Em março de 1884, o escritor e jornalista Edmondo de Amicis decidiu embarcar em um navio a vapor que transportava para a Argentina, além de passageiros em viagem de negócios ou lazer, também cerca de 1.500 emigrantes italianos. O objetivo desta viagem era documentar, com uma investigação jornalística em profundidade, um fenômeno que assumia dimensões cada vez mais imponentes e que na virada do século teria afetado profundamente o destino do país. Cinco anos depois, um romance intitulado No Oceano (Em Alto Mar) nasceu dessa viagem.
A longa travessia do Atlântico durou 22 dias, e tornou-se uma ocasião para De Amicis refletir sobre o conflito agudo entre passageiros de primeira e segunda classes e passageiros de terceira classe - os sem propriedade que expatriavam para sobreviver. Aqui está o trecho com que se abre o romance, que descreve o embarque no porto de Gênova:
"Quando cheguei, ao anoitecer, o embarque dos emigrantes já tinha começado a uma hora […]: uma procissão interminável de pessoas saía do edifício em frente, onde um delegado do Quartel da Polícia examinava os passaportes. A maioria, tendo passado uma ou duas noites ao ar livre, agachados como cães nas ruas de Gênova, estavam cansados e com sono. Trabalhadores, camponeses, mulheres com bebês no peito, meninos que ainda tinham a chapa de metal do jardim de infância presa ao peito, passavam, quase todos carregando uma cadeira dobrável debaixo do braço, sacolas e malas de todos os formatos na mão ou na cabeça, braçadas de colchões e cobertores, e a passagem com o número do beliche pressionado entre os lábios.
Mulheres pobres que tinham um bebê em cada mão seguravam seus grandes fardos com os dentes; algumas camponesas velhas de tamanco, levantando as saias para não tropeçar nas travessas da ponte, mostraram as pernas nuas; muitos estavam descalços, com os sapatos pendurados no pescoço. De vez em quando, cavalheiros vestidos com flanelas elegantes, padres, senhoras com grandes chapéus de penas, que seguram nas mãos um cachorrinho, uma caixa de chapéu ou um maço de novelas ilustradas francesas passam entre aquela miséria [...]. Então, de repente, a procissão humana foi interrompida e um rebanho de gado e carneiros avançou sob uma tempestade de lenha e maldições balindo com o relinchar dos cavalos de proa, com os gritos dos marinheiros e carregadores, com o rugido ensurdecedor do guindaste a vapor, que erguia no ar pilhas de baús e caixotes.
Depois disso, o desfile de emigrantes recomeçou: rostos e roupas de toda a Itália, trabalhadores robustos com olhos tristes, velhos esfarrapados e sujos, mulheres grávidas, meninas alegres, rapazes embriagados, camponeses em mangas de camisa e meninos atrás de meninos, que mal pus os pés no convés, em meio àquela confusão de passageiros, garçons, oficiais, funcionários da Companhia de Navegação e guardas aduaneiros, espantados, ou perdidos como numa praça lotada. Duas horas depois de iniciado o embarque, o grande navio a vapor, ainda imóvel como um enorme cetáceo mordendo a costa, ainda sugava o sangue italiano".
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS