La Guardia alla Ruota dei Trovatelli - Opera di Gioacchino Toma 1846-1891 |
Sobrenomes Dados A Crianças Enjeitadas
Vitalina Maria FROSI
A expressão l’enfant trouvé do francês, literalmente, a criança encontrada, designava um bebê de filiação desconhecida. No italiano, a palavra usada com esse mesmo sentido era trovatelli, literalmente, encontradinhos. Enquanto, em português, a ação era centrada no ato do abandono ou rejeição, no francês e no italiano, a ação expressa pelos respectivos verbos deslocava o sentido para o ato de encontrar, respectivamente, l’enfant trouvé e i trovatelli. De qualquer forma, no registro civil, o que, de modo geral, constava era a expressão filho ou filha de pais incógnitos ou desconhecidos, ou filho natural ou ainda filho bastardo, isso no Brasil, na Itália e na França. Criava-se, assim, o estigma que haveria de acompanhar essas pessoas por toda a vida e, além disso, o sobrenome inventado e imposto passava a seus herdeiros.
Dauzat (1950, p. 108) diz que a criança, na origem, recebia um apelido que, em geral, trazia à memória “as condições de seu nascimento”. Eram nomes, portanto, fáceis de serem reconhecidos. Às vezes, afirma Dauzat (1950, p. 108-109), dava-se à criança um nome de santo. É o caso do matemático e filósofo francês Jean Baptiste Le Rond d’Alembert que fora abandonado na escadaria da igreja de St. Jean Le Rond e entregue, depois, a um orfanato, onde recebeu o nome de Jean Le Rond. Outras denominações tinham caráter genérico, como Champi (=encontrado num terreno) ou Trouvé (=Encontrado), por exemplo. Nos nomes dados a crianças enjeitadas, alguns eram chocantes, constituindo para os descendentes uma herança penosa (DAUZAT, 1949, p. 256).
Na Itália, não foi muito diferente. As crianças abandonadas, de modo geral, eram deixadas nas ruas, nas portas de igrejas ou de casas de famílias, nas entradas de Institutos de Caridade, em portas de hospitais, em orfanatos. Os nomes eram dados pelas pessoas prepostas às funções de administração dessas casas ou eram determinados e impostos pelo próprio tabelião no momento de efetuar o registro de nascimento. As crianças enjeitadas eram também, frequentemente colocadas na Ruota degli Esposti ou Ruota dei Trovatelli. Essa Roda giratória existente nos Orfanatos era destinada a receber as crianças abandonadas. Esta exposição sucinta visa a propiciar entendimento a respeito de alguns sobrenomes que ultrapassaram as fronteiras da Itália e foram preservados e transmitidos em área geográfica brasileira de povoação italiana.
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Benedetti. De Felice (1987, p. 75) registra as variantes Benedetto, Benedet, De Benedetti, De Benedetto, De Benedettis, De Benedictis, De Beneditti, De Benedittis, Di Benedetto, Benedettini, Benditti, Benetti, Benetto, Benet, Benetelli. A palavra é de origem latina benedicere, nome composto de bene e dire(=dizer bem) (ZINGARELLI, 1983, p. 202). Antropônimo frequente entre os cristãos, em Roma. O uso do nome liga-se ao culto de São Benedetto, com documentação já no século VIII na Toscana. A forma Benedetti, a mais frequente, denomina 23.000 pessoas e é bastante distribuída seja na Itália do norte, seja na central (CAFFARELLI; MARCATO, 2008, p. 195-196).
Benigni. Possui as variantes Benigno, Benigna, Benignetti (DE FELICE, 1978, p. 75; CAFFARELLI; MARCATO, 2008, p. 198). Derivado do latim benignu(m), de boa natureza (ZINGARELLI, 1983, p. 203). O significado literal é benévolo, muito usado pelos primeiros cristãos pelo seu sentido positivo. A forma benigna, isto é, terminada em –a, é bergamasca. É sobrenome comum na Sicília e tem sentido augural (CAFFARELLI; MARCATO, 2008, p. 198).
Casagrande. De Felice (1987, p. 96) e Caffarelli e Marcato (2008, p. 409) apresentam as variantes Casagranda, Casagrandi, Case, ca, Dalla Casa e Dallacasa, Della Casa, Da Ca e Duccà, Da Cha e Dachà, Dalla Ca e Dallacà, Dalla Cha e Dallachà, Casella, Casello, Caselli, Casel, Casiello Casetta, Casetti, Caset Casina, Casine, Casabianca, Casabassa, Casabella, Casagrande. É um nome composto, derivado do latim casa(m) e grande(m), de etimologia incerta (ZINGARELLI, 1983, p. 315 e p. 842). Este sobrenome tem como base uma relação toponímica: construção, edifício grande, mas Casagrande era também o Orfanato, no sentido de Casa Grande de Piedade. Portanto, também este sobrenome, assim como Casadei, Casadio, Cadei, Casadidio era dado às crianças enjeitadas pelos pais e adotadas, criadas num Orfanato, num Instituto religioso ou num Hospital de Caridade (CAFFARELLI; MARCATO, 2008, p. 409).
Colombo. Esta forma base possui as variantes formais Colombi, Colomba, Columbo, Colombro, Columbro, Colombani, Colomban, Colombetti, Colombetta, Colombini, Colombin, Colombrino, Colombazzi, Colombari, Colombara, Colombarini, Colombera, Colomberini, Colomberotto (DE FELICE, 1987, p. 105). Derivado do latim columbu(m)/columba(m), provém de uma raiz indo-europeia que significa “escuro” (CORTELAZZO; ZOLLI, 1979, p. 254). A forma base Colombo é mais frequente no norte da Itália. É também muito frequente em toda a Lombardia. No sul, Colombo é numericamente menos representado, mas ocorre com a
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formaPalumbo. Colombo e Colomba, no âmbito do cristianismo, significavam inocência, pureza e mansidão. Conforme De Felici (1987, p. 105), em alguns casos pode ter se originado de um apelido, com derivação direta de colomboe colomba. Como sobrenome augural, em Milão, onde atinge alta frequência, é representado pela forma Colombini, e, em dialeto milanês, Colombit.Com esses últimos termos eram denominadas as crianças enjeitadas, acolhidas no Hospital de Santa Catarina da “Ruota” (=Roda). Os trovatelli desse hospital eram chamados de colombit (=pombinhos). Esse hospital fazia parte do complexo do Palácio Sforzesco de Milão, hoje, ponto de visitação turística. De acordo com Caffarelli e Marcato (2008, p. 500-501), as localidades mais representadas, em número de ocorrências, são Milão, Monza e Brianza, ocupando Milão o 2o lugar em ordem de frequência. A região da Lombardia ocupa o 1o lugar. No total, o sobrenome Colombo denomina 60.000 pessoas.
Innocenti. Registram-se as variaantes Innocente, Degli Innocenti, Nocenti, Nocentini e Nocentino, Innocentin, Innocentini (DE FELICE, 1987, p. 146), Caffarelli e Marcato (2008, p. 931). Proveniente do latim innocente(m), é palavra composta pelo prefixo in- (=negação) e nocens/nocentis, com significado de não faz o mal (CORTELAZZO; ZOLLI, 1979, p. 598). É sobrenome difundido, principalmente, na Toscana. Innocente mais a variante Degli Innocenti, é, em Firenze, o primeiro sobrenome em ordem de frequência. É um dos tantos sobrenomes dados, no passado, às crianças e bebês abandonados pelos pais, ou confiados a um orfanato. Em Firenze, o antigo edifício destinado a acolher as crianças abandonadas, foi construído, segundo o projeto de Brunelleschi, em 1400. Nele funciona hoje um hospital pediátrico, precisamente chamado Spedale degli Innocenti (DE FELICE, 1987, p. 146-147).
Omoboni. Apresenta a variante Omobono (CAFFARELLI; MARCATO, 2008, p. 1229). Omobonié derivado de nome de pessoa com o significado de homem bom. Tem sentido augurante, isto é, de que seja um homem para o bem (CAFFARELLI; MARCATO, 2008, p. 1229).
Proietti. Possui as variantes Proietto, Proietta, Projetto (CAFFARELLI; MARCATO, 2008, p. 1389) e é derivado do latim proiectus, jogado fora, abandonado. É um sobrenome difundido no centro-sul da Itália e ocupa o 2o lugar em ordem de frequência na Umbria e o 6o em Roma na forma pluralizada com –i final. A forma Proietto, no singular, foi usada, principalmente, na Sicília e na Calábria. Denomina, aproximadamente, 14.000 pessoas. No
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passado, era usado tanto como nome quanto como sobrenome (CAFFARELLI; MARCATO, 2008, p. 1389).
Trovato. Tem as variantes Trovati, Trovatello, Trovatelli, Trovarelli, Trovarello, Trovè, Trovò (CAFFARELLI; MARCATO, 2008, p. 1690). Sua etimologia, segundo Cortelazzo e Zolli (1979, p. 1380-1381), é discutível. Pode ser originário do latim tropāre, da trŏpus ; da trovato (=encontrado). Usado no passado como nome e como sobrenome. Como nome era dado à criança abandonada pelos pais, portanto, encontrado pela estrada, ou na roda dos orfanatos (DE FELICE, 1978, 252). Trovato “é sobrenome, sobretudo, siciliano, na ilha, ocupa o 27o lugar, com o 5o lugar na província de Enna” (CAFFARELLI; MARCATO, 2008, p. 1690-1691). Trovato denomina mais de 10.000 pessoas na Itália. Outra fonte geradora de sobrenomes é devida a sentimentos de alegria e de gratidão por parte dos pais pela chegada de um filho, depois de uma longa espera. Seguem alguns exemplos de sobrenomes de caráter gratulatório.
Sobrenomes Italianos: um estudo onomástico
de Vitalina Maria FROSI
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Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS