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terça-feira, 10 de junho de 2025

Raízes de Esperança: A Saga de Enrico Bianchelli


 

Raízes de Esperança: 

A Saga de Enrico Bianchelli


Busalla, Itália, 1886

Enrico Bianchelli sentou-se na beira da cama, segurando seu chapéu gasto entre as mãos calejadas. A decisão estava tomada: partiria para o Brasil, como tantos outros, em busca de um futuro melhor. As cartas de um conhecido, que emigrara anos antes, falavam de terras férteis e oportunidades. "Volto em poucos anos", dizia ele à mãe, tentando confortá-la, mas no fundo sabia que talvez nunca mais visse sua terra natal.

Sua mãe, Antonella, escondia as lágrimas enquanto colocava um pequeno rosário em sua bagagem. "Reze, Enrico, e Deus te protegerá. Onde quer que esteja, estaremos juntos em oração."

No porto de Gênova, Enrico embarcou no Vittoria, um navio abarrotado de esperanças e incertezas. Entre os passageiros, conheceu a família Zamboni, que também partia em busca de uma nova vida.

Ilha das Flores, Brasil, 1886

A travessia foi árdua. O calor, a fome e o medo de doenças pairavam sobre todos. Quando o navio atracou no Rio de Janeiro, os passageiros foram obrigados a tomar a vacina contra a varíola. Mas Enrico teve uma reação severa e foi levado à quarentena na Ilha das Flores. Enquanto os Zamboni seguiam viagem, ele ficou sozinho, esperando dias intermináveis pela recuperação.

A solidão era cruel. Enrico via navios partindo e se perguntava se seu sonho acabaria ali. Mas ele se agarrou à esperança. Finalmente liberado, chegou a São Paulo sem saber ler, escrever ou falar português. Sentia-se perdido, mas sua determinação era maior.

Na estação de imigração, Enrico foi notado por Bartolomeu Franco, um fazendeiro de Araraquara, que buscava trabalhadores italianos. Mas como as famílias já haviam sido destinadas para outras fazendas, aceitou levar Enrico sozinho.

A viagem de trem foi longa e cansativa. Quando chegaram ao ponto final da linha férrea, Enrico descobriu que o restante do caminho seria feito a pé, pela mata densa. A fazenda Monte Alegre era isolada e desafiadora. Enrico foi um dos primeiros italianos a trabalhar ali, enfrentando dias duros e trabalho extenuante.

Com a abolição da escravatura em 1888, a fazenda começou a receber mais imigrantes italianos. Entre eles estava a família Bellucci, vinda de Treviso. Enrico logo se encantou por Lucia Bellucci, uma moça de olhar vivo e sorriso terno. O pai dela relutou, mas enfim aceitou o casamento, realizado na pequena capela da fazenda.

Lucia trouxe esperança para Enrico. Juntos, cultivavam café para o patrão, que permitia criassem um ou dois porcos e algumas galinhas para uso próprio e assim economizavam cada centavo que conseguiam com alguma venda ou trabalho extra. Com esforço e depois de mais de 4 anos de muito suor, conseguiram comprar uma pequena área de dois hectares nos arredores de Araraquara. Deixaram a fazenda e começaram vida nova na cidade que também iniciava.

Entre 1890 e 1905, Enrico e Lucia tiveram oito filhos. A comunidade italiana também crescia em Araraquara, e Enrico, agora alfabetizado com a ajuda da esposa, tornou-se um líder entre os imigrantes, ajudando os recém-chegados e mediando conflitos. Chegou a ser vereador, sendo reeleito várias vezes.

Apesar da saudade da Itália, voltar tornou-se um sonho distante. Enrico mantinha contato com a família na terra natal por cartas, nas quais narrava suas lutas e conquistas. "Aqui, a vida não é fácil, mas a terra recompensa quem trabalha. Estamos construindo um futuro para nossos filhos."

Em 1938, aos 72 anos, Enrico faleceu, cercado por sua grande família. No funeral, todos lembraram sua coragem e perseverança. O que antes era mata fechada agora abrigava plantações, casas e uma comunidade vibrante.

Anos mais tarde, no coração da pequena cidade, um marco foi erguido em sua homenagem:

"Àquele que transformou sonhos em raízes profundas. O legado de Enrico Bianchelli vive em cada colheita e em cada geração."

A história de Enrico tornou-se símbolo da força e da resiliência dos imigrantes italianos no Brasil, que, apesar das adversidades, ergueram suas vidas e deixaram um legado eterno.


Nota Histórica do Autor

sobre “Raízes de Esperança: A Saga de Enrico Bianchelli”


Esta narrativa de Piazzetta nasceu do desejo de resgatar a dignidade silenciosa daqueles que cruzaram mares e abandonaram suas certezas em nome de um amanhã incerto. “Raízes de Esperança” é, antes de tudo, uma homenagem à coragem obstinada dos imigrantes italianos que, no final do século XIX, deixaram as colinas pedregosas da Itália para construir uma nova vida no Brasil — não com ouro, mas com calos, lágrimas e fé.

Enrico Bianchelli, o protagonista desta história, é a síntese de muitos. Inspirado por testemunhos familiares, diários de época, cartas e documentos coloniais, ele representa o camponês comum: homem simples, marcado pela labuta e pelo sonho de dar aos filhos aquilo que o destino lhe negara. Seu caminho, da Ligúria ao interior do Rio Grande do Sul, reflete a travessia de milhares de anônimos que trocaram a fome pela esperança e a saudade pelo trabalho incansável entre matas fechadas e horizontes por desbravar.

Este romance não pretende apenas contar uma história. Ele busca, sobretudo, eternizar um sentimento. Cada parágrafo foi escrito com o coração atento aos sussurros dos antepassados, aos ventos que atravessaram os porões dos vapores e às preces murmuradas entre pés de milho e uva. “Raízes de Esperança” é um monumento de palavras dedicado à memória de todos que ousaram semear o futuro em terras estrangeiras.

Que esta saga desperte no leitor o respeito pela trajetória de nossos avós e o orgulho de carregar, no sangue, a bravura de quem plantou raízes em solo novo, sem jamais esquecer de onde brotou.

— O Autor

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

O Grande Êxodo da Emigração Italiana





«Que coisa entendeis por uma nação, senhor ministro? É a massa dos infelizes? Plantamos e ceifamos o trigo, mas nunca provamos do pão branco. Cultivamos a videira, mas não bebemos o vinho. Criamos os animais, mas não comemos a carne... Apesar disso, vós nos aconselhais a não abandonar a nossa pátria. Mas é uma pátria a terra em que não se consegue viver do próprio trabalho?»
Resposta de um emigrante a um ministro italiano, no final do século XIX 


Com a unificação da Itália no ano 1870 - Risorgimento 1815-1870 - os antigos contratos agrícolas que mediavam e disciplinavam a interrelação do trabalho no campo, originados ainda na Idade Média, no período feudal, previam que a terra era propriedade inalienável dos nobres, aristocratas, ordens religiosas ou do rei. Esses contratos de trabalho deixaram de existir na zona rural italiana, especialmente no sul da península.

No entanto, o desaparecimento desse sistema feudal e a conseqüente redistribuição da terra não trouxe os benefícios esperados para aqueles pequenos agricultores.

Muitos deles ficaram sem terra, pois os lotes foram se tornando cada vez menores e, portanto, cada vez muito menos produtivos, pois a terra era constantemente dividida entre os herdeiros, fragmentando-se cada vez mais com o passar das gerações, e consequentemente não mais podiam atender as necessidades das famílias. 

A emigração dos camponeses do sul da Itália foi precedida pela saída em massa de milhares de emigrantes provenientes de províncias da zona norte e central da península italiana.

Entre 1861 e a Primeira Guerra Mundial, durante a grande migração, 9 milhões de habitantes deixaram a Itália, indo se estabelecer, principalmente, na América do Sul e do Norte (em particular Argentina, Estados Unidos da América e Brasil, países com grandes áreas de terras inexploradas e portanto com necessidade de mão de obra) e muitos outros preferiram países da própria Europa, em particular na França. 

A partir do final do século XIX também houve uma consistente emigração de italianos para a África, principalmente, para o Egito, a Tunísia e o Marrocos, e no século XX também para a África do Sul, colônias italianas da Líbia e do Marrocos e Eritreia. 

Para os Estados Unidos, a emigração se caracterizou principalmente por ser de longo prazo, a maioria das vezes sem planos concretos dos emigrantes em retornar para a Itália, enquanto aquelas para o Brasil, Argentina e Uruguai foram emigrações permanentes e temporária - a chamada emigração golondrina. 

A possibilidade de emigração para as Américas teve grande impulso com o avanço técnico do transporte marítimo ocorrido no final do século XIX, quando se passou a construir navios de casco metálico, cada vez maiores, que reduziriam o custo dos bilhetes. 

A emigração italiana para o Brasil pôde acontecer devido a abolição da escravidão no Brasil, no ano de 1888, e o império brasileiro necessitar de mão de obra com urgência para substituir o trabalho escravo. Os camponeses italianos foram escolhidos para essa missão.

Inicialmente partiram pequenos agricultores e artesãos, acompanhados por suas famílias, provenientes das regiões do Vêneto e da Lombardia e alguns anos depois daqueles do sul da Itália.

A emigração não afetou igualitariamente todas as regiões italianas. Na segunda fase da emigração (de 1900 até a Primeira Guerra Mundial), pouco menos da metade dos que deixaram o país eram provenientes das regiões do sul da Itália. A grande maioria deles era formada por pequenos camponeses provenientes das regiões do Veneto, Lombardia e de algumas províncias do centro da Itália, expulsos das terras onde trabalhavam, por uma gestão fundiária ineficiente, pela fome, falta de perspectivas, insegurança e pela pobreza sequelas de c doenças carenciais como a pelagra. 

A parceria agrícola, forma de contrato agrícola que previa a participação das famílias camponesas na renda graças à obtenção de uma parcela dos lucros, era mais difundida no centro da Itália, e sofreram muito menos o fenômeno da emigração do que outras do norte e do sul.

No sul, por outro lado, faltavam empreendedores, com latifundiários que muitas vezes se ausentavam de suas fazendas por residirem permanentemente na cidade, deixando a gestão de seus recursos por conta própria, que não eram incentivados pelos proprietários a fazer com que as propriedades agrícolas fossem bem produtivas. Embora a superfície da terra possuída fosse, para os aristocratas, a medida tangível de sua riqueza, a agricultura era vista, do ponto de vista social, com desprezo. A maioria dos proprietários rurais não investiam o seu capital em melhorias com equipamentos agrícolas e no aprimoramento das técnicas de produção, mas sim aplicavam em títulos de baixo risco do governo.

A emigração de residentes das cidades maiores era muito rara, com a única exceção representada por Nápoles. Com a unificação da Itália, muitas cidades, com exceção de Roma, deixaram de ser a capital de seu próprio reino e passaram a ser uma das muitas capitais de províncias italianas. A resultante perda de empregos burocráticos levou ao aumento do desemprego. A situação mudou em parte no início da década de 1880: epidemias de cólera também começaram a atingir as cidades, causando a emigração de muitos italianos.

Nos primeiros anos após a unificação da Itália, a emigração não era ainda controlada pelo estado. Os emigrantes muitas vezes ficavam nas mãos de agentes de emigração cujo objetivo era obter lucro para si próprios, sem dar muita atenção aos interesses dos emigrantes. Seus abusos levaram à primeira lei de emigração na Itália, aprovada em 1888, com o objetivo de colocar finalmente estas companhias de emigração sob controle do Estado.

Em 31 de janeiro de 1901, foi criado o comissariado de emigração, que concedeu licenças para embarcações, cobrou despesas fixas com passagens, manteve a ordem nos portos de embarque, fiscalizou os emigrantes que partiam, identificou hospedarias e meios de recepção e celebrou acordos com os países de destino do fluxo migratório para ajudar quem chega. A delegacia, portanto, tinha a função de cuidar dos emigrantes antes da partida e depois de sua chegada, de lidar com as leis que discriminavam os trabalhadores estrangeiros (como a Lei de Contratos de Trabalho Estrangeiros nos Estados Unidos) e de suspender, por certo período, a emigração para o Brasil, onde muitos emigrantes tornaram-se verdadeiros escravos nas grandes fazendas de café (como já mencionado, a abolição da escravatura neste país sul-americano era recente). Nesse contexto, foi publicado o decreto Prinetti, que impedia a "escravidão", em substância, do emigrante italiano.

O comissariado também tinha a função de administrar as remessas enviadas por emigrantes dos Estados Unidos para a Itália, que se transformaram em um fluxo constante de dinheiro que ascendia, segundo alguns estudos, a cerca de 5% do produto nacional bruto italiano. Em 1903, a delegacia também decretou quais portos de embarque seriam destinados aos emigrantes: Palermo, Nápoles e Gênova. Anteriormente, o porto de Veneza também era utilizado para esse fim: a delegacia de polícia decidiu então riscá-lo da lista.

Como consequência da emigração massiva da península, muitos preconceitos começaram a surgir contra os italianos (fenômeno que é a antítese da Italofilia, que é admiração, estima e amor pelos italianos e pela Itália). Este fenômeno de discriminação étnica contra italianos e Itália ainda é atestado hoje especialmente nos países da América do Norte (Estados Unidos e Canadá), centro-norte da Europa (Alemanha, Suécia, Áustria, Suíça, Bélgica, França e Reino Unido) e no Balcãs (Eslovênia e uma parte da Croácia). Outras causas dessa aversão aos italianos foram eventos históricos, especialmente de natureza de guerra, ou hostilidade nacionalista e étnica, como no caso da Eslovênia e da Croácia, que está ligada ao irredentismo italiano naquelas terras, ou seja, o irredentismo italiano na Ístria e italiano irredentismo na Dalmácia.

Destacam-se, entre os episódios de violência contra italianos perpetrados no mundo, o linchamento de Nova Orleans (1891), durante o qual foram linchados onze italianos, quase todos sicilianos, acusados ​​de matar o chefe da polícia urbana dos Estados Unidos cidade, e o massacre de Aigues-Mortes, que ocorreu em agosto de 1893, que foi desencadeado por um conflito entre trabalhadores franceses e italianos (especialmente piemonteses, mas também lombardos, ligurianos, toscanos) empregados nas salinas de Peccais , e que se transformou em um verdadeiro massacre, com um número de mortes ainda não apuradas e cerca de uma centena de feridos entre os trabalhadores italianos. A tensão resultante trouxe uma guerra entre os dois países. Também digno de menção é o julgamento dos anarquistas italianos Sacco e Vanzetti, ocorrido em Boston em 1927, durante o qual o preconceito contra os imigrantes italianos emergiu claramente e contribuiu para sua sentença de morte junto com as ideias políticas que os dois defendiam.