sexta-feira, 13 de junho de 2025

Entre Vinhas e Tempestades: A Épica Jornada de Rinaldo da Itália ao Brasil





Entre Vinhas e Tempestades 
A Épica Jornada de Rinaldo 


Colônia Dona Isabel, Brasil, Inverno de 1889

Querido cunhado Michelle,

Espero que esta carta o encontre em boa saúde, junto de sua querida família em Casalbutano. Escrevo para compartilhar as mudanças em nossa vida desde que partimos de nossa terra natal, em busca de um futuro que, por tanto tempo, nos pareceu apenas um sonho distante. Ao chegarmos ao Brasil, fomos recebidos por desafios que testaram nossa força de corpo e alma. A Colônia Dona Isabel, com suas terras prometidas, era um vasto território de mata fechada. Os primeiros meses foram consumidos pelo trabalho incessante de desbravar a floresta, abrir espaço para o plantio e erguer um abrigo simples que chamamos de lar. O primeiro ano foi de extrema dificuldade. O que plantávamos mal crescia, e as chuvas inesperadas transformavam tudo em lama também os animais selvagens consumiam parte da pequena colheita. Os alimentos que trouxemos da Itália e aqueles fornecidos pelo governo brasileiro acabaram rapidamente, deixando-nos vulneráveis em meio às incertezas desta nova terra. A fome, companheira constante, obrigou-nos a buscar na natureza formas de sustento que jamais havíamos imaginado. Descobrimos, por necessidade, o pinhão, fruto de uma majestosa árvore chamada araucária, tão diferente de tudo que conhecíamos em Casalbutano. No início, olhávamos com desconfiança para aquelas sementes duras e estranhas, mas, guiados pelos conselhos dos habitantes locais e por nossa própria determinação, aprendemos a cozinhá-las e incluí-las em nossa dieta. Foi um aprendizado que veio não apenas com esforço físico, mas também com a aceitação de que o que a terra nos oferecia era agora parte de nossa sobrevivência. Infelizmente perdemos nosso pequeno filho Luca para a febre, uma dor que ainda carregamos e que, muitas vezes, quase nos fez desistir. Mas, apesar das lágrimas e do sofrimento, decidimos continuar. Com o tempo, aprendemos a lidar com a terra e os desafios desse novo mundo. Hoje, escrevo para contar que nossa vida aqui começa a florescer. Os campos, antes hostis, agora nos dão trigo, milho e videiras que prometem vinhos como os de nossa Cremona. Temos o suficiente para alimentar nossa família e até ajudar os vizinhos em necessidade. Construímos uma pequena comunidade que lembra, em alguns aspectos, nossa Casalbutano. Agora há risos de crianças, missas na capela recém-construída, e uma sensação de que, juntos, podemos vencer qualquer adversidade. Não é fácil, Michelle, mas é possível – e isso nos enche de esperança. Gostaria que vocês pudessem ver o que realizamos aqui. A saudade de nossa terra natal é grande, e penso frequentemente nas manhãs frias de nossa vila, nos aromas das colheitas e nas vozes familiares. Mas aqui encontramos um lar onde nossos sonhos, enfim, podem se concretizar. Que Deus os proteja e lhes dê força. Escreva-nos quando puder, pois suas palavras sempre aquecem nossos corações.

Com todo meu carinho e saudade,

Rinaldo



Nota do Autor

Este trecho faz parte da nova obra de Piazzetta e nasceu do silêncio dos porões de navios, do eco das montanhas do norte da Itália e do sopro dos ventos úmidos que cortam os campos da serra gaúcha. “Entre Vinhas e Tempestades” é mais que um romance histórico — é um tributo às raízes, às esperanças e às dores de milhares de italianos que cruzaram o oceano em busca de dignidade, terra e futuro. Rinaldo, protagonista desta jornada, é um personagem forjado a partir da realidade de tantos imigrantes que deixaram para trás as vinhas da sua infância e os campanários das vilas para enfrentar o desconhecido. O ano de 1889, tão decisivo para o Brasil quanto dramático para a Itália recém-unificada, marca o pano de fundo desta travessia física e espiritual. A epopeia de Rinaldo é, ao mesmo tempo, pessoal e coletiva — nela estão condensadas as alegrias, as perdas e os renascimentos que fizeram da imigração italiana um dos capítulos mais humanos da história do Brasil.
Escrever este livro foi como arar a terra da memória com palavras. Cada capítulo é construído com base em cartas, registros, relatos orais e vestígios emocionais que persistem nas famílias dos descendentes. É uma tentativa de dar voz aos que não puderam contá-la, de iluminar os cantos esquecidos das colônias, das lavouras e das vidas anônimas que ergueram cidades e plantaram culturas.
Que este romance possa servir de espelho para os que buscam entender de onde vieram, e de ponte para os que ainda procuram onde fincar suas raízes.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta