quarta-feira, 3 de agosto de 2022

As Condições Sanitárias do Emigrantes Italianos a Bordo

Exame oftalmológico no desembarque no porto de Ellis Island, NY, Estados Unidos



 


Nas últimas décadas do século XIX, as partidas de emigrantes italianos para as Américas aumentaram bastante. Nesse período as viagens, nas antigas embarcações a vapor, então disponíveis, eram muito demoradas, podendo durar mais que um mês.

Eram mais de trinta dias embarcados sem qualquer conforto, em escuros e mal ventilados porões, onde antes era a estiva desses barcos, que transportavam todo o tipo de mercadorias. Esses grandes espaços, abaixo da linha d'água, que antes transportavam carvão e outros materiais, foram precariamente adaptados para o transporte de seres humanos. 

Nesse período ainda não havia uma regulamentação que norteasse esse transporte. Foi somente em 1901 que o parlamento italiano aprovou a primeira lei que disciplinava alguns aspectos desse transporte em massa de pessoas, como as condições da higiene a bordo. Até então a situação do transporte marítimo dos emigrantes italianos era bastante precário, faltava limpeza e espaço para o grande número de passageiros que as companhias amontoavam nos seus navios, procurando assim obter o maior lucro possível.





Os beliches eram colocados em duas ou três fileiras, muito próximas umas das outras, e o ar provinha das pequenas escotilhas. Eram providos de sacos com palha, que faziam as vezes de colchões, mas, que nunca eram trocados durante toda a travessia. Esse amontoado de pessoas facilitava o aparecimento frequente de doenças respiratórias, especialmente nas crianças, nos mais velhos e debilitados.

Nesses aposentos não havia água corrente ou instalações sanitárias disponíveis para todos. Baldes de madeira com tampa, colocados nas extremidades das fileiras de beliches, eram os únicos existentes para satisfazer as necessidades fisiológicas desse grande número de passageiros.  Como a grande maioria deles não estava habituada com o balanço contínuo do navio, causado pelas marolas e grandes ondas, os vômitos eram muito frequentes e só dispunham dos mesmos recipientes.

A sujeira e a falta de limpeza eram tais que, após alguns dias de viagem, o ar se tornava irrespirável naqueles porões mal ventilados. 

A água potável para o consumo dos passageiros durante toda a travessia, era conservada em grandes caixas de ferro revestidas com cimento. Mas, com o balanço constante do navio, não era raro que este cimento se  desprendesse e ao se esfarelar turvava a água que, em contato com o ferro oxidado adquiria uma tonalidade avermelhada de ferrugem. 

A alimentação fornecida a bordo era geralmente rica em proteínas, a maior parte das vezes, superior em quantidade e qualidade que  a habitual, do dia a dia que aqueles pobres emigrantes tinham em casa. Em certas viagens aconteceu que a alimentação foi insuficiente e de qualidade muito ruim. Comia-se por turnos, em grandes mesas comunitárias, onde um membro de cada família estava incumbido de ir até a cozinha buscar a comida para os outros.  

O estado de desorganização dos serviços de saúde para a emigração, tanto em terra como a bordo, se prolongaram até bem depois da I Grande Guerra.

Uma parte importante do fluxo migratório italiano escapava por completo a qualquer forma de controle sanitário, seja porque embarcava e desembarcava em portos estrangeiros, ou porque viajava em navios sem serviços de saúde, ou porque embarcava em formas semi clandestinas, toleradas por muitas companhias de navegação. 

A análise dos números fornecidos pelas estatísticas para o período entre 1903 e 1925 mostra claramente a persistência, durante todo o período considerado, de algumas doenças tanto naquelas viagens de ida como nas de volta das Américas.

Apesar de não serem totalmente confiáveis, as  estatísticas existentes da saúde dos emigrantes durante as viagens transoceânicas, são as únicas ferramentas disponíveis para um estudo mais profundo das condições sócio sanitárias.

Algumas doenças tinham uma maior prevalência que outras e variavam de acordo com o sentido da viagem, se era da Itália para a América ou no sentido contrário. A malária e o sarampo prevaleciam nas viagens de ida para as Américas. Nas viagens para os países da América do Sul o tracoma e a escabiose eram as doenças mais relevantes. Enquanto que na volta desses países para a Itália as doenças mais comuns eram a tuberculose e o tracoma e com taxas um pouco mais baixas, a também a ancilostomíase.  




  

Os emigrantes que foram para os Estados Unidos, quando retornavam para casa, traziam a tuberculose pulmonar, o tracoma e muitos deles as doenças mentais. A mortalidade e a presença de doenças, nas viagens de ida e volta para os países da América do Sul, eram maiores daquelas dos Estados Unidos. Isso era devido que o fluxo migratório para esse país foi composto por pessoas em melhores condições de saúde e na faixa etária de maior condicionamento físico. Os exames médicos realizados nos emigrantes que iam para os Estados Unidos eram muito mais severos, tanto na seleção que faziam na Itália como os realizados no porto de recepção.