sexta-feira, 6 de abril de 2018

A Roda e As Crianças Abandonadas no Vêneto





O século XIX é também conhecido como o século das crianças abandonadas. Com o número crescente de abandonos, onde em toda a Europa, somente nesse século, chegava a casa de milhões. Na Itália também foram criadas instituições adequadas para as abrigar, tais como os orfanatos, os chamados orfanatrofios. Eles já eram conhecidos de séculos anteriores, mas, tiveram um grande incremento durante este século.
Eram muitos os motivos que levavam os pais a abandonarem seus filhos, muito em particular as mães desesperadas, muitas vezes elas também abandonadas pelos companheiros depois de grávidas:

1.   Os pais não podiam reconhecer o filho porque era ilegítimo e poderia manchar a honra da família;
2.  Quando a pobreza não permitia aos pais de dar aos filhos uma existência digna;
3.  O filho não era do sexo desejado;
4.  A criança era doente ou portadora de defeitos físicos;
5.   A mãe tinha impossibilidade de amamentar;
6.  O pai tinha ficado viúvo, perdendo a mulher logo depois do parto.

As crianças eram abandonadas nesses orfanatos, quase sempre no começo da noite, ao escurecer ou nas primeiras horas da manhã, quando ainda não havia muita luz, para não serem vistas ou identificadas. 
Uma grande parte dessas crianças morria já nos primeiros meses de vida e quando conseguiam sobreviver, frequentemente, apresentavam vários tipos de problemas, sobretudo carenciais. 
O ingresso dessas crianças nos orfanatos, ou nas outras instituições criadas para as acolher, como em conventos, podia ser feito de algumas formas: 

1.   Através da chamada Roda dos Abandonados;
2.  Por meio de intermediários, como enfermeiras, parteiras, párocos;
3.  Entrega direta aos encarregados do orfanato.




Roda dos Abandonados era uma estrutura cilíndrica grande, encaixada firmemente no muro da instituição, geralmente construída em madeira. Ela podia ser facilmente girada entorno de um eixo vertical. Era dividida em duas partes e fechadas por uma pequena janela, em ambos os seus lados. Ao se fazer girar, uma parte ficava para dentro do orfanato e a outra metade para fora dele. Permitia assim colocar o recém nascido sem serem vistos por quem estava no interior da construção, mantendo o anonimato. 
Fazendo a roda girar, a parte onde o bebê era colocado passava para o interior da instituição, de onde abrindo uma pequena janela, os responsáveis podiam pegá-la para os primeiros cuidados e também procederem o devido registro. 
Era muito parecido com o sistema de segurança hoje usado em muitos prédios de condomínio, principalmente nas grandes cidades, para receber as encomendas feitas pelos moradores, como por exemplo a entrega de uma pizza, sem ter que abrir as portas do prédio para o entregador. Basta esse colocar a encomenda na roda, girá-la e pronto, a encomenda poderá ser alcançada pelo porteiro no interior do edifício.
Com frequência, ao lado da roda, havia um pequeno sino, que servia para alertar os responsáveis no interior da instituição da presença de um neonato na roda. Assim, geralmente só se passavam alguns minutos entre o efetivo abandono e o recolhimento do bebê. Isso é bem compreensível tendo em vista o frio que faz na região, especialmente nos longos meses de inverno. 
Com o bebê colocado na roda, quem o havia abandonado, costumava colocar junto algum objeto, como sinal para um possível reconhecimento futuro, tais como: medalhas e imagens impressas de  santos (que geralmente eram divididos em duas partes), documentos variados, bilhetes manuscritos  (nele informavam se o bebê já tinha sido batizado e com qual nome), uma pequena frase em um pedaço de papel ou algum outro sinal especial, que pudesse ser futuramente reconhecido e dar veracidade a solicitação. As roupas também vinham descritas detalhadamente e guardadas junto na mesma caixa, com um número de ordem. Esses sinais colocados junto com o bebê eram conhecidos no Vêneto como Filo Fede
A secretaria desses orfanatos mantinha meticulosas anotações e utilizava um sistema de registro muito eficiente para a época. 
Quando um bebê era admitido na instituição recebia um número de ordem (o chamado ato de ingresso), também no mesmo momento era imediatamente anotada a hora em que ocorrera o abandono, o sexo do bebê, mais tarde, era batizado com um nome de adoção, e pelo qual passaria a ser reconhecido à partir de então. Esse nome era seguido por um sobrenome também fictício, mas, geralmente de cantores, compositores ou outras personalidades ilustres. Também organizavam a descrição de algum particular especial nas roupas que o bebê estava usando e os possíveis bilhetes, sinais ou objetos deixados pela mãe ou por quem o tenha abandonado. 
Tudo era escrupulosamente anotado em um livro de registros e os objetos encontrados acompanhando o bebê etiquetados com o número ou o nome de adoção da criança e depois guardados em caixas destinadas para esse fim. 
Esses livros e as caixas com os objetos de identificação ficavam à disposição dos pais para possíveis futuros arrependimentos por parte deles, mesmo já tendo se passado diversos anos. Quando vinham procurar um bebê que tinha sido entregue no orfanato através da roda, a mãe ou os pais, traziam junto a outra metade da medalha ou do santo que acompanhou o a criança no ato do abandono.
Essas crianças podiam ser destinadas para outros casais, em forma de adoção, e muitas vezes, estes novos pais, devidos vários problemas, morte da esposa, perdas financeiras, tornavam a entregar o pobre bebê para os cuidados do estado. 


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS