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sábado, 9 de agosto de 2025

Achille Scapinetto – Entre Dois Mundos e Duas Guerras


 

Achille Scapinetto – Entre Dois Mundos e Duas Guerras

Entre a terra que o viu nascer e a que lhe deu abrigo, ele aprendeu que o verdadeiro campo de batalha é o coração.

O cheiro da terra vermelha e quente da região de Piracicaba nunca abandonou Achille Scapinetto, mesmo décadas depois de ter deixado o Brasil. Ele nascera ali, num pedaço de chão que não pertencia à sua família, sob o sol inclemente que queimava tanto a pele quanto as esperanças. Seu pai, Vittorio Scapinetto, e sua mãe, Luigia Sacaron, tinham atravessado o Atlântico em 1890, vindos de Rozzampia, no comune de Thiene, província de Vicenza.

Não vieram sozinhos. Trouxeram a filha mais velha, Santina, e o segundo filho, Giacomo, ambos ainda pequenos. No Brasil, nasceriam os outros: Francesco, Mansuetto, Umberto, Vittoria e, por último, Achille. A promessa que os trouxera da Itália era sedutora: trabalho remunerado, vida melhor, futuro para os filhos. Mas as promessas, tão abundantes no cais de Gênova, evaporaram no calor dos cafezais paulistas.

O latifundiário que os contratara ainda na Itália tinha as próprias dívidas e, com o café em queda no mercado, não havia generosidade para com os colonos. O pagamento vinha minguado, corroído por débitos constantes: a compra de mantimentos, as ferramentas de trabalho, a doença de Santina que, durante um parto difícil, precisou de uma cesariana no hospital de Piracicaba — tudo pago pelo patrão e cobrado, com juros, no acerto.

As dívidas eram uma prisão invisível. Fugir não era opção; a liberdade só viria com a quitação total, e isso parecia inalcançável. Os anos se arrastaram em meio ao calor sufocante, aos gritos de comando nos cafezais e à rotina exaustiva.

Quando finalmente retornaram a Rozzampia, em 1920, estavam um pouco menos pobres que antes, mas muito mais velhos do que a idade sugeria. Vittorio, obstinado, apesar da idade, investiu as economias de três décadas de suor na abertura de uma pequena casa de comércio, onde vendia mantimentos além de tabaco e licores. O comércio, situado em uma das esquinas mais movimentadas de Thiene, tornou-se ponto de encontro e sobrevivência para a família.

Mas a Itália não ofereceria tranquilidade por muito tempo. O avanço do regime fascista instalou-se como uma sombra espessa sobre as ruas, as praças e até sobre as conversas familiares. Cartazes de propaganda, desfiles militares e discursos inflamados tentavam disfarçar a crescente falta de liberdade. Nas casas, a prudência passou a ser lei: portas fechadas, janelas semiabertas, olhares desconfiados para cada passo na calçada. O silêncio tornou-se refúgio, pois qualquer palavra mal interpretada poderia atrair vigilância, interrogatórios e humilhações.

O clima era sufocante, como se o ar estivesse carregado de chumbo. Pequenos gestos — uma carta recebida do exterior, um comentário sussurrado no mercado, um livro escondido no fundo do armário — podiam se tornar perigosos. A incerteza pairava como neblina que não se dissipa.

Quando a Segunda Guerra Mundial explodiu, a tensão atingiu o ponto máximo. O som distante das rádios transmitindo notícias do front parecia ecoar dentro das paredes, misturando-se ao peso de um medo que não ousava se mostrar em voz alta. Foi então que a casa de Vittorio mergulhou no silêncio mais denso de sua história. As conversas rarearam, as refeições tornaram-se breves, e os olhares evitavam se encontrar, como se a troca de sentimentos fosse abrir fissuras por onde o pavor pudesse escapar.

A convocação chegou como um golpe seco, sem espaço para apelos ou despedidas prolongadas. Três de seus filhos — Mansuetto, Umberto e Achille — receberam a ordem de apresentar-se. As mãos de Vittorio tremeram ao segurar aquelas cartas oficiais, seladas com o brasão do Estado, pois sabia que não eram apenas folhas de papel: eram bilhetes de entrada para um destino incerto, talvez sem volta.

A guerra não teve piedade. Mansuetto encontrou a morte a cinquenta graus abaixo de zero, congelado nas trincheiras da Rússia, em Nikolayevka, no Oblast de Belgorod. Umberto tombou sob um sol implacável, a cinquenta graus acima de zero, nos desertos do norte da África. E Achille, o mais jovem dos três combatentes, foi ferido na Grécia.

Capturado numa manhã cinzenta, quando o frio parecia morder até os ossos, Achille foi empurrado para dentro de um vagão de carga. O ar era denso, carregado do cheiro agridoce de suor, palha úmida e medo. Amontoado entre homens que tremiam mais pela incerteza do que pela temperatura, não sabia se o destino seria o trabalho forçado ou um campo de extermínio.

O Lager onde foi confinado parecia ter sido erguido para apagar lentamente qualquer vestígio de humanidade. Barracões de madeira mal vedados, chão de terra batida, e um vento gelado que atravessava cada fresta, arrancando o calor dos corpos como se quisesse lembrar que até o ar estava sob domínio dos guardas.

A comida chegava em formas quase irônicas: uma tigela de caldo ralo com um fiapo de repolho, um pão escuro e duro como pedra, algumas cascas de batata que, se não fossem devoradas, serviriam de alimento para os ratos. Beber água significava abaixar-se sobre um barril onde a superfície estava coberta por um fino véu de sujeira. A fome não era apenas física — era um peso constante na mente, que tornava cada pensamento mais lento, cada movimento mais custoso.

Ainda assim, Achille se agarrou a algo que nenhum regime ou campo de prisioneiros podia confiscar: a esperança. À noite, deitado sobre a palha infestada de piolhos, fechava os olhos e se transportava para Thiene. Sentia o calor de um forno aceso, o cheiro do pão recém-assado, o som ritmado de passos conhecidos na rua de pedra. Na penumbra, recordava o rosto da mãe como quem segura uma fotografia desbotada — frágil, mas indispensável para sobreviver.

Meses se arrastaram. Dias e noites misturavam-se, e a contagem do tempo era feita não pelo calendário, mas pelo número de companheiros que não resistiam. Alguns partiam sem um som, apenas fechando os olhos e entregando o corpo ao frio.

Quando a guerra finalmente afrouxou suas garras e Achille foi libertado, ele já não era o mesmo homem. Caminhou durante dias até reconhecer, no horizonte, os contornos familiares das montanhas que cercavam Thiene. A cada passo, a paisagem despertava lembranças adormecidas: o sino da igreja que ecoava ao longe, o cheiro de terra molhada após a chuva, a curva da estrada onde, em tempos de paz, ele brincava quando menino.

Parou diante do portão da casa. O ferro estava frio ao toque, e por um momento, Achille temeu que ninguém abrisse. Quando finalmente a porta se escancarou, ele ficou imóvel. Carregava no corpo as marcas profundas das balas — cicatrizes que riscavam a pele como mapas de batalhas que ninguém queria recordar — e, na alma, feridas invisíveis. Trazia nos olhos a memória de um abismo que não devorou apenas homens, mas também futuros inteiros.

Achille viveu ainda longas décadas, resistindo como um velho tronco de oliveira que, retorcido e marcado pelo tempo, permanece de pé apesar das tempestades que lhe arrancaram galhos e folhas. Os anos não lhe pouparam o corpo — os passos tornaram-se lentos, as mãos carregavam o tremor discreto da idade, e os olhos, antes vivos como brasas, agora guardavam um brilho calmo, quase crepuscular.

Chegou aos noventa anos como quem atravessa um continente inteiro: com o cansaço estampado no rosto, mas com a dignidade intacta. Dentro de si, conservava dois mundos que se misturavam como águas de rios diferentes. Havia o Brasil ardente da infância — os dias de sol que queimava a pele, o cheiro doce da terra molhada após as chuvas tropicais, o riso fácil das gentes que acolhem com braços abertos. E havia a Itália sofrida da maturidade — o frio cortante dos invernos, o som dos sinos ecoando entre as colinas, as ruas estreitas onde a vida corria devagar, mas onde a guerra deixou marcas que o tempo jamais apagou.

Carregava também a lembrança de duas guerras, que haviam moldado não apenas o seu destino, mas o de toda a sua família. Foram guerras que roubaram amigos, dispersaram parentes e transformaram sonhos em silêncio. E, no entanto, ele também guardava memórias de coragem — dos que se ergueram apesar da fome, dos que partilharam o pouco que tinham, dos que mantiveram acesa a chama de um futuro melhor mesmo quando tudo parecia perdido.

Nos últimos anos, gostava de se sentar à sombra da velha oliveira no quintal. Passava horas ali, olhando para o horizonte como se ainda pudesse ver, ao mesmo tempo, o céu claro do Brasil e o entardecer dourado da Itália. Talvez soubesse que, quando chegasse a sua hora, levaria consigo não apenas as lembranças, mas o peso e o orgulho de ter vivido entre dois mundos e sobrevivido a duas guerras — uma herança invisível, destinada a permanecer no sangue e na memória de todos que vieram depois dele.

Nota do Autor

O que o leitor encontrará nestas páginas não é pura ficção, mas a recriação de uma história real, preservada ao longo de décadas por memórias familiares, relatos orais e fragmentos de registros históricos. Por respeito à privacidade dos descendentes e para preservar a liberdade narrativa, todos os nomes e alguns detalhes geográficos foram modificados.

Achille Scapinetto é, portanto, um nome escolhido. Mas por trás dele viveu um homem de carne e osso, que atravessou a vida dividido entre dois países, dois idiomas, dois afetos — e que carregou no corpo e na alma as marcas de duas guerras. Ele não foi herói perfeito nem mártir imaculado: foi humano, e justamente por isso sua história fala tão fundo ao coração.

Escrevi este livro como quem recolhe e costura retalhos de um manto antigo: cada linha busca unir as tramas da dor e da esperança, da coragem e da renúncia, para que não se perca a lembrança daqueles que construíram nossas raízes longe de sua terra natal. Não é apenas o retrato de um homem. É o eco da jornada de milhares de imigrantes que viveram na encruzilhada entre a saudade e o recomeço, entre o dever e o sonho.

Que estas páginas sejam, para o leitor, um abraço através do tempo — e um tributo àqueles que viveram entre dois mundos e sobreviveram a duas guerras.

Dr. Piazzetta



quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Raízes que Cruzaram o Oceano: do Veneto ao Novo Mundo



Raízes que Cruzaram o Oceano 
do Veneto ao Novo Mundo

Na frazione de Miane, um pequeno agrupamento de casas incrustada nas colinas ondulantes do comune de Valdobbiadene, na província de Treviso, o final do século XIX marcou o fim de uma era e o início de mudanças irreversíveis. A paisagem bucólica, com suas vinhas enfileiradas e olivais centenários, escondia uma realidade dura e implacável. O Vêneto, assim como grande parte da Itália, vivia um período de profunda crise econômica e social.

As reformas implementadas pelo recém-unificado Reino da Itália haviam trazido um peso inesperado às comunidades rurais. As terras, que durante séculos haviam passado de geração em geração, tornaram-se cada vez mais fragmentadas devido às partilhas entre os herdeiros. O resultado era um mosaico de pequenos lotes insuficientes para sustentar uma família. As colheitas, outrora abundantes, já não conseguiam competir com os produtos mais baratos que chegavam de outras regiões e países, impulsionados pela crescente globalização do comércio agrícola.

Como se não bastasse, o novo governo italiano impôs uma carga tributária pesada, alegando a necessidade de financiar o desenvolvimento da jovem nação. Os agricultores, como os Casagrande, sentiam o impacto diretamente em seus bolsos, vendo a maior parte de seus magros rendimentos escoar em taxas e impostos. Ao mesmo tempo, os preços dos insumos agrícolas subiam, enquanto o valor dos produtos finais permanecia estagnado, esmagando ainda mais os pequenos produtores.

A família Casagrande era um exemplo típico dessa luta diária. Patriarca da família, Giovanni Casagrande era um homem de mãos calejadas e olhar resiliente, acostumado a enfrentar a terra dura e as intempéries para sustentar sua esposa Maria e seus três filhos. Maria, por sua vez, equilibrava o papel de mãe e trabalhadora, mantendo a casa em ordem enquanto ajudava no cultivo de trigo, sorgo e videiras. Apesar de todo o esforço, o retorno financeiro era cada vez mais insuficiente, e o futuro parecia sombrio.

Entre os moradores de Miane, crescia um sentimento de frustração e desolação. Reuniões na praça da igreja ou nas tavernas locais eram tomadas por discussões sobre a falta de perspectiva, a desigualdade e o êxodo de jovens em busca de trabalho nas cidades mais industrializadas. Mas não era apenas para as grandes cidades italianas que os olhares se voltavam. Sussurros de oportunidades além-mar começavam a ganhar força. Histórias de terras férteis e generosas no Brasil, ainda que muitas vezes exageradas ou romantizadas, plantavam sementes de esperança em corações desgastados pela miséria.

Foi nesse cenário de incertezas que os Casagrande, após muita reflexão e debate, chegaram à conclusão de que permanecer em Miane significaria um futuro de privações sem fim. Partir parecia a única alternativa, ainda que envolvesse o abandono de tudo o que conheciam – a casa onde nasceram, os campos que araram, e os parentes e amigos que ficariam para trás. A decisão, tão dura quanto inevitável, seria a que definiria os rumos da família e dos descendentes que viriam depois.

Pietro Casagrande, aos 35 anos, era um homem moldado pela terra áspera e generosa das colinas de Miane, onde nascera e passara toda a vida. Desde menino, seu aprendizado fora íntimo e constante, absorvendo os segredos da viticultura que seu pai lhe transmitira com paciência: o momento exato da poda, a escolha das mudas, o cuidado meticuloso com o solo para preservar sua fertilidade. Cada videira, cada cacho, carregava o peso de uma tradição secular que Pietro honrava com dedicação quase religiosa.

Mas o mundo à sua volta já não era o mesmo de outrora. A agricultura familiar, que sustentara gerações, agora se via esmagada por forças que escapavam ao controle dos pequenos produtores. O mercado do vinho, antes local e simples, tornara-se um terreno disputado por grandes negociantes e industriais que podiam ditar preços e impor condições desfavoráveis aos agricultores. Pietro via, com angústia, seus esforços esmorecerem diante da impossibilidade de competir com esses gigantes. A produção familiar mal cobria os custos, e a incerteza tornava-se companheira constante.

Ao seu lado, Anna representava a força silenciosa que sustentava a família. Mulher de fibra e praticidade, ela dividia seu tempo entre as tarefas domésticas e o cuidado incessante com os filhos pequenos — Luigi, que já tinha 10 anos e ajudava no campo sempre que possível; Teresa, de 7, que começava a entender as responsabilidades que a vida lhes impunha; e o bebê Marco, que mal engatinhava e trazia ao lar uma luz tênue de esperança. Anna sabia que a sobrevivência da família dependia não apenas do trabalho árduo de Pietro, mas também da organização e do equilíbrio que mantinha dentro de casa.

Juntos, enfrentavam dias marcados pelo suor e pela incerteza, mas também pela esperança teimosa de que um futuro melhor pudesse existir — seja nas vinhas que resistiam, seja além das colinas que já não pareciam promissoras como antes.

Os dias em Miane pareciam se arrastar sob um céu cinzento, onde o sol raramente conseguia aquecer o corpo cansado dos agricultores. O trabalho no campo consumia cada gota de energia, e as noites, em vez de trazerem descanso, eram marcadas por inquietação e sonhos perturbadores. A fome pairava como uma sombra silenciosa sobre a casa dos Casagrande, apertando o peito e corroendo as forças de todos. Os invernos, antes amenos e familiares, tornavam-se cada vez mais rigorosos, castigando as colinas com ventos cortantes e geadas que destruíam as últimas esperanças de uma colheita digna.

Em meio a esse cenário de desespero, começaram a se espalhar rumores vindos de além-mar. Um nome estranho e distante ganhava vida nas conversas sussurradas: Brasil. Palavras sobre um país gigantesco, onde as terras eram vastas, férteis e, sobretudo, oferecidas gratuitamente a quem estivesse disposto a arar o solo e construir uma nova vida. Essas histórias chegavam através de cartas, viajantes e alguns poucos imigrantes retornados, carregadas de promessas que pareciam quase inacreditáveis.

As notícias falavam de oportunidades reais, mas não escondiam os perigos. A travessia do oceano Atlântico era longa e traiçoeira, marcada por condições precárias a bordo dos navios, onde doenças como tifo, colera e sarampo ceifavam vidas. O medo do desconhecido e das dificuldades não era pequeno, mas, para aqueles que sofriam com a escassez e o desespero, essa promessa de um recomeço valia qualquer risco.

Assim, mesmo diante das dificuldades incontestáveis, a luz de esperança que essas histórias carregavam começava a iluminar os corações endurecidos pela luta diária. O Brasil, com suas terras generosas e futuro incerto, surgia como um farol distante, uma possibilidade de escapar das correntes que prendiam as famílias vênetas a uma vida de privações sem fim. Foi nesse momento que muitos, como os Casagrande, começaram a sonhar com uma vida além das colinas que haviam conhecido, dispostos a arriscar tudo para garantir um amanhã melhor para seus filhos.

Pietro e Anna enfrentaram uma angústia profunda diante da decisão que lhes pesava no coração. A ideia de abandonar a terra natal, com suas colinas verdes, os vinhedos que tinham cuidado por gerações, e o vilarejo onde cada pedra parecia conter memórias de antepassados, era uma dor quase insuportável. O Vêneto não era apenas um lugar no mapa; era a essência da sua identidade, o palco das alegrias e tristezas que moldaram suas vidas. Cada aroma do solo, cada som do vento entre as folhas, carregava um pedaço da história da família.

Porém, as condições se tornavam cada vez mais insustentáveis. O trabalho árduo, os sacrifícios diários e as esperanças cada vez mais tênues haviam mostrado que permanecer significava aceitar a pobreza, a fome e a insegurança perpetuamente. A perspectiva de um futuro onde os filhos sofreriam as mesmas privações que eles já enfrentavam não lhes dava paz.

Depois de longas noites em claro e conversas silenciosas, tomaram a decisão que, embora carregada de incertezas, representava uma faísca de esperança. Venderam tudo o que podiam: a única vaca da família, que lhes dava leite e ajudava nas tarefas do campo; a velha carroça de madeira, que carregava não apenas cargas, mas também histórias de muitos anos; e os poucos utensílios de valor que possuíam, acumulados com sacrifício e cuidado ao longo do tempo.

Com o dinheiro obtido, procuraram um agente de emigração que trabalhava para uma grande companhia de navegação sediada em Veneza. Esse homem, com sua pasta cheia de papéis e promessas, ofereceu-lhes passagens para o Brasil — um destino distante, quase mítico, mas que carregava a esperança de terras férteis e vida digna. Embora temerosos diante do desconhecido, Pietro e Anna inscreveram-se para a viagem, conscientes de que dali em diante nada seria como antes. O peso da despedida se misturava à promessa de um recomeço, enquanto o horizonte do velho mundo se fechava para dar lugar ao mistério e à oportunidade do novo.

A travessia foi uma prova de resistência física e emocional para Pietro, Anna e seus filhos. O navio, um antigo cargueiro adaptado às pressas para o transporte de imigrantes, estava longe de ser adequado para a viagem transatlântica. Projetado para levar mercadorias, agora transportava centenas de pessoas empilhadas em condições sub-humanas, abarrotando os porões e os estreitos compartimentos da terceira classe.

Os alojamentos, pouco mais que cubículos improvisados, eram escuros e abafados. Não havia ventilação adequada, e o ar rapidamente tornava-se pesado e insalubre, impregnado pelo odor de corpos exaustos, comida deteriorada e dejetos humanos. Não havia privacidade nem descanso, e a constante proximidade forçada criava tensões e atritos entre os passageiros.

A comida, racionada e muitas vezes estragada, era composta de pão duro, sopas ralas e, ocasionalmente, pedaços de carne que raramente estavam frescos. A água, armazenada em tonéis sujos, não era suficiente para todos, e muitos sofriam de sede. Crianças e idosos, mais frágeis, adoeciam rapidamente. Entre as doenças mais comuns estavam o tifo e o escorbuto, que se espalhavam como fogo em um campo seco.

Pietro passava noites em claro, ouvindo os gemidos dos doentes e tentando acalmar o choro de seus filhos. Luigi, o mais velho, suportava a situação com bravura, mas os olhos cansados de Teresa e o choro constante do pequeno Marco perfuravam o coração de Pietro como facas. Ele temia pelo bem-estar da família e rezava para que o navio alcançasse o destino antes que uma tragédia maior acontecesse.

Anna, apesar de debilitada, mostrava uma resiliência admirável. Ela se esforçava para manter a dignidade e o conforto dos filhos dentro do possível. Inventava histórias para distraí-los e, com mãos trêmulas, dividia as pequenas porções de comida, garantindo que cada um recebesse pelo menos um pouco. Mesmo quando sua própria saúde começava a vacilar, seu foco permanecia nas crianças.

O balanço constante do navio, agravado por tempestades que tornavam o mar traiçoeiro, fazia muitos sucumbirem ao enjoo. As ondas gigantes lançavam o cargueiro de um lado para outro, e, em noites mais severas, os passageiros agarravam-se ao que podiam, rezando para que o navio não fosse engolido pelas águas revoltas.

Apesar de tudo, a esperança teimava em resistir. Nos momentos mais sombrios, os imigrantes se uniam, compartilhando palavras de conforto, alimentos ou mesmo preces conjuntas. Pietro encontrava força ao olhar para Anna e os filhos, determinado a fazer com que aquele sacrifício não fosse em vão. A promessa de uma nova vida, ainda que distante, era a chama que os mantinha vivos em meio à escuridão e ao sofrimento.

Após semanas intermináveis no mar, o navio finalmente atracou no movimentado porto do Rio de Janeiro. Era um espetáculo de cores e sons que contrastava fortemente com os dias sombrios e silenciosos da travessia. Para Pietro e Anna, o alívio de tocar terra firme misturava-se à apreensão pelo que ainda estava por vir. O Brasil, com seu calor sufocante e uma língua desconhecida, era um mundo novo e estranho.

No entanto, esse desembarque era apenas uma breve pausa na longa jornada. Após dois dias de espera no porto, tempo que usaram para recuperar um pouco das forças abrigados na grande Hospedaria dos Imigrantes onde recebiam alimento e camas para descansar se adaptar ao ritmo frenético do novo país, os Casagrande foram embarcados novamente, desta vez em um navio menor, destinado ao sul do país. A viagem prosseguia, agora rumo à província de São Pedro do Rio Grande do Sul, onde as promessas de terra e uma nova vida ainda eram apenas ideias distantes.

Quando finalmente chegaram ao porto de Rio Grande, a família estava exausta, mas Pietro sentia que o destino final estava ao alcance. Ainda assim, o desafio não terminava ali. Embarcaram em barcos fluviais lotados, navegando lentamente pelo rio Caí que cruza as vastas planícies da província. A vegetação exuberante, os sons das aves tropicais e o calor úmido criavam uma atmosfera completamente diferente das colinas familiares do Vêneto. Anna, com os filhos nos braços, observava a paisagem com um misto de fascínio e inquietação, enquanto Pietro mantinha os olhos fixos na água, pensando no futuro incerto que os aguardava.

Ao chegar ao destino, foram encaminhados por funcionários do governo para uma colônia recém-criada, chamada Caxias do Sul. O lugar, apesar de promissor, era marcado por uma rudeza que não deixava dúvidas sobre os desafios que enfrentariam. A paisagem, dominada por matas densas e terras ainda por desbravar, parecia indomada. As autoridades entregaram à família Casagrande um pedaço de terra coberto de vegetação cerrada, que deveria ser desmatado e cultivado com suas próprias mãos.

Pietro encarou aquele pedaço de terra como um campo de batalha. Ele sabia que cada árvore derrubada, cada pedaço de solo revolvido seria uma conquista para sua família. Anna, mesmo cansada, arregaçou as mangas para ajudar no que podia. As crianças, embora ainda jovens, absorviam o ambiente com curiosidade e esperança.

A colônia era formada por outras famílias italianas, vindas de diferentes partes do norte da Itália. Isso trouxe algum alívio: podiam falar sua língua, compartilhar tradições e formar uma comunidade que os conectava às raízes deixadas no Vêneto. Apesar das condições iniciais difíceis, a promessa de uma vida melhor alimentava seus esforços. Caxias do Sul, ainda rudimentar, tornava-se um símbolo de recomeço, onde cada dia de trabalho árduo representava um passo para transformar a promessa em realidade.

O pedaço de terra que a família Casagrande recebeu por meio do contrato com o governo era vasto e imponente, abrangendo cerca de 250 mil metros quadrados. Para uma família de agricultores habituada às pequenas parcelas fragmentadas do Vêneto, aquela extensão parecia tanto uma bênção quanto um desafio colossal. No entanto, o terreno estava completamente coberto por mata fechada, uma selva densa e inexplorada, com árvores altas, raízes profundas e uma fauna desconhecida que muitas vezes os assustava à noite.

Pietro, sem experiência com desmatamento, logo percebeu que enfrentar sozinho aquela tarefa monumental seria impossível. Ele se uniu a outros colonos recém-chegados, formando uma rede de apoio que misturava trabalho árduo e aprendizado coletivo. Com ferramentas rudimentares, como machados, foices e serras de arco, os homens enfrentavam a floresta, abrindo clareiras a cada dia, muitas vezes ao custo de bolhas nas mãos e músculos exaustos.

Os dias começavam ao amanhecer ainda escuro, com Pietro liderando sua família e dividindo tarefas com outros colonos. O som das árvores sendo derrubadas ecoava pela colônia, acompanhado pelos gritos de encorajamento entre os trabalhadores e pelo estalar da madeira ao ceder. Era um trabalho árduo e perigoso, com troncos caindo em direções inesperadas e ferramentas que exigiam precisão para evitar acidentes. Pietro, sempre cauteloso, mantinha os filhos longe das áreas mais perigosas, mas sua mente não descansava enquanto trabalhava, sabendo que ainda havia muito a fazer para tornar aquele pedaço de terra um lar.

Enquanto isso, Anna mostrava uma determinação extraordinária. Apesar da precariedade inicial, ela começou a plantar as primeiras sementes de feijão, mandioca e milho em pequenos espaços que Pietro e os outros conseguiam abrir no solo. Usando um enxadão que trouxera consigo, Anna misturava o solo fértil com as sementes, rezando silenciosamente por uma colheita que alimentasse seus filhos.

As crianças, ainda pequenas, faziam o que podiam para ajudar. Luigi, o mais velho, assumia responsabilidades maiores, carregando baldes de água do riacho próximo e ajudando o pai a recolher galhos e raízes. Teresa, com sua energia juvenil, recolhia lenha para as fogueiras, enquanto Marco, apesar de ainda ser um bebê, brincava sob a sombra das árvores, sua presença lembrando a Pietro e Anna o motivo pelo qual enfrentavam tamanha adversidade.

O progresso era lento, mas visível. A cada árvore derrubada e a cada metro de solo cultivado, a floresta dava lugar a um campo que prometia se tornar fértil. Pietro e Anna viam naquelas clareiras não apenas o resultado de seu trabalho, mas também a possibilidade de um futuro, onde a terra que antes parecia indomável pudesse sustentar sua família. A solidariedade entre os colonos reforçava o senso de comunidade, e o esforço conjunto transformava o sonho de sobrevivência em um objetivo compartilhado: construir uma nova vida, um sulco de cada vez.

Os primeiros anos na nova terra foram uma verdadeira prova de resiliência para os Casagrande. Acostumados ao clima ameno das colinas do Vêneto, enfrentar o calor sufocante e a umidade constante do clima tropical era um desafio diário. As chuvas torrenciais, que muitas vezes transformavam o solo em lama e faziam os riachos transbordarem, destruíam plantações inteiras em questão de horas. O sol escaldante, por sua vez, secava as folhas das culturas recém-plantadas e tornava o trabalho no campo extenuante.

Além disso, as pragas agrícolas, desconhecidas para Pietro e Anna, tornavam-se uma batalha constante. Gafanhotos, lagartas e outros insetos atacavam as plantações de milho e mandioca, e não havia conhecimento ou recursos suficientes para combatê-los. No entanto, Pietro era persistente, aprendendo com outros colonos e experimentando métodos rudimentares para proteger as culturas. Ele usava cinzas das fogueiras como repelente natural e criava barreiras simples para evitar que os insetos se alastrassem.

A saudade do Vêneto também pesava. As memórias das colinas verdes, do cheiro das videiras e do som dos sinos das igrejas eram como fantasmas que os acompanhavam. À noite, enquanto descansavam em seu abrigo improvisado, Pietro e Anna falavam em sussurros sobre a terra natal, temendo que mencionar suas saudades em voz alta pudesse enfraquecer o ânimo das crianças.

Apesar das dificuldades, os Casagrande começaram a ver o fruto de seus esforços. O pedaço de mata densa que haviam recebido transformava-se gradualmente em campos cultivados. Pietro, com as mãos calejadas e um espírito incansável, concentrou-se primeiro em construir um abrigo rudimentar, feito de troncos e folhas, para proteger a família da chuva e dos animais selvagens. Era precário, mas servia de refúgio enquanto ele planejava algo mais duradouro.

Com o tempo, e à medida que os campos davam suas primeiras colheitas, Pietro iniciou a construção de uma casa simples de madeira. Ele cortava as tábuas com cuidado, ajustando cada peça com paciência, mesmo sem ter ferramentas adequadas. A casa era pequena, com um único cômodo que servia de cozinha, sala e dormitório, mas era o suficiente para dar à família um senso de segurança e estabilidade.

Anna, com sua dedicação inabalável, transformou a estrutura básica em um verdadeiro lar. Ela pendurava ervas secas nas vigas de madeira, costurava cortinas com retalhos de tecido que trouxera da Itália e cuidava para que o pequeno jardim ao redor da casa estivesse sempre florescendo. À noite, quando a família se reunia ao redor da mesa improvisada, Anna preparava refeições simples, mas feitas com carinho, e suas histórias sobre o Vêneto ajudavam a manter vivas as raízes culturais dos Casagrande.

Pouco a pouco, a nova vida começava a tomar forma. Embora o caminho fosse longo e os desafios constantes, os Casagrande viam na transformação da terra e no lar que estavam construindo um sinal de que a coragem de deixar sua terra natal não havia sido em vão.

Com o passar dos anos, os frutos do árduo trabalho começaram a se manifestar de maneira mais evidente. As colheitas, antes tímidas e incertas, tornaram-se progressivamente mais abundantes, fruto de um aprendizado contínuo sobre a terra e suas peculiaridades. Com isso, a família finalmente pôde negociar o excedente da produção por outros bens essenciais, como ferramentas, tecidos e até pequenos luxos que antes pareciam inalcançáveis.

Luigi, agora na adolescência, emergia como um jovem forte e dedicado, assumindo com seriedade muitas das responsabilidades no campo. Ele não apenas auxiliava no plantio e na colheita, mas também começou a se interessar por técnicas agrícolas mais eficientes, que ouviu de outros colonos ou leu em antigos manuais trazidos da Itália. Sob sua liderança discreta, a produtividade da pequena propriedade deu novos saltos.

Teresa, por sua vez, encontrou na costura não apenas uma forma de complementar a renda da família, mas também um caminho para expressar sua criatividade e talento. Seus bordados, conhecidos por detalhes delicados e motivos tradicionais italianos, começaram a ser procurados por outras famílias da colônia. Logo, ela se tornara uma figura reconhecida pela comunidade, recebendo encomendas que lhe permitiram comprar materiais de melhor qualidade e até sonhar com uma máquina de costura moderna.

O crescimento econômico trouxe não só alívio, mas também uma nova esperança para a família. Aos poucos, começaram a planejar melhorias na casa de madeira, incluindo um novo quarto para Luigi e sua irmã mais nova, Rosa, que também crescia rapidamente e já ajudava a mãe em pequenos afazeres. Com cada conquista, sentiam-se mais enraizados naquele solo, que, embora distante de sua terra natal, começava a se parecer com um verdadeiro lar.

Os Casagrande encontraram nos outros colonos italianos não apenas vizinhos, mas uma verdadeira extensão de sua família. A solidariedade mútua era o alicerce daquela pequena comunidade, onde cada gesto de apoio fazia a diferença. Em momentos de necessidade, fosse para levantar um novo galpão, colher uma safra antes da chegada da chuva ou enfrentar os desafios impostos pelo clima tropical, os colonos estavam sempre prontos a ajudar uns aos outros, criando laços que iam além do sangue.

Aos domingos, as reuniões na igreja da colônia eram um ponto alto na semana. A pequena capela, construída em mutirão, era mais do que um espaço de oração; era um local onde a alma da comunidade se fortalecia. Ali, ao som de cânticos entoados no dialeto vêneto, os Casagrande sentiam a conexão com sua herança cultural e espiritual. As missas, simples, mas carregadas de emoção, eram seguidas por longas conversas e risadas ao redor de mesas improvisadas, repletas de pratos típicos como polenta, salame e pão caseiro.

Entre histórias sobre as dificuldades da travessia do oceano e as vitórias na terra nova, a saudade da Itália era constantemente compartilhada, mas, com o tempo, também transformada. Embora a nostalgia da pátria nunca desaparecesse por completo, os Casagrande perceberam que, naquele novo lar, haviam plantado raízes profundas. O solo que antes parecia tão estranho agora produzia os frutos de seus esforços. E, na companhia de seus conterrâneos, descobriram que o sentido de pertencimento não dependia apenas do lugar, mas das pessoas que os cercavam.

Com cada colheita bem-sucedida e cada celebração comunitária, ficou claro para os Casagrande que haviam encontrado mais do que um espaço para sobreviver: haviam construído um lugar onde poderiam sonhar, crescer e, acima de tudo, prosperar.

Décadas mais tarde, os Casagrande haviam se tornado uma referência em toda a região. Reconhecidos por sua incansável dedicação ao trabalho e pela visão inovadora, a família não apenas prosperou, mas também deixou um legado que ecoava além das fronteiras de suas terras. Seus descendentes expandiram a propriedade original, transformando-a em um complexo agrícola diversificado, que ia muito além do cultivo inicial de uvas e cereais. Vinhedos cuidadosamente cultivados deram origem a premiados vinhos regionais, enquanto plantações de frutas e hortaliças abasteciam mercados locais e contribuíam para o desenvolvimento da economia da jovem cidade de Caxias do Sul.

A participação da família não se restringiu à esfera econômica. Os Casagrande desempenharam papéis importantes na vida comunitária, ajudando a fundar escolas, associações culturais e até uma cooperativa agrícola que impulsionou o progresso de muitas outras famílias imigrantes. O espírito de união, que fora vital nos primeiros anos de luta, permaneceu uma característica marcante da família, transmitido de geração em geração.

Na Itália, na pequena frazione de Miane, a história dos Casagrande que partiram em busca de uma nova vida era contada com reverência e orgulho. Cartas enviadas ao longo dos anos, cheias de relatos sobre as conquistas e os desafios enfrentados no Brasil, eram lidas e guardadas como tesouros. Fotografias em preto e branco mostrando os campos férteis de Caxias do Sul e os rostos sorridentes dos descendentes eram compartilhadas nas celebrações familiares, uma ponte simbólica entre os dois continentes.

Hoje, a trajetória dos Casagrande é lembrada como um exemplo inspirador de coragem, determinação e fé no futuro. Suas conquistas não apenas enriqueceram a história de Caxias do Sul, mas também fortaleceram os laços culturais entre Brasil e Itália. A memória dos que ousaram sonhar com uma vida melhor em terras desconhecidas permanece viva, um testemunho de que o espírito humano é capaz de superar as maiores adversidades e transformar sonhos em realidade.

Nota do Autor


A história apresentada é parte do livro Raízes que Cruzaram o Oceano: do Veneto ao Novo Mundo. Trata-se de um romance fictício, porém amplamente inspirado em fatos reais e relatos coletados pelo autor junto a descendentes daqueles pioneiros que, com coragem e determinação, desbravaram novos horizontes em terras distantes. Os nomes dos personagens e alguns eventos foram adaptados ou recriados para preservar a identidade das famílias e tornar a narrativa mais envolvente. O sobrenome "Casagrande" foi escolhido para exemplificar e dar vida à história, sendo um sobrenome bastante comum na Itália, o que facilita sua identificação com os contextos históricos e culturais retratados. Apesar das adaptações literárias, o espírito das jornadas, os desafios enfrentados e as conquistas alcançadas são um tributo fiel ao legado deixado por esses imigrantes. Esta obra é uma homenagem à resiliência, ao trabalho árduo e ao amor que moldaram uma nova história, tanto para os que partiram quanto para os que ficaram.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta



segunda-feira, 4 de agosto de 2025

I Echi de un Destin

 


I Echi de un Destin

Capitolo 1: La Partenza

San Gimignano zera avolta in ´na calma pensante, come se la stessa sità medievale, con le so tori alte e le strade strete, la savea del peso de la resolussion che gravava sora la famèia de Domenico. La notìssia la ga rivà 'na matina fresca d'autuno, mentre che el sole, tìmido, el ghe rivava a pena a passar drento la nebiassa che la copriva i campi. Domenico, l'ùnico fiol de un pare contadin e na mare tessitrice, el zera cressù soto l'ombra de le fadighe. La tera magra che el pare la coltivava no bastava a mantener la famèia, e quel che la mare tesseva la note no rendea mica gnente par pagar i dèbiti che se somava.

Fin da puteo, el ghe sentiva i viaianti che i passava de par là parlar del Brasile – "tera de oportunità", i disea, dove la tera la zera grassa e el lavor el vegniva ricambià co l'abondansa. Par anni, ste stòrie le ghe alimentava la fantasia e, a 21 anni, spinto da la fame che ghe strensea el stómego e dai dèbiti che ghe strasea el spìrito, Domenico el decise de partir. El so destin el zera Campinas, drento el Stado de San Paolo, dove parenti lontani i se ghera sistemà come coloni.

La resolussion la zera un colpo par la famèia. Angela, la sorea picolina de 17 anni, la zera la prima a protestar, contrària cussì forte. Nostante la so zoventù, la responsabilità de tegner in piè la pìcola proprietà de la famèia la ghe cascava sora i so spali. Domenico el tentò de calmala, prometendo de mandarghe dei schei regolarmente e de scriver lètare par tegner viva la conession con el so paese. Ma manco le parole soave ghe riusciva a fermar le làgreme che ghe coreva sora la fàcia de Angela, mostrando el so timor de perder el fradel e el dùbio su el futuro.

Brigida, la mare de Domenico, la stava zita par la maior parte del discorso. Solamente i so oci bagnà i tradiva la tempesta che ghe se movea drento al cuor. Quando finalmente la parlò, la so vose la tremava come 'na foia col vento. "Me prometi che te torni, Domenico? Che no te ne scordi de nu?" El ghe rispose co resolussion, ma Brigida, drento, la savea che ste parole le podea svanir come l'ària, cussì come tante promesse de altri zoveni che i ghera partì e mai rivà indrio.

La despedida a la stassion la zera sta drio pien de speransa e desolassion. Domenico el gavea 'na borsa pìcola con pochi de so robe: un cámbio de vestì, un toco de pan e el medaion de San Francesco che la mare ghe gavea dà con la benedission de un prete del paese. Angela la ghe strenseva la man forte, come se la volesse fermar el distacamento co l'ùltimo gesto de amor de sorela. Brigida, avolta ´nte 'na sciarpa, la vardava el treno che se avisinava con un misto de paura e rassegnassion.

Quando finalmente el apito del treno el s'è sentì, Domenico el ze salì sora, salutando la fameja fin che i so figure i ze diventà ombre lontan. Mentre che el treno el taiava i campi, Domenico el vardava fora dala finestra, sentindo el peso de la responsabilità che adesso el gavea sora. El Brasile, che prima ghe pareva un sogno d’oro, adesso el ghera 'na sfida vera, piena de incertesse. E, nonostante le so parole le gavea tranquilsà la mare e la sorea, el savea che, drento, la promesa de tornar forse ghe ghera solo 'na ilusion – qualcosa che sol el tempo el podea confermar.

Capìtolo 2: El Nuovo Mondo

Domenico el sbarcò al porto de Santos dopo na traversia massacrante de 30 giorni ´nte l’Osseano Atlantico, segnada da tempeste, ansietà e un misto strano de speransa e paura. Quando el mete el piè su sta tera brasilian, el vien colpì subito da el caldo ùmido che pareva inguantar ogni toco de pele, un contrasto bruto col clima dolse de la Toscana che lel gavea lassà indrio. L’imponensa de la natura lo lassà a boca verta: palme altìssime, monti coperti de verde lussurioso e osei de colori che no ghe imaginava gnanca esistessi. Ma quel che lo colpì de pì el zera el caos de le strade de Santos.

La cità fremìa de gente de ogni parte del mondo, con urli in língue sconossiù, carete che taiava via strade fangose e mercanti che vardava a vender de tuto, da fruti tropicai a strumentassion rudimentai. Ntela prima lètera che el mandò a la famèia, scrita soto la luse tremolante de un lume in te na locanda pòvera, Domenico tentò de descriver sta esperiensa con un misto de fascino e atenssion.

"Ze un mondo tanto diverso, Angela," el scrisse. "La tera ze rossa come fogo, e el cielo par brusar col caldo del sol. Qua tuto ze pì grande, pì intenso, ma anca più confusion." El racontò de la bontà de altri emigranti che el gaveva conossù e de la promessa de laoro su le piantagion de cafè ´nte l’interno, anca se no la ghe mancava el discorar el desàgio de èsser tanto lontan da casa.

Dopo un paro de zorni a Santos, Domenico el s’imbarcò su un treno verso Campinas, lassando indrio el tumulto del porto e intrando ´nte i campi che saria diventà presto la so nova realtà. El odor de tera e el ciar de le sigare lo acompagnava con el mover del vagon, mentr’el provava a imaginar la vita che lo aspetava.

Quando el rivò a la sità, el trovò sùbito un posto ´nte una de le tante fazende de cafè sparse par la zona. Le lètare seguenti descriveva un quadro più scuro. Domenico el contava la duresa de la vita ´ntei cafesai con na sincerità che traspariva anca da le parole pì atente. El laoro el zera massacrante; da l’alba al tramonto, lui e altri emigranti i gavea strapà via erbe, cargà sachi de cafè e coliè i frutti su na tera infocada dal sole. I paron de la grande tenute, che i gheva poder e teritori, spesso i sfrutava i laoradori, imponendo dëbiti che i gaveva tegnerli come schiavi.

"Qua ze i giorni che me sento come un di quei grani che sbrìssio con le man, sofocà da la duressa de sta vita qua," el confessò in una delle so lètare. Ma nonostante tuto, Domenico el gaveva un filo de speransa. El vardava al Brasile come na oportunità che, anca se dura, ghe dava la speransa de costruir qualcosa che in Itàlia no saria mai stà possìbile.

Le domeniche de sera, quando el laoro se fermava, ghe raconta i momenti de solievo, ritrovandose con altri italiani ´nte serade improvvisà. Le canson de la tera natia risuonava tra le case, riempiendo el cuor de nostalgia. Domenico el cantava con na vose tremante, le parole pesanti de nostalgia, mentre el imaginava Angela che curava la proprietà de la famèia e so mama Brigida che acendea candele par protegerlo.

Ma tra le righe de ogni lètara, Angela la gaveva senso la solitudine che se infilà ´nte la vita del fradel. El parlava spesso del conforto de ricever le so risposte, tegnendole come tesori rari in meso al straco de ogni zornoì. "Ze come se, lesendo le to parole, podesse sentir el odor del trigo de i nostri campi e el ciar de le campane de San Gimignano," el scrisse con emossion. E, anca se Domenico el tentava de parer forte, Angela la capiva che le noti in Brasile i zera longhe e frede, anca in te sto caldo tropical, par un punto che portava su le spale el peso de un futuro incerto e la nostalgia de un casa lontan.

Capitolo 3: Lassi e Contrasti

Con el passar dei ani, Domenico el ze rivà a far el capo ´nte la fasenda de café, un sucesso notèvole par un zovene emigrà che gaveva scominsià la so strada come semplice laorante. Sto novo incàrico ghe gaveva portà un toco de respiro ´ntei schei, permetendoghe de mandar dei soldi regolarmente a la famèia a San Gimignano. Ma sta prosperità relativa no ghe ze bastà a cancelar le feride de ´na vita de fatica contìnua. Le responsabìlità ze cressè, e la pression de comandar altri laoradori, tanti de lori strachi e frustrà come lu, scominsiava a pesar.

´Ntele lètare mandà a casa, Domenico scrivea con un tono sempre pì cargà de consigli pràtici e, qualche volta, quasi imperativo. Lu insistea che Angela dovea gestir la pìcola proprietà con eficiensa, vendendo utensili e i campi marginai par pagar i dèbiti che ancora gavea la famèia.
"Angela, no podemo star atacà a tochi de tera che no dà gnente," el scrisse in u´na delle so lètare, tentando de convinserla. "El futuro de la nostra famèia dipende da scelte rasionài, no da sentimentalismi."

Ma par Angela, el teren de famèa el zera molto pì che un semplice património. La casa, i campi aridi e i ulivi che ghe resisteva testardamente a el tempo zera i ùltimi legami tangìbili con Domenico. Lei gavea paura che vender qualche parte de la proprietà el zera come cancelare i ricordi del fradèo e del passà che i gavea condiviso. ´Nte la so risposta, la resistensa de Angela ze spuntà fora in parole caute, ma ferme.
"Domenico, sta casa ze el cuor de la nostra famèia. Vender qualche parte de ela saria come perder na parte de noialtri."

Con el tempo, i lassi che prima i ghe univa come fradèi i ze scominsià a tenderse. Le lètare, che ´na volta gera fonti de conforto mùtuo, ze diventà riflessi de ´na relassion che alternava afeto e contrasti. Domenico, da ´na parte, tentava de proteggr la famèia da lontan, ma el so tono, tante volte, pareva autoritàrio, segnà da la frustrassion de sentirse impotente. Angela, da l'altra parte, resisteva a tutio che la vardava come un tentativo de controlo de le so resolussion, pur sapendo che el fradèo fasea tuto con le mèio intenssion.

Le corrispondense alternava momenti de teneressa e recriminassion velà. In una de le lètare, Domenico se sfogò:
"Angela, no posso laorar qua come un musso e vardarti ´ndar via con i stessi dèbiti che me ga costreto a partire. Fè quel che ze necessàrio par restar in piè."

In risposta, Angela ghe scrisse:
"Domenico, el to sacrifìssio ze sta amiràbile, ma sta ze la nostra casa. No posso abandonarla così fassilmente come ti disi. Ogni piera de sto posto ze parte de la nostra stòria."

El fosso che separea i do ze parva diventar sempre pì largo a ogni scámbio de parole. Domenico se sentìa isolà, no solo fisicamente, ma anca emosionalmente, mentr’Angela se sentìa pressà e no capitava. No stante tuto, l'amor fra fradèi ancora vibrava ´nte le righe, ´ntei momenti in cui Domenico domandava de la salute de la mama o Angela mensionava quanto la sentìa la mancansa de le so cansoni la doménega. Zera ricordi che serviva come fràgili ponti fra do vite sempre pì diverse, ma ancora ligà da radise profonde e indestrutìbili. 

Capitolo 4: Un Amor in Brasile

Domenico el ga trovà conforto in Emilia, ´na zòven emigrante de la Calabria che laorava ´ntela stessa fasenda. Emilia la zera na dona con 'na mirada dolse e 'n carater forte, qualità che ga conquistà Domenico fra i zorni duri e solitari in Brasile. El raporto ze sbocià ràpido, come 'na fiore che vol cresser su na tera pien de sassi. Dopo qualchi mese insieme, i ga deciso de sposarse. La serimónia ze stà semplice, fata ´ntela capelina de la fasenda, con pochi amissi e coleghi come testimoni. Domenico ga descrito quel zorno come 'n ràgio de sol tra le nùvole scure che ghe pesaria dosso ´nte la vita de emigrante.

Quando Angela la ga ricevù la notìsia, la risposta ghe smistava emossion contrastanti. La ghe ga mostrà na gioia sincera par el fradèo, ma no la ze riussìa a nasconder un filo de invìdia che traspariva tra le parole.
"Domenico, so contenta che te ga trovà na persona con cui spartir la to strada, ma te confesso che qua i zorni ze sempre pì solitari. Me piaseria gaver la stessa fortuna."

Angela sentiva el peso de star da sola in Itàlia, con la responsabilità de mantegner la casa e curar la mama che vegnìa sempre pì vècia. Par lei, la notìsia del matrimónio el zera un ricordo de tuto questo che ancora ghe mancava.

Pochi ani dopo, ´na nova lètara ghe ga portà 'na notìsia che ga iluminà i zorni de Angela: la nàssita del primo fiol de Domenico, Pietro. Lù ghe ga descrito el momento con detai emosionanti, dal pianto forte del neonato quando ze nato fin al sguardo pien de orgòio de Emilia. Domenico el ga scrito:
"Angela, no gavevo mai pensà che podesse sentir na gioia cusì grande dopo tanti ani de dificoltà. Pietro ze pìcolo, ma el ga drento la speransa de un futuro mèio."

Quando Angela la ga leto la lètara, la ga sentì qualcosa de raro e presioso: ´na felissità sincera par le conquiste del fradèo. Par la prima volta, le dificultà che i ghe separava ghe ze parse meno importanti del lasso che i ghe univa. La ghe ga risposto con entusiasmo, domandando pì detai del nevodo e esprimendo la so speransa de conosserlo un zorno.
"Domenico, quando mi go leto le so parole, quasi me par de sentir el riso de Pietro e de vardar el brilo ´ntei oci de Emilia. Prometeme che, un zorno, podarò abrassiarlo."

Domenico ghe ga risposto con na promessa che gnanca lù no savea come mantegner:
"Angela, un zorno te conoserà Pietro. So che la vita te tien lontan, ma sto incontro el sucederà. Fin là, tegnerò ogni to lètara par che el sapi che la so zia, anca da lontan, ze sempre stà parte de la so stòria."

Nonostante le dificultà, sto scambio ghe ga portà conforto a i do fradèi. Par Domenico, gera 'na maniera de tegner viva la conession con le so radise; par Angela, 'na scintila de speransa fra la solitùdine. Pietro, anca sensa capir el so rol, zera già 'na ponte tra do mondi che lotava par restar unì, anca se divisi da un osseano.

Capìtolo 5: El Ritorno Impossìbile

´Ntei ani seguenti, le lètare fra Domenico e Angela i ga assumì un tono pì malincónico, rifletendo el peso de le dècade passà. Domenico, adesso con ´na famèia formà, ghe scriveva sui dificoltà de cresser i fioi in na tera cussì diversa da le so radise. Ghe parlava de la lota contìnua contro l’instabilità finansiària e de le dificoltà de tegner vive le tradission italiane in un ambiente che, se da un lato ofriva oportunità, da l’altro domandava sacrifìssi culturai e emosionai.
"Angela," lù ga scrito 'na volta, "a volte me domando se i me fiòi i capirà mai cossa vol dir èsser italiani. Provo a insegnarghe le nostre canson, ma le so vosi ga za 'l acento de sta tera nova."

Intanto, Angela combateva le so batàie in Itàlia. La proprietà de la famèia, che la ghe gavea curà con tanto zelo, zera diventà el sentro de dispute fra parenti àvidi che metea in discussion la so possesion. Sentendose tradita e sensa scampo, la ghe trovava, ´nte le lètare de Domenico, 'na spèssie de conforto e frustrassion. Anca se lù tentava de mediar i confliti con consigli e parole de sostegno, la distante rendeva le so intevenssion limità.
"Domenico," Angela ghe scrito in risposta, "la to vose ze ancora 'na àncora par mi, ma ghe ze zorni che me sento de ´ndar fondo. La tera che te ga lotà tanto par salvar la ze diventà 'na fonte de dolor."

A sessant'ani, Domenico el ga scominsià a sentir i segnai del tempo e de le dècade de laoro duro. La febre zala, che spasava le colónie del interior paulista, no ga risparmià la so famèia. Lu el ga ciapà la malatia in un surto devastante che portava via vite sensa distinssion. Indebolì, el saveva che el so tempo se stava finindo. No potendo pì scriver, el ga domandà a Emilia de trascriver l’ùltima lètara par Angela, càrica de emossion e de adio:

"Angela

Anca se lontan, no mi go mai smesso de sentir la to presensa al mio fianco. Le parole che gavemo scambià in ste ani ze stà i fili che ga tegnù unì i nostri mondi, anca quando la vita ne ga divisi. So che no go mai mantegnù la promessa de tornar in Itàlia, ma spero che te capissi: el me cuor no ze mai partì davero. Se el me corpo no podarà pì ritornar a la nostra tera, ti te devi saver che la me ànima ze za al to fianco. Ogni ulivo, ogni sasso de quel teren el ga un peseto de mi. Tiegni cura de quel che resta de la nostra stòria e ricordite che semo sempre stai insieme, anche se divisi da un osseano."

Quando Angela ga ricevù la lètara, la ghe ze sentì consumà da 'na mescola de dolor e gratitùdine. La saveva che quele parole zera un adio, ma anca 'na reafirmassion del lassio indissolùbile fra i do. ´Ntel campo ndove la zera cressiù, la ga piantà un novo ulivo in memòria del fradèo, come un sìmbolo che, nonostante la distansa e el tempo, le radise che i ghe univa continuava a cresser.

Epìlogo

Domenico lu el ze morto ´ntel 1938, visin de Campinas, in meso a la so famèia brasilian, ma con el cuor ancora radicà in Itàlia, che no'l ga mai pì revista. Emilia, i so fiòi e i so nevodini I ga tegnù viva la so stòria, conservando le so lètare e i ricordi dei sacrifìssi che el ga fato par darghe ´na vita meiore. Domenico el ze ´ndà via in pase, ma el ga lassà drio un legado de nostalgia e de resistensa.

Angela, in Itàlia, la gasentì la perda in maniera profonda. Anca se la savea che quel zorno saria rivà, la notìsia ghe gà portà un dolore indescrivìbile. ´Ntei ani che ze vegnù doparà, la ga continuà a scriver lètaee al fradèo, come se le so parole podesse traversar no solo l'osseano, ma anca el velo che divide i vivi dai morti. Queste lètare, però, no le ze mai stà mandà. Ognuna la ze stà piegà con cura e guardà in un baule de legno invecià, insieme con le corispondense che Domenico ghe ga mandà durante la so vita.

Decade dopo, ´ntel 1972, quando la proprietà de la famèia la ze passà a nuovi paron, el baule el ze stà scoperto ´ntel sofito, intato e pien de stòrie mai contà. Drento ghe xe stà trovà le lètare de Angela, caricà de emossion contenù, de nostalgia imortalisà su carta. Le so parole ghe contava de ´na sorela che no volea lassiar sparir el lasso con el so fradèo, anca dopo la morte. Là ghe ze anca le lètare de Domenico, che ghe racontava con ´na sincerità tocante le lote, i soni e i sucessi de un omo che el ga vivù tra do mondi.

Capindo el valor stòrico e emossional de quei scriti, la famèia che la ga trovà el baule la ga deciso de donarlo al Archivio Stòrico de San Paolo. Incòi, le lètare de Domenico e Angela ze stà conservà in una colession speciale, disponìbile ai studiosi, ai dissendenti dei emigranti e ai visitador curioso. No ze solo documenti; ze testimoni de un'època ndove l'osseano zera na bariera quasi intraversàbile, che divideva no solo le tere, ma anca le vite e i cuori.

I scriti rivela la lota de 'na generassion che ga vissù tra el passà e el futuro, spartì tra la tera natìa e la nova pàtria. Ghe parla de le dificoltà afrontà dai emigranti, del sforso de tegner viva la conession con quei che zera restà drio, e de le speranse che nassea anca ´ntele situassion pì difìssili. Le lètare ze, soratuto, 'na prova che l’amor e la famèia pode resistar al tempo, a la distansia e anca a la morte.

´Ntele parole de un curador de l'archivio:
"Queste lètare no le ze solo stòrie personai; lori le ze 'na parte de l'ànima de 'na generassion che la ga contribuì a costruir el Brasile mentre soniava l'Itàlia. Lore le ze ricorda che, drio ogni ato de emigrassion, ghe ze cuori che no i ga mai smesso de sercarse un con el altro."

Nota del autore:

La saga de Domenico Salviero la ze ispirá a fati veri, con i nomi e i eventi modelà con la imaginassion del autore par onorar i milioni de emigranti italiani che i ga traversà l'oceano in serca de 'na vita milior. Anche se i personagi e qualcheduna situassion i ze fitissi, i ghe riflete fedelmente el spìrito, i desafios e le speranse de una generassion. Soto el cielo de do continenti, sta stòria la vol conservar el ricordo de quei che, con coraio, sacrifissio e amor, i ga costruì un legado duraduro e i ga trasformà i soni in realtà.
Dr.Luiz Carlos B. Piazzetta




quarta-feira, 30 de julho de 2025

A Promessa de Um Novo Começo

 



A Promessa de Um Novo Começo

Em 1895, na pequena localidade de Monte Allegro, na região montanhosa da Toscana, Itália, Giovanna escrevia uma carta cheia de saudades e esperanças ao seu marido, Vittorio. Ele permanecera na Itália enquanto ela, com coragem, embarcara para o Brasil, buscando um futuro melhor para a família. Ela vivia em um pequeno vilarejo na antiga colônia Dona Isabel, hoje Bento Gonçalves, no interior do Rio Grande do Sul, junto com alguns parentes que também haviam emigrado.

A vida na colônia não era fácil. A carta de Giovanna refletia sua exaustão e solidão. Ela trabalhava em plantações de uva durante o dia, e à noite costurava para outras famílias imigrantes. Seus dedos estavam calejados, mas o espírito se mantinha forte. A saudade de Vittorio era um peso constante, e ela ansiava pelo dia em que ele pudesse juntar-se a ela naquele novo mundo.

“Querido Vittorio,” escreveu ela, com lágrimas nos olhos, “não posso mais suportar esta distância. Cada dia que passo sem você parece um ano inteiro. Sei que o dinheiro é escasso, mas prometo encontrar uma maneira de trazê-lo para cá. A terra é fértil, e os sonhos podem criar raízes, mas sem você, meu coração permanece árido.”

Giovanna havia economizado cada centavo que podia. Vendia pequenos bordados, e às vezes até passava fome para juntar o suficiente para o bilhete de Vittorio. Sua determinação era admirável, mas o progresso era lento.

No entanto, a chegada de uma carta de Vittorio mudou tudo. Ele havia vendido um pedaço da pequena propriedade da família na Itália e juntado o necessário para a viagem. Ele anunciava sua partida em duas semanas, com destino ao porto de Rio Grande, de onde seguiria até Nova Esperança.

Os dias que antecederam a chegada de Vittorio foram marcados por uma mistura de ansiedade e alegria. Giovanna limpou a pequena casa de madeira que havia construído com a ajuda de vizinhos. Preparou um simples banquete com o que tinha disponível: pão, queijo e vinho feito nas colinas próximas.

Quando Vittorio finalmente chegou, magro e cansado da longa jornada, os dois se abraçaram como se o mundo inteiro desaparecesse ao redor deles. As lágrimas que correram de seus olhos não eram apenas de saudade, mas de alívio e felicidade.

A vida continuou desafiadora, mas juntos eles enfrentaram cada dificuldade com coragem renovada. Plantaram parreiras, que em poucos anos renderam frutos. Com o tempo, compraram mais terra e expandiram sua plantação. Fundaram uma pequena vinícola, que se tornou uma das primeiras da região, e seus vinhos passaram a ser conhecidos como símbolo da resiliência e da força dos imigrantes italianos.

Os anos passaram, e Giovanna e Vittorio tiveram três filhos, que cresceram ouvindo histórias de sacrifício e determinação. A pequena colônia de Nova Esperança se transformou em uma próspera comunidade italiana, com escolas, igrejas e celebrações que lembravam a terra natal.

Mesmo na velhice, Giovanna nunca esqueceu a promessa que fizera a si mesma ao chegar ao Brasil: construir um futuro onde sua família pudesse florescer. E assim, ao lado de Vittorio, ela cumpriu esse sonho, deixando um legado de amor, trabalho e esperança para as gerações seguintes.





terça-feira, 29 de julho de 2025

La Promessa de ‘na Tera Nova

 


La Promessa de ‘na Tera Nova


Capìtolo Primo — El Destin Scelto

Quando che Gabriele Montanari lu el ze montà su el vapor a Génova, el cielo zera scuro e pesante, come se el mar e el cielo i gavea fato un pato de silénsio. La so mòier, Donata, la ghe tegneva streto el brasso, e i so do fiòi, Luisa e Pietro, i se grapava al so tabaro come se no volesse lassarla ´ndar.

Ma Gabriele el no podea esità. Gavea trentoto ani e do ètari de tera rovinà da dèbiti, da i granai falì e da le brose tardie. L’Itàlia nova unita parlava de libartà, ma portava solo misèria. Quando el sentì parlar de la "tera del cafè", del "Brasil", che pagava con schei veri par i brassi forti, no el ga pensà do volte. El se ga metesto assieme con altri de la so contrà — i Pedersoli, i Barlandi — e lu el ze partì.

Soto ´ntel fondo scuro del vapor Ester, la traversia no la zera solo un viaio tra continenti, ma un lento batèsimo de sal, paura e rassegnassion. Le taole del barco spiatolava come se protestasse ogni volta che l’Atlántico le sbatea contro, e el odor grosso de sudor, de gòmito e de aqua màrcia ghe entrava ´ntel naso come ‘na maledission che no se podea cavar via.

Par zorni sensa fin, el dondolar del barco rivoltava el stómego; i òmeni curvà in silénsio, le done che pregava con i oci smarì, e i putei che pianseva ´ntel scuro, sensa capir parché el mondo zera diventà cusì streto e ùmido. Le bote de àqua, che a l’inìsio pareva la salvessa, presto le spandèa un odor rancido mescolà con la marésia de legno fradìcio.

La morte, discreta come ‘na bavesa de ària, la passava tra i corpi. No vegniva con i gridi, ma con el silénsio de chi che no respirava pì. De matina, do marinai rivava con ‘na tela strassà. I incartava el corpo sensa tante stòrie, come se fusse un peso qualsiasi, e lo butava in mar con l’indiferensa de chi che el ga za fato quela roba par dessene de volte. El son del corpo che cascava in àqua — un tonfo muto, e po’ un silénsio eterno — zera un capìtolo che no se scrivea, ma che restava drento.

Gabriele, disteso sora ‘na tola che serviva da leto, el scrivea tuto con le man tremanti. Gavea poco pì de vente ani, i oci cavà da la febre e la barba che ghe copriva la facia zòvene. Ogni pàgina del so quaderno zera un refùgio e ‘na resistensa. El segnava i nomi, le date, le impression, el odor de le onde, el nùmaro de putei che no rivava a finir la setimana. El scrivea come chi che no vol èsser desmentegà.

El zera convinto che la so stòria — quela traversia, quel inferno che flutoava, quela speransa picinina in meso al abìsso — un zorno la sarìa servida. Magari par qualcuno, in futuro, par saver che i ghe zera stà. Che i gavea vissù. Che i gavea sonià ‘na tera dove la fame no gira scalsa.

Quando i rivò a Santos, in zenaro del 1889, i ze sbarcà come èbri, barcolando. Ma el peso dovea ancora rivar. I ga portà tuti in quel che i ciamea la "Hospedaria dos Imigrantes", un gran capanon pien de leti de legno, con odor de disperassion e oci persi che no savea ‘ndove vardar.

Lì, Gabriele lu el ga imparà a tacer. Zera pì sicuro.

Capìtolo Secondo — La Màchina de la Speransa

La sorte, questa vècia baldraca caprissiosa, la ga soriso ai Montanari. I ga stà mandàa a la fazenda Santa Apolonia, ´ntel interno de la provìnsia de San Paolo, invece che in le tera lontan dove tanti — come i Bonfiglioli — i spariva sensa pì scrivar gnente a casa.

La fazenda zera un mondo isolà, serà in sé stesso come un corpo antico che no vol morir, e lì comandava la volontà de un omo solo: el baron Giacomo Ferraz de Mello. El portava ancora el tìtolo come se valesse qualcosa, anca se tuti savea che la so fortuna la se sgretolava ano dopo ano. Zera un omo de moda elegante e parole teatrali, ma con i oci furbi. E da quei oci el tirava fora el poco potere che ghe restava. No fasea gnanca un passo falso. Ogni gesto, ogni òrdine, ogni contrato, gavea el guadagno come spina dorsal. La carità, par lù, zera un lusso da borghesi — e el lusso, da tempo, no ghe entrava pì ´nte le spese.

El laoro par i coloni zera ‘na màchina grossa, sorda a ogni pietà. Sota el sol che spacava la tera come pele seca, i piantava cafè fin che i diti i se induriva come radisa. Quando el vento no spirava, el calor vegniva su da tera come ‘na muràia invisìbile. E quando spirava, el portava zanzare, che i spetava tra i canavéi — ‘na cortina verde ndove l’ària zera stròsa e la pele zera sempre rossa. El tàio de la cana zera un laor da ciechi, con el sudor che scolava mescolà con el sangue, e la pena zera pì constante che l’ombra.

El ciamava quel sistema “colonato”, come se el nome bastasse par darghe un senso de libartà e contrato giusto. Ma Gabriele, atento, lùcido come ´ntel fondago del vapor, el gà capì sùito la verità: zera solo ‘na cornice nova par ‘na tela vècia. Un sistema travestì, adomesticà da le parole, ma che respirava ancora con la boca de la servitù.

No ghe zera catene, ma ghe zera dèbiti. No ghe zera senzale, ma ghe zera paura. E el tempo, che dovea portar progresso, lì lo rifasea solo con altre bandiere.

El pagamento vegniva in boni che se podea spender solo ´ntel spàssio de la fazenda — ndove tuto custava el dòpio. El magnar? Riso sensa gusto, polenta mole, e zorni sensa pan. E ancòi, Gabriele ringraziava. Zera mèio che morir de fredo a Modena.

Quel che no contava ai putei zera che tanti òmeni scampava de note, con la febre, pien de morse de bèstie che el no gavea mai visto. Altri, i moriva. E i morti no tornava mia in Itàlia — tornava solo i so nomi.

Capìtolo Terzo — Parole che Traversea l’Osseano

El 14 de febraro, sentà al’ombra de un capanon, Gabriele el scrivè a so amigo Carlo, che zera ancora in Itàlia. El ga scrito parole con el peso che le meritava. No le fasea bela. El ga contà la pena de chi che rivava, la crudeltà dei alogi, la fame che scavava i visi.

Ma el ga contà anca ‘na picinina vitòria: lù e i Pedersoli gavea laoro. Guadagni bassi, sì — ma veri. E el prometè de mandarghe schei a la mama, anca se solo pochi milréis, par far capir che el gera ancora vivo.

No el ga contà bale. Ma no el ga contà gnanca tuto.

El tegnìa in silénsio el pianser de Donata quando i ga sepeli un visin italian in un cimitero poareto. El ga tacà el timor che i fiòi i cressesse parlando brasilian e la Italia restasse solo ‘na memòria. Parché un omo el se difende no solo con i mùscoli, ma anca con el silénsio.

Capìtolo Quarto — El Tempo che Pianta le So Piantine

I ani i passava come i treni che traversava le campagne paoliste: veloci par chi i varda da lontan, ma lenti e duri par chi el ze drento, sentando ogni sossol.

In tel 1894, Gabriele e Donata i gavea conquistà in ‘na citadina che nasseva da banda de la fazenda, quel che prima pareva un sònio lontan: sinque alquere de tera pròpria, pagà a rate, segnà con steche piantà con forsa ´ntel suolo rosso. Lì, ndove el bosco odorava ancora de abandono, i ga taià radisa con le man, butà zo àlbari con la manara e la testardessa, e falo nàsser i primi pianti de mango, naransa e verdure.

No zera ‘na proprietà, zera un pato. Ogni solco costava un zorno de mal de schena; ogni pianta, ‘na sfida a la seca, ai inseti o ai pressi del marcà. Ma la zera soa. Par la prima volta, la tera soto i piè no la rispondea a el comando de nissun altro. E in quela conquista muta — sensa ini ne anca bandiere — ghe zera pì dignità che in tute le medàlie del mondo.

Luisa la se ga sposà con un altro fiol de emigranti, un certo Vittorio Bianchi. Pietro volèa studià, sognava de farse mèdico — o giornalista ma, mancava i soldi.

La lètara de Gabriele la restò drento ‘na cassa de legno. Ma la so stòria la continuò. Noel ze mai tornà in Itàlia. No el ga mai bevù quel spumante che i gavea promesso. Ma de sera, con el caldo, el se sentava in veranda a vardar le stele, e el diseva:

“Là, da l’altra banda, ghe ze Modena. Ma qua… qua la ze ndove mi go piantà la mia vita.”


Nota de l’Autor

Sto libro "La Promessa de ‘na Tera Nova" el ze nassesto da la voia de dar vose a chi che quasi mai se conta tra le pàgine de la Stòria. Òmeni e done che i ga traversà un ocean con pì paura che certeze, pì fame che robe, e che, anca cusì, i ga avù el coraio de creder che ´ntel mondo ghe zera un posto ndove i so fiòi i podèa crèsser lìbari — anca se lori, forse, no sarìa mia stà davero lìbari.

Par ogni parola scrita, mi go provà de ricordarme che i nùmari fredi dei registri de l’emigrassion i scondea stòrie calde de carne, sudor e pérdita. Le statìstighe no sente mia la fame. No le tremola ´ntel fondago de un vapor. No le sepolta i fiòi ´ntela foresta calda del Brasil. Ma chi che la ga vivesto ‘sta traversia, la ga sentì tuto — e la ga lassà, anca sensa voler, ‘na trassia invisìbile ´ntel paese che el ga aiutà a costruì

Sto libro no el ze mia ‘na biografia precisa, gnanca ‘n tratato stòrico. Lu el ze un tentativo de scoltar el silénsio de le generassion che le ga rivà prima de noialtri. De vardar, tra le rughe dei visi desmentegà, la coraio testarda de chi che la ga costruì case dove prima ghe zera solo boschi, cesete ndove prima ghe zera paura, e scole ndove prima ghe se sentiva solo el colpo de la manara.

Se in qualche momento ti, letor, te senti el odor del cafè novo adesso colto, te senti el scrichiolar de un careto de bo, o te senti un nodo in gola pensando a quel che i ga lassà indrio… alora ‘sta stòria — che la ze inventà, sì, ma anca memòria — la ga fato el so dover.

Con gratitùdine e rispeto,

Dr. Luiz C. B. Piazzetta