Come noaltri no ghe ze altri e se ghe ne ze ancora che i venia fora!
Palestra original do Prof. Giovanni Meo Zilio, em Três Arroios, Rio Grande do Sul no ano de 1996, feita em língua vêneta, sobre a emigração dos vênetos, para uma grande plateia composta por descendentes de segunda, terceira e quarta gerações de emigrantes vênetos, e também, alguns de outras províncias do norte da Itália, todos eles falantes em talian, que vieram para o Rio Grande do Sul. Nessa palestra ele explica os motivos que o levaram a fazer esta pesquisa sobre a emigração vêneta na região do Alto Uruguai, mais especialmente, sobre a língua falada após desembarcarem no Brasil à partir de 1875 e ainda hoje usada.
“Saúdo à todos vocês.
Vim da Itália para estudar a vossa língua, que aqui chamam de dialeto Talian, mas, que na verdade, é uma verdadeira língua. É a língua que vocês falam, mas, é também a que falo eu. É a língua que me ensinou a minha mãe, é a língua que falamos no Vêneto.
O Vêneto, na Itália, é uma região vizinha de Veneza, e esta é a sua capital, onde todos falam vêneto como eu e todos vocês. E então quando vocês falarem na sua língua não precisam ter vergonha, por que é uma honra falar a língua vêneta, aquela língua que Veneza, a República de Veneza, falou durante mais de mil anos, dez séculos e que ainda hoje se fala.
Portanto, não deve ser uma vergonha, mas, um orgulho de falar esta língua, que tem mais de mil anos. Os nossos antepassados, os avós e bisavós de vocês, que aqui chegaram vindos da Itália não sabiam nem ler e escrever, mas, falavam esta língua já famosa em toda Europa. Chegaram até aqui da maneira como contaram a mãe, o pai, o avó, a avó e a bisavó. Chegaram aqui com um saco nas costas, pobres sem que ninguém os ajudasse. Sem dinheiro e mandados para a floresta, o mato como dizem vocês, com um machado para cortar as árvores e uma pá para cavar a terra. Eles sofreram muito no meio dos nativos por não conhecerem a língua local. Quando veio a segunda grande guerra não puderam mais falar o talian.
Como vocês sabem, eram enviados para a prisão aqueles que falassem na sua língua. Os coitados que não sabiam português, foram proibidos de falar na sua própria língua. Tiraram a sua palavra e quando se tira a palavra de um homem é como se lhe tirassem a vida.
Esta gente corajosa, afrontou sacrifícios e sofrimento, as dores do afastamento da Pátria, as dificuldades lá no meio do mato, com os índios, os animais ferozes, as serpentes venenosas, sós e abandonados por mais de cem anos. Sem escolas, sem médico, sem padres, sem parteiras que fizessem nascer os filhos, abandonados, esta gente deu provas de força, de coragem, de ânimo, de espirito de trabalho, de solidariedade, de honestidade e de ajuda mútuo.
Os nossos antepassados ensinaram à vocês, e também à nós, a coisa mais importante que é a honestidade. Os nossos velhos não enganavam ninguém, quando em um negócio se davam as mãos, faziam um contrato e era como fosse escrito. Uma só palavra era a grande riqueza, a grande força que passaram para nós. Eles transformaram o mato, a floresta, em um jardim, eles implantaram a civilização nesta zona do Brasil. O Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, e até o Espirito Santo onde chegaram os primeiros emigrantes à partir de 1875 em diante, criaram um mundo novo de progresso, civilidade, produção agrícola, industrial e comercial e fizeram destas regiões exemplos para todo o resto do Brasil.
Estes estados são como os motores de todo o Brasil. O motor econômico, cultural, o motor de progresso da indústria, da agricultura, do comércio, a alma do Brasil está aqui entre vocês e este mérito é de vocês e dos vossos pais, avós e bisavós. Nós italianos da Itália, nós vênetos do Vêneto talian, estamos orgulhosos de vocês e do que fizeram, do que fizeram os vossos antepassados neste país. Fizeram uma espécie de república do sul do Brasil que, se por acaso, fosse independente seria o país mais rico, forte e culto da América Latina.
Como na Itália, temos uma Itália do norte, que é o contrário do sul. No norte se trabalha, se paga os impostos, se faz as estradas, as escolas, os hospitais. E no sul ao invés temos uma Itália que trabalha muito pouco, que às vezes paga os impostos e que estuda menos. Agora nós queremos ensinar-lhes a trabalhar, não queremos dar, não queremos lhes dar o peixe para comer, mas, sim dar a vara para pescar. Queremos ensina-los a trabalhar como os nossos antepassados diziam: ajude-te que Deus te ajuda e agora queremos ajudar a se ajudarem. Vocês tem mais ou menos um problema que se assemelha a esse nosso. Vocês aqui estão dando o exemplo do trabalho, da força, da coragem, da civilidade.
Na Itália, no Vêneto, temos mais ou menos quatro milhões e meio de vênetos, que falam ainda o Talian como eu. Mas aqui no Rio Grande do Sul, todo o Rio Grande do Sul, toda Santa Catarina, de todo o Paraná tem três vezes mais que isso. Têm mais italianos que na Itália, mais vênetos aqui do que no Vêneto talian. O verdadeiro grande Vêneto é este aqui de vocês.
Estudarei e vou escrever um livro sobre a vossa maneira de falar. Formamos agora um grupo de trabalho, de estudiosos, para estudar a vossa língua junto com a Universidade de Erechim, com a FAINORS, a Federação das Associações Italianas no Rio Grande do Sul, que é presidida pelo Dr. Piazzetta, o grande operador, o motor desta federação, com a qual fizemos um acordo para difundir a língua taliana, a cultura taliana, a civilidade taliana, as tradições talianas, os usos e costumes, a língua, os cantos, o modo de comer, de jogar que vocês ainda hoje continuam a manter e que na Itália em parte já se perdeu.
Lá não se joga mais a “mora”, não a conhecem mais. Não se joga mais o quatrilho, também não se conhece mais este jogo e não sabem mais que coisa seja. Não se canta mais La Violeta por que se esqueceram, ao contrário de vocês aqui. Vocês conservaram bastante estas tradições culturais, históricas italianas e a FAINORS, junto com a Universidade de Erechim agora estão recuperando essas tradições, salvando-as, e vocês precisam dar uma mão por que deve ser de vosso interesse e dos vossos filhos salvar as tradições dos antepassados. É necessário que vocês ensinem os seus filhos a falar o Talian pois, quando se aprende bem o Talian também aprendem depois e bem o português o inglês e outras línguas. Isso se deve por que quando se sabe bem a língua materna pode-se aprender também outras línguas e não se envergonhar da primeira.
Aqui durante cem anos os mantiveram como marginais pois diziam: aqueles pobres coitados, veja só como eles falam, eles só falam o Talian. Como se fosse uma língua de bugres, mas é sim uma língua da antiga Sereníssima República milenar de Veneza. Quando os embaixadores de todos os países da Europa, durante a história da República Vêneta de Veneza, iam representar seus países em Veneza deviam falar o vêneto veneziano, o talian e eram orgulhosos de irem à Veneza e falar talian, diferente de vocês que se envergonham. Vocês tem a sorte de saber falar esta língua, que é a mesma que eu falo. Vocês entendem tudo que eu estou dizendo, quer dizer que a língua é a mesma. Eu sou um professor universitário, catedrático da Universidade de Veneza, uma das mais famosas do mundo e falo a vossa língua, diferente de pobres coitados, ou de pobres cães, diferente de ignorantes ou analfabetos vocês são os portadores e os herdeiros de uma grande civilização e de uma grande língua.
Agora junto com a FAINORS e com a Universidade de Erechim, como dizia, fizemos também um acordo cultural, um convênio, como dizem vocês, para mandar para a Itália os vossos filhos, para estudarem, fazerem um doutorado e nós mandaremos para cá os nossos professores, os nossos estudantes, os nossos doutorandos para estudar a vossa língua e a vossa história, depois escreveremos um livro sobre a vossa língua e vossa história, para transmitir às futuras gerações, para que saibam, compreendam e recordem o que fizeram os italianos.
Este livro escreveremos juntos com os nossos e vossos compatriotas de Erechim, de professores da Universidade, do professor Tonial, do professor Bellè, do Dr. Piazzetta e do professor De Marco. Começaremos a colocar o negro sobre o branco, a escrever a vossa história para as futuras gerações, a fim que não a venham perde. Vocês devem continuar a fazer a vossa história com os fatos e nós que somos estudiosos, que somos professores, que somos pesquisadores portaremos avante toda esta vossa história. A transcreveremos, a conservaremos para as futuras gerações.
Eu já percorri bastante o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, o Paraná e o Espirito Santo, vi com os meus olhos o que fizeram os nossos italianos. Falei com as pessoas que vivem no interior, na zona de colônia, em todos esses lugares encontrei gente que não só falam igual a mim, mas, tem a nossa mesma cara, os mesmos olhos, a mesma maneira de olhar; basta uma olhada para a gente se entender. É esta gente que, quando chego nas suas casas, dizem: mas este aqui fala como nós e ele vem da distante Itália, entretanto, ele fala como nós”. Então sempre lhes respondo “talvez por que, como diziam nossos antepassados: come noaltri no ghe ze altri e se ghe ne ze ancora che i vénia fora!”. Ou em português: como nós não existem outros, e se ainda existem, que apareçam!
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS