Em meados do século XIX teve início a maior movimentação de povos da História, delimitando o período clássico da migração transoceânica que ultrapassaria a virada do século XX. Naquele momento, europeus deslocavam-se pelo interior do continente e para o além-mar, onde Estados Unidos, Argentina e Brasil constituíram-se nos principais destinos. Entre 1815 e 1914, pesquisadores estimam que cerca de 44 a 52 milhões de europeus tenham abandonado seus países de origem na aventura até a América. Mais de 50 milhões de europeus abandonaram o continente entre o início do século XIX e a Primeira Guerra Mundial. A grande maioria tinha como destino os Estados Unidos e aproximadamente 11 milhões deles dirigiram-se para a América Latina. Deste total, 38% eram italianos, 28% espanhóis, 11% portugueses e 3% franceses e alemães. Este grande volume de emigrantes se dispuseram a atravessar o oceano em busca de melhores condições de vida, favorecidos pelo progresso dos meios de transporte, em especial pelo surgimento do navio a vapor, que encurtou as distâncias com a diminuição do tempo das viagens. Ao mesmo tempo esse fluxo permitiu o desenvolvimento de um novo tipo de negócio, com características de grande empreendimento e com potencialidade de lucros até então não conhecidos: o transporte transoceânico de passageiros de 3a classe e seus desdobramentos em termos de organização do fluxo migratório nos dois lados do Atlântico. A emigração é uma questão de políticas nacionais e de tomada de decisões pessoais, mas é ao mesmo tempo uma empresa gigantesca sem a qual nem uma nem outra se realizam. Uma multidão de indivíduos e entidades participam dele recrutando e transportando emigrantes. No período compreendido entre as décadas finais do século XIX e a eclosão do primeiro conflito mundial a Itália foi a principal exportadora de mão-de-obra para o Novo Mundo. Os Estados Unidos receberam o maior contingente, depois vieram Argentina e Brasil. Este último teve como característica fundamental uma política imigratória bastante ativa na atração de mão-de-obra estrangeira, representada por São Paulo e seus grandes contratos de introdução de imigrantes subsidiados para trabalharem nas prósperas fazendas de café. O Novo Mundo até o século XVIII apresentava um padrão de imigração relacionado às populações dos países colonizadores e à importação de escravos africanos, sofreu alterações em seu modelo migratório nos primeiros anos do século XIX.
A emancipação das colônias, a abolição da escravidão e a expansão capitalista estimularam a imigração européia maciça, temporária ou permanente. Isso só foi possível porque, simultaneamente, mudanças econômicas e demográficas aconteceram em parte da Europa e também o aumento da integração da economia mundial liberaram contingentes significativos de populações dispostas ou obrigadas a emigrar. Neste século, ingleses, irlandeses, suíços e alemães foram os primeiros povos a emigrarem em massa, empurrados, essencialmente, pelos graves problemas econômicos e sociais, tais como a pressão sobre a terra e rebaixamento dos salários, potencializados pelo grande crescimento demográfico até então e por fatores conjunturais como os dois anos da grande fome que assolou a Irlanda entre 1846 e 1847. As emigrações transoceânicas de alemães e italianos aconteceram mais tardiamente, quando os grandes espaços vazios, abertos a partir dos descobrimentos, já tinham sua forma de ocupação definida e outros grupos de imigrantes desempenhavam as atividades econômicas. Portugueses, espanhóis, ingleses, franceses e holandeses foram os principais participantes dessa partilha do mundo, integrando as áreas recém-descobertas aos interesses do capitalismo comercial em expansão e definindo suas funções econômicas.
Na Itália, desde a década de 1860, a emigração começou a ganhar força, alcançando maior importância a partir do decênio seguinte. Alguns fatores que ocasionaram essa necessidade de emigrar eram similares àqueles dos países europeus pioneiros na exportação de populações: aumento acentuado da população rural e a depressão agrícola. Cerca de 18 milhões de italianos procuraram trabalho no exterior entre 1870 e 1930. O censo de 1871 ponta que existiam neste ano 450 mil italianos vivendo no exterior, número que, dez anos depois chegou a 1 milhão.
Outros fatores eram peculiares à península, tais como o confisco de pequenas propriedades, cujos proprietários não conseguiam pagar a taxa sobre a farinha e a diminuição da procura de mão-de-obra no Império Austro-Húngaro e na Alemanha, tradicionais mercados de trabalho para a emigração temporária de trabalhadores do Vêneto. Na Itália, já na década de 1860, o aumento no volume das expatriações coincidiu com agitações e greves contra a taxação da farinha, em 1869. Enquanto a província de Mantova, após as autoridades locais conseguiram debelar as lutas agrárias, em 1873 nas províncias do sul da Itália, nas áreas onde o brigantaggio se manifestou durante o início dos anos de 1870.
Em meio à expansão cada vez maior do capitalismo mundial, a Europa passou por transformações que modificaram os padrões seculares da agricultura camponesa, afrouxando os laços do homem com a terra, agora destinada à produção em larga escala, conforme a demanda mundial por alimentos e matérias-primas. A terra agora adquiria, uma nova função como fator de produção e fonte de capital, e não mais como meio de vida tradicional do mundo rural europeu, ancorado na produção camponesa. Ao mesmo tempo, no Novo Mundo, a agricultura que se voltava para o comércio exterior, já organizada em larga escala e sob a égide do trabalho escravo ou servil, especializou-se ainda mais na produção de matérias-primas para suprir as necessidades da dinâmica da economia mundial, na qual o escravismo perdia importância. O aumento da produção tinha por características principais a dependência dos recursos naturais e o avanço sobre novas terras, cuja exploração dependia, em última instância do aprovisionamento de mão- de-obra. Tais fatores, associados à demanda de trabalhadores no setor industrial em expansão e nas áreas antes inacessíveis de forma efetiva para o mercado mundial – conquistadas através do avanço tecnológico (ferrovias e navios a vapor) – criaram condições para constituição do mercado de trabalho internacional e a massificação dos deslocamentos de populações européias para o Novo Mundo e outras áreas do globo.
Iniciada pelas províncias do norte, a emigração em massa de italianos só mais tarde atingiu o sul da península, encaminhando-se, quase que exclusivamente, para o outro lado do Atlântico. As causas do êxodo na região setentrional são anteriores a 1888 e se referem à inserção, de forma subordinada, da economia italiana no mercado ocidental, ao alargamento do mercado interno e ao início de um processo de mecanização e centralização agrícola. Na região meridional, foi a forte pressão fiscal e a conseqüente expropriação de terras já no final da década de 1880. O capitalismo penetrou no campo italiano não de maneira uniforme, a concentração da propriedade, as altas taxas de impostos que incidiam sobre a terra, impeliram o pequeno proprietário a fazer empréstimos levando ao conseqüente endividamento, a oferta, pela grande propriedade, de produtos a preços inferiores no mercado, eliminando a concorrência do pequeno agricultor, a sua transformação em mão-de-obra para a indústria nascente.
Os grãos que chegavam dos Estados Unidos e da Argentina faziam concorrência aos produzidos na Europa, pois eram transportados por grandes vapores em grandes quantidades e a baixo custo. O mundo ficava cada vez menor, inclusive para os movimentos de populações. Foi assim que a Itália se transformou em uma das maiores fornecedoras de mão-de-obra barata no mercado. Força de trabalho que foi chamada a cumprir, junto aos países fora da Europa, um papel subordinado e marginal no processo produtivo.
A substituição do navio a vela por aquele a vapor implicou em uma navegação regular, com rotas e escalas pré definidas, que não apenas atendiam a demanda, mas também estimulavam o tráfico. A substituição da vela pelo vapor foi diferente para cargas, passageiros e rotas, e dependeu muito do volume do tráfego, dos subsídios ou contratos de correio, das características da carga ou das possibilidades econômicas dos passageiros. No transporte de passageiros, essa substituição completou-se na década de 1870. Em termos globais, no entanto, a tonelagem dos vapores ultrapassou a dos veleiros por volta de meados da década de 1890.
Os agentes e subagentes de emigração sempre operaram em qualquer país da Europa e da Ásia em que houvesse emigração. Nos países de imigração, especialmente na América, sua atuação também era comum. Em ambos os casos os objetivos eram os mesmos: fomentar o fluxo migratório e colher os frutos financeiros desse tipo de serviço. Na Itália, os agentes e subagentes foram, de longe, as figuras mais polêmicas relacionadas à emigração, dividindo opiniões na sociedade. Por uns, eram acusados de serem os principais incentivadores do êxodo em massa; outros os defendiam, considerando que sua atuação era fundamental dentro do processo migratório. Posições, essas, quase nunca desprovidas de interesses específicos. Não se pode negar, porém, que eles se constituíram em um dos elos da corrente que unia a mais remota vila camponesa italiana ao mercado mundial de trabalho e, no caso específico do Brasil, às fazendas de café que avançavam pelo interior paulista. Em um primeiro momento, foram sobretudo os cônsules das repúblicas americanas a cumprir a função de promover a emigração. Não demorou muito para esses funcionários de governos estrangeiros serem substituídos por elementos locais, ligados a interesses que rapidamente e espontaneamente formaram-se em torno do processo migratório. Em 1892 existiam 30 agências e 5.172 subagentes, três anos mais tarde, o número chegava a 34 e 7.169, respectivamente. Além do recrutamento, os agentes e subagentes ofereciam a assistência tão necessária à massa rural semianalfabeta, sempre órfã de qualquer auxílio estatal. Eram eles que se incumbiam das etapas para obtenção do passaporte, do nulla osta militar, cuidavam da viagem semi gratuita ao porto de embarque, e ainda escreviam e liam cartas vindas e enviadas ao exterior.
A cidade de Gênova, sempre teve a sua vida voltada para o mar, no entanto, não tinha um porto em condições de atender ao inédito volume de emigrantes que já começava a ganhar contornos em meados do século XIX. A chegada de grandes grupos de miseráveis que se espalhavam por Gênova tornava-se cada vez mais freqüentes. Milhares de pessoas, já então consideradas italianas, aguardavam para embarcar em um navio que as levaria para o outro lado do oceano, distante de seus vilarejos ou de suas comunas. Essa espera, por sua vez, produziu cenas que marcaram a capital da Ligúria e o imaginário da emigração italiana. Eram comuns as aglomerações na estação ferroviária Principe – homens, mulheres e crianças dormindo ao relento ou lotando albergues precários localizados nas imediações. Na praça da igreja Santissima D’Annunziata, as cenas repetiam-se, e a escadaria servia de leito para aqueles que não tinham condições de pagar hospedagem por alguns poucos dias. Comum também eram as tentativas frustradas de quem muitas vezes não conseguia embarcar para a América, nem mesmo voltar para seu local de origem sem ter que aguardar vários dias por alguma ação das autoridades de segurança pública. Os jornais da época publicavam inúmeras notícias sobre a precariedade da situação que tomava conta de Gênova, a “città degli emigranti”. Em fevereiro de 1868, o Corriere Mercantile fazia a seguinte denúncia:
"Algumas centenas de pobres napolitanos circulam por nossa cidade, esperando, dizem, por um embarque para a América. Mas o pior é que se diz que já pagaram adiantado o seu embarque a um agente de emigração e que agora ele os mantém à distância com palavras por não ter meios para os embarcar, e talvez também por outras razões menos desculpáveis. Imagine cada um em que estado devem se encontrar esses pobres emigrantes, que miséria, que sujeira".
Alguns anos mais tarde, em 1876, os jornais publicaram:
"Pobres emigrantes para a América continuam a oferecer uma visão verdadeiramente comovente. As arcadas da Piazza Caricamento e da Via Carlo Alberto e os degraus da Igreja da Annunziata foram ocupados, já desde algumas noites, por uma multidão desses infelizes que em sua maioria são vítimas de uma especulação infame. Alguns dos infelizes contam que os agentes os induziram a abandonar as suas casas prometeram que durante a estada em Gênova, antes do embarque, teriam uma lira por dia para cada um. Mas, quando chegaram aqui perceberam tarde demais que haviam sido traídos! ... A Prefeitura, devo dizer para ser honesto, fez tudo o que pôde para garantir que essas pobres pessoas estivessem pelo menos protegidas das intempéries e abrigassem um grande número delas. Mas, nestes dias, a extraordinária passagem de tropas, que a Câmara Municipal deve providenciar os alojamentos, impossibilitou que o escritório da Polícia Municipal atender a tantos necessitados e, assim, homens, mulheres e crianças passam as noites no duro mármore ao descoberto; e conseqüentemente um número extraordinário deles adoeceu e foram internados no hospital. No mesmo ano, 1876, cerca de 800 emigrantes de Mantova, na baixa Lombardia, dirigiram-se à Gênova, onde aguardaram o embarque para a América sem sucesso. Todos foram enganados pelo agente que os havia recrutado e, o qual fugiu com o dinheiro arrecadado para pagamento das passagens. Não restou outra alternativa senão o governo financiar o retorno dos mesmos ao local de origem. Ao chegarem em Milão, as cenas de abandono e desespero repetiram-se:
"Anunciei a partida de Gênova dos pobres camponeses Mantova. Pelas folhas de Milão, noto agora que aquele numeroso grupo de infelizes chegou àquela cidade. Na estação central houve o espetáculo de uma multidão de famintos que pediam para comer e poder voltar para casa".
Não era o primeiro caso de abandono de emigrantes no porto. Em 1874, a imprensa de Verona informava que um agente havia enganado 1.500 camponeses vênetos que embarcariam para a América, deixando-os em Gênova sem os passaportes e sem o dinheiro que fora adiantado para a compra das passagens. Às vezes, os emigrantes conseguiam embarcar, mas sem saber que o destino não era mais aquele combinado anteriormente. No mesmo ano, um vapor carregado de camponeses lombardos, que deveria dirigir-se ao Rio da Prata, atracou em Nova York porque o agente que os havia enganado especulou com o custo do bilhete de viagem. Outra prática bastante difundida era a dos agentes cobrarem a passagem dos emigrantes que se dirigiam ao Brasil com direito ao transporte gratuito. Nos anos de 1890, apesar da construção da nova ponte de embarque – no período em que o número de emigrantes crescia rapidamente – era assim descrita por um observador da época:
"Por volta das 4 do dia 20 de março, a descida da Ponte Federico Guglielmo fervilhava de gente. Por volta das 10 horas, o vapor Washington começou a engolir sua carga humana. São pessoas de todas as regiões da Itália. (...) Do lado de fora do rapel, pouco antes dos trilhos que acompanham o perfil do porto, havia uma espessa cerca viva de camelôs. (...) Dentro da Estação Marítima, as bagagens são fiscalizadas e os emigrantes visitam enquanto desfilam em frente a um Inspetor de Segurança Pública e um médico da Capitania. A sujeira das roupas e do corpo, devido à longa viagem de trem e sobretudo a impossibilidade de usarem banheiros antes do embarque, torna o espetáculo ainda mais triste e miserável, muitas vezes também é motivo de hilaridade dos fiscais que, sem se importar com o sofrimento ou a dignidade humana, costumam gritar para que os emigrantes avancem: "E agora para frente, imundos!". Os primeiros anos da emigração constituiram-se em verdadeira provação: no embarque, caos, desrespeito por parte de funcionários do Estado e uma incontável quantidade de aproveitadores a oferecer qualquer serviço em busca de ganhos, por menores que fossem. Nos albergues indicados pelos agentes, os emigrantes que conseguiam evitar o pernoite ao relento, enfrentavam sérios problemas devido às precárias condições de hospedagem. Não era fato incomum centenas de famílias deitadas promiscuamente no pavimento úmido ou sobre sacos, no porão ou no sótão, sem ar e sem luz; além da violência contras as mulheres, vítimas daqueles que rondavam essas hospedarias durante a noite. Acontecimentos corriqueiros em Gênova, que se repetiam em outros portos de embarque de emigrantes. Assim como no porto de Gênova, o de Nápoles e, em menor proporção, o de Palermo, também tiveram importante movimento de emigrantes desejosos de alcançar a América. Entretanto, nos dois portos da Itália meridional, o fluxo mais significativo teve início na virada do século – momento em que as saídas pelo porto de Nápoles suplantaram as de Gênova e a esmagadora maioria dirigia-se à América do Norte. As condições do porto de Nápoles eram muito precárias: pelo menos até 1900, ainda não existia sequer uma estação marítima para o embarque de passageiros. Além disso, a área portuária era infestada por todo tipo de trapaceiros e aproveitadores que agiam sob a complacência das autoridades, aproveitando-se da fragilidade de suas vítimas. Mas os problemas não se resumiam ao porto. Esquecidos pelas autoridades, os emigrantes eram obrigados a aguardar ao relento ou nas inúmeras hospedarias ilegais que, na verdade, tinham acordos de compensação financeira com as companhias de navegação, um tipo de negócio que ganhou especial relevo em Nápoles. Em um ambiente hostil e violento, exposto às intempéries, à péssima alimentação, à imundície, quem mais sofria eram as mulheres e as crianças. As epidemias eram comuns e, foi uma delas, a de cólera em 1911, que levou à criação do primeiro e único abrigo estatal, cujas péssimas condições justificavam a preferência dos emigrantes pelas hospedarias particulares. Um pequeno excerto do relatório do primeiro ano de atividade do abrigo é revelador:
"Ao meio-dia, quando os emigrantes tinham apenas chegado a algumas horas, tudo já estava de cabeça para baixo; nos dormitórios aquele fedor especial de suor, fumaça e pecorino que sai das massas de nossos plebeus, já era fortemente sentido. Os banheiros fedem, perto das pias havia lagos de água, nos cantos e fendas de todo tipo de lixo".
Em suma, praticamente abandonado pelo Estado nas principais cidades de embarque, restou ao emigrante contar com outras formas de proteção. Em sua defesa contra companhias de navegação, agentes e subagentes operaram algumas instituições religiosas e laicas. Em 1887, o bispo de Piacenza, Giovanni Scalabrini fundou a Associazione di Patronato per l’Emigrazione (que em 1894 assumiria o nome de Società di S. Raffaele), formada, sobretudo, por laicos, cujo objetivo era prestar assistência aos emigrantes nas áreas de origem e nos portos de embarque. No mesmo ano, Scalabrini instituiu a Congregazione dei Sacerdoti Missionari di San Carlo Borromeo, rapidamente difundida por todo o mundo, além da presença dos comitati locali nos portos italianos.
Em 1900, Geremia Bonomelli, bispo de Cremona, fundou a Opera di Bonomelli para defender os emigrantes temporários que se dirigiam aos países europeus. A Opera ganhou notoriedade com a denúncia do tráfico de meninos italianos vendidos pelas próprias famílias por pequenas somas aos mediadores, para serem empregados como escravos na indústria do vidro de Lion e Paris. A questão tratada por essas associações católicas, entretanto, não se resumiu apenas aos limites do território italiano. A tutela estendeu-se pelas áreas de destino dos emigrantes, substituindo as funções freqüentemente incertas, carentes ou omissas da fraca representação italiana no exterior. Através da ajuda financeira dirigida à Opera di Bonomelli e da concessão de subsídios aos vários escritórios da assistência criados em torno das Missões Scalabrinianas da América, o Estado tendeu a delegar atividades que pertenciam à suas funções consulares. Existia determinado critério estatal de economia e de funcionalidade que procurava fazer da emigração um bom negócio. Nesse sentido, estruturaram-se as bases de uma política de contrato em relação às instituições religiosas, que atuavam no campo da assistência aos trabalhadores no exterior.
“Os navios de Lázaro”, assim eram chamados, pela opinião pública italiana da época, os navios que vagavam pelo oceano com sua carga de miséria e doença, ou seja, os emigrantes.
Após todo sofrimento em terra e o embarque no navio, a viagem transformava-se em nova batalha, talvez a mais difícil, a ser vencida pelos emigrantes. Na obra Sull'Oceano de Edmondo De Amicis (1846-1908 ), publicado em 1889 e amplamente utilizado para a historiografia da emigração. É considerado um dos primeiros romances italianos a afrontar o tema da grande emigração. Escrito depois de sua viagem de Gênova a Montevidéu no vapor Galileo, em 1884, o livro relata essa experiência. Uma espécie de diário de bordo, dedicado à viagem dos emigrantes, vindos de muitas regiões italianas, que falavam dialetos locais e, portanto, comunicavam-se apenas com os próprios compatriotas. Famílias que viajavam para a América do Sul, em terceira classe, na busca de uma vida melhor, foram retratadas pelo escritor, que lhes deu voz e mostrou suas agruras.
"Quando cheguei, ao entardecer, o embarque dos emigrantes já havia começado há uma hora, e o navio Galileu, junto com a descida de uma pequena ponte móvel, continuava a ensacar miséria: uma procissão interminável de pessoas saindo em grupos do edifício oposto, onde um delegado da delegacia da polícia examinava os passaportes. A maioria, tendo passado uma ou duas noites ao ar livre, agachados como cães nas ruas de Gênova, estavam cansados e com sono. Trabalhadores, camponeses, mulheres com bebês no peito, meninos que ainda tinham a chapa de metal do jardim de infância presa ao peito, passavam, quase todos carregando uma cadeira dobrável debaixo do braço, sacolas e malas de todos os formatos na mão ou na cabeça, braçadas de colchões e cobertores, e a passagem com o número do beliche pressionado entre os lábios. Mas o espetáculo eram as terceiras classes, onde a maioria dos emigrantes, tomados pelo enjôo do mar, deitavam-se ao acaso, atirados sobre os bancos, em posturas de doentes ou mortos, com o rosto sujo e os cabelos despenteados, no meio de um grande emaranhado de cobertores e trapos. Se via famílias unidas em grupos compassivos, com aquele ar de abandono e perplexidade típica da família de sem-teto: o marido sentado e dormindo, a esposa com a cabeça apoiada em seus ombros e os filhos na mesa, que dormiam com a cabeça apoiada nos joelhos dos dois: montes de trapos, onde não se via nenhum rosto, e saía apenas o braço de uma criança ou a trança de uma mulher. (...) E o pior estava embaixo, no grande dormitório, cuja escotilha se abria perto do tombadilho de popa: olhando para fora, via-se na meia escuridão corpos sobre corpos, como nos navios que trazem os corpos de emigrantes chineses de volta à pátria; e vinha dali, como se de um hospital subterrâneo, um concerto de lamentos, suspiros e tosses, de dar a tentação de desembarcar em Marselha".
De Amicis pouco enfatizou questões delicadas como a alimentação a bordo, as condições de higiene e a mortalidade durante a viagem. Na verdade, muitos morriam devido a doenças ou a desconfortos sofridos nos navios – na maioria das vezes crianças. Exemplos não faltaram, sobretudo nos vapores que rumavam para o Brasil levando emigrantes subvencionados: em 1888, morreram de fome 36 pessoas no Matteo Bruzzo e 18 no Carlo Raggio; em 1889, no Frisia, 300 emigrantes adoeceram e 27 faleceram por asfixia em decorrência da proximidade entre o dormitório e a sala das máquinas. O então deputado italiano Pantano, em uma sessão do Parlamento, no ano de 1899, apontou claramente o motivo de tantas mortes. Disse o parlamentar: "Os navios eram carcaças já muitas vezes dedicadas ao transporte de carvão, cargas de carne humana, amontoada e desprotegida, cuja passagem pelo oceano era assinalada por uma esteira de cadáveres ceifados pela morte nas fileiras dos emigrantes mais fracos e doentes, das mulheres e das crianças, extenuadas, mal de saúde devido aos alimentos insuficientes ou de má qualidade, pela inexistência de cuidados sanitários e pela falta de ar respirável na plenitude de um horizonte livre".
Uma descrição minuciosa da situação higiênico sanitária no vapor Giava da Navigazione Generale Italiana em uma das inúmeras viagens de transporte de emigrantes para a América do Sul. O navio deixou Gênova em 8 de outubro, aportou em Buenos Aires em 8 de novembro e retornou à Gênova em 4 de dezembro de 1899, passando por Santos e Rio de Janeiro. Os problemas começaram logo na partida, quando o médico de bordo, solicitou o documento comprobatório da desinfecção do navio e foi prontamente lembrado de que era pago pela companhia e, portanto, não deveria criar obstáculos. Discorrendo sobre a estrutura interna do vapor, o médico acusava a falta de ventilação e de luz natural, as péssimas condições de alimentação e de alojamento, que dificultavam até mesmo o emigrante de lavar-se, além da escassez de remédios. Diante desse quadro de precária higiene, o alastramento de doenças era sua principal preocupação. Disse:
"Se quisermos dar ao médico do navio uma certa responsabilidade em casos de epidemias, é absolutamente essencial que ele também tenha autoridade para fazer a higiene necessária a bordo: ainda não consegui obter, exceto por uma noite, que a permanência dos passageiros no convés seja prolongada, o que de verdade precisa para tentar conter as duas invasivas epidemias de tifo e varíola, porque os porões não são suficientemente ventilados, e o pouco ar que existe, já doentio, esquenta muito e se decompõe, até se tornar irrespirável".
Antes do início da viagem de retorno, o médico de bordo Teodoro Ansermini revelou outra preocupação com a higiene quando veio a ordem para o capitão do navio desfazer-se de grande quantidade de camas para abrir espaço ao carregamento de mercadoria. Tal fato expunha, mais uma vez, o emprego promíscuo dos vapores no transporte de emigrantes e mercadorias. Disse o médico:
"O problema é que, depois de tantas doenças epidêmico contagiosas a bordo (varíola, tifo, difteria, sarampo), as desinfecções não podem mais ser feitas, e as mercadorias ficarão acondicionadas em instalações já habitadas por passageiros há um mês (... )". Continuou o médico:
"Não me lembro, no meu exercício prático de sete anos, de ter sido médico dos pobres e de seis sociedades operárias, nunca ter visto tanta sujeira e tantas vidas amontoadas em locais tão estreitos e menos adequados ao uso pretendido (...).
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS
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