A Preservação Da Identidade Cultural em um
Grupo Imigrante Italiano
Curato De Colombo, Paraná, 1888 – 1910.
FÁBIO LUIZ MACHIOSKI
Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Sergio Odilon Nadalin.
CURITIBA 2004
CAPÍTULO 1
DA ITÁLIA PARA O BRASIL:
A TRAJETÓRIA DE UM GRUPO IMIGRANTE
1.1 NA ITÁLIA PARTIR SE TORNA A SOLUÇÃO
Para construir a história do grupo imigrante italiano que servirá de objeto de investigação neste trabalho, é necessário que antes compreendamos o processo de migração sofrido pelo mesmo. A história de um grupo imigrante sempre se divide em dois momentos: antes e depois do ato de emigrar. Cabe então ao historiador do social essa tarefa complexa e delicada de reuni-los, pois se debruçar sobre apenas o momento posterior à emigração poderia resultar numa avaliação incorreta.7
De fato, não se pode esquecer que estes homens e mulheres tinham uma história anterior ao ato de emigrar, e que é nessa história que eles pautaram seus hábitos e seus anseios. Hábitos e anseios estes que estarão fortemente presentes no momento em que estes migrantes se tornarem imigrantes, ou seja, no momento em que chegarem na terra de adoção. Portanto, antes de verificar quais foram os motivos que levaram o Brasil, e de maneira específica o Paraná, a investirem na entrada de estrangeiros, temos que analisar as condições que fizeram da Itália, da segunda metade do século XIX até o início do século XX, um país fornecedor de imigrantes.
O contexto em que a Itália expulsora se inseriu foi o do avanço do capitalismo e datransição demográfica na Europa.8 Momento em que os países europeus tornavam-se industrializados e que pressões econômicas e sociais foram geradas pelo avanço demográfico, que fez a Europa aumentar sua população duas vezes e meia. Este fato foi observado na incapacidade de absorção dos excedentes populacionais do meio rural no
7 ALVIM, Zuleika M.F. Brava Gente! Os Italianos em São Paulo (1870-1920). Brasiliense: 1986. p.11.
8 Segundo ANDREAZZA e NADALIN transição demográfica é a designação dada ao fenômeno populacional ocorrido inicialmente na Europa e que se refere à passagem de uma sociedade que se equilibrava com níveis elevados de natalidade e mortalidade, para uma fase que anunciava outro equilíbrio com níveis baixos de natalidade e mortalidade. Como a natalidade manteve-se durante algum tempo nos antigos níveis, e a mortalidade diminuiu, o fenômeno gerou excedentes populacionais na Europa. Imigrantes no Brasil, Colonos e Povoadores. Nova Didática. p. 27.
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mercado de trabalho das áreas urbanas. Assim surgiu em toda Europa um excedente de mão-de-obra que a industrialização tardia de países como a Itália e a Alemanha, não tinham como absorver.
Estes foram os principais motivos que impulsionaram a constante emigração italiana. Em um primeiro momento, a tentativa para solucionar o problema da falta de emprego foi a migração interna, do campo para a cidade. Porém, como já dissemos, a industrialização italiana não era capaz de absorver os excedentes do campo. Então a solução foi emigrar, atravessando o oceano. O que nos permite afirmar, finalmente, que a emigração européia para a América pode ser vista como a continuidade da migração do campo para a cidade.
Torna-se evidente, também, que a transição demográfica, a expansão do capitalismo e as grandes migrações formam um conjunto de processos interligados igualmente no espaço. As diversas ondas emigratórias européias, que atingiram o apogeu na passagem do século XIX para o XX e retomaram com outras características no período entreguerras, acompanharam de certa forma o avanço da transição demográfica e do capitalismo, expandindo-se sucessivamente do Noroeste para o Sul e Leste Europeus.9
Isso explica, no caso da emigração italiana, o fato de que, entre as primeiras correntes de estrangeiros dessa origem vindos para o Brasil, predominem italianos setentrionais. É desta região que provém a maior parte do grupo de imigrantes instalado nas colônias que estamos investigando, inauguradas entre 1878 e 1888. Talvez esta seja a primeira resposta para nossa pesquisa, pois no momento em que definimos a região de origem do grupo investigado podemos analisar a realidade vivida por este antes de emigrar.
Porém, antes de tratarmos do modo de vida que esses italianos apresentavam no momento em que decidiram deixar a Europa, queremos afirmar de maneira mais concreta o fato de que os estrangeiros dessa origem vindos para as colônias que estamos investigando procedem das regiões setentrionais da Itália, sobretudo da região do Vêneto.
9 ANDREAZZA, Maria Luiza & NADALIN, Sergio Odilon. O cenário da colonização no Brasil Meridional e a família imigrante. Revista Brasileira de Estudos de População, 11(1):61-87, jan./jun.1994, p.63.
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Para isso construímos uma tabela, e posteriormente um mapa, com base nas atas de casamentos dos imigrantes dessas colônias. Dos 518 indivíduos, registrados nos 259 assentos matrimoniais arrolados em nossa pesquisa, encontramos 271 imigrantes do qual se conhece a região de procedência, observando-se a seguinte distribuição:
TABELA 01 – PROCEDÊNCIA GERAL DOS IMIGRANTES ITALIANOS DO CURATO DE COLOMBO
Fonte: Registros Matrimonias dos Arquivos Paroquiais de Santa Felicidade e Colombo.
Fica claro que a origem regional da maioria dos imigrantes italianos instalados nas colônias investigadas é o Vêneto, com quase 80% de representatividade, isso sem somarmos a porcentagem de imigrantes dessa origem provavelmente inseridos entre aqueles que o registro só faz menção a Itália em geral. De qualquer forma, todas as regiões que aparecem são do norte, e considerando a área setentrional como um todo, podemos levar em conta a semelhança das características sócio-econômicas entre as regiões que a constituem.
Faz-se importante, para a compreensão do processo migratório, que analisemos de maneira particular as características da região que forneceu o maior contingente de emigrantes. Na pratica, a região do Vêneto se divide em áreas de colinas e montanhas, como Vicenza, Treviso, Belluno e Udine, e áreas de planícies, como Verona, Rovigo, Padova e Venezia. A divisão da propriedade obedecia o seguinte critério: pequenas e médias nas regiões de montanha e colinas; grandes propriedades, já com caráter capitalista, nas regiões de planície.10
As famílias que, num primeiro momento, abandonaram a Itália pertenciam, em grande parte, ao universo dos pequenos proprietários e dos arrendatários. Isso se explica pela forma como ocorreu a penetração capitalista no campo: concentração da propriedade; altas taxas de impostos sobre a terra, que impeliram o pequeno proprietário a empréstimos e ao conseqüente endividamento; oferta, pela grande propriedade, de produtos a preços
10 Ibid., p.28.
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Regiões
|
Vêneto
|
Lombardia
|
Trento
|
Piemonte
|
Itália
|
Total
|
Número
|
208
|
10
|
9
|
4
|
40
|
271
|
%
|
76,7
|
3,7
|
3,3
|
1,5
|
14,8
|
100
|
inferiores no mercado, eliminando a concorrência do pequeno agricultor; e, finalmente, a sua transformação em mão-de-obra para a indústria nascente.11
MAPA 1 – REGIÕES SETENTRIONAIS ITALIANAS FORNECEDORAS DE IMIGRANTES.
Não fica difícil entender porque foram eles, os pequenos proprietários, arrendatários ou meeiros, os primeiros a abandonarem a Itália. É só nos aprofundarmos mais nas condições de vida que essa porção da população italiana estava enfrentando para entender a causa destes terem sido os primeiros a desembarcarem no Brasil.
A produção desses pequenos proprietários se apoiava no trabalho de toda família, e era da terra que eles tiravam a maioria dos alimentos para a sua sobrevivência. Esse hábito milenar ligado à pequena propriedade criava a ilusão, para esses camponeses, de independência. As famílias vênetas, que contavam com doze ou até quinze elementos ao todo, viviam do pequeno núcleo de terra que lhes pertencia. O pai era a autoridade máxima e o grupo se mantinha unido enquanto a propriedade fornecia os recursos necessários à sua manutenção.
Toda a população, desde os mais abastados até os mais pobres, alimentavam-se basicamente de polenta, preparada com a farinha de milho. Quando a mesa era farta, o
11 ALVIM, Zuleika M.F. Brava Gente! Os Italianos em São Paulo (1870-1920). Brasiliense: 1986. p.23.
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cardápio não passava de peixe, ovo, salames e verduras e raramente se comia pão de farinha de trigo e carne de gado. O vinho era tomado somente na época da colheita da uva; depois, só se consumia o “vinhete”, espécie de qualidade inferior obtido da segunda prensagem das uvas com água.12
Não só a dieta desses camponeses era precária, mas também as suas roupas e suas habitações eram deprimentes. Aquelas, tantos dos homens como das mulheres, eram grosseiras, tecidas em casa. Em geral eram feitas de algodão cru e de lã mista. Seus sapatos e tamancos também eram de confecção caseira, feitos de madeira e alguma lã qualquer. A grande maioria vivia descalça e só cobriam os pés no inverno.13 A moradia desses pequenos proprietários também deixava muito a desejar, como podemos perceber por meio de um relato encontrado na obra de Zuleika Alvim, que descreve as casas dessa porção da população italiana como
“casebres baixos, cheios de frestas, caindo aos pedaços, que deixavam transparecer, pelos buracos usados como janelas e pelas fissuras dos muros, a mais triste miséria; no interior, poucos cômodos imundos (...), as paredes revestidas de pó secular (...);o chão do térreo é de terra ou de pedras mal ajustadas, o plano superior é formado por tabuleiros bamboleantes, as pequenas janelas onde normalmente faltam os batentes, são tapadas por vidros ou folhas de papel, os únicos móveis são um leito ou dois sobre cavaletes, um baú e os utensílios indispensáveis para a cozinha e a agricultura. (...) o número de cômodos de uma casa é variável, mas sempre muito inferior a necessidade da família (...) cada quarto serve a três ou quatro pessoas, (...).Assim como descrevemos são quase todas as casas dos trabalhadores da terra ”14
Portanto, o que observamos é que essa porção da população italiana vivia num estado de extrema pobreza, e que, por esse motivo, gastavam suas vidas unicamente na luta pela sobrevivência. Sendo assim, podemos imaginar que o mundo desses homens e mulheres ligados a terra era formado pelos limites da comunidade, e que o ideal econômico desses camponeses era o da auto-suficiência. Consequentemente a organização social e familiar era estritamente local, onde o cotidiano variava do trabalho para a Igreja. Sem dúvida eram esses dois valores, o amor a terra e a religião, que impulsionavam a existência
12 Ibid., p.31.
13 Ibid., p.32.
14 Cit. in: FRANZINA, E. Apud: ALVIM, Z, op. cit., p.31 e 32.
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desses camponeses e os faziam dedicar a vida inteira para a manutenção de seu pedaço de terra e de sua família.
Porém, essa tarefa de manter a sobrevivência da família por meio da pequena propriedade se tornou cada vez mais difícil, e boa parte dessa dificuldade deve-se ao problema da divisão continua da terra. Entre esses pequenos proprietários o hábito de dividir a terra quando os filhos se casavam começara há muito tempo. Como conseqüência, devido a falta de terra, a maioria dessas famílias de camponeses tinham filhos trabalhando como braccianti, trabalhadores braçais, nas grandes fazendas, ou filhas nas pequenas indústrias artesanais.15
Traçada essa paisagem de pobreza causada pela industrialização e pelo grande aumento demográfico podemos entender quais os motivos que levaram muitos camponeses a abandonar sua terra natal para se aventurarem em outros continentes. A falta de terra e a falta de emprego na Itália fizeram com que muitas famílias encontrassem na emigração a única solução para a sua sobrevivência. Assim fica fácil compreender o porque a pequena propriedade se tornou sinônimo de pobreza, e ainda, proletarização sinônimo de expulsão.
Dessa forma podemos classificar o imigrante italiano que primeiro chegou ao Brasil como pequeno agricultor proveniente das regiões montanhosas da parte setentrional da Itália. Isso se afirma ao observarmos a tabela abaixo (tabela 2), que apresenta a maior parte dos vênetos instalados nas colônias que aqui servem como objeto de pesquisa como provenientes dessas regiões que abrigavam o pequeno proprietário italiano.
Assim, podemos definir quem foram os emigrantes de origem italiana que se deslocaram num primeiro momento e que vieram instalar-se nas colônias por nós estudadas, inseridas no contexto paranaense. Também, essa primeira analise nos permitiu saber quais foram os motivos que fizeram esses camponeses abandonar a Itália. Cabe agora definirmos quais foram os atrativos que os trouxeram para o Brasil. Porém, desde já podemos afirmar qual foi o sonho desses homens e mulheres ao deixar a terra natal: uma porção de terra que ficasse perto de uma igreja, onde pudessem se sentir independentes, afim de reconstruir um mundo à semelhança do que deixaram para trás.
15 Os braccianti, como explica Zuleika Alvim, eram uma categoria de trabalhadores rurais temporários, que só trabalhavam nos momentos de grande necessidade de mão-de-obra, e que recebiam por dia ou por cota.
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TABELA 02 – PROCEDÊNCIA DOS IMIGRANTES VÊNETOS
10
Origem
|
Regiões do Vêneto
|
No de Imigrantes
|
%
|
Regiões de montanha
|
1.Vicenza
|
80
|
38,5
|
2.Treviso
|
63
|
30,3
| |
3.Udine
|
17
|
8,2
| |
4.Belluno
|
4
|
1,9
| |
Subtotal
|
164 imigrantes
|
78,9
| |
Regiões de planície
|
5.Padova
|
41
|
19,7
|
6.V enezia
|
3
|
1,4
| |
Subtotal
|
44 imigrantes
|
21,1
| |
Total
|
6 Regiões
|
208
|
100
|
Fonte: Registros de casamentos.
Monografia completa no endereço:
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS