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sexta-feira, 14 de agosto de 2020

A Mulher Italiana em Emigração

 



Um dos aspectos do fenômeno migratório italiano que continua, ainda hoje, muito subestimado pelos estudiosos da história contemporânea é sem dúvida o papel desempenhado pelas mulheres durante a grande emigração do final do século XIX e o início do século XX. 
Por muito tempo se pensou que a necessidade de emigrar tinha sido uma atividade da qual somente  os homens tinham sido envolvidos, cabendo à elas ficar em casa esperando o seu retorno. Entretanto os fatos ocorridos não aconteceram desta maneira. Estudos estatísticos do fenômeno emigratório do início do século XX relatam que, de um total de aproximadamente 14 milhões de emigrantes de ambos os sexos, as mulheres representavam de 20 a 40% desse total, variando bastante de acordo com as fases históricas em que ocorreram. 



Historicamente, até então, os homens representavam a maioria dos emigrados temporários, geralmente, para os países mais ricos da própria Europa e o faziam anualmente, retornando para casa assim que terminado o período de trabalho para o qual tinham sido contratados. Era a chamada "emigrazione delle rondini” onde emigrava-se por um tempo, geralmente nos períodos entre as safras, quando o trabalho agrícola naturalmente diminuía nos campos.

 Esses períodos de emigração temporária masculina se repetia anualmente, podendo variar os destinos, conforme a demanda de mão de obra. Emigrações de artesãos já eram muito comuns, onde homens, às vezes, de uma mesma família, viajam para fora da Itália, muitos sozinhos outros em grupo, para exercerem os seus ofícios em terras distantes da própria Europa, tais como ocorria deste muito tempo com os fabricantes e restauradores de cadeiras, os conhecidos como careghetas, a mesma coisa com os afiadores de facas, chamados de moletas, também com os artesão que fabricavam e reparando-se panelas, e assim por diante com várias outras profissões da época. 


As mulheres, de algumas partes da Itália, também foram envolvidas nesse processo, obrigadas a fazer essa emigração temporária, como por exemplo as amas de leite, lá conhecidas por balie, tais como aquelas mulheres da província de Belluno, muito requisitadas pelas famílias ricas de toda Itália e também de outros países da Europa. 

Deixavam os próprios filhos aos cuidados de avós ou de outras mulheres e viajavam para outras cidades para aleitar os filhos de outras. Ainda assim, sempre era uma emigração por prazo determinado, retornando para casa após algum tempo de trabalho. 


Quando no final do século XIX e no início do século XX as condições de vida na Itália, por diversos motivos, se agravaram muito, particularmente após 1870 e até o início da primeira grande guerra em 1914, quando o fenômeno emigratório voltou a ter um grande crescimento, passando então de temporário para se transformar em definitivo, isto é, não mais retornavam para casa. 

Devido as precárias condições econômicas da Itália de então, onde o desemprego no campo alcançava níveis nunca vistos e a fome já rondava as casas dos menos favorecidos, foram obrigados a enfrentar uma longa e extenuante viagem, com somente uma passagem de ida. 

No início desse grande êxodo partiam somente os homens, para mais tarde, depois de instalados na nova pátria e se lá encontrassem condições favoráveis, mandavam então vir o restante da família: mulher, filhos, pais ou sogros. 


As mulheres então passaram a emigrar, de forma definitiva, para a outros países da Europa ou na maioria para países longínquos, como o Brasil, Argentina e Estados Unidos, localizados do outro lado do grande e desconhecido oceano, para se reunirem aos seus maridos, pais, irmãos ou filhos, que já tinham partido primeiro. 



As mulheres italianas, antes mesmo do período de emigração dos maridos, não desempenhavam um papel secundário ou de menor importância na economia familiar. A tarefa delas em primeiro lugar era levar para frente sozinha as tarefas da casa, da terra, da alimentação e educação dos filhos, e de também possíveis outros membros mais idosos da família, como pais ou sogros, da administração dos parcos recursos oriundos das remessas enviadas pelos entes queridos que já estavam trabalhando no exterior. 
Essa repentina disponibilidade econômica, associada aos novos papéis que tiveram que desempenhar com a partida dos homens, permitiu que elas adquirissem um certo grau de emancipação, impensável alguns anos antes. 



Tiveram que se adaptar às novas necessidades, aprendendo a fazer compras sozinhas nos comércios locais, a negociar algum produto excedente oriundo do trabalho no campo, a irem ao correio ou à qualquer outra repartição pública local, tudo isso proporcionou um rápido crescimento social para as mulheres, que até então viviam bastante isoladas, circunscritas à casa, em uma comunidade onde o homem mandava e tinha a prioridade em tudo. 


Por outro lado, as mulheres que viveram a experiência de emigrar, muitas vezes, tiveram que enfrentar uma vida não muito diferente daquela que haviam deixado em suas casas na Itália. A grande maioria delas se juntou aos seus homens para exercer o papel usual de esposa, mãe e amante. 
Para essas que emigraram a emancipação foi mais difícil, demorando mais para chegar.
Essa maior liberdade veio mais tarde graças ao trabalho que precisaram realizar nas fábricas, fora das suas casas, para complementarem o orçamento familiar. Muitas dessas mulheres menos afortunadas, empregadas em fábricas no exterior eram, muitas vezes, submetidas à jornadas de trabalho muito duro, com turnos diários extenuantes, exploradas e privadas de muitos direitos básicos do trabalho. 

Mulheres trabalhando nas fazendas de café no Estado de São Paulo

As mulheres que emigraram para as cidades dos Estados Unidos, tiveram uma vida bastante diversa e executaram trabalhos muito diferentes daquelas que emigraram para o Brasil ou Argentina. 
Também, aqui no Brasil, a vida dessas emigrantes foi muito diferente quando analisamos o local para onde elas foram destinadas. 
A mulher emigrante que veio para o sul do Brasil, tiveram uma experiência bastante diferente daquelas que foram destinadas ao trabalho nas grandes fazendas de plantação de café no interior do estado de São Paulo. 
Essas mulheres e os seus maridos, após alguns anos de trabalho duro nessas lavouras de café, descontentes com as precárias condições de vida nessas fazendas, uma vez terminado o contrato de trabalho e após terem quitado outras dívidas contraídas com os grandes fazendeiros, abandonaram aquela vida de confinamento e mudaram-se para as cidades vizinhas do interior paulista e a começaram a trabalhar também fora de casa.



No sul do Brasil, também podemos notar uma grande diferença na vida da mulher emigrante, conforme o estado para onde foram destinadas. Aquelas famílias que foram destinadas ao estado do Paraná, após algum tempo de permanência nas colônias governamentais que estavam localizadas no litoral e com o precoce falimento dessas, a maioria dos imigrantes italianos se transferiu para o planalto, adquirindo por conta própria lotes de terras nos arredores da capital Curitiba, uma cidade maior, com mais possibilidades de trabalho. 
Plantavam em suas propriedades, adquiridas em volta  daquela capital, como por exemplo os imigrantes que formaram Santa Felicidade, hoje um grande bairro curitibano, e negociavam os produtos da terra, levando-os até a casa dos compradores em carroças, conduzidas, geralmente, pelas mulheres da família, através das ruas de Curitiba. 


Entre a colônia de Santa Felicidade e a capital paranaense, na estrada, se formavam longas filas de carroças que saíam pela manhã muito cedo e retornavam para casa no meio da tarde após visitarem os seus fregueses. 

Caxias do Sul em 1880

Por outro lado, aquelas mulheres que foram destinadas para o estado do Rio Grande do Sul, se fixaram em colônias criadas pelo governo imperial, todas essas localizadas no interior, no meio do nada, muito distantes de qualquer vila ou cidade.

Nesses locais elas tiveram uma vida muito parecida com a que tinham deixado em suas vilas na Itália, se bem que após os primeiros anos da chegada, tinha agora fartura de alimentos. 

 
Caxias do Sul no início da colonização

Nessas colônias as mulheres tiveram que trabalhar muito mais que na Itália, agora em serviços muito pesados, ajudando os maridos, a construir as suas próprias casas e a derrubar a densa floresta para fazerem as suas roças. 

Caxias do Sul

A vida das imigrantes, transcorria ainda muito mais difícil daquela na Itália que tinham deixado, o que era compensado por estarem trabalhando nas terras de sua propriedade, nas quais produziam alimento em abundância. Estavam finalmente livres, não precisavam mais depender dos odiados antigos senhores. 

Colheita da Uva

Para essas mulheres a emancipação chegou bem mais tarde, muito depois da transformação dessas antigas colônias em prósperas cidades.