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segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Imigração Italiana no Estado de São Paulo


Quando, nos últimos 20 anos do século XIX, as autoridades imperiais do Brasil pensaram em trazer milhares de imigrantes italianos o fizeram com vários objetivos visando o progresso do grande império. Alguns desses objetivos são hoje em dia muito polêmicos e causam certo desconforto em algumas áreas. Dentre os objetivos principais podemos citar dois, que são consenso entre os historiadores, e foram responsáveis diretos pelo crescimento da economia do Brasil. O primeiro foi aquele implementado na Província de São Paulo no qual os imigrantes italianos seriam contratados para trabalhar em determinada fazenda de café, morando nas terras da fazenda nas casas antes ocupadas pelos escravos. Foi apenas uma substituição de mão de obra sem se importarem, com raras exceções, com a criação de colônias de imigrantes como aconteceu no Sul do Brasil, onde o imigrante ficava dono da terra e o objetivo era, além de preencher os espaços vazios existentes, criar condições de melhoria do abastecimento de produtos alimentares derivados do campo, localizados próximas, ou com fácil acesso por rios e mais tarde por estradas, para as grandes cidades. 


Com a abolição da escravidão, que durava desde o período do Brasil colônia, as grandes plantações de café, de províncias economicamente importantes como São Paulo, ficaram desconfortavelmente desprovidas da mão de obra barata representada pelos milhares de escravos negros que até então tinham sido a força motriz da economia. 


O primeiro objetivo do Império Brasileiro foi procurar na Europa países disponíveis que passavam por severas dificuldades econômicas. Nesses seria mais fácil contratar os trabalhadores braçais que tanto precisava e por um custo muito barato, proporcionalmente, somente um pouco mais alto que os investimentos em escravos. Nesse período histórico a Itália era ainda um país muito jovem, pois, somente surgiu como uma nação unificada na segunda metade do século XIX. Nesse época a jovem nação italiana estava passando por uma série de dificuldades econômicas, que vinham desde as várias guerras de libertação, passando por aquelas necessárias para a unificação e formação do Reino da Itália. Também a Itália era um país muito atrasado que ainda não participava da grande revolução industrial que já estava presente em outros países europeus, como a Inglaterra, a Alemanha e a França. O grande aumento populacional de toda a Europa, ocorrido nesse período, decorrente da melhoria das condições de higiene e o aumento da perspectiva de vida média do povo, agravavam sobremaneira a situação. A agricultura da Itália dessa época era bastante atrasada, em algumas regiões ainda praticada como nos tempos medievais e não aguentou a concorrência dos produtos importados dos Estados Unidos, na época já despontando como um dos maiores produtores rurais.



O desemprego no campo era muito grande, atingindo inicialmente os camponeses e os pequenos proprietários rurais das zonas montanhosas, locais onde desde muitos séculos era praticada uma agricultura precária, somente, de subsistência,  e os artesãos que também constituíam uma grande parte da população. O desemprego foi aumentando rapidamente, atingindo as planícies italianas, que tinham terras mais férteis, deixando na miséria milhões de italianos das pequenas cidades do norte ao sul. A fome rondava a casa da maioria desses desempregados, que no desespero se agarravam as novas notícias da emigração. 


A pressão exercida pelos grandes proprietários rurais da Província de São Paulo apressou a decisão das autoridades imperiais e pouco tempo depois os primeiros grupos de imigrantes italianos já chegavam ao Porto de Santos. Ali eram recebidos pelos capatazes dos fazendeiros que os haviam contratado. De Santos, inicialmente em comboios de carros de bois e depois pela estrada de ferro,  subiam a Serra do Mar, em direção as terras no interior do estado a que estavam destinados.   


Os contratos que eles assinaram na Itália os prendia por muitos anos aos fazendeiros proprietários das terras. Os colonos eram contratados na Europa e trazidos para as fazendas de café. Tinham sua viagem paga, assim como o transporte até as fazendas. Essas despesas, entretanto, pelo contrato que tinham assinado, entravam como adiantamento feito ao colono pelo proprietário, assim como, igualmente, lhe era adiantado o necessário à sua manutenção, até que ele pudesse se sustentar. A cada família deveria ser atribuída uma porção de cafeeiros, na proporção da sua capacidade de cultivar, colher e beneficiar. Aos colonos também era facultado o plantio, em certos locais pré-determinados pelo fazendeiro, dos mantimentos necessários ao seu sustento. Vendido o café, o fazendeiro era obrigado a entregar ao colono metade do lucro líquido. Sobre as despesas feitas pelo fazendeiro em adiantamento aos colonos, eram cobrados 6% de juros, a contar da data do adiantamento e aplicando-se na sua amortização, pelo menos, metade dos seus lucros anuais. O colono, além de ser obrigado a cultivar e manter o café, não podia abandonar a fazenda sem ter previamente comunicado por escrito a sua intenção de retirar-se, e só o poderia fazer após saldar todos os seus compromissos. 



O descontentamento por parte dos colonos era o sistema de contas, feito para deduzir sua parcela de lucro sobre a produção de café obtida. Rezavam os contratos que, vendido o café, caberia ao colono a metade do seu lucro líquido; porém, na maior parte das vezes, os colonos sentiam-se roubados. Com o intuito de reduzir esse tipo de queixa, acabou-se por estabelecer o pagamento ao colono de um preço fixo por alqueire cultivado ou para outras fórmulas, em geral baseadas num sistema de salários. Esse último sistema parece ter-se revelado mais adequado, naquela época, do que o sistema de parceria. Mesmo nos melhores tempos, o trabalho de um colono de café era muito penoso. Os fazendeiros mantinham um controle estrito sobre a rotina diária dos trabalhadores. Os cuidados médicos não existiam e quando eram extremamente necessários, custava muito caro. Poucas escolas eram mantidas para colonos. Em muitos casos, sofriam violência física, recebiam salários reduzidos por multas e tinham que pagar preços exorbitantes por gêneros essenciais nos armazéns das fazendas.



Em fins da década de 1920, com a proporção do imposto de exportação de café caindo na receita do Estado e as fontes não-subsidiadas de trabalhadores crescendo, o colapso da economia internacional atingiu São Paulo duramente logo após o término do programa subsidiado. Como resultado, os cafezais mais velhos foram abandonados, ocorrendo, conseqüentemente, uma retração na necessidade de mão-de-obra, gerando uma diminuição no fluxo de imigrantes e fazendo com que a economia regional entrasse num período de retração. A classe dos grandes proprietários de fazendas, os produtores de café, com muito raras exceções, estava acostumada até então de lidar com os pobres escravos africanos, que aceitavam quase tudo com muita resignação e certo grau de estoicismo, teve agora de se adaptar com os trabalhadores italianos recém chegados mais experientes, um povo orgulhoso, determinado e por sua vez, também muito mais contestador. As relações de trabalho dos imigrantes italianos com os seus patrões proprietários das terras, sempre foi muito conflituosa. Multas por supostos descumprimentos dos contratos, provocações, dispensas por justa causa eram pretextos que os proprietários das fazendas encontravam para diminuir o ganho do trabalhador. Ocorria também que a fazenda com freqüência era um enclave de jurisdição particular, onde o fazendeiro agia como juiz e fazia cumprir as leis com a ajuda de pistoleiros. Outras causas de conflitos se davam por roubos nas medidas de café, e casos de espancamentos, assassinatos, estupros e perseguições eram comuns. Os imigrantes estavam à mercê dos proprietários das fazendas, e estar subordinados a tais homens não era o mais feliz dos destinos, principalmente porque a estrutura da vida rural restringia-se ao poder que os fazendeiros exerciam sobre os seus colonos. Os casos de protestos dos trabalhadores do café expressavam-se nas exigências de salários ou greves. As reclamações iam se difundindo pelas casas das colônias, pelas vendas, e se espalhavam por toda a fazenda causando grande inquietação, principalmente no começo da colheita do café, período em que os fazendeiros estavam mais vulneráveis. Às vezes obtinham sucesso, às vezes fracassavam. Mas as reclamações não passavam do espaço circunscrito a cada fazenda e tinham curta duração, pois os contatos com o mundo fora da fazenda eram estritamente vigiados. Em favor deles estava somente o consulado, o único recurso que os trabalhadores agrícolas estrangeiros tinham para não serem lesados. Diante de tantos obstáculos, os imigrantes se deslocavam seguidamente para outras fazendas ou para os centros urbanos e muitos desistiam do sonho americano e repatriavam, em busca de melhores oportunidades de trabalho. Nas fazendas de café geralmente os imigrantes não tinham opção e até já tinham assinar os contratos de trabalho estabelecidos pelos fazendeiros. Eles podiam escolher entre quatro formas de contrato, considerando que o café obedecia a várias etapas, particulares a cada uma delas. A primeira etapa correspondia à derrubada para a formação ou ampliação das fazendas, realizada pelos trabalhadores por turma, contratados por um empreiteiro sem vínculos à fazenda. Esses trabalhadores recebiam um salário mensal ou trimestral, casa e comida. 

O serviço compunha-se da derrubada e queimada das florestas. A segunda etapa compreendia a formação do cafezal convencionalmente chamada de empreitada no Estado de São Paulo. O trabalho nesta etapa referia-se à abertura de covas, já previamente marcadas para plantar o café e manter o terreno limpo durante quatro anos. No decorrer do período era permitido plantar milho e feijão no espaço entre as fileiras do cafezal. O pagamento, nesse tipo de contrato, diferia de acordo com as possibilidades financeiras do imigrante. Quem dispunha de um capital e podia arcar com todas as despesas da empreitada, inclusive a contratação de outros empregados e a derrubada da floresta, recebia uma soma em dinheiro correspondente ao número de pés de café entregues ao fim do contrato, ficava com todo o lucro obtido na venda do excedente de cereais e o lucro da primeira safra do café. Mas, para o empreiteiro que não possuía capital para cobrir todas as despesas, o que era mais comum, recebia apenas uma parte da primeira colheita do café. Os imigrantes também podiam optar pelo contrato colônico, o chamado sistema de colonato ou ainda trabalhar como camarada. O colonato constituía-se numa relação de trabalho essencialmente familiar, na qual, pelo contrato colônico, cada família recebia um número determinado de pés de café que eram cultivados durante o contrato de um ano, incluindo quatro a seis limpezas por ano para manter os cafezais sempre livres de ervas; o cuidado com as mudas para o caso de alguma substituição de cafezais mortos; amontoamento do cisco na preparação para colheita; e o espalhamento do cisco após a colheita. Em geral, eram responsáveis pela manutenção das árvores e, no momento apropriado, pela colheita. Também constava do contrato alguns serviços não restituídos que eram realizados na fazenda quando requisitados, por exemplo, reparar cercas, construir estradas, cuidar dos pastos etc. Os pés de café eram dispostos em filas, no meio das quais os colonos tinham o direito de cultivar outros produtos, em geral, milho e feijão. Em caso de cafezais velhos, o colono recebia um pedaço de terra em separado para plantar os seus cereais. Quanto às tarefas realizadas pelos camaradas, de acordo com o contrato de trabalho, correspondiam ao beneficiamento do café; colheita; abertura de caminhos e estradas; conserto de pontes, prédios e cercas; entre outras. Os salários eram pagos por dia ou por mês. Desde o começo, o confronto entre os interesses econômicos por parte dos fazendeiros e, por outro lado, a resistência dos trabalhadores às imposições destes causaram situações permeadas por conflitos e tensões. Na verdade, os fazendeiros não mediam esforços para reprimir e impor um rígido controle, visto que a experiência que haviam tido no período da escravidão lhes dava plena consciência de que era fundamental ter um controle efetivo sobre os trabalhadores. Um outro fator que pode explicar o certo grau de animosidade e desentendimento entre os imigrantes italianos foi o fato que diferente do que aconteceu na imigração no sul do Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul, a maior uniformidade quanto a região de origem do imigrante, que eram na maioria do norte e nordeste da Itália: vênetos, lombardos e trentinos. Também importantíssimo foi o fato que nessas colônias do sul terem criado, pelos próprios imigrantes, uma nova língua para se comunicarem entre si, pois, a maioria não conhecia a língua italiana e se comunicavam somente através dos seus dialetos regionais, alguns muito diferentes uns dos outros. Os casamentos entre imigrantes italianos de várias procedências regionais impulsionou a necessidade e a difusão da nova língua da imigração representada pelo Talian. Trata-se de uma língua e não dialeto, pois, é formada por expressões da língua dessas várias regiões italianas sobre uma base do dialeto Vêneto, devido qua a predominância era de imigrantes vênetos. Mais tarde, na evolução natural de qualquer língua, sofreu alguma influência de palavras portuguesas que foram incorporadas, após uma certa italianização dos termos. Nas fazenda paulistas parecia que não havia apenas uma só emigração de italianos, onde todos se confraternizariam na qualidade de oriundos do mesmo país, mas, sim de pessoas originárias da península itálica sem necessariamente forte identidade comum. Inclusive a língua que se constituiu em um grande obstáculo na comunicação entre os empregados das fazendas. Com tudo isso as primeiras deserções começaram a aparecer e as famílias, depois de quitarem os seus débitos com o proprietário da fazenda, passaram a se colocar por conta própria, nas pequenas vilas e cidades que já estavam surgindo no interior paulista. Os que primeiro deixavam as fazendas foram aqueles que tinham conseguido algum economizar algum dinheiro, ou possuíam alguma habilidade profissional, geralmente trazida da Itália, tais como os artesãos e aqueles que se estabeleciam em lotes nas periferias das cidades, ganhando a vida com a venda de produtos agrícolas, conseguidos de pequenas roças e, mais tarde, como empregados de fábricas que começavam a se estabelecer na região. Ainda muito pouco estudada, houve também em São Paulo, mas em bem menores proporções, uma política de fixação dos imigrantes na terra, parecida com a ocorrida no Sul, a partir da venda de lotes nos chamados Núcleos Coloniais. Alguns destes núcleos que se destacaram na compra de lotes pelos italianos são os de São Caetano (São Caetano do Sul), Quiririm (Taubaté), Santa Olímpia e Santana (Piracicaba), Barão de Jundiaí (Jundiaí), Sabaúna (Mogi das Cruzes), Piaguí (Guaratinguetá), Cascalho (Cordeirópolis), Canas (Canas), Pariquera-Açú (Pariquera-Açú), Antônio Prado (Ribeirão Preto), entre outros. Mais tarde, já na metade do século XX, com a descoberta das férteis terras do norte do Paraná, muitos daqueles imigrantes ou seus descendentes, que tinham trabalhado com o café no interior de São Paulo, adquiriam grandes lotes de terras e continuaram com as plantações de café. Como curiosidade, essas ricas terras vermelhas, propícias para a cultura do café, são denominadas de terras roxas, isso porque em italiano se dizia "terra rossa".




Dr. Luiz Carlos Piazzetta

Erechim RS