terça-feira, 24 de junho de 2025

A Saga de Carlo e Sofia: Imigrantes Italianos na Argentina

 



A Saga de Carlo e Sofia 
Imigrantes Italianos na Argentina


Em 1878, na pequena localidade de Jesus Maria, localizada na província de Córdoba, Argentina, acabava de chegar um jovem casal de imigrantes italianos, Carlo e Sofia Ricci. Eles deixaram sua amada terra natal na Itália em busca de uma nova vida em terras distantes e promissoras. Sua história começa com um misto de desejo de aventura e de explorar horizontes além das fronteiras conhecidas, mas, principalmente da necessidade de deixar para trás aquela miséria crônica que os cercava desde a infância, de abandonar uma Itália sem futuro, que não era nem capaz de oferecer um posto de trabalho digno para sustentar a família. Milhares de outros italianos já tinham partido, emigrado para outros países vizinhos ou do outro lado do oceano  e outros milhares, de norte ao sul da península, aguardavam uma oportunidade para também seguirem o mesmo caminho.

Carlo, um homem de espírito indomável e grande ambição, escolheu embarcar nessa jornada ao lado de sua amada esposa, Sofia. A cansativa viagem pelo mar não foi isenta de desafios, mas eles nunca perderam a esperança. Ao longo de quase quarenta dias de viagem e 8 dias de paradas, enfrentaram o mal-estar do mar e muitas incertezas, mas finalmente chegaram sãos e salvos a Buenos Aires, Argentina, em 1º de março.

A aventura deles não parou por aí. Após uma rápida estadia na hospedaria em Buenos Aires, foram levados  para a província de Córdoba, para a quase pedida localidade de Caroya. Rodeada por altas montanhas e habitada por uma maioria de indígenas, pessoas humildes e generosas, essa localidade esquecida parecia prometer uma vida melhor para Carlo e Sofia. Lá, o casal fez amizade com outros imigrantes italianos, alguns provenientes de lugares próximos à sua terra natal e outros do sul do país. Esses encontros fortuitos fortaleceram seu senso de comunidade e solidariedade, formando laços que durariam por muito tempo.

Carlo e Sofia estavam determinados a construir uma vida próspera na Argentina. Iniciaram a construção de sua casa, unindo forças para fazer tijolos e coletar materiais locais. Sua casa seria um lar acolhedor para eles e para a família que esperavam construir.

Descobriram que o solo na Argentina era fértil e rico em recursos agrícolas. Essa descoberta os motivou a começar a cultivar a terra ao redor e a criar uma nova vida baseada na agricultura. As promessas de abundância de alimentos e a oportunidade de possuir terras sem ter que pagá-las imediatamente eram fonte de grande entusiasmo para o jovem casal.

Enquanto Carlo e Sofia se adaptavam à sua nova vida, participavam também das atividades  religiosas e festivas  locais. Esses eventos festivos os ajudaram a mergulhar na cultura argentina e a sentir um vínculo cada vez mais forte com sua nova pátria.

A vida deles na Argentina era dura e permeada de inúmeros desafios. Tinham que lidar com a saudades da sua vila natal, a grande distância de suas famílias na Itália, mas a esperança de uma vida melhor os mantinha unidos e firmes no propósito de vencer. Enquanto não tomava posse de um lote de terra, Carlo trabalhava arduamente no campo como peão, ganhando um salário de 70 francos por mês, além de alojamento e alimentação, enquanto Sofia cuidava da casa e mais tarde dos filhos.

Seus dias eram simples e cheios de trabalho árduo, mas estavam repletos de esperança para o futuro. Com o tempo, o casal teve a alegria de formar uma família, enquanto Carlo ganhava o respeito da comunidade local por seu trabalho sério e dedicado.

À medida que Carlo e Sofia mergulhavam nas complexidades da vida argentina, suas experiências se entrelaçavam com os altos e baixos da nação em crescimento. A família crescia, os campos prosperavam, mas desafios inesperados testavam sua resiliência. Uma reviravolta inesperada trouxe à tona dilemas éticos e decisões difíceis, desafiando os alicerces da vida que construíram.

A comunidade de Caroya tornou-se palco de eventos que ecoariam através das gerações, moldando não apenas a história de Carlo e Sofia, mas também o destino da localidade. Suas contribuições se tornaram um legado, um testemunho da força do espírito humano e da capacidade de construir algo duradouro em terras estrangeiras.

No entardecer de suas vidas, Carlo e Sofia olhavam para trás, contemplando uma jornada que transcendeu as fronteiras da Itália e se entranhou nas raízes da Argentina. Seus descendentes celebravam não apenas a coragem de um casal, mas a herança de uma família que floresceu em solo argentino.

A história de Carlo e Sofia permaneceu viva nas tradições familiares, nas ruas de Caroya e nos corações daqueles que aprenderam sobre sua saga. Uma história de amor, perseverança e construção de sonhos que resistiram ao teste do tempo, tornando-se uma narrativa eterna que ecoa como um lembrete inspirador de que, onde quer que as sementes da esperança sejam plantadas, raízes profundas podem se formar, criando um legado que transcende gerações.

Nota do Autor

"A Saga de Carlo e Sofia: Imigrantes Italianos na Argentina" é mais do que uma história de migração; é um tributo ao espírito humano que ousa sonhar além das fronteiras e superar as adversidades. Inspirada por relatos históricos e enriquecida pela imaginação, esta narrativa busca retratar a coragem de homens e mulheres que deixaram sua terra natal em busca de um futuro melhor, enfrentando desafios que testaram sua resiliência e moldaram seu caráter.

Carlo e Sofia representam muitos dos imigrantes italianos que, no final do século XIX, contribuíram para o desenvolvimento social, cultural e econômico da Argentina. A força do amor, o trabalho incansável e a capacidade de adaptação são elementos centrais que nos mostram como vidas ordinárias podem produzir feitos extraordinários.

Esta obra é uma homenagem aos pioneiros que, como Carlo e Sofia, deixaram um legado duradouro não apenas para suas famílias, mas também para a sociedade que os acolheu. É um convite para refletir sobre a universalidade dos sonhos e a importância de preservar e celebrar as histórias que nos conectam às nossas raízes e nos inspiram a olhar para o futuro com esperança.





segunda-feira, 23 de junho de 2025

La Saga de Francesco e Mariana ´ntela Colònia Silveira Martins

 


La Saga de Francesco e Mariana ´ntela 

Colónia Silveira Martins


Zera el scomìnsio del ano 1877 quando el vapor Maranhão, pien de sòni e speranse, el taiava le aque del sud del Brasile. Transportando sentinaio de emigranti italiani, el navio gavea zà passà el sboco del fiume Guaíba e el se ga vissinà al porto de Rio Grande. Su le mura del vapor, i passegieri i se schisava par vardar la costa che la prometea 'n futuro novo. Fra de lori, Francesco e Mariana, 'na zòvane maridà de San Giorgio, ´ntel comune de San Polo di Piave, provìnsia de Treviso, i condividea sguardi de speransa e aprenssion. Mariana, con la man su la pansa che la costodiva el toso ancor non el ga nassesto, la se sforsava de tegner l’emossion. Maridà da solo quatro mesi prima, ´nte la cesa de San Giorgio Maggiore, le memòrie de la serimónia semplice, ma pien de significà, le zera ancora vive ´ntele so teste. El sbarco el zera 'n caos, pien de essitassion. El grupo de quei que ze rivà el zera portà in 'n alogio improvisà sui contorni del porto. I baracon de legno grosolano, coperti de foie de zinco, i dava poco conforto e ancor meno privassità. Òmeni, done e putèi, i ze vegnesti da tante provìnsie de l’Itàlia, i se sforsava de tegner la dignità tra el pian de tera dura e la mancansa de divisòri. Francesco, con la so postura robusta e riservà, el dava man a Mariana par sistemarse intanto che el vardava con disconfiansa l’ambiente che, anca se precàrio, el zera mèio de le caneve del Maranhão. I zorni ´nte i alogi i zera longhi, in atesa de le òrdine de le autorità par continuar el viaio. L’atessa la zera pesante, e le notìssie dei ritardi dovù a le piove le aumentava l’inquietudine fra i migranti. Se alsava ogni tanto de le discussion calde, ma i capi del grupo i le spegneva presto, esortando la pasiensa. Francesco, malgrado l’ánsia, el restava calmo par sostegner Mariana, che la ga scominsià a sentir i primi fastidi de la gravidessa. Quando i ze rivà l’ordine tanto aspetà, la contentessa ´nte l’alogiamento la se poteva quasi tocar. Francesco e Mariana lori i ze imbarcà su el vapor Guimarães insieme a ´na trentina di compagni, lassando drio el tumulto del porto e navigando su le aque de la Lagoa dos Patos. El viao fluvial el gavea portà 'n momento de pace. I paesaggi verdi dele rive e el brusio de l’aqua i gavea momenti de contemplassion e speransa. Quando i ze rivà a la sità de Rio Pardo, però, la realtà la ze tornà pesante. El transporto con careti a muli e la màrcia a piè su per la Serra de São Martinho la zera sfibrante. Mariana, anca straca, la mostrava 'na forsa incredìbile, mentre Francesco el gavea cura de i pochi ogeti del casal e el la sostegneva. La rivada a Val de Buia, ´nte la Colônia Silveira Martins, la ze stà 'na tapa importante, ma no gavea portà el solievo sperà. La tera promessa gera ancora pien de sfide. I loti no i zera segnà, e i emigranti i gavea da improvisar ripari mentre i spetava la definission de le tere. I mesi i zera pien de dificoltà sempre pì dure, testando coraio e la resiliensa de ogni famèia. 'Na epidemia de tifo la ze scopià con forsa devastante, spandendose presto ´ntei alogi e ´ntei campamenti lungo le strete strade. L’umidità e la mancansa de igiene le gavea rendesto el posto fèrtile par la malatia, che la portava via vite ogni dì. Pì de 300 emigranti i gavea perso la batàlia contro el tifo, ridusendo el grupo de 1.600 persone a 'na scena de dolor e disperassion. Francesco e Mariana, consapevoli dei rischi, i afrontava la minàssia con determinassion. Mariana, ormai visibilmente inssinta, la zera proteta con tuto el possìbile da Francesco, che el laorava sensa fermarse par garantire a ela sibo e riposo, no obstante le dificoltà. El gavea improvisà 'n riparo pi ventilà, lontan da le zone con pì malati, e el se dava da far par bolir l’aqua che beveva, anca se questo voleva dir consumar quela poca legna seca disponìbile. I do zòvane i ga trovà conforto ´nte la solidarietà del grupo de emigranti, che, anca in meso a la tragèdia, i se sosteniva un con l’altro. Le famèie i dividea quel poco che gavea, i curava i malati e i sepeliva i morti con dignità. Ogni gesto de aiuto, anca el pì pìcolo, el dava forsa par sperar zorni miliori. La comunità, anca se dèbole, la mostrava 'na forsa nata dal condivìder del sufrimiento e de la speransa de un futuro construito insieme. Par Francesco e Mariana, ogni dì superà el zera 'na vitòria, no solo contro la malatia, ma anca contro el sconforto che minassiava de rubar la forsa del cuor. Malgrado la devastassion atorno, lori i se rifiutava de molar, tegnendo fede che el so toso el saria nassesto in 'na tera ndove le dificoltà de incòi le sarìa cambià par le promesse de doman. Quando finalmente lori i ga ricevesto el so lote de tera, Francesco e Mariana ga sentì na mescola de alìvio e responsabilità pesar sora i so ombri. La tera, un toco de bosco denso e selvàdego, pareva tanto ostil quanto promissor. Le àlberi alte blocava la luse del sol, e el tereno iregolar, coerto de radise, gavea da èsser domà prima che qualchesìa semen possa germinar. E anca così, par la copa, quel peseto de tera rapresentava el prinsìpio de un sónio che i gavea sustenù par tuto el calvàrio del so viaio. Con strumenti sémplici e na forsa de volontà granda, i ga scominsià el laoro monumental de trasformar el bosco vèrgine in na casa. Francesco tegnia ben saldo el manaron, ogni colpo che rissuonava ´ntel cuor de la foresta, mentre Mariana, benché in stato de gravidessa, racolieva i rami e netava el tereno con movimenti delicà. El laoor el zera stracante e pareva che no finìsse mai, ma ogni àlbore taià e ogni solco fato ´na conquista che anunciava el prinsìpio de ´na vita nova. La comunità taliana ´nte la Colonia Silveira Martins la zera indafarà. I vessin sparsi sui loti, formea ´na rete de aiuto indispensàbile. Zera comune che i grupi se trovasse par aiutarse ´ntei laor pì dure, come costruir case o preparar le radure. La resiliensa e el spìrito de colaborassion dei migranti gavea scominsià a portar i sui fruti. Picole piantassion scominciava a aparìr chi e là, le prime bèstie le zera zà alevà, e la vita, benché dura, gavea un ritmo de speransa. Par Francesco e Mariana, l'isolamento el zera un nemico silensioso. La nostalgia de l'Itàlia, dei paesagi fameiari e dei cari che lori i gavea làssà indrio, sovente vegniva fora ´ntei discorsi de la sera, a la luse tremolante de na candea. Ma ogni matina la portava la promessa de un doman megliore. Pian pianin, la tera la ga diventà pì de un peseto de bosco. Zera el teatro de ´na stòria de superassion e perseveransa. Ogni zorno che passava, Francesco e Mariana piantava no solo semense ´nte la tera, ma anca le radise de ´na vita nova, ndove i fruti saria racolti da generassion che ancora gavea da vegnir.


Nota del Autor


Sta òpera la ze un omenaio ai emigranti italiani che, a la fin del sècolo XIX, ga traversà el Atlàntico in serca de nove oportunità ´nte le tere del Brasile. Inspirà su fati stòrici, el raconto de Francesco e Mariana reflete la traietòria de mile de famèie che ga afrontà l'inconossiù, mosse da sóni de prosperità e na determinassion indomàbile. I eventi qua scritti, da la traverssia durìsima sul vapor Maranhão fin a la lota par la sopravivensa ´nte la Serra de São Martinho, evidénsia no solo la forsa e el sacrifìssio de sti pionieri, ma anca i alti custi umani de sta aventura. Ntei fati pì tràgiche e impatanti de sto periodo el ze stà l'epidemia de tifo che la ga devastà la Colonia Silveira Martins tra magio e zugno del 1877, siapando la vita de pì de 300 emigranti italiani, su un total inisial de sirca 1.600 persone. Sta pèrdita devastante la ze un ricordo de la resiliensa de le comunità che, anca davanti a tanta pena, i ga ricostruì le so vite, onorando chi che lel ze partì. El lassà de sti emigranti va oltre le dificultà afrontà—el ze tessù ´ntei valori trasmessi a le generassion sussessive e ´nte la rica contribussion culturae che ga lassà su sta tera brasilian. Che sta òpera fitìssia, ma basà su fati stòrici contà dai pionieri stessi e documentà lungo la stòria, ispire na riflession su la bravura de sti òmeni e done e che rinforse l'importansa de preservar le so stòrie, no solo come memòria, ma come pilastri de identità e umanità.

Con rispeto e amirassion,

Dr. Piazzetta


domingo, 22 de junho de 2025

O Violinista: A Arte de Tocar a Alma do Mundo



O Violinista
A arte de tocar a alma do mundo



Nicola nasceu em uma modesta vila no alto de uma colina do sul da Itália, no início do século XX. As casas, dispostas como pedras gastas sobre o topo da elevação, estavam sempre à mercê dos ventos que sopravam do mar distante. No coração desse cenário pitoresco, ele cresceu cercado por oliveiras retorcidas e pedras escaldantes, em uma família cuja subsistência dependia mais da resiliência do que da fartura. O pai, artesão de mãos calejadas, dedicava-se à fabricação de móveis simples, cuja beleza residia na utilidade. A mãe, entre as tarefas domésticas, entoava antigas canções folclóricas que haviam atravessado gerações como o eco de tempos melhores.

Desde cedo, Nicola revelou uma sensibilidade peculiar para os sons ao seu redor. Ele escutava com atenção incomum os sinos da igreja, cujos toques pontuavam a passagem das horas; o estalar da lenha no fogão a lenha nas noites de inverno; e até o ranger das ferramentas do pai, que se tornavam para ele uma espécie de melodia. Sua infância, embora modesta, era um mosaico de sons que alimentavam sua imaginação e criavam um refúgio para a realidade difícil de sua família.

A crise econômica que atingiu o sul da Itália depois da unificação do país, foi implacável, empurrando famílias inteiras a buscar horizontes mais promissores. Quando a colheita de azeitonas fracassou pela segunda vez em poucos anos e o mercado para os móveis artesanais do pai minguou, a decisão tornou-se inevitável. A família começou a se preparar para partir, vendendo o pouco que possuíam em troca de passagens para a Argentina, terra prometida que muitos na vila já haviam buscado.

Em uma manhã de primavera, com as primeiras luzes do dia iluminando os campos, Nicola e sua família deixaram para trás a vila. O menino, então com nove anos, segurava com força a mão da mãe enquanto caminhavam em direção ao porto. Sua mente estava repleta de incertezas, mas também de uma curiosidade quase febril sobre o que encontrariam do outro lado do oceano.

A travessia foi longa e dura. Os passageiros, confinados em um espaço limitado, enfrentavam a monotonia dos dias no convés e a oscilação incessante do mar. Foi ali, nesse cenário adverso, que Nicola descobriu algo que marcaria sua vida. Entre os marinheiros havia um homem de cabelos grisalhos que tocava um pequeno bandolim. Durante as noites mais calmas, ele se sentava em um canto do convés e tocava para entreter os passageiros, suas melodias ecoando no escuro como uma promessa de consolo.

Nicola observava fascinado. As mãos ágeis do marinheiro percorriam as cordas do instrumento com maestria, e as notas que emergiam eram simples, mas carregadas de emoção. Era como se cada melodia contivesse histórias invisíveis, capazes de transcender as palavras. Nicola nunca havia visto algo tão poderoso: a capacidade de um homem sozinho, com um instrumento tão pequeno, transformar a atmosfera ao seu redor.

Naquela viagem, enquanto o navio avançava pelas águas desconhecidas, Nicola sentiu nascer dentro de si uma ambição inédita. Ele queria criar algo tão belo e emocionante quanto as melodias do marinheiro. O som do bandolim tornou-se o símbolo de tudo que ele poderia alcançar em um mundo novo. Quando o navio finalmente atracou no porto de Buenos Aires, Nicola desceu a rampa com um novo propósito em seu coração, embora ainda não soubesse como ou quando o realizaria.

Estabelecidos na vastidão pulsante de Buenos Aires, a família de Nicola enfrentou desafios que se desenrolaram como as ondas de um mar traiçoeiro. A cidade, uma miscelânea de culturas e línguas, era imponente e ao mesmo tempo implacável. As promessas que haviam motivado a travessia do Atlântico mostraram-se ilusórias. Em vez de prosperidade imediata, encontraram trabalho árduo e incerto. O pai, habituado a moldar madeira em peças utilitárias, conseguiu apenas empregos temporários em oficinas mal ventiladas. A mãe, que na Itália costurava esporadicamente para vizinhos, tornou-se uma das muitas mulheres que ofereciam serviços de limpeza às famílias abastadas da cidade.

Para Nicola, a mudança foi ao mesmo tempo desafiadora e fascinante. Enquanto os adultos viam a metrópole como um campo de batalha para a sobrevivência, ele enxergava nela uma sinfonia de sons novos. O chiado das carruagens nas ruas de paralelepípedos, os apitos dos navios no porto e até mesmo o murmúrio de vozes em diferentes sotaques eram para ele como uma composição viva. Foi nesse cenário que ele descobriu algo que mudaria o curso de sua vida.

Em um bairro operário onde a família alugava um pequeno quarto, havia uma escola comunitária que oferecia aulas noturnas. A instituição, mantida por imigrantes que acreditavam no poder transformador da educação, abria suas portas para jovens cujas famílias não podiam pagar por escolas formais. Nicola, curioso e sedento por aprender, começou a frequentar as aulas. Foi lá que ele viu, pela primeira vez, um homem tocando um violino. O som o arrebatou. Era como se o instrumento contasse histórias que ecoavam as emoções que ele ainda não sabia expressar.

Determinado a aprender, Nicola começou a trabalhar para juntar dinheiro. Ele fazia pequenos serviços: entregava mercadorias, ajudava na limpeza de armazéns e, em algumas tardes, recolhia lenha nos arredores da cidade para vendê-la. Durante meses, cada centavo economizado era guardado com cuidado, até que finalmente ele conseguiu adquirir um violino usado, comprado de um comerciante que vendia instrumentos de segunda mão.

Quando segurou o violino pela primeira vez, o mundo ao seu redor pareceu silenciar. Era como se o instrumento tivesse sido feito para ele, e o desejo de dominá-lo crescia a cada dia. Nicola dedicava cada momento livre ao estudo. Suas mãos, acostumadas ao trabalho braçal, lentamente ganharam a precisão necessária para tocar as cordas. Ele praticava sozinho, seguindo as poucas instruções que conseguira na escola comunitária e imitando os sons que ouvira de outros músicos.

No início, suas notas eram hesitantes, mas com o tempo, começaram a ganhar forma e fluidez. As melodias que saíam do instrumento tornaram-se sua linguagem secreta, uma ponte entre o que sentia e o que não conseguia dizer. Enquanto a família enfrentava os desafios da adaptação em uma terra estrangeira, Nicola encontrava na música não apenas uma paixão, mas uma razão para sonhar. O violino, em suas mãos jovens e determinadas, tornou-se mais do que um instrumento. Era a promessa de que, mesmo no meio das dificuldades, havia algo belo e eterno que ninguém poderia tirar dele.

Com o passar dos anos, Nicola transformou sua paixão em maestria. Os dias eram preenchidos por uma disciplina quase obsessiva: manhãs dedicadas ao trabalho para ajudar a família, tardes e noites devotadas ao violino. Ele praticava incansavelmente, refinando sua técnica e ampliando sua compreensão musical. Eventualmente, suas habilidades começaram a atrair a atenção nos círculos comunitários. Pequenos eventos em cafés, festas de bairro e celebrações locais tornaram-se palco para sua crescente reputação. A cada performance, as notas de seu violino pareciam carregar não apenas a melodia, mas também as emoções de uma vida marcada por desafios e superação.

Os anos trouxeram oportunidades maiores. Em uma dessas apresentações, um músico veterano, conhecido pela liderança em uma das principais orquestras de Buenos Aires, notou o jovem violinista. Impressionado pela paixão e habilidade que Nicola transmitia, convidou-o para integrar a orquestra. Foi um momento transformador. Nicola não apenas entrou em um universo musical mais vasto, mas também teve contato direto com o ritmo que definiria sua carreira: o tango.

A primeira vez que ouviu um tango em sua plenitude foi em um ensaio da orquestra. A música, uma fusão de influências europeias, africanas e locais, ressoou profundamente em seu ser. Era ao mesmo tempo vibrante e melancólica, cheia de dor e paixão. Nicola sentiu como se o tango falasse diretamente à sua alma, refletindo a nostalgia da terra que havia deixado e as esperanças de um futuro melhor. Decidiu, naquele momento, que essa música seria o centro de sua vida.

Como parte da orquestra, Nicola percorreu palcos por toda a região, de teatros grandiosos a modestos salões comunitários. Cada performance era uma lição. Ele absorvia tudo: os diferentes estilos dos músicos, as nuances das composições, as reações do público. Sua presença no palco era magnética. O violino, que antes fora apenas um meio de expressão, tornou-se uma extensão de sua própria voz.

Mas sua verdadeira ascensão começou quando Nicola decidiu explorar suas habilidades como compositor. Inspirado pelas histórias e emoções que encontrava em sua jornada, ele começou a criar peças originais. Suas composições eram marcadas pela profundidade emocional e pela habilidade técnica, unindo a alma do tango com sua própria vivência.

As obras de Nicola rapidamente conquistaram espaço. Elas começaram a ser executadas em rádios locais, levando sua música a um público ainda maior. Em pouco tempo, suas composições chegaram aos estúdios de gravação, transformando-se em discos que ecoavam nas casas e cafés de Buenos Aires e além. O reconhecimento crescia, e com ele, a certeza de que seu talento era um presente que não apenas lhe permitia sobreviver, mas também prosperar.

Nicola tornou-se uma figura admirada no cenário musical, um imigrante que transformara as adversidades em arte. Cada nota que tocava ou compunha carregava a essência de sua jornada – a colina distante na Itália, o som do bandolim no navio, as lutas em Buenos Aires, e o ritmo pulsante do tango, que agora marcava cada passo de sua trajetória.

Em meio à efervescência cultural que agitava Buenos Aires, havia um café discreto, situado numa esquina onde as ruas convergiam como veias pulsantes da cidade. Ali, entre mesas gastas pelo tempo e paredes adornadas por fotografias amareladas, Nicola se apresentava com seu violino, trazendo à vida melodias carregadas de uma alma que transcendia as fronteiras da música. Aquele ambiente, simples e popular, era um refúgio onde ele podia derramar toda a intensidade que carregava dentro de si, numa conexão quase mística entre artista e público.

Certa noite, enquanto tocava uma de suas composições inéditas — uma peça cuja melodia sinuosa carregava as dores e esperanças da imigração, a saudade das colinas italianas e a pulsação inconfundível do tango — a atmosfera no café parecia vibrar em sintonia perfeita com cada nota. As vozes diminuíram, os olhares se voltaram para ele, e o tempo pareceu desacelerar. Entre a plateia, sentado em uma mesa próxima ao palco, estava um cantor já consagrado, uma voz que ressoava não só nas rádios, mas nas emoções de toda uma geração.

O cantor, conhecido por sua capacidade de captar a essência das músicas que interpretava, ficou profundamente tocado pela composição de Nicola. A música, além de bela, tinha uma autenticidade crua que falava diretamente ao coração. Naquele instante, ele percebeu que aquela peça não era apenas mais uma canção; era um testemunho, uma narrativa vibrante e urgente que precisava ser compartilhada com o mundo.

Logo após a apresentação, o cantor procurou Nicola e manifestou seu desejo de gravar a música. Para o jovem violinista, o convite era muito mais do que um reconhecimento — era uma oportunidade que poderia transformar sua vida. A gravação, realizada em um modesto estúdio da cidade, capturou não apenas as notas e ritmos, mas também toda a carga emocional que a obra carregava. Quando a canção finalmente foi lançada, rapidamente ganhou as ondas das rádios, atravessando bairros, cidades e corações.

O sucesso foi imediato e avassalador. A música tornou-se uma espécie de hino para muitos, especialmente para aqueles que, como Nicola, carregavam dentro de si a mistura agridoce da esperança e da saudade. Para o compositor, aquele momento foi um divisor de águas — o marco que transformou o menino de mãos calejadas, que havia cruzado oceanos em busca de um sonho, no artista reconhecido e respeitado que começava a moldar o panorama musical da América Latina.

Com a fama crescente, as portas antes fechadas começaram a se abrir com facilidade. Convites para participar de novos projetos surgiram, desde orquestras renomadas até parcerias com outros músicos e poetas que buscavam a mesma autenticidade que Nicola transmitia. Sua reputação, agora solidificada, era construída não apenas sobre o talento, mas sobre a capacidade singular de transformar experiências pessoais em melodias universais.

A partir daquele dia, Nicola compreendeu que sua música não era apenas uma expressão artística, mas um legado — uma ponte entre passado e presente, entre sua terra natal e a nova pátria que o acolhera. E, em cada acorde que criava, ele continuava a narrar a história daqueles que, como ele, ousaram sonhar e recomeçar.

Ao longo de décadas marcadas por mudanças sociais, políticas e culturais, Nicola permaneceu fiel à sua arte, imerso numa busca incessante pelas sutilezas e profundidades do tango — aquele gênero que se tornara não apenas sua assinatura, mas a voz de uma geração inteira. Seus dedos, outrora incertos e tímidos, tornaram-se ágeis e precisos, capazes de extrair do violino toda a gama de emoções que habitavam sua alma. A cada nova composição, ele costurava histórias de vidas anônimas: os trabalhadores exaustos, os amantes separados pela distância, os imigrantes que carregavam na memória o gosto amargo da perda e a esperança de recomeço.

Suas melodias não eram meras canções; eram retratos sonoros de uma época turbulenta, onde a alegria e o sofrimento dançavam lado a lado, como as sombras que se misturam sob a luz tênue dos lampiões de rua. Nicola conseguia traduzir em notas musicais o que muitos não podiam dizer em palavras — o anseio por liberdade, a dor da ausência, o calor de um abraço que nunca veio. Assim, sua obra tornou-se um espelho da condição humana, tocando profundamente aqueles que ouviam, independentemente de origem ou condição.

Mesmo com o passar dos anos, sua paixão não diminuiu. Ao contrário, ele aprofundou sua compreensão do tango, explorando novos arranjos, incorporando influências diversas, sem jamais perder a essência que tornava sua música única. O palco continuava a ser seu santuário, onde ele se entregava completamente, como se cada apresentação fosse a última oportunidade de contar sua história.

Quando a idade avançou e os cabelos grisalhos começaram a emoldurar seu rosto marcado pelo tempo, Nicola já era uma lenda viva. Ainda era celebrado como um dos maiores artistas de seu tempo, um mestre capaz de emocionar multidões e inspirar jovens músicos a trilhar seu caminho. Suas composições ecoavam não apenas nos salões elegantes das grandes casas, mas também nas ruas estreitas e nos cafés populares, onde a alma da cidade pulsava com intensidade.

A música de Nicola permaneceu viva, atravessando gerações, preservando memórias e alimentando sonhos. Era a prova irrefutável de que a arte verdadeira transcende o tempo e o espaço, resistindo às intempéries da história. Sua trajetória, desde aquele menino humilde nascido numa colina do sul da Itália até o consagrado artista que conquistou corações em um continente distante, tornou-se um símbolo de perseverança e paixão.

A história de Nicola é mais do que a biografia de um músico — é um testemunho da capacidade humana de transformar sonhos em melodias eternas. Através de sua música, ele ensinou que, mesmo nas circunstâncias mais adversas, a alma humana pode encontrar sua voz, e que essa voz, quando verdadeira e cheia de sentimento, tem o poder de ecoar para sempre nos corações daqueles que se dispõem a escutar.



sábado, 21 de junho de 2025

Un Viaio Sensa Fin


Un Viaio Sensa Fin

‘Na matina de autono, freda e con spessa nèbia, a pìcola vila ´ntel comune de San Piero de Livenza pareva tanto calma come sempre, ma par Giuseppe Ziloto e so famèia, quel dì segnava lo scomìnsio de un viaio che gavaria cambià la so vita par sempre. Zera el autono del 1876, e Giuseppe, un omo robusto con le man calegà dal lavor duro in tera stèrile, savea che no ghe zera pì modo de mantègner so famèia in quel posto.

A so fianco ghe zera Maria, so mòier, che con i òci strachi, ma sempre pien de ‘na speransa lusente, tegneva la so forsa. Con i tre fiòi – Matteo, de oto ani; Luca, de sinque; e el neonato Vittorio, de solo diese mesi – lori i se preparava a lassar tuto indrio par imbarcarse verso el Brasil sconossuo. La vila entiera la se radunò par salutarli, dando regali par el longo viaio, come pan, erve medissinai e un medalion de Santo Antonio, insieme a làgreme e orassion silensiose.

El viaio da la stassion fin al porto de Genova el ze stà longo e faticoso, con tante fermade in diverse stassion lungo la strada, ndove imbarcava dessine de altri emigranti. El treno pien de passeggeri e con i pochi averi, faticava lento sui triìli e i fiòi, spessialmente el pìcolo Vittorio, i pareva strachi e consumà.

Quando finalmente lori i ga rivà al porto, la visione del gran vapor Savoie la zera tanto ‘na promesa de speransa quanto ‘na minàssia de perìcoli sconossù. Su el vapor, le condisioni i zera insalubri. Òmini, done e fiòi i zera amassà in spassi streti, con poca ària e magnar scarso. L’aqua bona spesso la se mescolava con le impuresse, e la note le zera piena de preghiere, piansi e tossi – sopratuto quela de Luca, che scominsiò a mostrar segni de debolessa. Maria ghe dava tuto el so amor e cura, ma le cative condissioni agravarono la so salute, e la febre divenne una compagna costante.

Dopo quasi 40 giorni in mar, el vapor rivò al porto de Rio de Janeiro al inìsio del 1877. El sbarco ghe portò un sospiro de solievo, ma anca nove sfide. La famèia gaveva ancora da afrentar un secondo viaio con le caravane fino a Santa Catarina, con i perìcoli de malatie e fatiche sempre presenti. Quando finalmente ze rivà al teren assegnà a lori, la vista de la tera ghe ze stà un scossone. Promessa come fèrtile e abondante, la tera la zera in realtà un bosco folto e selvàdego. Giuseppe, con ‘na determinassion feroce, el ga scomincià a dissodare la tera insieme a Matteo, mentre Maria curava i fiòi e tentava de adatarse al ambiente averso.

La tragèdia colpì la famèia pochi mesi dopo. Luca, indebolì dal longo viaio e da le condisioni averse, se ga amalò gravemente. Sensa dotori o risorse, Maria e Giuseppe ghe ga dato tuto quel che loro podevano, usando erve e impachi insegnà dai vissini, ma tuto el ze stà in vano. Luca morì ‘na sera silensiosa, ntel’està del 1877, e el dolore de la so pèrdita el ze come ‘na lama ´ntel cuore de la famèia. El pìcolo grupo de visin emigranti, qualchedun ormai sistemà ´nte la zona, organisò un funeral sémplisse. Soto un vècio cedro, visin al cimitero improvisà, Giuseppe cavò la fossa. Maria, con el pìcolo rosàrio in man, mormorava preghiere tra le làgreme. La pèrdita de Luca segna profondamente la famèia, ma ghe ga dato anca ‘na forsa nova par sopraviver e onorar la so memòria.

I mesi seguenti i ze stà pien de sfide. Giuseppe e Matteo lori i lavorava sensa sosta par netar la tera e piantar le prime semense. Dopo tanto sforso, la prima racolta la ze stà modesta, ma portò un senso de sodisfassion e speransa nova. Maria la ga catà modi par miliorar la vita de la famèia, imparando dai vissin nove ricete con ingredienti locali e usando erve medissinali par curar malánie pìcole.

Malgrado le dificoltà, ghe trovava sempre el tempo par contar stòrie de l’Itàlia ai fiòi, incuriandoli a soniar un futuro mèio. Al scominsìo del 1878, Maria la ga scoprì che la zera insinta un’altra olta. La nova ghe portò emossion miste, con la paura de nove pèrdite, ma anca la speransa de un novo scomìnsio.

In lùlio del 1878, durante ‘na gran tempesta, el ga nassesto un mas-chieto, che lo ghe ga dato el nome de Carlo Vittorio, in memòria del fradel perdù e de la forsa che tegneva la famèia. Carlo Vittorio portò gioia e diventò un sìmbolo de resistensa.

Soto el vècio cedro, Maria pregava de sovente, ramentando Luca e trovando la forsa ´ntela so memòria. La tera, che prima la pareva ostile, la ga scominsià a mostrar la so generosità, e la casa semplisse la ze diventà un casolare caldo e acoliente. I ani che i ze vignù dopo i ze stà de fatiche dure e de conquiste. La famèia Zilotto, malgrado tuti i so s-cetamenti, la ga fato na vita degna, trasformando el sofrir en forsa e la nostalgia en speransa. La so stòria la ze diventà un testimónio de la forsa umana davanti ai momenti pì difìssili, na jornada che la ga scominsià con pena e incertessa ma che la ze finia in una celebrassion de vita e superassion.

La jornada dei Zilotto la ze stà pì che na traversia oceánica; la ze stà un ato de coraio che la ga piantà le fondamenta de un novo futuro. Quando i ga passà l’Atlàntico, i ga lassà no solo na tera povareta, ma anca un’identità che presto la ze fusa con el vigor del Brasile. Carlo e Maria forse no i ga mai imaginà che el so sforso ghe daria radisi cusì profonde. Quelo che al scomìnsio el ze stà na lota par sopraviver el ze diventà na stòria de superassion e resilensa, tramandà de generassion in generassion.

Incòi, tanti dissendenti dei Zilotto i ga tornà in Itàlia, no come emigranti che i serca rifùgio, ma come viaianti che i serca le so origini. A Treviso, ´ntei pìcoli paeseti, se ghe ricorda ancora i cognomi che i ze sparì pì de un sècolo. I viaianti i ze ricevù con curiosità e ospitalità, come se el ritorno el completasse un siclo che Carlo e Maria i ga inisià.

Le impronte de sta jornada le ze presenti anca ´ntei detali quotidiani de la vita brasiliana. La tradission de piantar le vigne, tramandà da Carlo ai so fiòi, la ze fiorì ´nte le miliori cantine del paese. La dedision de Maria par la comunità la ze riflessa ´ntei dissendenti che incòi i ze mèdici, maestri e capi locali. In ogni pìcolo gesto – ´na preghiera prima de magnar, una risseta de famèia tramandà con afeto, un abràssio caloroso – la ze viva l’essensa dei Zilotto.

Sta saga, rica de detali e profonda, la insegna che, anca ´nte le situassion pì difìssili, la fede, el lavoro duro e l’amor par la famèia i pol superar ogni ostàcolo. La medaia e el rosàrio i ze pì che relìquie: i ze sìmboli de ´na forsa che la ga passato generassion, rammentando a tuti che el coraio dei nostri antenati el ze la base sòlida su cui se alsa el presente.

Nota del Autor

Sta stòria che te gà in man la ze pì de na narativa de coraio e superassion. La ze un tributo a chi che ga passà i mari, lassando tute le so radisi par afrontar l’insserto con speransa ´nte l’animo. Na Jornada Senza Fin la ze nassesta dal desidèrio de ricuperar e onorar la memòria de mile de emigranti italiani che i ga contribuì a formar l’identità culturale e económica del Brasile.

Giuseppe Zilotto e la so famèia i ze personagi fitisi, ma i rapresenta tanti altri che, come lori, i ga piantà radisi in tera foresta. In ogni pàgina, mi go sercà de dar vose ai so dolori, ai so sacrifìssi e, sora tuto, ai so sòni. Sta òpera la ze, sora tuto, na celebrassion de la forsa umana davanti a l’aversità e de la capassità de trasformar le dificoltà in un´ eredità che la passa da generassion a generassion.

El ze importante dir che quelo che ze presente qua el ze solo un riassunto de l’òpera intera. Drento el libro, se pol scoprire pì profondo le esperiense de Giuseppe e i detali stòrici e emotivi che i ga formà sta saga. Spero che sto riassunto te ga stimolà la curiosità e l’emossion par esplorar l’òpera ´nte la so integrità, ndove ogni capìtolo el porta nuances ancora pì intense e cativanti.

Con gratitudine,
Dr. Piazzetta


sexta-feira, 20 de junho de 2025

Uma Jornada Sem Fim

 

Uma Jornada Sem Fim


No amanhecer de uma manhã fria e enevoada, a pequena vila de San Pietro di Livenza parecia tão calma quanto sempre, mas para Giuseppe Zilotto e sua família, aquele dia marcava o início de uma jornada que mudaria suas vidas para sempre. Era o outono de 1876, e Giuseppe, um homem robusto com as mãos calejadas pelo trabalho árduo na terra estéril, sabia que não havia mais como sustentar sua família naquele lugar.

Ao seu lado estava Maria, sua esposa, cujos olhos, embora marcados pelo cansaço, ainda refletiam uma centelha de esperança. Com seus três filhos pequenos – Matteo, de oito anos; Luca, de cinco; e o bebê Vittorio, de apenas dez meses – eles se preparavam para deixar tudo para trás e embarcar rumo ao desconhecido Brasil. A vila inteira se reuniu para se despedir, oferecendo pequenos presentes para a longa viagem, como pães, ervas medicinais e até um medalhão de Santo Antônio, além de lágrimas e orações silenciosas. 

O caminho desde a estação ferroviária até o porto de Gênova foi longo e cansativo, devido às inúmeras paradas em diversas estações pelo caminho, ocasião em que embarcavam dezenas de outros emigrantes como eles. O trem carregado corria lento pelos trilhos e as crianças, especialmente o pequeno Vittorio, pareciam definhar com a exaustão.

Quando finalmente chegaram ao porto, a visão do enorme vapor Savoie foi tanto uma promessa de esperança quanto uma ameaça de perigos desconhecidos. A bordo do navio, as condições eram insalubres. Homens, mulheres e crianças amontoavam-se em espaços apertados, com pouca ventilação e comida escassa. A água potável frequentemente se misturava com impurezas, e as noites eram preenchidas com o som de orações, choros e tosse – especialmente de Luca, que começou a demonstrar sinais de fraqueza. Apesar de todo o cuidado de Maria, as más condições agravaram sua saúde, e a febre logo se tornou uma companheira constante.

Após quase 40 dias no mar, o navio chegou ao porto do Rio de Janeiro no início de 1877. O desembarque trouxe alívio, mas também novos desafios. A família ainda precisaria enfrentar uma segunda jornada em uma caravana até Santa Catarina, e os riscos das doenças e da fadiga estavam sempre presentes. Quando finalmente chegaram ao lote designado para eles, a visão da terra foi um choque. Prometida como fértil e abundante, era na verdade um matagal denso e inóspito. Giuseppe, com determinação feroz, começou a desbravar o terreno com a ajuda de Matteo, enquanto Maria cuidava das crianças e tentava adaptar-se ao ambiente hostil.

A tragédia atingiu a família poucos meses após a chegada. Luca, debilitado pela longa viagem e pelas condições adversas, adoeceu gravemente. Sem médicos ou recursos, Maria e Giuseppe fizeram tudo o que podiam, utilizando ervas e compressas ensinadas por vizinhos mais experientes, mas seus esforços foram em vão. Luca faleceu numa tarde silenciosa, no verão de 1877, e a dor de sua perda foi como uma faca atravessando o coração da família. O pequeno grupo de vizinhos imigrantes, alguns deles já estabelecidos na região, organizou um funeral simples. Sob um velho cedro, próximo ao cemitério improvisado, Giuseppe cavou a sepultura. Maria, com o pequeno rosário nas mãos, murmurava orações entre lágrimas. A perda de Luca marcou a família profundamente, mas também fortaleceu sua determinação de sobreviver e honrar sua memória.

Os meses seguintes foram repletos de desafios. Giuseppe e Matteo trabalharam incansavelmente para limpar a terra e plantar as primeiras sementes. Após muitos esforços, a primeira colheita foi modesta, mas trouxe um senso de realização e esperança renovada. Maria buscou formas de melhorar a vida da família, aprendendo com os vizinhos novas receitas com ingredientes locais, muitos deles desconhecidos e a utilizar ervas medicinais para tratar pequenas enfermidades.

Mesmo diante das dificuldades, ela sempre encontrava tempo para contar histórias da Itália aos filhos, incentivando-os a sonhar com um futuro melhor. No início de 1878, Maria descobriu que estava grávida novamente. A notícia trouxe sentimentos mistos, com o medo de novas perdas, mas também a esperança de um recomeço.

Em julho de 1878, durante uma forte tempestade, nasceu um menino, que recebeu o nome de Carlo Vittorio, em homenagem ao irmão perdido e à força que sustentava a família. Carlo Vittorio trouxe alegria e tornou-se um símbolo de resiliência.

Sob o velho cedro, Maria frequentemente rezava, lembrando-se de Luca e encontrando forças em sua memória. A terra, antes hostil, começou a mostrar sua generosidade, e a casa simples tornou-se um lar acolhedor. Os anos seguintes foram de trabalho árduo e conquistas. A família Zilotto, apesar de todas as adversidades, construiu uma vida digna, transformando sofrimento em força e saudade em esperança. A história deles tornou-se um testemunho da força humana diante das dificuldades, uma jornada que começou com dor e incerteza, mas que se transformou em uma celebração da vida e da superação.

A jornada dos Zilotto foi mais do que uma travessia oceânica; foi um ato de coragem que plantou os alicerces de um novo futuro. Ao cruzarem o Atlântico, deixaram para trás não apenas uma terra empobrecida, mas também uma identidade que logo se fundiria com o vigor do Brasil. Carlo e Maria talvez nunca tenham imaginado que seu esforço criaria raízes tão profundas. O que começou como uma luta pela sobrevivência se transformou em uma história de superação e resiliência, passada de geração em geração.

Hoje, muitos descendentes dos Zilotto retornam à Itália, não como imigrantes em busca de refúgio, mas como viajantes em busca de suas origens. Em Treviso, pequenos vilarejos ainda reconhecem os sobrenomes que desapareceram há mais de um século. Os viajantes são recebidos com curiosidade e hospitalidade, como se a volta completasse um ciclo iniciado por Carlo e Maria.

As marcas dessa jornada também estão nos detalhes cotidianos da vida brasileira. A tradição de plantar vinhedos, passada por Carlo a seus filhos, floresceu em algumas das melhores vinícolas do país. A dedicação de Maria à comunidade se reflete em descendentes que hoje são médicos, professores e líderes locais. Em cada pequeno gesto – uma prece antes da refeição, uma receita de família transmitida com carinho, um abraço caloroso – vive a essência dos Zilotto.

Essa saga, rica em detalhes e profundidade, ensina que, mesmo nas circunstâncias mais adversas, a fé, o trabalho duro e o amor pela família podem superar qualquer obstáculo. A medalha e o terço são mais do que relíquias: são símbolos de uma força que atravessou gerações, lembrando a todos que a coragem dos que vieram antes é a base sólida sobre a qual o presente se ergue.


Nota do Autor

A história que você tem em mãos é mais do que uma narrativa de coragem e superação. É um tributo àqueles que atravessaram mares, deixaram para trás tudo o que conheciam e enfrentaram o desconhecido com esperança no coração. Uma Jornada Sem Fim nasceu do desejo de resgatar e honrar a memória de milhares de imigrantes italianos que ajudaram a moldar a identidade cultural e econômica do Brasil.

Giuseppe Zilotto e sua família são fictícios mas representam tantos outros que, como eles, plantaram raízes em terras estrangeiras. A cada página, procurei dar voz às suas dores, aos seus sacrifícios e, principalmente, aos seus sonhos. Essa obra é, acima de tudo, uma celebração da força humana diante das adversidades e da capacidade de transformar dificuldades em um legado que atravessa gerações.

É importante mencionar que o que está apresentado aqui é apenas um resumo da obra completa. Nas páginas do livro, mergulho mais profundamente nas vivências de Giuseppe, nos detalhes históricos e emocionais que deram forma a essa saga. Espero que este resumo desperte em você a curiosidade e a emoção para explorar a obra em sua totalidade, onde cada capítulo traz nuances ainda mais intensas e cativantes.

Com imensa gratidão,


Dr. Piazzetta




quinta-feira, 19 de junho de 2025

O Horizonte dos Bravos

 


O Horizonte dos Bravos

Um romance histórico em homenagem aos imigrantes italianos no Brasil


Prólogo — A Partida

Castelbelforte, Província de Mantova — Reino da Itália, outubro de 1876

A bruma outonal ainda dormia sobre os campos silenciosos quando Luigi Bianchetti, aos trinta e dois anos, trancou com firmeza a última caixa de madeira. Dentro, repousavam ferramentas gastas, mas fiéis, sementes colhidas com devoção e uma imagem de Nossa Senhora envolta num lenço de linho bordado por sua esposa. Era o pouco que restava de uma vida inteira — e o tudo de que precisaria para começar outra.

A casa onde nascera e enterrara os pais dormia atrás dele, envolta por uma quietude que só os que partem em definitivo conseguem escutar. Três filhos ainda sonhavam sob o teto de barro, e Giulia, sua mulher, acendia a lareira pela última vez naquele lar. A fumaça que subia à chaminé se misturava à névoa que lambia os campos, como se o tempo, por um momento, também hesitasse em deixá-los partir.

A decisão fora amadurecida como o vinho nas adegas frias: devagar, no escuro e com uma dor surda crescendo no peito. Desde a unificação da Itália, o país mergulhara numa confusão maior do que a promessa de ordem. Impostos injustos, fome constante e a humilhação de ver os filhos implorarem por pão foram tornando insuportável a esperança. O solo que outrora dera trigo e dignidade agora devolvia apenas pedras e silêncio.

A gota final veio com os cartazes colados nas portas das igrejas e tavernas:
Il Nuovo Mondo vi aspetta! Terra fertile e lavoro garantito in Brasile. Partenze sovvenzionate dal governo.”

O Brasil. Um nome tão estranho quanto sedutor. Diziam que o café nascia aos montes, que terras sem dono esperavam apenas braços dispostos, e que o governo até pagava a travessia. Para Luigi, foi como ouvir um sussurro vindo do próprio futuro.

Na estação de Mantova, cercado por dezenas de outros camponeses, Luigi viu nos rostos cansados o mesmo misto de medo e fé, como se todos soubessem que estavam prestes a morrer para um mundo e nascer em outro. As locomotivas cuspiram vapor e gritos. O trem para Gênova aguardava.

Não era uma fuga. Era um salto no escuro.

E Luigi Bianchetti, com a dignidade enrugada nas mãos calejadas, deu o primeiro passo rumo ao desconhecido, sem saber que, do outro lado do oceano, uma nova história estava sendo escrita — com suor, dor, e uma esperança que nenhum império seria capaz de sufocar.


CAPÍTULO I — O ADEUS À TERRA DOS AVÓS

Castelbelforte, Província de Mantova — Itália, outubro de 1876

O sino da paróquia soava sete badaladas quando Luigi Bianchetti lançou um último olhar ao campo onde nascera. Era um pedaço raso de terra, ferido por secas e impostos, mas era tudo o que conhecera até então. O ar da manhã cortava o rosto com a friagem típica de outubro, trazendo o cheiro das folhas úmidas e das brasas que ainda fumegavam das lareiras ao longe. O outono não apenas se instalava no clima — pairava também no coração dos que ficavam.

Atrás dele, Giulia, sua mulher, dobrava lençóis e os colocava cuidadosamente numa trouxa. Estava grávida do quarto filho, embora ainda não tivessem contado a ninguém. As crianças — Matteo, de oito anos, Lucia, de seis, e o pequeno Paolo, de três — dormiam amontoados sobre palhas, inocentes ao peso daquele dia. Luigi parou um instante diante da porta aberta e observou a cena. Quis gravá-la na mente, porque sabia que nunca mais voltaria a vê-la.

Na aldeia, muitos falavam. Uns diziam que os que partiam voltavam ricos. Outros, que jamais retornavam. A única certeza era que o mundo estava mudando rápido demais — e os camponeses, como ele, não tinham tempo de acompanhá-lo.

— Tem certeza, Luigi? — perguntou o velho Padre Corrado, apertando-lhe o ombro. — Deixar tudo para trás… não é pouca coisa.

Luigi assentiu em silêncio. Era homem de poucas palavras e decisões firmes. Mais de uma vez questionara a si mesmo se era loucura trocar o certo — mesmo que miserável — por um desconhecido oceano de promessas. Mas ver seus filhos emagrecerem a cada inverno e ouvir sua mulher esconder o choro à noite, isso era mais insuportável que o risco.

Não era coragem. Era necessidade.

Na estação de Mantova, o trem a vapor tremia como um animal inquieto, cuspindo nuvens cinzentas e cheirando a ferro e carvão. Em cada vagão, famílias inteiras se espremiam com malas de couro, sacos de farinha, roupas de cama e esperanças desgastadas. Choros se misturavam a orações. O barulho das rodas nos trilhos era como um martelo selando destinos.

Luigi ajudou Giulia a subir com as crianças. Um oficial com o uniforme do governo piemontês revisava as passagens com ar severo. Muitos dos que embarcavam não sabiam ler nem escrever. Luigi tampouco. Mas trazia o nome do destino bem guardado num pedaço de papel: “Gênova — Porto de Embarque para o Brasile”.

Ali dentro, entre desconhecidos, homens murmuravam palavras de encorajamento, mulheres rezavam com terços entre os dedos, e crianças olhavam pela janela com os olhos grandes, atentos ao mundo que corria para trás. Um velho com barba branca passou distribuindo pedaços de pão duro aos passageiros.

— É pão do embarque — disse. — Vão dar outro só no navio, quando cruzarmos o Equador.

O trem apitou. E partiu.

Enquanto as casas de Mantova ficavam para trás, Luigi sentiu um aperto no estômago que nenhuma refeição aliviaria. Era a dor do exílio voluntário, da ruptura com gerações de camponeses enterrados naquele solo. Mas também era a faísca da esperança. Ao seu lado, Giulia apertou-lhe a mão. Ambos olharam para a frente.

Não voltariam jamais. Mas começariam de novo.


CAPÍTULO 2 — DESTINO: SANTA CATARINA

Do Rio, seguiram por mais seis dias costeando o litoral, até desembarcarem no porto de Desterro. Dali, atravessaram enseadas em pequenas embarcações de vela até um vilarejo improvisado chamado Nova Itália, no interior de Santa Catarina. Foram recebidos por Giuseppe Artioli, um conterrâneo que já vivia ali há dois anos e que servia como guia para os recém-chegados.

Foram levados até a Colônia de Santo Antônio dos Mulli, onde a família Bianchetti recebeu sua gleba: 85 biólcas de terra, em meio a mata fechada. Metade era bosque intocado, o restante, campo áspero. A promessa era simples: quem cultivasse, teria a posse. Mas nada naquelas terras se assemelhava aos campos da Lombardia.


CAPÍTULO III — O SILÊNCIO DA MATA

Colônia Nova Itália, Santa Catarina — janeiro de 1877

O silêncio da mata era diferente de qualquer silêncio que Luigi já conhecera. Não era ausência de som, mas presença de um som mais antigo que o homem. Um rumor úmido, vegetal, vivo. A mata não dormia. Sussurrava em línguas desconhecidas, ecoando o farfalhar das folhas, o grito noturno dos macacos e o rugido distante de predadores invisíveis.

primeiro mês foi brutal.

Teresa, sua esposa, chorava quase todas as noites — baixinho, para não alarmar as crianças, mas suficientemente alto para ferir o coração de Luigi. Chorava pela mãe deixada em Castelbelforte, pelas irmãs, pelas vizinhas com quem trocava pão e confissões. Chorava pelo berço de Angelo, que agora era apenas uma esteira de palha. Chorava, sobretudo, por medo: do lugar, da fome, da solidão.

Luigi não tinha tempo para chorar. Dormia três, às vezes quatro horas por noite. Passava os dias derrubando árvores com machado, as mãos em sangue sob os calos. A cada tronco tombado, uma nova clareira, uma nova promessa — ou um novo pesadelo. As toras se acumulavam em pilhas irregulares, destinadas à construção da primeira palhoça. Madeira crua, sem pregos, sem esquadro. O abrigo era tosco, mas já oferecia sombra, proteção contra a chuva, e um pouco de dignidade.

Matteo, agora com doze anos, mostrava um senso precoce de responsabilidade. Carregava tábuas, ajudava o pai a cavar buracos para os esteios e acendia o fogo com gravetos secos. Seus braços eram finos, mas seus olhos estavam mudando. Deixavam de ser os de uma criança e tornavam-se os de um homem em formação — um homem forjado pela necessidade.

Rosa, de nove, aprendia a cozinhar com a mãe. Com mãos pequenas e cuidadosas, limpava a mandioca, soprava cinzas do fogareiro e ninava o bebê quando Teresa não podia. Quando Luigi a olhava — cabelos grudados na testa, vestidinho sujo de barro — sentia uma pontada no peito. Ela era tão valente quanto frágil. Um botão tentando florescer num campo de espinhos.

Angelo, o caçula, estava com dez meses e sofria com as picadas dos mosquitos, o calor insuportável e a alimentação improvisada. Chorava muito. Teresa, com os seios ressecados de tanto trabalho e pouca comida, não conseguia mais amamentar. Aprenderam a esmagar banana verde e misturar com água fervida, numa tentativa desesperada de alimentá-lo. Era pouco. Mas era tudo.

A mata os cercava como um exército em silêncio. As trilhas eram escassas, marcadas com pedaços de pano amarrados nos galhos ou pequenas toras deixadas como marcos. Havia dias em que Luigi se sentia mais perdido que um navio sem leme.

A comida escasseava. As víveres trazidas do navio — farinha de milho, carne salgada, feijões secos — acabaram na segunda semana. Foi então que a mata ensinou sua primeira lição: aprender ou morrer.

Com ajuda de um colono alemão, um certo Herr Kuntz, Luigi aprendeu a diferenciar mandioca-brava da doce. A primeira podia matar em horas; a segunda sustentava por dias. Também ensinou a caçar galinhas-d’água com armadilhas simples de cipó. E mostrou como encontrar bananas silvestres, pequenas, verdes, amargas, mas nutritivas.

As noites traziam seus próprios terrores. Sob o teto improvisado da palhoça, os Bianchetti se amontoavam em silêncio enquanto a floresta ganhava vida com sons quase sobrenaturais. O uivo das onças-pintadas no alto das colinas. O rosnado surdo de uma jaguatirica. O sibilar de cobras nos matagais. O farfalhar de galhos quebrados sem vento.

E então, o pior: o silêncio absoluto.

Era quando todos os animais paravam de emitir sons, como se ouvissem algo que os homens não podiam ouvir. Teresa apertava Angelo contra o peito e rezava em italiano antigo. Luigi segurava o facão com as mãos firmes, mas o suor lhe escorria pelas costas.

E mesmo assim, a vida insistia.

As galinhas trouxeram ovos. Um pedaço de terreno, com muito esforço, começou a produzir milho. Matteo e Rosa construíram um pequeno galinheiro. Teresa descobriu arbustos de mamão perto do riacho. Luigi, com os olhos fundos de cansaço, viu um filete de esperança: não era mais apenas sobrevivência. Era o início.

Certa manhã, ao abrir a porta da palhoça, Luigi viu o sol filtrando-se entre os galhos como ouro líquido. O ar era pesado, mas carregava um cheiro novo — cheiro de terra cultivada.

E ele soube. Estavam vivos. E não estavam derrotados.


CAPÍTULO 4 — A PRIMEIRA COLHEITA

Colônia Nova Itália, Santa Catarina — novembro de 1877 a março de 1878

O milho fora plantado como quem enterra uma prece.

Luigi ajoelhara-se diante da terra vermelha e quente, os olhos queimando de sol e de esperança. Cada semente depositada no solo era mais que uma promessa: era um pacto silencioso com o futuro. Escolhera com cuidado o pequeno aclive nos fundos da clareira, onde as cinzas das árvores recém tombadas ainda enriqueciam o terreno. Ali o solo era fértil, úmido, e a luz do sol filtrava-se por entre os galhos como bênçãos invisíveis.

Nos primeiros meses, no entanto, tudo parecia inútil.

As chuvas pesadas carregavam os brotos. As formigas cortadeiras dizimavam fileiras inteiras de mudas durante a noite. O calor escaldante dava lugar a um frio súbito ao cair da tarde. Luigi observava os canteiros com desânimo e raiva, limpava o suor da testa com as costas da mão suja e se perguntava — mais de uma vez — se o Brasil realmente era terra de promessas ou apenas uma armadilha para sonhadores.

Mas então, em dezembro de 1877, algo mudou.

As primeiras folhas do milharal — pequenas, verdes-escuras e brilhantes — romperam o solo com vigor inesperadoLuigi as observava crescer como se fossem seus próprios filhos. Mediu a altura com pedaços de vara marcados, notou a diferença entre as que cresciam à sombra e as que tomavam sol o dia inteiro. Era um homem analfabeto, mas naquela terra bruta, descobria-se um cientista empírico movido por instinto e necessidade.

Enquanto isso, Teresa florescia junto com o chão.

Aos poucos, a mulher curvada pelo medo e pela saudade se tornava novamente a companheira forte que ele conhecera em Mantova. Iniciou, à sombra da casa, uma pequena horta: feijão, abóbora, milho, um pouco de manjericão trazido da Itália em saquinhos de linho. Descobrira que o solo ali pedia respeito e paciência. E, sobretudo, parceria com o clima, com as pragas, com os mistérios da mata.

Ela passou a trocar sementes com vizinhos distantes — os Giordano, os Pellegrini, os alemães Huber e Klein. Nasciam amizades entre enxadas e canecos de água de poço. A colônia, lentamente, começava a ter rosto.

Matteo, agora mais forte, cuidava do pequeno milharal como se fosse dele. Rosa ajudava Teresa na coleta de folhas comestíveis e flores para chás. Angelo engatinhava pela terra batida da palhoça, já mais robusto, os olhos brilhantes sob os cabelos desgrenhados. A família, enfim, parecia viver — não apenas resistir.

primeira colheita, no fim de fevereiro de 1878, foi modesta. Mas nenhum banquete em Mantova jamais teve tanto significado. Havia abóboras do tamanho de panelas, algumas espigas de milho douradas como o sol do meio-dia, um punhado de feijões prontos para serem secos e guardados. Teresa preparou um cozido simples, perfumado com manjericão e salgado com lágrimas de gratidão. Luigi, em silêncio, observava o vapor subir do prato como se fosse incenso.

Na festa de São José, em março, a colônia celebrou — mais pela vida do que pelo santo.

Homens, mulheres e crianças saíram de suas palhoças com os melhores trajes que possuíam: vestidos remendados, camisas de linho surradas, botas com sola gasta. O pequeno descampado entre as casas de madeira serviu como salão de festas. Um grupo de colonos construiu uma mesa rústica com tábuas reaproveitadas. Outro trouxe folhas de bananeira para forrar o chão. As mulheres, com mãos calejadas, prepararam bolos de fubá, aves assadas, farinha de mandioca torrada e frutas colhidas na mata. Um velho destilador improvisado forneceu aguardente de cana, forte o suficiente para queimar as mágoas.

Foi ali, naquela noite quente e iluminada por lamparinas de querosene e estrelas, que Luigi riu com gosto pela primeira vez desde que chegara ao Brasil.

Ouviu canções italianas misturadas a cantos alemães. Viu Matteo dançar com uma menina dos Huber, viu Rosa correr atrás de um galo assado como se estivesse em Mantova. Teresa, com o rosto ruborizado e os olhos brilhando, entregava pratos com um sorriso tímido.

E então Luigi entendeu: não estavam mais sozinhos. A colônia, enfim, era mais que um agrupamento de casebres no meio da mata. Era comunidade. Era povo. Era promessa cumprida, ainda que tímida.

A vida ali continuaria dura. As colheitas futuras ainda dependiam do clima, das pragas, das doenças que rondavam invisíveis. Mas naquela noite, com os estômagos cheios e os corações mais leves, os imigrantes dançaram como quem desafia o destino.

E Luigi, com um copo de aguardente na mão e o cheiro do mato no ar, olhou para o céu escuro e agradeceu em silêncio:
— Grazie, Dio. Estamos vivos.

CAPÍTULO 5 — OS HOMENS E A COLÔNIA

Colônia Nova Itália, Santa Catarina — abril a setembro de 1878

As palhoças de madeira foram se multiplicando como fungos sobre a terra úmida da mata aberta. Onde antes havia apenas clareiras tímidas, surgiam agora trilhas batidas por pés descalços, cercas improvisadas, hortas minguadas e, de tempos em tempos, o cheiro agridoce de fogo de lenha e aguardente. A colônia ganhava forma — e com ela, surgiam também os primeiros conflitos.

Luigi Bianchetti, com o corpo mais forte e a alma ainda marcada pela travessia e pela luta pela sobrevivência, observava a mudança com olhos desconfiados. Os recém-chegados eram diferentes: alguns, alemães vindos do sul, já acostumados ao idioma e às leis do Império do Brasil; outros, italianos de Nápoles, da Calábria, gente de sotaques mais cerrados, menos pacientes, que olhavam para os lombardos como se falassem outra língua.

O centro de toda novidade era um homem de nome Severino Antunes, mulato alto, forte, e com olhos que não revelavam emoção. Vinha de Desterro — a capital da província — com ordens imperiais de organizar as posses, oficializar os lotes e “levar civilização aos bravos colonos”, como dizia com um certo sarcasmo embutido em sua voz pausada.

Luigi desconfiou dele desde o início.

— Homem que fala bonito e anda de paletó no barro não veio plantar, veio mandar, resmungou ao amigo Giordano numa manhã de domingo.

Mas Severino era mais que um burocrata. Tinha olhos aguçados e ouvidos atentos. Sabia que o poder nas colônias nascia do respeito dos homens — e este só era conquistado com ação. Em poucas semanas, organizou reuniões, distribuiu mapas rudimentares, estabeleceu um registo para dividir as terras. Quem não tivesse documentação ou testemunho confiável de vizinhos, perdia o que havia suado para construir. Logo, a tensão pairava sobre os campos como neblina antes da chuva.

— Esse não é mais o mato sem dono, declarou Severino certa vez diante de uma dezena de colonos reunidos numa clareira. Agora é terra de homens civilizados. Com regras.

Alguns, como os irmãos Pellegrini, logo se alinharam com ele. Homens ambiciosos, desconfiados dos lombardos e sedentos por vantagens. Começaram a denunciar vizinhos por “invasão de lote”, muitas vezes baseando-se em linhas invisíveis desenhadas à caneta por Severino. Casos chegaram a ameaçar terminar em sangue. Houve uma briga de foice entre dois napolitanos por um córrego de água limpa — e rumores de que um deles fora enterrado em silêncio nas margens da mata.

Luigi tentava manter a distância, mas a colônia não permitia neutralidade.

Na pequena casa da família Bianchetti, as discussões se intensificaram. Teresa receava os homens de Severino — especialmente o sargento encarregado de “fazer valer a ordem”, que já agredira um jovem alemão por recusar-se a pagar um imposto recém-criado.

— Você não pode continuar calado, Luigi. Vão tomar nossa terra, disse ela certa noite, a voz trêmula, os olhos fixos na lamparina. — Fale com os vizinhos. Organize-se.

Luigi ouviu. Reuniu-se com Giordano, os irmãos Klein e um padre lazarista chamado Francesco Ricci, recém-chegado da Itália com a missão de evangelizar, mas logo engajado em defender os direitos dos colonos. Criaram um pequeno conselho informal, que se encontrava toda primeira sexta-feira do mês, na casa de Luigi.

O padre Francesco, de batina suada e voz firme, propunha moderação. Luigi, com os punhos sempre cerrados e os olhos fundos de noites maldormidas, queria firmeza. O conflito com Severino Antunes era inevitável. Mas havia algo mais sombrio pairando.

Nas últimas semanas de julho, dois colonos desapareceram.

Um era Giuseppe Mancini, calabrês de fala ríspida, que jurava ter comprado seu lote de um antigo ocupante. O outro, um mestiço chamado Tertuliano, que vivia sozinho e oferecia carne seca em troca de sementes. Seus casebres foram encontrados revirados, e nenhum sinal dos corpos.

Severino, quando questionado, apenas sorriu:

— A mata engole os que não sabem viver nela.

Luigi não acreditou. Sabia que a colônia crescera demais, rápido demais, e que os olhos gananciosos do governo e dos especuladores começavam a se voltar para aquela terra ainda sem nome definitivo. Nova Itália, diziam uns. Colônia Imperial, diziam outros. Mas o nome pouco importava. O que contava era o chão onde se plantava e o direito de permanecer nele.

No fim de setembro, ao retornar do mato, Luigi encontrou Matteo à porta, pálido e com o rosto arranhado.

— Pai… os homens do Severino estiveram aqui. Disseram que vão medir nossas terras de novo. E que se não estivermos com os papéis em ordem…

Luigi respirou fundo. Sentiu a madeira do machado áspera sob os dedos. Olhou para a palhoça, para Teresa com Angelo no colo, para Rosa cuidando da horta. Viu, naquele instante, que a colônia estava diante de um novo tipo de tempestade — não a que vinha do céu, mas a que se formava entre homens.

E desta vez, seria preciso mais do que sementes para resistir.


CAPÍTULO 6 — FOGO E TERRA

Colônia Nova Itália, Outubro de 1878

A estação das chuvas começava a dar sinais, e com ela, a tensão na colônia se tornava quase palpável, como o cheiro de terra molhada antes da tempestade. As manhãs, antes ruidosas com vozes de lavradores e galos, agora amanheciam mergulhadas em um silêncio desconfortável. Os vizinhos evitavam conversar ao ar livre. Muitos temiam estar sendo vigiados.

Luigi Bianchetti passava os dias dividido entre os campos e as reuniões clandestinas do Conselho dos Colonos. A liderança forçada lhe caíra como um manto pesado. Não desejara ser chefe, mas os homens vinham a ele como vinham à terra: esperando firmeza, constância e proteção.

Padre Francesco, apesar da batina e da Bíblia, tornara-se um estrategista. Seus sermões agora misturavam fé com resistência. Falava de Moisés libertando seu povo, mas cada camponês na igreja entendia o recado: não aceitar as correntes impostas por Severino Antunes e seus asseclas.

No entanto, os inimigos também se organizavam. Severino, cada vez mais pressionado pelos representantes do Império e pelos interesses latifundiários de Desterro, começava a agir com brutalidade. Montou uma milícia de homens pagos — entre eles, desertores, caçadores e antigos capitães do mato. Dizia-se que Antônio Ramalho, o mais temido deles, já servira na repressão a quilombos e sabia como silenciar qualquer foco de rebeldia com eficiência e crueldade.

Foi Ramalho quem comandou o incêndio da choupana de Giordano Petrelli numa noite sem lua. A família conseguiu escapar pela mata, mas perdeu tudo: roupas, colheita, ferramentas. Giordano, com os olhos marejados, apareceu na manhã seguinte na casa de Luigi, a esposa e os dois filhos tremendo sob cobertores emprestados.

— Foi eles, Luigi. Vieram como sombra. Não disseram palavra. Só o fogo falou.

Luigi engoliu a raiva como quem engole pedra. Sabia que reagir com violência naquele momento poderia custar vidas. Mas o povo estava no limite. O incêndio não foi apenas um ataque: foi um recado. E a resposta precisava ser dada.

Na reunião seguinte, com uma dúzia de homens e mulheres reunidos sob a antiga figueira do vale, decidiu-se que o Conselho deixaria de ser apenas defensivo. Iria agir. Teresa, firme ao lado do marido, tomou a palavra:

— Se deixarmos que queimem as casas de um a um, vamos acabar voltando ao navio. Ou pior, sendo enterrados na mata. Essa terra é nossa. E se for preciso, vamos defendê-la como defendemos nossos filhos.

O grupo decidiu cercar os terrenos com marcos visíveis, fincados com cruzes de madeira com o nome da família, datas e um pequeno símbolo em carvão — um gesto simples, mas que declarava em silêncio: Aqui vive alguém. Aqui não se passa sem luta.

Luigi então teve uma ideia ousada: reunir os colonos para uma queimada controlada e simbólica. Eles próprios iriam atear fogo a um trecho da mata antiga — mostrando que a terra era domada por seus habitantes e não por capangas do governo. Seria um gesto de poder, de afirmação, mas também de perigo.

Na manhã da ação, mais de cinquenta homens e mulheres marcharam colina acima com tochas, enxadas e baldes de água. O fogo lambeu o mato alto, estalou como tambor em festa, e a fumaça subiu densa, visível a léguas.

Severino Antunes, ao avistar a nuvem negra do alto de seu posto de vigia, entendeu o recado. Não era mais uma colônia de miseráveis. Era uma comunidade decidida.

Na noite seguinte, Padre Francesco celebrou uma missa sob o céu aberto. As famílias, mesmo exaustas, cantaram juntas. Pela primeira vez em semanas, Luigi sentiu algo parecido com esperança. Não era paz, mas era um passo em direção a ela.

Contudo, nas sombras da mata, Antônio Ramalho afiava a faca em silêncio.

O sargento trazia ordens novas de Desterro. Severino, pressionado pelos fazendeiros da região, precisava “restabelecer a ordem” — com ou sem legalidade. E para isso, a liderança dos colonos precisava ser quebrada.

Luigi estava agora no centro de um jogo maior, onde política, terra e sangue se entrelaçavam como raízes ocultas sob o solo.


CAPÍTULO 7 — O INIMIGO INVISÍVEL

Colônia Nova Itália, Novembro de 1878

O calor úmido e o zumbido das cigarras faziam a floresta parecer um organismo vivo, pulsando e vigiando. Para Luigi, essa sensação de ser observado não era paranoia — era constatação. Havia algo diferente no ar. O riso das crianças parecia mais contido. As conversas entre vizinhos, sussurradas. E, acima de tudo, havia silêncio demais para uma terra que, até então, ressoava com trabalho, esperança e barulho de ferramentas.

Na casa de madeira que construíra com as próprias mãos, Luigi reparava em pequenos sinais: pegadas onde não deveriam existir, ferramentas deslocadas, feixes de cana quebrados ao redor do terreno. Estavam sendo espionados. Alguém do lado de fora — ou talvez de dentro — repassava informações para Severino Antunes.

Teresa, que há muito perdera a ingenuidade da jovem camponesa italiana, começou a esconder comida e sementes em buracos forrados com palha no chão da palhoça. Matteo, agora com treze anos, dormia com um facão velho ao lado da cama. Rosa cuidava de Angelo como uma pequena mãe em estado de alerta permanente. A infância se desfazia como o orvalho nas manhãs quentes.

Foi Giordano Petrelli quem trouxe a notícia que estremeceu o Conselho dos Colonos: havia um informante entre eles.

— Alguém passa recado pro Severino. Eu vi com meus olhos. Um homem com casaco escuro, de chapéu aba larga, se encontrou com Ramalho perto da trilha do córrego. Entregou um papel. Depois desapareceu entre as bananeiras. Era um dos nossos. Juro por minha alma.

O Conselho convocou uma reunião secreta na capela abandonada no alto da colina. Apenas sete líderes sabiam da existência do encontro, e mesmo assim, um dos caminhos estava vigiado. As pegadas recentes no barro não deixavam dúvidas.

Luigi sentou-se à frente, encarando os rostos um a um. Eram homens calejados, com olhos fundos e mãos marcadas pela enxada. Mas até o mais nobre entre os pobres é vulnerável à fome, ao medo — ou ao dinheiro.

— Há um traidor entre nós — disse ele, em voz baixa, mas firme. — E não será com gritos que vamos encontrá-lo, e sim com astúcia.

Padre Francesco propôs o uso de recados falsos. Cada membro do Conselho receberia uma informação diferente sobre um possível movimento contra os homens de Severino. Quem quer que fosse o informante, cairia na armadilha. Luigi hesitou, mas concordou. A colônia precisava de provas. A confiança, agora, era um luxo.

Na semana seguinte, espalharam os boatos como sementes ao vento. Uns diziam que os colonos marchariam rumo ao posto fiscal. Outros que queimariam o curral de um fazendeiro aliado de Severino. Em pouco tempo, as ações de retaliação revelaram a rota da informação: era Tarcísio Broletti, antigo amigo de Luigi, quem entregava tudo.

Tarcísio era um homem discreto, viúvo, sem filhos, que mantinha uma pequena lavoura de batata e criava três cabras magras. Havia viajado com a primeira leva de imigrantes no mesmo navio que os Bianchetti, e Luigi confiava nele como em um irmão.

Mas Tarcísio fora vencido pela desesperança. Após perder a esposa para uma febre e quase ver sua lavoura inteira engolida pela seca, aceitou o dinheiro e a proteção de Severino. Ramalho prometera terras, ferramentas e paz. Em troca, apenas um pouco de informação. “Nada demais”, dissera ele. “Só uns nomes. Uns encontros. Coisas pequenas.” Mas as coisas pequenas tinham consequências grandes.

Quando foi confrontado por Luigi, Tarcísio caiu de joelhos, soluçando.

— Eu só queria viver, Luigi. Só isso. Eles disseram que, se eu não ajudasse, iam me fazer desaparecer...

Teresa, firme ao lado do marido, não disse palavra. Mas seus olhos falavam: o perdão tinha limites.

O Conselho, dividido, votou pela expulsão. Tarcísio partiu naquela mesma noite, com uma trouxa nas costas e os olhos vazios. Ninguém o viu novamente.

A paz que se seguiu foi breve, mas necessária. A confiança havia sido ferida, mas não destruída. Luigi sabia que o maior perigo, agora, não estava apenas fora das matas, mas nas rachaduras invisíveis da comunidade que construíram com tanto esforço.

Numa madrugada abafada, enquanto escrevia um bilhete para o Padre Francesco com planos para fortalecer as defesas da colônia, Luigi escutou um som seco, metálico, vindo do galpão: clac.

Levantou-se devagar, pegou a espingarda que herdara de um colono falecido, e caminhou com passos leves como os de um caçador.

A porta do galpão estava entreaberta. No interior, só silêncio.

Mas no chão, uma pegada. Recente. Funda.

Não estavam sozinhos.


CAPÍTULO 8 — OS SINAIS DA TEMPESTADE

Colônia Nova Itália, Janeiro de 1879

O céu mudara de cor. Durante semanas, as nuvens cinzentas avançavam devagar como tropas em marcha, cobrindo o azul com uma camada espessa de chumbo. O vento soprava do sul, úmido, carregado de um cheiro estranho — uma mistura de terra encharcada, folhas apodrecidas e algo mais: o presságio da tragédia.

Luigi observava o horizonte como um homem que já perdera o direito à inocência. O tempo, antes aliado dos agricultores, tornava-se mais imprevisível a cada estação. Mas naquela manhã, havia algo diferente. Um silêncio fora do comum, como se até os pássaros tivessem se escondido.

— Vai chover grande, murmurou Matteo, agora com quase catorze anos, ao ver o pai guardar as ferramentas mais profundas no abrigo da sementeira.

Mas a chuva não era o pior dos presságios.

Na véspera, Angelo acordara com febre alta. A princípio, Teresa pensou que fosse o calor, ou um dente nascendo. Mas no dia seguinte, apareceram manchas vermelhas na pele, e logo depois, vieram os espasmos.

— Ele está com sarampo, disse Padre Francesco, com os olhos cansados, depois de ver outros dois pequenos colonos com os mesmos sintomas.

— E não está sozinho. Já são sete casos. Cinco deles entre crianças abaixo de cinco anos.

A peste — essa palavra proibida — circulava pelas trilhas da mata como um lobo invisível.

Nos dias que se seguiram, o pânico se espalhou mais depressa do que o vírus. Famílias começaram a erguer cercas improvisadas entre os terrenos. Crianças eram isoladas em celeiros. A escola da colônia foi fechada. Os abraços se tornaram acenos. A missa, por prudência, foi suspensa.

E como se não bastasse a doença, os ataques de capangas voltaram a se intensificar. Dois colonos que iam ao povoado trocar milho por sal desapareceram na estrada. Um deles, Giacomo Ferretti, foi encontrado uma semana depois, boiando no rio, o rosto desfigurado por peixes e a aliança arrancada do dedo.

Luigi convocou nova reunião do Conselho. Não mais na capela, agora vigiada por espiões. Encontraram refúgio em uma gruta esquecida entre rochedos cobertos de musgo, perto da antiga trilha dos tropeiros. Ali, os homens falaram pouco e ouviram muito.

— Severino sabe que estamos fracos, disse Luigi. — Ele espera que o medo faça o trabalho por ele. Que um de nós entregue os outros, como Tarcísio. Mas está enganado.

O plano que propôs era ousado. Assumir o controle da estrada que ligava a colônia ao vilarejo mais próximo. Era por ali que passavam suprimentos, cartas, medicamentos. Se eles a controlassem, poderiam negociar em pé de igualdade — ou ao menos, impedir que fossem estrangulados.

A resistência ganhou novo fôlego. Matteo, já quase um homem, cavava trincheiras sob a chuva. As mulheres passaram a se revezar entre cuidar dos doentes e preparar armadilhas rudimentares nas trilhas. Até o padre empunhou uma velha pistola enferrujada deixada por um soldado da guerra do Paraguai.

Mas o pior ainda estava por vir.

Certa manhã, Teresa encontrou Rosa desfalecida ao lado da bacia de roupas. O rosto pálido, os lábios secos. O mesmo vermelho da febre que tomara Angelo começava agora a tingir sua pele. Teresa apertou a filha contra o peito com uma força que parecia querer impedir a morte de entrar.

Luigi sentiu a alma ceder ao desespero, mas não caiu.

— Vamos enfrentar isso como enfrentamos o oceano, Teresa. Com coragem. Com fé. Um dia de cada vez.

Enquanto isso, os olhos de Severino também se voltavam para a colônia.

— Eles estão resistindo demais, resmungou para Ramalho, jogando as cartas sobre a mesa de madeira da fazenda. — Já deviam estar de joelhos. Mande um aviso. Queime uma casa. Pegue um deles. Um líder.

E Ramalho, silencioso e metódico, já escolhia o alvo.

O céu, enfim, desabou. A tempestade caiu sobre a floresta como se o céu tivesse se rasgado. Árvores inteiras vieram abaixo, estradas desapareceram sob rios de lama. As lavouras foram engolidas em minutos.

Mas no coração da mata, entre o medo e a febre, os colonos seguiam de pé. Toscos, mal armados, exaustos. Mas vivos.

O inimigo era invisível, mas eles também eram. E invisibilidade, naquele momento, era uma vantagem.


CAPÍTULO 9 — O MENINO QUE VEIO DA MATA

Colônia Nova Itália, Março de 1881

As chuvas haviam retornado mais cedo naquele ano, trazendo consigo um verde denso, quase sufocante. O rio das Antas corria barrento, arrastando galhos, folhas e a memória do verão que se despedia. Naquela manhã de céu baixo, Luigi e Matteo estavam consertando a roda de um carro de bois na margem quando Matteo interrompeu o trabalho e ergueu o braço, em silêncio.

— Pai... olha ali.

Entre os arbustos, com o corpo magro coberto por lama e olhos arregalados como de um animal encurralado, um menino os observava. Estava nu, com os cabelos longos e embaraçados. Tinha o peito arfando e um ferimento na perna, recente. A pele era bronzeada pelo sol, e havia tinta vermelha esmaecida em seu rosto — vestígio de um rito que ninguém ali compreendia.

Luigi levantou-se devagar, mãos visíveis, postura calma.

— Está tudo bem, pequeno. Ninguém vai te machucar, disse em português pausado, embora soubesse que ele não compreenderia uma única palavra.

O menino hesitou. O rio atrás dele rugia. Os olhos — olhos de quem já vira mais do que devia — avaliaram os dois homens por um instante longo, até que, com um gesto frágil, deu dois passos à frente e caiu.


Na colônia, foi Teresa quem o limpou, alimentou e enfaixou. O menino não falou nos primeiros dias. Só observava. Dormia com os olhos entreabertos, como um filhote selvagem. Quando Matteo tentou dar-lhe um nome italiano, Teresa o deteve.

— Não. Ele não veio da Itália. Não nasceu entre nós. Vamos chamá-lo como ele é.

Luigi assentiu. Na reunião da capela naquela semana, apresentou o menino como Tupi.

— A floresta nos deu esse filho. Ele veio de um mundo que existia antes do nosso.

Alguns colonos franziram o cenho. Houve cochichos, olhares desconfiados. Mas ninguém ousou contrariar Luigi publicamente.

Os meses seguintes revelaram um vínculo improvável. Tupi, silencioso como as corujas que espreitava no alto das árvores, demonstrava uma sabedoria prática que logo se mostrou inestimável. Mostrou a Teresa como usar a casca de uma árvore para aliviar as cólicas de Rosa, que ainda era frágil de saúde. Levou Matteo para a mata fechada e ensinou-lhe a encontrar mel sem provocar as abelhas. A Luigi, mostrou como rastrear uma anta apenas pelos galhos quebrados e fezes frescas no caminho.

Mas o mais impressionante era a forma como andava — com pés leves, como se fosse parte da floresta.

— Ele não pisa. Ele escorrega como sombra, dissera Giovanni Pellini, com um misto de admiração e receio.

Tupi, por sua vez, começou a absorver palavras. Primeiro, nomes de coisas: "fogo", "água", "pão", "machado". Depois, frases curtas. Sua língua nativa, entretanto, permanecia um enigma. Às vezes, à noite, ele falava dormindo, em sons guturais e cadenciados. Teresa ouvia da porta, com o coração apertado, como quem assiste a um espírito contar seus lamentos.

Em setembro daquele ano, uma onça atacou uma das plantações mais afastadas. Quando os homens se organizaram para caçá-la, foi Tupi quem conduziu o grupo. Aos pés de uma árvore, indicou com o dedo três marcas leves no barro.

— Ela está ferida. Vai voltar para beber água.

E estava certo. Na beira do açude, no cair da tarde, a viram pela primeira vez — bela, ágil e mortal. Foi Luigi quem fez o disparo certeiro. Quando o animal tombou, Tupi se ajoelhou ao lado do corpo e tocou a pelagem com reverência.

— Ela era guardiã da mata, murmurou, em italiano hesitante. — Agora a floresta vai nos testar.

Naquela noite, ninguém dormiu bem.

Com o tempo, o receio inicial dos colonos foi se esvaindo. Tupi participava das ceifas, das celebrações religiosas e até das aulas improvisadas que Teresa organizava para ensinar os filhos dos camponeses a ler. Mas sua presença também provocava conflitos ocultos.

Padre Francesco, embora prudente, não escondia sua apreensão:

— Ele não é batizado. Vem de outro mundo, de outro deus.

Luigi respondeu com firmeza:

— Ele é meu filho agora. A floresta o trouxe para nós quando mais precisávamos. Isso também é milagre.

Certa manhã, já próximo do fim do ano, Tupi levou Rosa até o topo de um morro ao norte da colônia. Lá, apontou para o horizonte.

— Antes, tudo era floresta.

— E agora?, perguntou ela.

Ele pensou por um instante e respondeu, com um sotaque carregado:

— Agora é floresta com casas. Com risos. Com fogueira... e tristeza também.

Rosa segurou a mão dele. Era a primeira vez que ele falava tanto de uma vez só.

— E você? De onde veio, Tupi?

Mas ele não respondeu. Só olhou para o céu.

E naquele silêncio, Rosa entendeu: há dores que não se dizem. Só se carregam. Como cicatrizes invisíveis deixadas pela mata.


CAPÍTULO 10 — UM FUTURO ESCULPIDO A MACHADO

Santo Antônio dos Mulli, Novembro de 1885

O sol do fim da tarde derramava seu ouro pálido sobre os telhados de madeira recém-encerada. A fumaça das chaminés subia preguiçosa, misturando-se ao cheiro de milho assado, pão fresco e aguardente. As cigarras cantavam alto nos pinheiros, como se celebrassem também a chegada da festa mais aguardada do ano: a colheita.

Luigi caminhava pela estrada batida da colônia com passos lentos, sentindo o chão firme sob as botas — aquele chão que, menos de uma década antes, fora puro matagal e promessas vazias. Agora, a pequena Santo Antônio dos Mulli florescia como um broto teimoso que rompe a terra dura para alcançar o sol.

À sua esquerda, erguiam-se construções sólidas: a igreja de pedra basáltica, construída com o esforço de doze famílias e a bênção do padre Francesco, cujas paredes abrigavam não apenas preces, mas memórias. Ao lado, a escola, onde Isabetta, a filha do velho Zanin, ensinava as letras com mãos firmes e coração italiano. Ali, crianças de todas as idades — filhos de pedreiros, agricultores, marceneiros — aprendiam a desenhar o futuro.

E não longe dali, terminava a estrada de terra vermelha que agora ligava a colônia a outras comunidades italianas da serra gaúcha — Conde D’Eu, Dona Isabel, Caxias. Por ali passavam carros de boi, tropas de mulas, e, às vezes, viajantes que traziam notícias de Porto Alegre ou São Paulo. O mundo começava a se abrir.

Luigi já não era apenas um imigrante. Fora nomeado representante dos colonos junto ao governo provincial, cargo que aceitara com relutância. Não se via como político, mas como alguém que aprendera, a golpes de machado, que para sobreviver era preciso mais que fé: era preciso voz.

Matteo, agora com dezessete anos, já não usava os calções curtos da infância. Havia crescido alto, com os olhos escuros e incisivos do pai e a leveza de espírito da mãe. Sonhava alto. Falava em máquinas, ferrovias, pontes sobre rios imensos. Queria estudar engenharia em São Paulo, na Escola Politécnica recém-fundada.

— Pai... quero construir caminhos, como o senhor construiu este lugar. Mas com pedras, com metal, com ciência.

Luigi o ouvira em silêncio naquela manhã. Depois de um longo gole de café, assentiu.

— Vá, Matteo. Voe. Só não esqueça de onde partiu.

Rosa, agora moça feita, herdara a tenacidade silenciosa de Teresa. Era disciplinada, determinada, e havia encontrado sua vocação entre os livros. Junto de Isabetta, ajudava a alfabetizar as crianças menores, inclusive as filhas dos tropeiros e os pequenos filhos de imigrantes alemães que agora começavam a chegar.

Com Rosa, a escola ganhara vida. Era ela quem lia histórias em voz alta — de reis, guerreiros e santos — encantando os pequenos, como se plantasse esperança com palavras.

— Cada letra é uma chave, dizia às crianças. E cada chave abre uma porta.

A festa da colheita reuniu mais de cem pessoas no largo da igreja. Havia polenta fumegante, salame curado, bolos de milho, galinha recheada, vinho tinto em garrafões de vidro. E havia música: acordeão, violino e vozes italianas que cantavam canções de saudade e alegria. Velhos choravam. Jovens dançavam. As crianças corriam soltas, como quem não carrega ainda o peso do passado.

Luigi, ao lado de Teresa, servia o vinho com um sorriso que não via seu rosto havia anos. Seus cabelos já traziam fios brancos, e suas mãos estavam calejadas como troncos. Mas naquele dia, ao erguer os olhos para a colina onde havia levantado, com as próprias mãos, a primeira casa, algo dentro dele se quebrou suavemente.

Era gratidão. E uma dor doce.

— Lembra quando chegamos, Teresa?, murmurou ele. — Nem estrada havia. Só mato e medo.

Teresa apertou-lhe a mão.

— Agora temos uma casa. Uma aldeia. Um destino.

Mais tarde, sozinho diante da janela de seu quarto, Luigi viu o crepúsculo pintar o céu em tons de cobre e cinza. Ouviu risos ao longe, o tilintar de copos, uma cantiga em dialeto vêneto. E então, por um momento, viu-se de novo jovem, deixando a aldeia em Padova, com os filhos pequenos e um futuro por inventar.

A Itália estava distante, sim — tão distante quanto os sonhos que deixara para trás. Mas ali, entre o mato e a esperança, ele encontrara uma nova pátria, não traçada em mapas, mas esculpida em madeira, suor e amor.

Um futuro que nascera de um machado golpeando a mata.

E Luigi Mulli sorriu, enquanto o último raio de sol desaparecia atrás das montanhas.


EPÍLOGO — A SEMENTE DOS BIANCHETTI

Santo Antônio dos Mulli, Março de 1902

O velho Luigi Bianchetti sentou-se no alpendre de sua casa, agora com a fachada firme e envernizada, envolta por um jardim que Teresa plantara aos poucos, flor por flor. À sua frente, os parreirais ondulavam como um mar verde sob o vento da tarde. Mais adiante, um grupo de crianças brincava entre os canteiros de milho e as árvores de pêssego, gritando palavras em português entremeadas de dialeto italiano. Entre elas, corria um menino de olhos muito escuros, o neto mais novo, Antonio, que herdara o nome do bisavô e o espírito curioso de Matteo.

Luigi tinha agora cinquenta e sete anos, mas seu rosto parecia mais velho. Não por fraqueza, mas por ter vivido demais — cada sulco em sua pele contava uma batalha vencida, cada ruga uma estação difícil, cada cicatriz uma escolha.

Desde a chegada àquela terra, um quarto de século se passara.

Matteo não vivia mais na colônia. Tornara-se engenheiro civil e morava em Campinas, onde ajudava a projetar ferrovias que cruzavam o Brasil. Rosa, por sua vez, permanecera ali, firme como uma rocha. Casara-se com um viúvo local, um marceneiro de mãos calmas e coração justo. Eles cuidavam da escola e também da pequena biblioteca comunitária — onde os livros, doados por padres, viajantes e professores, repousavam sobre prateleiras de madeira da mata.

Teresa envelhecera com dignidade. Embora a força dos braços já não fosse a mesma, seu olhar permanecia luminoso. Cuidava do lar com ternura, e suas mãos sabiam quando acariciar, quando rezar e quando ensinar.

Tupi, agora um homem de quase trinta anos, morava nas bordas da mata, mas visitava a colônia como um irmão visita o lar da infância. Tinha a sabedoria ancestral do seu povo e a alma entrelaçada com a dos Bianchetti. Ensinava ervas e histórias, ensinava o tempo da terra, o silêncio da floresta e o respeito ao invisível. Era, em essência, a ponte que nunca se rompeu entre o velho mundo europeu e o espírito imemorial daquela terra.

Naquele dia, Luigi recebeu uma carta. O envelope vinha da Itália. Era de um primo distante, de Castelbelforte, a aldeia que ele deixara para trás. A carta falava de mudanças, de progresso, de tempos novos que haviam chegado ao Reino de Itália. Mas também falava de ausências. Muitos que Luigi amara — amigos, parentes, velhos vizinhos — já não existiam mais.

Ele a leu devagar, depois dobrou o papel com cuidado e o guardou entre os documentos da família, junto às passagens de navio, ao contrato de terra e a um pedaço seco de solo italiano que trouxera consigo no bolso da túnica em 1876.

Naquela noite, na ceia, Luigi pediu a palavra. Seus filhos, noras, netos e amigos estavam ali, em torno de uma longa mesa de madeira que ele próprio ajudara a esculpir, quando a colônia ainda era um amontoado de barracos.

— Quando chegamos aqui, disse com a voz pausada, não havia nada. Só mato, medo e esperança. Mas havia fé. Fé de que o amanhã poderia ser melhor do que ontem.

Fez uma pausa. O silêncio era reverente.

— Se hoje temos uma casa, uma igreja, uma estrada... se temos escola, música e até vinho nosso — não foi sorte. Foi escolha. Foi luta. Cada árvore que tombou nos deu abrigo. Cada semente que plantamos nos alimentou. E cada lágrima que derramamos regou este chão para que florescesse vida.

Ergueu um copo de vinho caseiro.

— A Itália foi o berço. Mas o Brasil foi o campo onde florescemos. Este chão é nosso, porque foi esculpido a machado, sim — mas também a suor, coragem e amor.

Naquela madrugada, enquanto todos dormiam, Luigi saiu sozinho e caminhou até o topo da colina. A mesma onde, quase trinta anos antes, levantara com as próprias mãos a primeira palhoça.

Ali, sob o céu repleto de estrelas, ajoelhou-se.

E, pela primeira vez em muitos anos, chorou.

Chorou pelos que ficaram. Pelos que partiram. Pelos que jamais chegaram. Chorou pelo menino que fora, pelo homem que se tornara, e pelo legado que deixava. A brisa lhe tocou o rosto com ternura. E ele sorriu.

semente dos Bianchetti havia germinado.

E dali, daquele solo batido e sagrado, nasceria o amanhã.


FIM


Cronologia Final

🔹 Outubro de 1876

Luigi Bianchetti, sua esposa Teresa e seus três filhos (Matteo, Rosa e o bebê Angelo) deixam Castelbelforte, província de Mantova, no norte da Itália, rumo ao Brasil, em busca de uma vida melhor. A Itália enfrenta uma grave crise social e econômica no período pós-unificação.

🔹 Janeiro de 1877
Após uma longa e difícil travessia marítima, a família desembarca no porto de Rio Grande e segue por terra e por rios até a Colônia de Santo Antônio dos Mulli, no interior do Rio Grande do Sul.

🔹 Março de 1877
Instalam-se provisoriamente em um abrigo de madeira improvisado. Começa o trabalho de desmatamento e adaptação à vida no Brasil. Teresa luta contra a saudade; Luigi enfrenta o desafio físico e emocional de edificar uma nova existência no desconhecido.

🔹 Novembro de 1877
As primeiras mudas de café e uma pequena horta plantada por Teresa começam a vingar. Surge um tímido sinal de esperança.

🔹 Março de 1878
Celebra-se a primeira Festa de São José com os colonos vizinhos. A comunidade começa a tomar forma e estabelecer laços sociais.

🔹 Inverno de 1879
Luigi lidera a construção de uma escola e de uma capela de madeira. Sua visão de futuro começa a inspirar os demais colonos.

🔹 Outubro de 1880
Rosa torna-se auxiliar de ensino, alfabetizando as crianças da colônia. Matteo mostra talento com números e engenharia rudimentar, desenhando pontes de madeira para os riachos próximos.

🔹 Março de 1881
O menino indígena, posteriormente batizado como Tupi, é encontrado por Luigi às margens do rio. Ele se torna membro da família e importante elo entre os colonos e a natureza que os cerca.

🔹 Dezembro de 1883
Tupi ajuda a comunidade a enfrentar uma infestação de pragas nas lavouras, utilizando saberes tradicionais. Os colonos passam a respeitar mais a sabedoria indígena.

🔹 Abril de 1885
Matteo parte para estudar engenharia em São Paulo, com apoio dos pais e da comunidade. Rosa se casa com Giovanni, um marceneiro da colônia, e assume a liderança da escola.

🔹 Novembro de 1887
A estrada que liga Santo Antônio dos Mulli a outras colônias italianas da serra é finalizada. A comunidade prospera e ganha reconhecimento na região.

🔹 Março de 1902
Luigi, agora com 57 anos, contempla o legado de sua família. Os netos crescem entre o italiano e o português, a horta e os livros. A semente dos Bianchetti floresceu.


✒️ NOTA HISTÓRICA DO AUTOR

Este resumo de romance é uma homenagem ficcional — mas profundamente embasada — à saga dos milhares de imigrantes italianos que, entre o final do século XIX e início do XX, cruzaram o Atlântico em busca de uma vida digna no Brasil.

As condições na Itália, especialmente nas regiões do norte e sul, eram devastadoras: fome, desemprego, fragmentação social e uma reforma agrária ineficaz empurraram famílias inteiras a abandonar seus lares. Após a unificação italiana (1861), o sonho de unidade não se traduziu em prosperidade para os camponeses.

No Brasil, por outro lado, a abolição da escravidão e a expansão da agricultura demandavam novas mãos para o trabalho, especialmente nas lavouras de café. A política de colonização promovida pelo Império Brasileiro incentivava a vinda de imigrantes europeus, oferecendo terras — muitas vezes em condições precárias e distantes — com a promessa de autonomia e progresso.

Surgiram assim as colônias italianas, notadamente no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Essas comunidades enfrentaram dificuldades imensas: isolamento, doenças, o desafio do desmatamento e o convívio inicial tenso com os povos indígenas que ali viviam muito antes de sua chegada.

Os personagens deste livro são fictícios, mas suas experiências refletem com fidelidade o espírito de resiliência, fé e luta que marcou a trajetória de tantos. A figura de Tupi simboliza a ponte entre dois mundos — o europeu e o indígena —, uma reconciliação que a história real raramente permitiu com justiça.

A Colônia de Santo Antônio dos Mulli não existiu literalmente, mas é inspirada em diversas colônias reais como Nova Milano, Dona Isabel (atual Bento Gonçalves)Conde D’Eu (Garibaldi) e a Silveira Martins, conhecida com a 4ª Colônia Italiana, que ainda hoje preservam a herança linguística e cultural dos primeiros pioneiros.

Se esta obra conseguiu, ainda que por breves instantes, reconectar o leitor com a dor, a coragem e a esperança dos que vieram antes de nós, então seu propósito está cumprido.

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