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terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Quando os Vênetos Emigravam



Há um século e meio, milhares de vênetos deixaram vales e montanhas em busca de trabalho e sorte no exterior. A grande maioria dos vênetos atuais têm entre os ancestrais de sua família um "tio americano" que partiu em busca da "cucagna", deixando para trás seus entes queridos e seu lar.

Os mais ousados ​​italianos, e portanto também os vênetos, cruzaram o oceano para se fixarem no que todos imaginavam ser uma terra paradisíaca, o El Dorado. Muitos outros, por outro lado, emigraram para o coração da Europa que prometia trabalho: a vizinha França acima de tudo, mas também a Alemanha, a Bélgica. Embora nem sempre estes emigrantes tenham encontrado a sorte, a maioria levou consigo, juntamente com a força dos seus braços, também a cultura, o espírito e a língua do Vêneto, que transplantaram para a sua nova pátria. Os emigrantes vênetos, por meio de histórias e canções, lembravam dos ambientes e sons da terra que tiveram que deixar e assim também puderam se sentir menos sós. 

Os vênetos emigraram fugindo da miséria, da guerra, ou da perseguição política. Às vezes iam em busca da sorte, para melhorar de vida, ganhar dinheiro para mandar para casa para ajudar os que lá tinham ficado. Os vênetos de ontem partiam como os migrantes de hoje fazem. Nos olhos o desespero e a esperança, no coração a angústia de quem enfrenta caminhos jamais percorridos e consigo um arquivo de lembranças, afetos familiares, amores, que os ajudarão a enfrentar novos desafios. Junto com tudo isso levaram consigo o modo de falar dos pais, a música, os cantos, as suas danças tradicionais. Poucos voltaram, muitos fixaram  suas vidas nos novos mundos que se propuseram a descobrir. Hoje existem milhões de vênetos  espalhados pelo mundo, reunidos em centenas de associações. Muitos deles fizeram fortuna, alguns vieram a se tornar homens e mulheres ilustres nos países de adoção, ocupando posições de prestígio no mundo da indústria, das atividades comerciais, da agricultura e da política. 

No início da emigração, os vênetos se dirigiram para os países vizinhos da Itália,  como a França, Alemanha e a Áustria. Depois, com o forte agravamento da situação econômica italiana, onde os pobres estavam ficando cada vez mais pobres, escolheram outros destinos mais distantes atravessando o grande e desconhecido oceano. O Brasil, a Argentina e os Estados Unidos foram os destinos preferidos de milhares de vênetos ansiosos para melhorar de vida e dar um futuro melhor as suas famílias. 

Nos anos da Primeira Guerra Mundial, o fluxo migratório diminuiu drasticamente para depois retornar em direção à França, Suíça, Argentina e Estados Unidos.  Estes principais períodos históricos são seguidas pelos anos da década 1930-40 que conduzirão à Segunda Guerra Mundial, com a diminuição da saída de italianos em geral, devido sobretudo à política anti imigração do governo fascista e também dos países de acolhimento. No pós guerra e até a década de 1970, o fenômeno migratório diminuiu, reduzindo-se a uma pequena média anual, enquanto intensos foram fluxos migratórios internos na própria Itália. 

Ontem como hoje, acompanham o emigrante no seu caminho para um destino desconhecido, em terras desconhecidas, antes de mais nada a sua língua materna, património da cultura imaterial, expressão de identidade que se utiliza sobretudo na canção para exprimir a nostalgia pungente da terra de origem, ou a narração crônica que testemunha as tragédias das longas viagens ou as difíceis condições de vida que acolhem o imigrante nos primeiros anos em uma terra estrangeira. A esse respeito, duas são as canções mais emblemáticas da emigração italiana que traduzem esse momento: Mamma mia dammi cento lire e Il tragico affondamento del bastimento Sirio

Em ambas as canções - a primeira retoma a conhecida canção popular difundida no norte da Itália como Maldição da mãe ou La bella del re di Francia. O aspecto trágico da emigração surge com o epílogo marcado pela desgraça do naufrágio do embarcação que partiu para as Américas, carregando para as profundas águas do oceano todas as esperanças e todos os afetos familiares mais caros. O mar, naquele tempo como ainda  hoje, faz suas vítimas, arrancando a vida de quem vai em busca de um futuro melhor. Ontem, como hoje, as águas do mundo tornaram-se túmulos para mulheres, homens e crianças. Mas, certamente, não é culpa do mar. 





Mamma mia dammi cento lire


Mamma mia, dammi cento lire che in America voglio andar

Cento lire sì, te li dò

ma in Mèrica no e poi no.

I fratelli alla finestra: Mamma mia, lasciela andar

Pena giunta in alto mare bastimento si rialzò.

I miei capelli son ricci e belli l’acqua del mare li marcirà

Le parole oi della mamma son venute la verità.



E da Genova il Sirio partivano


E da Genova il Sirio partivano

per l’America, varcare, varcare i confin.

E da bordo cantar si sentivano

tutti allegri del suo, del suo destin.

Urtò il Sirio un orribile scoglio

di tanta gente la mise, la misera fin

Padri e madri bracciava i suoi figli

Che si sparivano tra le onde, tra le onde del mar. 

E tra loro un vescovo c’era dando a tutti

La sua be, la sua benedizion

E tra loro lerì

un vescovo c’era lerà

dando a tutti lerà

La sua benedizion.


Nota - O naufrágio do vapor Sírio aconteceu em 04 de agosto de 1906

O abandono da sua própria terra, o arrependimento por tudo aquilo que tiveram de deixar para trás, a necessidade de manter a própria identidade marcada pelos gestos, pela fé, pelos seus dialetos locais, pelos saberes antigos contidos em cantigas ou provérbios infantis, danças populares, são o ingrediente indispensável que acompanha o emigrante e que se expressa nas canções que leva consigo ou que cria especificamente para falar da sua nova condição.

As canções da emigração devem ser enquadradas na categoria das canções sociais e políticas, pois evidenciam um fenômeno social que marcou e ainda determina a existência de milhões de mulheres e homens e com eles as histórias de muitos países, sejam os de origem ou os de acolhimento, que tiraram benefícios econômicos deste fenômeno  e obtiveram vantagens ligadas ao trabalho de novos cidadãos. 

Mais de quarenta dias de travessia, amontoados nos porões de velhas e lentas embarcações onde o sofrimento e as doenças muitas vezes não permitiram o desembarque. Freqüentemente viajando junto com alguma cabeça de gado usada para sobreviver durante a travessia. No início da grande emigração para os vênetos, o termo América eram as terras do Brasil, em particular os estados de São Paulo, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, e logo a seguir do Paraná e Santa Catarina. No desembarque nada de italiano, somente a língua portuguesa falada em todo o Brasil. 



Edmundo D'Amicis, nascido em Oneglia, 21 de outubro de 1846 e falecido em Bordighera, no dia 11 de março de 1908, foi um escritor e militar italiano. Na sua obra intitulada "Na América", assim relata:

"Fez bem em nos visitar, diziam tocando meu ombro ou apertando meu. Venha tomar uma bebida nas nossas casas e enquanto os três mais próximos falavam, o distante imóvel, eles se inclinaram para ouvir e  eles mantiveram seus olhos fixos em mim, com uma certa expressão de espanto, como se houvesse presença daquele concidadão que chegou, 
recém saído de sua terra natal, despertou neles as lembranças, pensamentos novos e confusos; como se tivessem algo na alma que gostariam, mas que não ousavam ou não sabiam me dizer. Passei alguns dias entre eles, indo de casa em casa. E compreendi as maravilhosas autobiografias dos emigrantes que passaram põe processo de centenas de empregos - copeiras, remadores, coristas, carregadores, fazendeiros; de outros que tiveram aventuras, de alguns que chegaram à América miseráveis ​​e já velhos, corajosamente recomeçaram suas vidas e criaram uma nova família. Vários também me contaram histórias dramáticas de fugas de colônias fracassadas, distantes jornadas de centenas de quilômetros a pé, com mulheres, crianças, animais sob o flagelo de chuvas implacáveis ​​ou envolvidos por terríveis furacões. 
Estas são as memórias que trouxe da minha viagem à América. Tocar na questão econômica da emigração não é minha função, nem seria o lugar e a ocasião aqui. Há, no entanto, um desejo de expressar, do qual ninguém pode discordar, e é que nosso governo faça tudo ao seu alcance para que esta grande emigração, que ele não pode evitar ou impedir, proceda ordenadamente, assistido por um advogado na partida, não empilhado em navios a vapor como lastro humano desprezado, protegido na chegada dos abusos perversos de traficantes de miséria, de modo que, se nada mais puder, não esbanjar esse sangue que escapa das artérias da pátria. Isso é desejável, e não apenas pelo bem da humanidade, mas porque quando a história da América solenemente pagará a dívida de gratidão ao trabalho gigantesco dos colonos italianos, seria muito doloroso para sua pátria lembrar não ter feito nada”.




http://www.cr.piemonte.it/dwd/pubblicazioni/tascabili/tascabile_n_64.pdf