acusações apesar do comissário distrital de Bassano ter feito de tudo para incrimina-lo como um agente clandestino de emigração.
No final de setembro partiu da Itália em condições de semi clandestinidade porque o documento que o autorizava sair oficialmente da sua diocese e continuar a exercitar o sacerdócio nunca chegou em suas mãos e nem foi posteriormente concedido. Isso pode ser comprovado por duas cartas que enviou ao bispo pedindo a sua demissão, enviadas desde a província do Paraná, Brasil, com datas de 11 de maio 1878 e de 19 de abril de 1879.
Continua em outro post com o título: O Triste Fim de Don Angelo Cavalli
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS
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