Nos anos que se seguiram a segunda guerra mundial, em junho de 1946, foi assinado um tratado, entre os governos da Itália e a Bélgica que estabelecia o envio de emigrantes italianos para trabalhar nas minas de carvão belgas.
O acordo bilateral assegurava à Itália uma quantia de carvão a preço subsidiado, para cada mineiro que fosse enviado para a Bélgica. Era literalmente uma troca de mão de obra pelo carvão tão necessário para a indústria italiana.
Esse tratado passou para a história como um dos mais infames e controversos do mundo, pois, equiparava seres humanos com mercadorias. Eram pessoas, trocadas por sacos de carvão, que foram obrigadas a viver e trabalhar em precárias condições de higiene e salubridade.
Milhares desses emigrantes italianos trocados por carvão morreram algum tempo depois ou ficaram incapacitados definitivamente para o trabalho, em uma época em que a assistência social era ainda precária, os equipamentos de proteção quase desconhecidos e as doenças profissionais nem eram levadas a sério.
O trabalho insalubre nas profundas minas forçava os trabalhadores a respirarem um ar poluído, impregnado de partículas de carvão que, aos poucos íam se depositando e impregnando os pulmões daqueles pobres imigrantes, causando uma doença obstrutiva crônica das vias respiratórias baixas que não tem cura ainda nos dias atuais.
Os dois governos ao contratarem trabalhadores, criminosamente silenciaram sobre as precárias condições de trabalho que encontrariam naquelas estruturas de mineração já envelhecidas e ultrapassadas.
No pós guerra, as principais minas de carvão belgas da região industrial da Valônia, já estavam em declínio, estruturas superadas, antigas e até perigosas.
Por outro lado, a necessidade crescente de carvão era cada vez maior, para atender os esforços de reconstrução do país no período imediato pós conflitos.
Apesar da convocação estatal de 1945, que ficou conhecida como "a batalha do carvão", lançada pelo governo do país, os belgas não estavam dispostos a trabalhar naquelas minas profundas e perigosas.
Pela falta de mão de obra local disponível o governo belga passou a recrutar trabalhadores de outros países, principalmente da Itália. Com esta foi assinado, em 1946, um tratado bilateral, no qual se abria a imigração italiana para a Bélgica.
Inicialmente, foram assim recrutados 50.000 trabalhadores, 2.000 por semana, com idade máxima de 35 anos e que gozassem de boa saúde. As ofertas de emprego eram fixadas em cartazes, espalhadas por todos os locais públicos da Itália, prometendo boas condições de trabalho e alojamentos condignos aos novos imigrantes.
No recrutamento, os empregadores belgas, deram preferência aos candidatos provenientes do norte da Itália, considerados por eles mais adequados "por serem assíduos, mais laboriosos e mais disciplinados" do que os seus compatriotas do sul. Refugaram também muitos trabalhadores, classificando-os como "indesejáveis" por terem participado de lutas agrárias e ocupações de terras.
As dificuldades encontradas por esses trabalhadores foram muitas, a começar pelas condições de vida, nas poluídas vilas carboníferas. Os imigrantes foram alojados nos barracos de antigos campos de concentração, sem eletricidade e os banheiros eram localizados ao ar livre, o que, no inverno rigoroso do país, eram muito desagradáveis. Essas condições encontradas nos alojamentos, fez com que muitos deles desistissem já nos primeiros meses.
A primeira descida de elevador até a profundidade das minas, algumas delas superando os 1.000 metros, foi particularmente traumática para a maioria desses trabalhadores e não poucos se recusaram a descer. Muitos deles desistiram do trabalho.
Também o salário, inferior ao esperado e prometido no acordo foi uma das causas de um número muito alto de repatriações.
As difíceis condições de trabalho naquela profundidade e a ausência de medidas de segurança adequadas foram responsáveis por inúmeros acidentes fatais que ceifaram a vida de dezenas de imigrantes italianos.
O mais grave deles ocorreu no dia 08 de Agosto de 1956, na mina Bois du Cazier, localizada na bacia carbonífera de Charleroi, perto da cidade de Marcinelle, nome pela qual posteriormente ficou conhecido o nome dessa grande tragédia.
Na ocasião a blindagem e o escoramento das minas eram ainda de madeira e os cabos elétricos, com proteção mínima, localizados em locais perigosos. Não havia extintores de incêndio, portas estanques ou mesmo saídas de emergência.
No grande incêndio desse dia morreram 262 trabalhadores, dos quais 136 italianos. Marcinelle marcou o fim da emigração oficial italiana para aquele país.
O ambiente perigoso e poluído nos túneis das minas causou também a morte de muitos outros trabalhadores. Segundo cálculos posteriores, antes do desastre de Marcinelle já haviam morrido 520 trabalhadores entre os anos de 1946 e 1956.
Respirar aquele ar poluído pelo fino pó de carvão, sem equipamentos de proteção adequados por tanto tempo, expôs milhares de trabalhadores a sérias doenças profissionais, como a silicose, que incapacitou milhares deles para o trabalho e por muitos anos passou a ser a causa de morte de grande número deles.
Essa grave doença afetava os pulmões do trabalhador, causando uma espessa fibrose, que dificultava a respiração por obstrução das vias respiratórias baixas, bronquíolos e alvéolos. Muitos desses trabalhadores contraíram mais tarde câncer pulmonar, decorrente dessa longa exposição sem os equipamentos de proteção adequados.
Todos os imigrantes que trabalharam naquelas minas sofreram algum grau de comprometimento pulmonar, muitas vezes aparecendo anos após o seu retorno para Itália.
Os doentes com silicose retornavam para a Itália e viviam uma vida de enorme sofrimento, lutando para respirar e incapacitados para o trabalho, tornando-se um fardo para as suas famílias e pesando nos sistemas previdenciário e de saúde italianos.
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