terça-feira, 14 de outubro de 2025

Padre Colbacchini nas Colônias Italianas do Paraná


Padre Pietro Colbachini: 

o “Feroz Jesuíta” das Colônias do Paraná


O Padre Pietro Colbachini nasceu em 11 de setembro de 1845, na cidade de Bassano del Grappa, província de Vicenza, no coração do Vêneto, Itália. Desde jovem demonstrou inclinação para a vida religiosa, ingressando aos 18 anos na Companhia de Jesus. Formou-se dentro do rigor e da disciplina dos jesuítas, absorvendo o espírito inaciano de estudo, austeridade e serviço. Foi ordenado sacerdote em 26 de julho de 1869, aos 24 anos de idade, e exerceu por quinze anos funções pastorais na Itália, especialmente em comunidades rurais do norte do país.

Nos anos de 1880, Colbachini começou a acompanhar com inquietação o fenômeno da emigração italiana em massa. Milhares de famílias, em sua maioria camponesas do Vêneto, Lombardia e Friuli, deixavam a pátria em busca de terras e trabalho no Brasil e na Argentina. Desejoso de lhes prestar assistência espiritual, pediu permissão a seus superiores para partir em missão às colônias italianas da América do Sul. O pedido foi negado pela Companhia de Jesus, que considerava arriscado enviar sacerdotes a territórios ainda pouco estruturados e de clima insalubre.

Firme em sua convicção de que seu dever era acompanhar os mais desamparados, Colbachini deixou a ordem jesuíta e ingressou na Congregação dos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos), fundada em 1887 por Dom Giovanni Battista Scalabrini, bispo de Piacenza. O novo instituto tinha precisamente como finalidade assistir espiritualmente os emigrantes italianos espalhados pelas Américas. Assim, em 1885, embarcou para o Brasil e estabeleceu-se no Paraná, onde passaria o restante de sua vida.

As Missões nas Colônias Italianas do Paraná

Logo após sua chegada, Padre Colbachini foi designado para atuar junto aos núcleos coloniais de Dantas (atual bairro Água Verde, em Curitiba), Santa FelicidadeAlfredo ChavesAntônio RebouçasCampo CompridoSanta Maria do Novo Tirol da Boca da SerraMurici e Zacarias. Todas essas colônias formavam o circuito da Capelania Curata Italiana, criada com o objetivo de reunir sob orientação religiosa os imigrantes dispersos nas redondezas de Curitiba.

Incansável, Colbachini percorria essas comunidades a cavalo, muitas vezes sob chuva e frio, levando sacramentos, conselhos e conforto aos colonos. Era um pregador vigoroso e exigente, e sua formação jesuítica marcava profundamente seu modo de agir e ensinar. Por isso, entre os fiéis e mesmo entre outros religiosos, ganhou o apelido de “o feroz jesuíta”— não por dureza de coração, mas pela firmeza com que defendia a fé e a disciplina moral.

Embora incorporado aos Scalabrinianos, Colbachini mantinha a independência de espírito e certa reserva crítica quanto à fusão entre o catolicismo e a italianidade — uma ideia promovida por alguns missionários como meio de reforçar o vínculo nacional dos colonos. Para ele, a fé devia transcender a pátria. Essa posição o colocava, às vezes, em tensão com seus superiores, mas também o tornava respeitado pela clareza de suas convicções.

Os Relatórios de 1892 e 1895

Além de seu ministério pastoral, Padre Colbachini deixou dois documentos fundamentais sobre a realidade da imigração italiana no Paraná e no Brasil. Ambos foram redigidos em italiano e enviados às autoridades de seu país, sendo posteriormente publicados em Piacenza e Roma.

O primeiro, datado de outubro de 1892, foi dirigido ao Marquês Giovanni Battista Volpe Landi, presidente da Sociedade Italiana de São Rafael, entidade que prestava apoio moral e material aos emigrantes. O texto, intitulado “Rapporto sulle Colonie Italiane nello Stato del Paranà”, descreve as duras condições de vida dos colonos no litoral paranaense — especialmente nas colônias Alexandra e Nova Itália, criadas entre 1875 e 1877.

Em suas próprias palavras, Colbachini escreveu:

“Li trovai in condizioni miserabili, afflitti dalle febbri, logorati dalle privazioni, dimenticati da tutti. Le capanne, fabbricate in mezzo alle paludi, erano circondate da insetti velenosi che portavano malattie mortali. Le madri piangevano i loro bambini morti, e gli uomini, ridotti alla disperazione, guardavano il mare come unica via di salvezza.”

 

(Tradução) — “Encontrei-os em condições miseráveis, atormentados pelas febres, abatidos pelas privações, esquecidos por todos. As choças, construídas em meio aos pântanos, eram cercadas por insetos venenosos que traziam doenças mortais. As mães choravam seus filhos mortos, e os homens, reduzidos ao desespero, olhavam o mar como única via de salvação.”

O relatório prossegue com observações lúcidas sobre as causas dessa tragédia:

“L’emigrazione senza guida è una piaga. Il povero contadino, strappato alla sua terra, è abbandonato in un mondo che non conosce. Senza sacerdote, senza medico, senza autorità, egli muore non solo di fame ma di abbandono.”

 

(Tradução) — “A emigração sem direção é uma chaga. O pobre camponês, arrancado de sua terra, é abandonado em um mundo que não conhece. Sem sacerdote, sem médico, sem autoridade, morre não apenas de fome, mas de abandono.”

Essas palavras, enviadas à Itália, tiveram grande repercussão entre associações católicas e círculos de caridade, sensibilizando o episcopado italiano e as autoridades do Ministério das Relações Exteriores sobre a urgência de organizar missões e conselhos consulares para proteger os emigrantes.

Três anos mais tarde, em 1895, Colbachini enviou novo relatório ao Ministério do Exterior do Reino da Itália, ampliando seu diagnóstico sobre a emigração italiana no Brasil. Nesse texto, manifestou preocupação com a perda de identidade e a desorientação espiritual dos colonos, mas também elogiou sua força moral e capacidade de reconstruir a vida com trabalho e fé.

“Il colono italiano in Brasile è un uomo di fede e di fatica. Egli pianta croci dove trova selva, e chiama casa anche una capanna di fango. Ma senza una mano che lo guidi, egli rischia di smarrire l’anima nel deserto morale della nuova terra.”

 

(Tradução) — “O colono italiano no Brasil é um homem de fé e de trabalho. Ele planta cruzes onde encontra selva e chama de lar até uma cabana de barro. Mas sem uma mão que o guie, corre o risco de perder a alma no deserto moral da nova terra.”

Esses relatórios, de alto valor documental, são hoje considerados fontes primárias essenciais para o estudo da imigração italiana no Paraná e no sul do Brasil. Revelam não apenas a compaixão de um missionário, mas também a visão social e crítica de um homem que compreendeu as contradições da colonização europeia em terras tropicais.

No seu relatório datado de 1892, o missionário ainda acrescentou um relato sobre as precárias condições daqueles colonos italianos que viviam no litoral paranaense, no período de 1875 e 1877. Entre outros tantos problemas, Colbacchini destacava principalmente as condições de saúde e as doenças que acometiam os imigrantes causadas pelos insetos. Assim descreveu a situação dos imigrantes das Colônias Alexandra e Nova Itália, ambas no litoral paranaense:

"...Durante o dia os trabalhos eram insuportáveis devido o calor excessivo e por enxames de mosquitos que fazem inchar as partes descobertas das pessoas e produzem fortes incômodos; à noite outra espécie do mesmo rompe o sono e sangra os pobres imigrantes. Entre a carne e a pele as picadas de um outro verme, que assume no seu desenvolvimento a grossura de um feijão, e que vem injetado por  uma mosca cor de ouro (berne). Nos pés, especialmente nas extremidades e no calcanhar, coceiras insuportáveis e feridas malcheirosas, produzidas por outro inseto (bicho de pé) que nidifica e incuba, e se desenvolve como uma pequena pulga. As crianças e os velhos são os mais susceptíveis a esta grave enfermidade, que não respeita, todavia, idade e sexo ou condição das pessoas. A isto acrescento as consequências produzidas diretamente pelo clima, isto é, tontura, enfraquecimento dos membros, falta de apetite, desânimo, preguiça e tédio da vida. Esta é a verdadeira condição daqueles que vivem no litoral do Paraná".


Legado e Memória


Padre Pietro Colbachini continuou servindo nas comunidades italianas do planalto curitibano até os últimos anos do século XIX. Sua presença moldou a vida religiosa e moral das colônias, especialmente em Santa Felicidade, onde permaneceu por longos períodos.

Ainda que tenha vivido em relativo anonimato, sua figura foi lembrada por sucessivas gerações de imigrantes e descendentes como símbolo de fé e resistência. Sua morte ocorreu, ao que tudo indica, em Curitiba, provavelmente no início do século XX, deixando um legado espiritual que perdura na história das primeiras comunidades italianas do Paraná.


Nota Explicativa

O padre Pietro Colbacchini foi uma das figuras centrais na história da colonização italiana no Paraná. Membro da Companhia de Jesus, chegou ao Brasil em um período de grandes transformações sociais e políticas, quando o Império buscava consolidar a ocupação e o desenvolvimento das terras do Sul. Sua atuação ultrapassou o campo religioso: Colbacchini foi educador, cronista, mediador cultural e defensor da dignidade dos imigrantes italianos, que começavam a chegar em grande número às regiões de Palmeira, Santa Felicidade, Antônio Rebouças e, posteriormente, ao entorno de Guarapuava. O jesuíta compreendeu, desde cedo, que a presença italiana não seria apenas uma solução agrícola, mas um projeto de povoamento e civilização que moldaria o caráter do futuro Estado. Em seus escritos e relatórios, Colbacchini deixou valioso testemunho sobre as dificuldades enfrentadas pelos colonos — o isolamento, as doenças, a luta contra o clima e a mata — e, sobretudo, sobre a força moral e espiritual que mantinha vivas aquelas comunidades. Foi também um dos primeiros a registrar a interação entre os imigrantes europeus e as populações locais, descrevendo a formação de uma nova sociedade mestiça, baseada no trabalho, na fé e na solidariedade. A obra de Pietro Colbacchini representa, portanto, uma ponte entre o Velho e o Novo Mundo. Seu legado ajudou a consolidar os fundamentos culturais e sociais que dariam identidade ao Paraná moderno, onde a influência italiana permanece visível na agricultura, na arquitetura, na religiosidade e nos costumes. Assim, sua figura se inscreve não apenas na história da Igreja, mas também na gênese do Estado e na memória viva de seu povo.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta








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