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quarta-feira, 17 de setembro de 2025

A Longa Jornada de Attilio Morelli

 


A Longa Jornada de Attilio Morelli

Da pobreza na Ligúria à sobrevivência nas fábricas da América

Attilio Morelli nasceu em Orco Feglino, pequena comuna da província de Savona, no dia 14 de março de 1904. A infância foi marcada por privações. Os campos áridos, o trabalho braçal sem recompensas e a falta de perspectivas o empurraram, ainda jovem, a tomar uma decisão desesperada: embarcar como tripulante em um navio mercante e, em seguida, desertar ao aportar nos Estados Unidos. A partir desse gesto extremo, passou a carregar a marca do clandestino, condição que o acompanharia por décadas.

Quando Attilio deixou a Itália, a promessa de uma vida melhor se confundia com a ilusão vendida pelas histórias que circulavam nos povoados. A América era vista como terra de abundância, mas ele encontrou apenas miséria e exclusão. Chegou ao porto de Baltimore em 3 de setembro de 1926, justamente no ano em que os Estados Unidos celebravam o vigor de sua indústria, poucos anos antes da tragédia da Grande Depressão.

A primeira parada de Attilio foi Havre de Grace, no estado de Maryland, uma pequena cidade às margens do rio Susquehanna, vizinha à Filadélfia. Ali conseguiu um quarto barato na rua principal e, em carta às irmãs, datada de 20 de outubro de 1926, escreveu sobre as dificuldades em conseguir trabalho fixo. O ano seguinte o levou a Nova York, onde tentou sobreviver em meio à multidão anônima da metrópole. Uma carta enviada ao irmão ferroviário em 31 de outubro de 1927, redigida em inglês esforçado, mostra um homem já desgastado pelas primeiras desilusões.

Em 1932, quando o mundo ainda sangrava pela crise econômica, escreveu à mãe e às irmãs de um quarto miserável em Nova York, relatando fome, doenças e um sentimento corrosivo de humilhação. Nem mesmo as cozinhas populares o aceitavam, por ser estrangeiro indocumentado. Mais que a pobreza material, era a rejeição e o preconceito que o consumiam.

Uma nova correspondência, datada de 21 de julho de 1938, revela Attilio em Wilmington, no estado de Delaware. A economia mostrava sinais de recuperação, mas o imigrante seguia marcado pela precariedade. Falava das preocupações com a saúde da mãe na Itália e dos ressentimentos em relação ao irmão, apelidado de “l’Inglese”, com quem rompera contato.

Após a Segunda Guerra, em uma rara nota de esperança, uma carta de Natal de 1947 mostra um Attilio menos errante. A partir da década de 1960, as cartas ganham outro tom. Em 22 de junho de 1960, escreveu à mãe uma passagem que traduzia sua lenta conquista de estabilidade: trabalhava quarenta horas semanais em uma oficina mecânica e, nos dias de folga, dedicava-se à casa que havia adquirido. “Se a visses — dizia ele — é bela, mas exige muito trabalho.” Já podia, enfim, enviar pequenas quantias em dinheiro à família que permanecera em Orco Feglino.

A carta de 6 de setembro de 1962, endereçada à irmã Agnese, confirma a transformação de sua vida. Continuava em Wilmington, com residência fixa, um emprego modesto, mas seguro, e a dignidade recuperada depois de tantos anos de humilhação. Ainda assim, cada linha era atravessada por rancor contra os americanos, lembrança viva de décadas em que fora tratado como intruso, sombra indesejada nas ruas e fábricas.

As correspondências de Attilio se estendem por mais de quarenta anos. Retratam a saga de um homem que levou três décadas para conquistar o que outros conseguiam em poucos anos: independência mínima, teto, pão e algum sossego. Ele não foi um derrotado, mas um desiludido. A vida não lhe concedeu vitórias fáceis; forjou nele a aspereza de quem lutou contra a corrente.

Attilio Morelli é a personificação de uma tragédia silenciosa: a do emigrante que troca a pobreza da terra natal pela dureza da exclusão em um país estrangeiro. Um homem de sentimentos nobres, endurecido por sofrimentos sem fim, que só encontrou seu pequeno paraíso após atravessar sucessivos infernos.

Nota do Autor

A história de Attilio Morelli foi construída a partir de cartas, relatos e documentos de emigrantes italianos que, como ele, deixaram sua terra natal no início do século XX em busca de uma vida melhor nos Estados Unidos. Não se trata de um testemunho isolado: milhares de homens e mulheres da Ligúria, do Piemonte, da Lombardia e de tantas outras regiões italianas viveram dramas semelhantes, enfrentando a clandestinidade, a exclusão e a dura adaptação em um país que prometia oportunidades, mas que muitas vezes lhes ofereceu apenas hostilidade e trabalho mal remunerado.

Ao recriar sua trajetória, não procurei apenas narrar a vida de um indivíduo, mas dar voz a uma geração silenciada, marcada pela saudade da terra deixada e pela luta incessante por dignidade em terras estrangeiras. O destino de Attilio, com seus sofrimentos, conquistas tardias e ressentimentos acumulados, poderia ter sido o de qualquer outro imigrante anônimo que atravessou o Atlântico com a esperança nos olhos e encontrou apenas a aspereza da realidade.

Essa narrativa é, portanto, uma homenagem à memória coletiva da emigração italiana, que moldou não apenas o destino de famílias inteiras, mas também o tecido social de países inteiros.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta