segunda-feira, 20 de outubro de 2025

O Risorgimento: como nasceu a Itália moderna e o que isso tem a ver com o êxodo dos nossos nonos

 


O Risorgimento: como nasceu a Itália moderna e o que isso tem a ver com o êxodo dos nossos nonos

Entre 1815 e 1870, a península italiana viveu uma das transformações mais profundas de sua história: o Risorgimento — o movimento político, social e cultural que unificou a Itália após séculos de fragmentação e dominação estrangeira. Foi um processo marcado por guerras, ideais, diplomacia e contradições que, ao mesmo tempo que criaram um novo Estado, também lançaram as bases para a grande emigração italiana, que levaria milhões de pessoas ao Brasil, à Argentina e a tantos outros destinos.


A Itália antes da unificação

Após a derrota de Napoleão e o Congresso de Viena (1815), a península foi repartida entre potências estrangeiras e famílias dinásticas. O norte estava sob o domínio austríaco; o centro, sob o poder do Papa; e o sul, controlado pelos Bourbons no Reino das Duas Sicílias. O único território independente era o Reino da Sardenha-Piemonte, governado pela dinastia dos Saboia — e seria a partir dele que nasceria a Itália moderna.


Ideias de liberdade e os primeiros levantes

Inspirados pela Revolução Francesa e pelos ideais de independência, surgiram as sociedades secretas, como os Carbonari, que organizaram revoltas entre 1820 e 1848. Nenhuma teve sucesso, mas plantaram a semente da unidade.

O patriota Giuseppe Mazzini, criador do movimento Giovine Italia (Jovem Itália), sonhava com uma república democrática e popular. Embora derrotado, Mazzini transformou o ideal da unificação em um projeto moral e nacional, que inspirou milhares de jovens em toda a península.


Cavour e a diplomacia do Piemonte

Enquanto Mazzini pregava a revolução, Camillo Benso, conde de Cavour, primeiro-ministro do Piemonte, optou pela diplomacia e pela modernização. Liberal e pragmático, acreditava que apenas uma monarquia constitucional fortepoderia unificar a Itália.

Cavour fortaleceu o exército, investiu em ferrovias e firmou uma aliança secreta com Napoleão III, imperador da França, para combater a Áustria. A vitória franco-piemontesa na Segunda Guerra da Independência (1859) garantiu a anexação da Lombardia e abriu caminho para novas adesões.


Garibaldi e a Expedição dos Mil

Em 1860, o carismático general Giuseppe Garibaldi liderou a famosa Expedição dos Mil (I Mille), partindo de Gênova rumo à Sicília. Em poucos meses, conquistou o Reino das Duas Sicílias e entregou suas vitórias ao rei Vítor Emanuel II, em nome da unificação.

Em 17 de março de 1861, nascia oficialmente o Reino da Itália, com capital em Turim. Era o triunfo da Casa de Saboia e o início de uma nova era.


Roma, Veneza e o fim da fragmentação

A unificação prosseguiu. Em 1866, durante a guerra austro-prussiana, o Vêneto foi incorporado ao Reino da Itália. Quatro anos depois, com a retirada das tropas francesas que protegiam o papa Pio IX, as forças italianas entraram em Roma, encerrando o poder temporal do papado.

Em 20 de setembro de 1870, Roma foi proclamada capital da Itália, completando a unificação territorial.


Um país unido, mas desigual

A Itália unificada nasceu com enormes desafios. O novo Estado era centralizado, burocrático e dominado pela elite do norte, deixando o sul agrário em situação de miséria e abandono.

“questão meridional” (questione meridionale) tornou-se a grande ferida do país. Revoltas camponesas, como o brigantaggio, foram duramente reprimidas. Para muitos italianos pobres, a “nova Itália” parecia mais distante do que nunca.


Epílogo: do sonho da unificação ao sonho da emigração

A unificação trouxe liberdade política, mas não justiça social. O aumento de impostos, o serviço militar obrigatório e a falta de trabalho empurraram milhões de italianos para fora de sua terra natal.

Entre 1870 e 1915, cerca de 14 milhões de italianos emigraram, sobretudo para as Américas, incluindo Brasil, Argentina e Estados Unidos. O Risorgimento, que havia prometido um renascimento nacional, acabou sendo também o ponto de partida do grande êxodo italiano — aquele que levaria os nossos nonos a cruzar o oceano em busca de um futuro digno.

Como observou o estadista Massimo D’Azeglio:

“Fizemos a Itália; agora precisamos fazer os italianos.”



Sob o Peso do Destino

 


Sob o Peso do Destino

Da aldeia perdida ao reencontro em Nova Iorque

Maria Granelli atravessara o Atlântico em 1893, antes do marido, deixando para trás a aldeia, a filha pequena nos braços da avó e a promessa de que o sacrifício abriria caminho para um futuro menos cruel. O primeiro ano na América devorou-lhe a juventude com a voracidade das fábricas, os turnos intermináveis, a fome e a solidão. Enviava cartas cheias de súplicas, mas também de determinação, pedindo a Gabriele Scarsse que viesse depressa, porque a vida sozinha no Novo Mundo era como uma casa erguida sem alicerces.

Os meses transformaram-se em estações, e Maria viu o inverno recobrir Nova Iorque com sua neve silenciosa, enquanto o frio entrava pelas frestas do quarto alugado. Não havia lenha suficiente, não havia calor humano, apenas o peso de cada jornada que terminava exaurida. Ainda assim, resistia. Cada dólar guardado representava um passo a mais na construção do futuro. O trabalho recomeçava sempre, fosse na oficina abafada de costura ou em pequenos serviços que lhe rendiam centavos, mas Maria suportava porque o imaginava ao lado dela, em breve, compartilhando aquele fardo.

O segundo ano trouxe-lhe uma maturidade áspera. Já não era a mesma jovem que deixara a Itália com olhos cheios de medo e esperança. Tornara-se dura, desconfiada, capaz de enfrentar os insultos nas ruas, os olhares de desprezo dos nativos e a exploração dos patrões. Aprendera a negociar, a economizar, a sobreviver com pouco. No silêncio da noite, porém, quando os sons da cidade se apagavam, ainda chorava baixinho, perguntando-se se o marido teria coragem de partir, se o oceano os manteria separados para sempre.

E então, numa manhã enevoada de 1895, Maria caminhou até o porto com o coração em disparada. Entre malas de madeira, vozes entrelaçadas em dezenas de línguas e o ruído metálico das correntes, seus olhos buscaram ansiosos. O instante do reencontro não veio como surpresa, mas como a materialização de uma espera longa e sofrida. Gabriele Scarsse surgiu diante dela magro, os traços endurecidos pela viagem, trazendo nos olhos a marca da mesma aldeia que haviam deixado para trás. Não houve palavras que pudessem traduzir aqueles dois anos de solidão. A presença dele bastava.

A vida a dois, porém, não ofereceu descanso. Nova Iorque continuava áspera, e a cidade parecia testar cada passo dos que ousavam chamá-la de lar. Gabriele buscou trabalho nas construções, carregando pedras e levantando paredes de tijolo sob o sol ou a neve. O salário era pouco, a fadiga imensa, mas agora havia dois a dividir o fardo. Maria continuou nas fábricas, suas mãos calejadas bordando não apenas tecidos, mas também o destino da família.

Com o reencontro veio também a possibilidade de planejar além da sobrevivência. Alugaram um quarto maior, menos sufocante, ainda que distante do centro. Guardavam moedas numa caixa escondida, sonhando com o dia em que poderiam trazer a filha e a velha mãe. Cada centavo poupado representava não apenas dinheiro, mas também a promessa de reunir os fragmentos dispersos da família.

O amor de Maria e Gabriele não era feito de ternura explícita, mas de resistência partilhada. Ele levantava-se antes do amanhecer para enfrentar os andaimes perigosos das obras, enquanto ela suportava o calor sufocante das oficinas. Encontravam-se à noite, exaustos, mas havia sempre uma chama que os mantinha eretos: a certeza de que haviam vencido a distância, de que estavam juntos novamente, e de que o oceano não fora capaz de apagá-los.

Dois anos de solidão haviam transformado Maria numa mulher de ferro. A chegada de Gabriele devolvera-lhe parte da esperança, mas também lhe mostrara que nada seria fácil. O Novo Mundo não era terra de milagres, e sim de batalhas diárias. Ainda assim, ao lado dele, o peso parecia menos cruel. As noites de silêncio já não eram vazias, os dias de luta já não eram solitários.

Maria, que um dia partira sozinha carregando apenas coragem, agora caminhava ao lado do marido. A vida não lhe oferecera promessas cumpridas, mas dera-lhe a prova de que a resistência pode ser mais poderosa do que o desespero. Sob o céu pesado de Nova Iorque, entre fumaça de fábricas e o ruído incessante das ruas, erguia-se uma história que começara no abandono, atravessara o oceano e encontrara, enfim, o reencontro que tornava suportável continuar.

Nota do Autor

Esta narrativa aqui resumida, faz parte de uma obra maior que nasceu de uma carta real, escrita em 1893 por uma mulher que atravessou o oceano sozinha, deixando para trás marido, filha e a segurança frágil de sua aldeia. Nela, descobri não apenas a saudade, mas sobretudo a coragem — a rara ousadia de quem partia antes de todos, enfrentando o desconhecido sem amparo, apenas guiada pela necessidade e pela fé em um amanhã possível.

Decidi escrever esta história porque muitas vezes a grande emigração italiana é contada pela voz dos homens: são eles que aparecem nas fotografias, que assinam contratos, que registram nomes nos livros de bordo. Mas por trás desse movimento épico estavam as mulheres, invisíveis e determinantes, sustentando o peso da ausência, abrindo caminhos para que suas famílias sobrevivessem. Maria, ainda que seu nome aqui seja reinventado, representa tantas outras que, como ela, se fizeram pioneiras num mundo que não lhes concedia protagonismo.

Transformar a carta em romance foi minha forma de dar voz a essa personagem silenciada. Ao imaginar seus passos em Nova Iorque, seu trabalho nas fábricas, sua luta contra a solidão e a espera angustiante pelo reencontro, procurei recriar não apenas uma vida, mas também o espírito de uma época: a dureza da partida, o choque com o Novo Mundo, a persistência necessária para não sucumbir.

Escrevi porque acredito que histórias como a dela não pertencem apenas ao passado, mas também a todos nós, descendentes de imigrantes que herdamos essa coragem em silêncio. Ao recordá-la, talvez possamos compreender melhor de onde viemos e por que seguimos em frente, mesmo quando o caminho parece impossível.

Dr. Piazzetta