A Polenta: Ouro do Campo e Pão dos Pobres
No coração do Veneto, onde colinas encontram o céu e o aroma da terra fresca domina os sentidos, pulsa uma história que atravessa gerações: a da polenta, o alimento simples que moldou a identidade de um povo.
No século XIX, tempos difíceis assolavam as províncias venetas. Guerras de independência deixaram rastros de destruição, os campos estavam exauridos e a fome era uma sombra constante. Foi nesse cenário que o milho, trazido das Américas, tornou-se essencial na dieta das famílias camponesas, garantindo o mínimo necessário para sobreviver.
A farinha de milho, acessível e abundante, transformava-se na polenta – prato versátil e indispensável. Preparada com água e sal, fervida lentamente em panelas de cobre ou ferro, resultava numa massa quente que saciava tanto o corpo quanto o espírito. Na mesa dos mais abastados, surgia acompanhada de queijos, carnes ou molhos. Para os mais pobres, era frequentemente servida sozinha, firmemente moldada sobre tábuas de madeira ou cortada em fatias e brustolada, ganhando uma crosta crocante que elevava sua simplicidade.
Entretanto, nem sempre o milho disponível era de boa qualidade. Muitas vezes, era velho ou inadequado, e sua monotonia alimentar trouxe consequências graves. A deficiência de vitaminas, especialmente de niacina, resultou na pelagra, doença marcada por lesões na pele, declínio mental e sofrimento físico. As províncias mais afetadas, como Vicenza, Treviso e Verona, testemunharam o surgimento de hospitais dedicados ao tratamento dos doentes, o pelagrosários. Assim, a polenta, que aliviava a fome, também carregava o paradoxo de ser o causador de novas mazelas.
Ainda assim, em lares humildes, ao redor das lareiras onde a panela borbulhava, a polenta simbolizava mais do que nutrição. Era um elo com a terra, um gesto de perseverança em meio às adversidades. Mães, com colheres de pau em mãos calejadas, mexiam a massa enquanto compartilhavam histórias e mantinham viva a esperança de dias melhores.
Com o tempo, a evolução das técnicas agrícolas e a diversificação alimentar transformaram a polenta. De necessidade absoluta, passou a ser uma escolha, ganhando um lugar especial em festividades e celebrações. Hoje, acompanhada de carnes de caça, cogumelos e peixes, brilha nas mesas festivas, sem perder sua essência humilde.
Mais do que um alimento, a polenta é um testemunho de resiliência. Carrega em cada colherada a memória dos que a prepararam em tempos difíceis, um símbolo da luta por sobrevivência e superação. Do sustento imposto pela fome ao prato de honra nas celebrações, ela ecoa como um lembrete de que até a maior simplicidade pode conter a força de um povo.
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