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quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Sob o Céu do Utopia – A Travessia da Esperança

 


Sob o Céu do Utopia 

A Travessia da Esperança


Era o ano de 1886, muitos italianos estavam deixando a sua terra natal em busca de uma vida melhor no Brasil. Entre eles, estavam os seis membros da família Rossi, o casal e quatro filhos menores de idade, que embarcaram no navio Utopia rumo ao novo mundo. A viagem prometia ser longa e desafiadora, mas eles estavam determinados a chegar ao seu destino.
Na pequena vila onde viviam, os Rossi se despediram dos amigos e parentes com lágrimas nos olhos, mas com a esperança de um futuro melhor. O Utopia partiu do porto de Gênova, na Itália, em uma manhã ensolarada, porém com muito frio, característica do começo do inverno. Durante os primeiros dias de viagem, tudo correu bem. O navio fez uma parada programada no porto de Nápoles, onde subiram à bordo mais algumas centenas de imigrantes provenientes do sul da Itália. Os passageiros à bordo eram todos imigrantes italianos, e se acostumaram com a dura rotina do navio. A bordo se ouvia a algazarra provocada pelas dezenas de dialetos dos passageiros, muitos deles incompreensíveis entre si, como se fossem falados por pessoas de um outro país.
Quando atingiram a linha do Equador, a calmaria da viagem logo seria interrompida por uma tempestade terrível. Os ventos aumentaram e as ondas ficaram mais altas, balançando violentamente o antigo navio. Os Rossi se agarraram aos corrimãos e aos móveis para não cairem no chão. O barulho dos trovões era ensurdecedor e o mar parecia querer engolir o navio com volumosas ondas que despejavam toneladas de água no convés.
A tempestade durou mais do que um dia e os passageiros tiveram que se amarrar uns aos outros para não serem jogados para fora do navio. A comida ficou escassa pela dificuldade de se cozinhar e a água também começou a ser racionada. A esperança de sobreviver a essa tempestade parecia estar cada vez mais distante.
Mas, mesmo diante de todas as dificuldades, os imigrantes italianos mantiveram a esperança de chegar ao Brasil. Eles rezaram para os seus santos de devoção e pediram forças para suportar aquela tempestade. Em meio às orações e às lágrimas, a família Rossi se uniu aos demais passageiros em um coro de esperança e fé.
Finalmente, na parte da tarde do segundo dia a tempestade começou a diminuir e o sol aos poucos voltou a brilhar. Os passageiros puderam sair dos seus pavilhões e sentir o cheiro do mar. O navio Utopia havia sobrevivido à tempestade e a esperança voltou a se renovar nos corações dos imigrantes italianos.
Após alguns dias de calmaria, o navio Utopia finalmente avistou a costa brasileira. A emoção tomou conta de todos os passageiros, que aguardavam ansiosamente para desembarcar. Os Rossi avistaram a cidade do Rio de Janeiro ao longe e não puderam conter as lágrimas de felicidade.
Ao desembarcarem no porto do Rio de Janeiro, a família Rossi e os demais imigrantes italianos foram recebidos com muita alegria. Eles se abraçaram, cantaram e dançaram em agradecimento por terem sobrevivido à tempestade. As autoridades brasileiras os receberam com carinho e os encaminharam para os alojamentos, onde ficariam hospedados nas instalações da Hospedaria dos Imigrantes até serem encaminhados ao lugar de destino e se instalarem definitivamente no país. Depois de alguns dias continuaram a viagem, agora embarcados em um pequeno vapor costeiro que os levou até o porto de Santos. Desta cidade foram de trem até uma pequena cidade do interior de São Paulo, perto de onde onde uma irmã do Sr. Rossi estava vivendo já há alguns anos.
Os Rossi começaram a vida no Brasil com muita dificuldade, mas com muita determinação. Eles trabalharam duro para conseguir emprego e garantir o sustento da família. Aos poucos aprenderam a língua portuguesa e se adaptaram aos costumes do novo país. Mas a esperança de uma vida melhor sempre esteve presente em seus corações.
Com o tempo, quando também os filhos começaram a trabalhar, a família Rossi conseguiu comprar um pequeno sítio na zona rural e começaram a produzir alimentos para vender nas cidades vizinhas. O trabalho árduo era recompensado com o sorriso dos clientes satisfeitos e com o dinheiro que ajudava a sustentar a família.
Ao longo dos anos, os filhos cresceram e se tornaram brasileiros de coração. Eles aprenderam a valorizar a cultura e as tradições do Brasil, sem esquecerem as suas raízes italianas. Os Rossi nunca esqueceram a tempestade que enfrentaram no navio Utopia, mas também nunca esqueceram a esperança que os guiou até o novo mundo.
A história da família Rossi se tornou uma das muitas histórias de imigrantes que enfrentaram desafios para construir uma nova vida no Brasil. Eles ajudaram a construir o país com o seu trabalho e a sua determinação. Hoje, muitos brasileiros descendem de italianos que enfrentaram a tempestade no navio Utopia e que nunca perderam a esperança de uma vida melhor.

Nota do Autor

Esta história nasceu do desejo de dar voz a milhares de italianos anônimos que, entre o fim do século XIX e o início do XX, abandonaram sua terra natal movidos por uma fé inabalável no futuro. A família Rossi é uma representação simbólica dessas multidões de homens, mulheres e crianças que, apertados nos porões dos navios de emigrantes, cruzaram o Atlântico sonhando com um pedaço de chão onde pudessem recomeçar.

Utopia, nome real de um navio que transportou imigrantes italianos durante aquele período, tornou-se aqui um emblema do destino coletivo — um destino marcado por sofrimento, mas também por coragem e esperança. A travessia dos Rossi é, antes de tudo, um retrato da alma humana quando confrontada com o desconhecido: o medo, a fé e o instinto de sobrevivência se entrelaçam para dar sentido à jornada.

Em cada lágrima de despedida e em cada prece sussurrada no convés durante a tempestade, ecoa o mesmo sentimento que impulsionou a construção do Brasil moderno — um país erguido por mãos estrangeiras, mas aquecido por corações que aprenderam a amar esta nova pátria.

Escrever esta narrativa é, portanto, um ato de memória e de gratidão. É lembrar que, por trás de cada sobrenome italiano hoje misturado à língua portuguesa, há uma história de coragem que o mar não conseguiu apagar.

Autor:
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


segunda-feira, 7 de março de 2022

O Naufrágio do navio Utopia em 1891

 

Piroscafo Utopia


O navio a vapor Utopia foi um dos navios oceânicos pertencente a companhia de navegação britânica "Anchor Line". Tinha como  gêmeos o "Elysia" e o "Alsatia" ambos construídos em Glasgow, nos estaleiros da empresa "Robert Duncan & Co" no ano de 1874 e lançado ao mar em 14 de fevereiro do mesmo ano. Em condições normais, o Utopia transportava 120 passageiros de primeira classe, 60 passageiros de segunda classe e até 600 na terceira classe, esses todos emigrantes.

Partiu de Trieste com destino à Nova York, com escalas programadas nos portos de Nápoles e Gênova onde embarcavam outros emigrantes italianos e uma outra parada técnica em Gibraltar que servia para embarcar os últimos carregamentos de alimentos e carvão antes das empreender a travessia do oceano.

Nesta ocasião como em inúmeras outras vezes anteriores, o vapor "Utopia" havia saído do cais do porto de Trieste, na região do Friuli Venezia Giulia, em 25 de fevereiro de 1891 com destino aos Estados Unidos, destino muito cobiçado pela maioria dos emigrantes italianos naquele período.

Na tarde de 17 de março o navio avistou a Baía de Gibraltar que seria a última parada antes de enfrentarem a longa travessia do Oceano Atlântico. A navegação estava particularmente  muito difícil devido a uma violenta tempestade, cujos fortes ventos sacudiam o velho navio. Devido as condições de tempo desfavoráveis, o comandante decidiu mesmo assim seguir em direção ao porto para garantir um ancoradouro seguro para o navio.





Ao entrar na Baía de Gibraltar o comandante percebeu que havia vários navios de guerra britânicos ancorados no porto e o local, onde normalmente ele atracava o seu navio, estava ocupado por um desses vasos de guerra. Decidiu atravessar o braço de mar em frente aos dois navios da Marinha Real mas, justamente, naquele momento, segundo informou o comandante para a comissão de inquérito, ele ficou deslumbrado com o farol do encouraçado "Anson" que esquadrinhava o porto de Gibraltar durante a tempestade.

Este contratempo não lhe permitiu calcular a distância exata entre a "Utopia" e o navio de guerra. Acreditando que era maior que o real, continuou com a manobra mas, devido ao vendaval e à força da correnteza, o vapor desviou em direção à proa do navio de guerra terminando em se chocar contra uma estrutura submersa  do mesmo. 

De acordo com declarações de outros oficiais do Utopia o abalroamento ocorreu às 18h36. Imediatamente um grande vazamento ocorreu e a água começou a entrar nos porões. O comandante pensou em fazer o navio encalhar, mas, enquanto isso os foguistas desligaram as caldeiras para evitar que explodissem assim que fossem atingidos pela água do mar. 

Incapaz de manobrar deu a ordem de baixar os botes salva-vidas, mas, a inclinação do casco, para estibordo de cerca de 70 graus, nem sequer permitiu esta manobra e os passageiros tinham apenas que confiar no destino e nos seus próprios meios para escaparem. O Utopia afundou rapidamente, em menos de vinte minutos, atingindo o fundo arenoso da Baía de Gibraltar e levando com ele centenas de passageiros.

No naufrágio, 562 emigrantes e tripulantes perderam a vida. Os poucos que foram salvos tiveram sucesso porque se agarraram aos mastros do vapor, ficando assim fora da água, ou. então, porque foram resgatados pelos marinheiros dos navios de guerra ancorados no porto que rapidamente colocaram seus botes salva-vidas no mar.

A contabilidade da tragédia relata que 318 pessoas se salvaram do naufrágio. Entre eles estavam 290 emigrantes de terceira classe, dois passageiros de primeira classe e vinte e seis tripulantes. Todos os outros seguiram o destino do navio. Centenas de passageiros morreram presos no porão do Utopia.

O comandante foi preso pelas autoridades portuárias de Gibraltar, mas, imediatamente libertado após o pagamento de uma fiança de 480 libras. Em 23 de março, o Tribunal Marítimo reuniu-se pela primeira vez para ouvir as testemunhas e avaliar o grau de  culpabilidade da tripulação. Em 24 de março, o tribunal emitiu o veredicto: o comandante McKeague foi considerado "responsável por um grave erro de julgamento no qual seu navio veio a afundar com a perda de vidas humanas". Segundo o tribunal, o comandante do "Utopia" não avaliou adequadamente a presença de outros navios no porto e ordenou uma manobra incorreta.

A questão da indenização se arrastou por meses, inclusive com confrontos judiciais muito violentos. As dificuldades também repercutiram na esfera política, levando os dois países, o Reino da Itália e o Império Britânico, a um passo da ruptura diplomática.

Poucos meses após o naufrágio, o casco do navio afundado foi recuperado pela empresa "Anchor Line" e rebocado para a Escócia, sendo definitivamente desativado.