quarta-feira, 21 de junho de 2023

Danke: O Cão Que Desvendou Minha História Familiar Perdida em Pederobba, Itália




Desde quando eu ainda era apenas um menino, e isso já faz muito tempo, pois, estamos falando da década de 1950, sempre manifestei curiosidade pela história da minha família. Quem eram eles? O que faziam e de onde vieram meus antepassados? Porque tiveram que abandonar o seu país natal, quando e como vieram? Por que escolheram o Brasil? As dúvidas eram muitas. Sabia, pelo meu sobrenome, e também por esporádicos relatos de outros familiares mais velhos, que tínhamos raízes na Itália. A explicação que eu recebia deles não ia muito além disso, simplesmente, terminava por aí. Pela minha pouca idade as vagas respostas que recebia até me satisfizeram parcialmente por algum tempo. 
O tempo foi passando e já adulto comecei a fazer algumas pesquisas por conta própria, as quais, também não progrediram muito, sempre esbarrando na identificação do local da Itália de onde partiram os primeiros emigrantes da família. Meus pais, e também os poucos parentes que eu conhecia, pouco ou nada puderam acrescentar, todos estavam na mesma situação de ignorância. Parecia até que os antigos não queriam me contar a verdade. Mas, por qual razão? 
Na cidade onde nasci moravam diversas famílias que tinham o mesmo meu sobrenome, algumas delas eram de conhecidos parentes, e outras tantas, por pessoas que não se conheciam como tal. Aqueles que então contatei não puderam me esclarecer mais nada. Eu não podia me conformar com esta situação, tínhamos que ter um lugar-comum de origem, uma cidade, um estado e não somente que viemos de um país chamado Itália. 
Sem respostas para minhas perguntas, apesar de muito procurar, a estranha sensação de deslocamento da minha origem, me fazia sentir muito mal. 
Depois de alguns anos, então já casado e com filhos, queria contar para eles a nossa origem, o local de onde viemos, mas, não conseguia encontrar nada. 
Foi após comprar uma casa, com um grande quintal, que um dia resolvi que seria hora de adquirir um bom cachorro de guarda. Não sabia qual raça escolher, pois, até então conhecia algumas poucas. Lembro que ainda estávamos muito longe do advento da internet, a qual só surgiria quase trinta anos depois. Não querendo errar na escolha, emprestei de um casal amigo, e também eles grandes entusiastas por cães, um livro ilustrado sobre as diversas raças caninas então existentes no mundo. Folheando a belíssima coleção de fotos coloridas, onde os exemplares das raças estavam dispostos por casais, com as devidas especificações oficiais, como finalidades da raça, peso, altura e também uma completa explicação do comportamento de cada uma. 
Não precisei procurar muito e lá estava a foto daquele que eu me apaixonei imediatamente. Realmente, eram animais muito bonitos, fortes e considerados na época, e acredito que até hoje, os melhores cães de guarda. Tratava-se de um cão da raça Rotweiller. Feito a escolha da raça bastava agora ligar para o Kennel Clube e obter informações sobre os telefones de criadores idôneos, registrados naquele conhecido clube de cinofilia. Foi o que realmente fiz. 
Os responsáveis pela entidade perguntaram onde eu morava, a fim de facilitar o encontro. Informei onde eu morava e eles disseram que perto da minha cidade ficava um famoso canil, o mais premiado daquela raça em todo o estado. Falaram também que o casal proprietário tinha vários grandes campeões no plantel, inclusive de nível mundial. Informaram o nome do canil, que ficava em uma cidade muito próxima de onde eu moro. Seus proprietários eram também grandes fazendeiros e criadores de cavalos de raça, em um município não muito distante. O mais interessante e inesperado aconteceu quando pedi o nome desse criador, para minha surpresa tinha o mesmo meu sobrenome: era um primo, filho do irmão mais velho do meu pai, o qual desde o tempo de criança não o tinha mais visto e nem sabia mais do seu paradeiro. Ele também, depois fiquei sabendo, não sabia que eu morava assim tão perto. 



Visitando-o, fiquei impressionado com a estrutura do canil e com o tamanho daquela mãe com seus sete filhotes, nascidos a pouco mais de um mês, mas, já enormes. O primo, separou-os da mãe e me deu o privilégio de escolher o cãozinho que eu mais gostasse de toda a ninhada. Adquiri o filhote e o fui buscar algumas semanas depois, quando já tinha dois meses. Já estava devidamente registrado no Kennel Clube e recebera por acaso o nome de Danke, palavra que em alemão quer dizer "obrigado". 



Restabelecemos amizade e algum tempo depois, em uma noite, depois de um caprichado jantar em sua casa, o assunto origem da nossa família foi abordado. Ele era alguns anos mais velho que eu, mas, também nada sabia da nossa origem. Disse que o pai dele falava, que o nossos avô e o bisavô, que vieram da Itália, não gostavam muito de falar nesse assunto. 
A única coisa que lembrou, e isso não passou despercebido para mim, foi que a muitos anos antes, em um velho livro que pertencia ao nosso avô e que ficara com seu pai após o falecimento do "nonno", ele tinha encontrado um bilhete, já bastante amarelado pelo tempo, com o nome Pederobba, manuscrito a lápis. Por mais que pensasse, ele não sabia a que podia se referir. Pensei comigo que talvez fosse uma pista sobre a origem da nossa família, escondida no meio daquelas páginas do livro. 
Sabia pelo nome que era de algum lugar da Itália, mas, naqueles anos tudo era mais difícil, não tinha os meios para saber qual era, como já citei antes ainda não havia sido criada a internet. 
Naquele tempo eu já era um aficionado do radioamadorismo, fazendo diariamente contatos via rádio, com todos os países, através das grandes antenas instaladas sobre uma alta torre no quintal. Como radioamador eu era obrigado a ter um conhecimento de geografia acima da média e também recebia diariamente pelo correio, muitos cartões de confirmação dos novos contatos que realizava. Esses cartões eram, por nós radioamadores, conhecidos por QSL cards e continham informações relevantes sobre o contato, como as datas, horários, frequências e detalhes técnicos, e eram trocados como uma forma de comprovação e registro das comunicações entre os radioamadores. Com eles, era habitual o companheiro, do outro lado do mundo, enviar também um postal da cidade onde morava, com algumas palavras gentis escritas. 
Um dia recebi de um desses amigos, radioamador na Itália, um mapa da província de Treviso e um belo cartão postal da cidade de Treviso, onde morava. O cartão era patrocinado e distribuído pelo jornal local Tribuna de Treviso, em cujo logo se podia ler o endereço. Esse jornal tinha uma excelente penetração em toda a província de Treviso, especialmente aos domingos, quando então circulava por todos os municípios. 
Procurando naquele mapa, que tinha muito mais detalhes que os meus, devido a sua escala ampliada, percebi que Pederobba era um dos municípios dessa província, localizado quase na fronteira com a província de Belluno. Entendi imediatamente que tinha encontrado uma pista concreta, pois, por qual razão aquele nome estaria em um bilhete escondido entre as páginas de um livro? 
Acreditando muito nessa possibilidade, redigi uma carta para o diretor do referido jornal, com muita dificuldade é verdade, me valendo de um pequeno dicionário português-italiano para ajudar, pois, até então não sabia nada de italiano. Pelo rádio e telégrafo usávamos o inglês para se comunicar. 
Nessa carta tentei explicar quem eu era, onde morava, e que estava pesquisando sobre as minhas origens, pois acreditava que poderiam estar em algum município da província de Treviso. Pedi ao diretor fazer o favor de verificar se entre seus assinantes existia algum deles com o meu sobrenome, reforçando também que o meu interesse era simplesmente encontrar as minhas raízes. 
Naquela época, início da década de 1980, quase ninguém aqui no Brasil estava procurando pelas suas raízes na Itália, como veio acontecer a partir de alguns anos depois, com milhares ansiosos em encontrar um possível antepassado que tivesse emigrado, para assim obter o reconhecimento da cidadania italiana por "juris sanguinis", um direito conferido pela constituição italiana. 
Naquele tempo em que escrevia a carta ao diretor do jornal ninguém falava em dupla cidadania, a qual era ainda proibida pelas leis em vigor no Brasil. Quem resolvesse obter uma cidadania estrangeira deveria automaticamente renunciar aquela brasileira e o indivíduo não poderia exercer um cargo público federal, como era o meu caso. 
Passados pouco mais de um mês, recebi, quase simultaneamente, seis cartas da Itália, cujos remetentes tinham todos o meu sobrenome. O diretor do jornal Tribuna de Treviso, se comoveu bastante com a minha pequena e mal escrita carta, com diversos erros de italiano, como depois soube, e resolveu divulgá-la em uma edição dominical, aquela que circulava por toda a província. 
Das seis cartas recebidas de Pederobba, todas muito educadas e gentis, em duas delas as pessoas que escreviam eram de fato meus parentes, afastados é bem verdade, que tinham eles mesmos sofrido com a emigração para outros países e compreendiam bem o que eu estava procurando: o reencontro com a minhas raízes mais profundas. 
Um casal em especial imediatamente se prontificou em ajudar a encontrar a minha linha familiar e para tanto mobilizou diversos amigos, entre eles um que era considerado o arquivo vivo da cidade, o historiador local. A partir daí mantivemos contato frequente por cartas e um dia marquei uma viagem para a Itália, já no ano seguinte para nos conhecer. Como não entendia nada de italiano, fomos com uma excursão que nos hospedou em outro município, distante uma hora e meia de carro de Pederobba. Tinha somente um dia para os encontrar, sacrificando uma visita, constante no roteiro da excursão, ao Santuário de Santo Antonio, em Padova. 
Bem cedo pela manhã, eles gentilmente foram de carro até o hotel para nos buscar e nos levaram para sua casa onde, em um grande almoço, pudemos conhecer diversos membros daquela família. A tarde também nos levaram para breves visitas pela cidade. Estudei italiano e a partir desse encontro fizemos inúmeras viagens para a Itália, sempre nos hospedando alguns dias em um município vizinho a Pederobba, muito próximo dela por falta de hotel na cidade, e gradualmente fui refazendo toda a nossa história familiar. 
Isso aconteceu a mais de quarenta anos atrás e até hoje agradeço por ter escolhido aquele querido cão que me ajudou a encontrar as minhas origens e, apesar da sua vida curta, foi um grande amigo e fiel companheiro.

As imagens acima são fictícias e foram geradas por I.A., mas, este relato é totalmente verdadeiro, de como consegui reencontrar com as minhas raízes.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS










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