quarta-feira, 15 de outubro de 2025


A Promessa de um Novo Horizonte

A Saga de Pietro Galvani em Terras Gaúchas

Na quase esquecida fração de Alberoro, no pequeno município de Monte San Savino, com somente uma dúzia de construções em pedra, nas planícies onduladas da Toscana, em 1884, a conversa sobre a "Merica” dominava as praças e os encontros em família. Pietro Galvani, um homem de 36 anos, ouvia atento as histórias contadas após a missa dominical na pracinha da localidade por algum vizinho que havia recebido cartas da Argentina ou do Brasil. Diziam que essas terras eram um paraíso onde o ouro fluía nas águas dos rios e as plantações cresciam sozinhas sob um sol generoso.

Piero era um agricultor modesto, casado com Francesca De Martino, uma mulher decidida e resiliente. Eles tinham quatro filhos: Emilio, de 12 anos, que já ajudava o pai no campo; Giulia, de 10, sonhadora e talentosa com agulhas e linhas; Antonio, de 7, sempre curioso e questionador; e o pequeno Luca, de apenas 2 anos. A vida na Toscana era muito dura naqueles anos. As terras estavam exauridas, os impostos eram sufocantes e os Galvani mal conseguiam alimentar a família. Quando o tio de Pietro, Domenico Galvani, escreveu do Brasil falando sobre a abundância de terras férteis e os salários pagos em ouro, Pietro e Francesca começaram a considerar o impensável: também emigrar, seguindo aquela corrente que desde 1875 engrossava a cada ano, de milhares de compatriotas que descontentes deixavam tudo em busca de uma nova vida do outro lado do oceano. 

Francesca hesitava. Deixar a Itália era abandonar o que restava de sua identidade, sua língua, suas tradições. Mas Pietro sabia que não tinham outra escolha. Em uma noite fria de final de novembro, com o vento uivando pelas frestas da janela, ele disse:

— Francesca, é agora ou nunca. Se ficarmos, não teremos futuro. Se formos, podemos dar às crianças uma vida que nunca sonharíamos aqui.

Com lágrimas nos olhos, Francesca concordou. Venderam tudo o que possuíam: os móveis, a mula, até mesmo os utensílios de cozinha. Em março de 1885, embarcaram no porto de Genova no navio a vapor Príncipe de Asturias, rumo ao Brasil.

A viagem foi uma provação. Por 33 dias, enfrentaram tempestades, enjôos e a monotonia do oceano. Luca, o mais jovem, contraiu uma febre durante o trajeto, e Francesca passava noites em claro cuidando dele. Apesar das dificuldades, Pietro mantinha a esperança viva, reunindo os filhos todas as noites para contar histórias sobre as terras que os aguardavam.

Chegaram ao porto de Santos em um dia chuvoso. A visão do cais, com suas multidões de imigrantes, trabalhadores e mercadores, foi ao mesmo tempo assustadora e emocionante. Após alguns dias de espera, foram transferidos para o sul, chegando ao Rio Grande em um outro navio menor, apertado, ao lado de outras famílias italianas. Finalmente, desembarcaram no Porto de Rio Grande, no dia 13 de maio de 1888, o mesmo dia em que a escravidão foi abolida no Brasil.

Os Galvani foram enviados para uma colônia em uma região de mata densa chamada Colonia Dona Isabel. Cada família adquiriu do governo em incontáveis prestações, um grande pedaço de terra coberto por árvores altas e cipós, e a primeira tarefa era desbravar a floresta. Pietro e Emilio trabalhavam incansavelmente, derrubando árvores e preparando o solo para plantar milho, trigo e feijão em pequenos espaços abertos na mata enquanto Francesca cuidava das crianças e sempre achava tempo de dar uma mão ao marido no trabalho duro da roça.

As noites eram longas e difíceis. Giulia, que sentia muita falta da avó e dos primos, chorava baixinho para não preocupar os pais. Antonio fazia perguntas intermináveis sobre os animais da floresta e sobre os diversos sons que ouvia à noite. E Francesca, apesar de sua resistência, às vezes murmurava em voz baixa:

— "Se eu encontrasse Cristóvão Colombo, eu o faria pagar por ter descoberto esse lugar".

Depois de alguns anos de luta constante, a família começou a ver os frutos de seu trabalho. A primeira colheita foi modesta, mas suficiente para sobreviver. Piero construiu uma pequena adega onde fermentava vinho com as primeiras uvas que plantaram. O vinho logo se tornou conhecido entre os colonos, e os Galvani ganharam um pouco de crédito com os comerciantes locais.

Em 1892, Emilio, agora com 19 anos, casou-se com Teresa Benvenuto, uma jovem da colônia vizinha de Caxias. Juntos, começaram a expandir os vinhedos da família, plantando novas variedades de uvas trazidas da Itália. Antonio, sempre curioso, tornou-se um talentoso carpinteiro, fabricando móveis que eram vendidos em Porto Alegre. Giulia, com seu talento, começou a ensinar outras jovens da colônia, enquanto Luca, o caçula, se tornou o contador da família.

Pietro faleceu em 1912, aos 63 anos, deixando um legado de perseverança e coragem. Francesca viveu até 1925, cercada pelos netos que a ouviam contar histórias da Itália e da travessia que mudou o destino da família. A colonia prosperou rapidamente, tornando-se o município de Bento Gonçalves, e a cantina dos Galvani é hoje uma das mais renomadas da região.

Os descendentes de Pietro e Francesca continuam a celebrar as tradições italianas, lembrando-se dos sacrifícios de seus antepassados e da coragem que os trouxe a esta nova terra.

Nota do Autor

Os personagens e nomes apresentados nesta narrativa são fictícios, mas a história é real. Ela nasceu a partir de uma carta familiar autêntica, escrita no final do século XIX, que chegou às minhas mãos durante uma pesquisa em um acervo museológico no Rio Grande do Sul — um lugar de memória onde se preservam cartas, diários, mensagens e objetos pessoais dos pioneiros imigrantes italianos que ajudaram a construir o sul do Brasil.

Ao decifrar a caligrafia desbotada e as palavras marcadas pela saudade e pela esperança, foi possível entrever o drama humano que se escondia nas entrelinhas: o medo da travessia, o choque com o desconhecido e a obstinada fé no trabalho como caminho para a dignidade. A carta original não mencionava apenas fatos, mas sentimentos — o desespero de deixar a pátria, a ternura pelos filhos, a coragem silenciosa das mulheres e a esperança renascida a cada amanhecer na nova terra.

Os nomes foram alterados para preservar a privacidade dos descendentes e para permitir liberdade literária na reconstrução dos eventos. No entanto, cada gesto, cada dor e cada conquista descritos nesta história pertencem verdadeiramente aos homens e mulheres que, com as próprias mãos, transformaram a mata bruta em vinhedos e vilas — e que, sem saber, escreveram um dos capítulos mais comoventes da saga da imigração italiana no Brasil.

Esta narrativa é, portanto, uma homenagem a eles: aos Galvani de todos os sobrenomes, cujas vozes ecoam ainda hoje entre os vales, nos sotaques mistos, nas celebrações familiares e no vinho que perpetua a memória dos que ousaram sonhar com um novo horizonte.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta




El Destin de Matteo Zanforlin


 

El Destin de Matteo Zanforlin

Da la pìcola vila de Arsego a la piantassion de cafè ´ntela "Fazenda Encruzilhada"


Inte l’inverno del 1889, Matteo Zanforlin el ga lassà drio la pìcola località de Arsego, ´ntel comune de San Giorgio delle Pertiche, provìnsia de Pàdova. Védovo ancora zòvane, el portava con sé la fiola Giuseppina, de solo diese ani, e partia insieme a qualchi conterràneo — famèie del stesso Véneto che, come lu, no riusìa pì a vardar un futuro ´ntei campi àridi e zà esaurì de casa loro. La promessa de ‘na vita nova in Brasil rissonava tra le vilete del interior, con carteli e agenti che publicisava tera fèrtile e laoro a volontà.

El peso de la resolussion de partir el zera imenso. Matteo el gavea passà note in bianco, diviso tra l’amor par le radise e la speransa de un ricominsiar. Inte la piassa de la vila, el ga vardà par l’ùltima volta el campanel de la cesa de Arsego che se risava contro el cielo sénere del inverno. Quel suon dei pìcoli campanéi, tanto fameiar, adesso rissonava come un adio solene. Salì su la carossa che lo portava fin a la stassion del treno, el ga sentì de tirar fora ´ntel solo i ricordi de la zoventù, ma sècoli de vita radicà ´nte sta tera.

El viaio par l’ossean el zera longo e tormentoso. La traversia ´nte la tersa classe el zera smorso e scuro, en un vapor pien de gente, parea no finir mai. El moto contìnuo de le onde se mescolava con el pianto dei bambini, con el ripetitivo suonar de le preghiere e con i gémiti dei malà. L’odor de mofo, de sudor dei corpi no ben lavà, de gómito e altri scrementi umani impregnava l’ària. ´Nte ogni fàssia segnà dal desespero, Matteo el riconosceva el riflesso de la pròpria duda: gavea fato ben a partir? El mar, con la so vastità scura, pareva sfotar la fràgile speransa che i spingeva verso l’altra riva del ossean. Epure, la fede in qualcosa de mèio sosteneva ogni respiro e ogni nota de vèglia.

Dopo setimane interminàbili, l’Amèrica finalmente se presentava davanti a lori, con le coste verdi e ‘na luse diversa da quela che i conossea in Véneto. El sbarco a Santos el zera segnà dal tumulto, da la freta dei impiegà e da la stranesa de la nova léngua che risuonava dapartuto. No ghe zera tempo de vardar el novo mondo; sùbito lori sono stà portà al treno che i dovea menar ´ntel interior de la provìnsia de São Paulo. A ogni chilómetro, le foreste se schiudeva, mostrando un panorama grandioso ma ostile, un mondo de colori forti e de suoni scognossù.

El destìn el zera ‘na grande fasenda de cafè ciamà Encruzilhada, visin a la Stassion Gabiroba — una zona che dopo saria parte del comune de Araras. Se credeva che lì se podesse ciapar i fruti de ‘na vita pì pròspera, con poco sforso e abondansa garantì. Ma la realtà che i ga trovà la zera ben diversa da la promessa.

El laoro duro scominciava anca prima del sorger del sol, segnà dal penetrante suonar de un campanil int la sede de la fasenda. Òmini, done e fiòi i ´ndava a la piantassion de cafè, e soto el calor brusante passava el zorno a netar la tera tra i filari de le piante de cafè, altre volte a la racolta, ciapando i grani rossi che, a sera, pareva se moltiplicava tra le man zà ferì. El rìtmo zera fatigante e el corpo presto sedea a la stranchesa. I piè se gonfiava, le gambe dolea e le cignei no regeva pì el lavoro de ogni zorno. Tanti compagni de Matteo cascava malà, vìtime de la fadiga, de le febri tropicai e de la mancansa de dotor o de remedi.

El magnar zera poco e de bassa qualità, servendo pì par tegner el corpo in pié che par darghe forsa. I emigranti, che i zera stà atrati da la promessa de abondansa, se stupiva al vardar che, in ‘sta tera de foreste lussurante e tera fèrtile, el magnar no gavea la sostansa che i conossèa in Itàlia. La carne zera rara e, quando compariva, la zera dura e mal conservà. El pan scuro, fato de freta in forni improvisà, se sbriciolava tra le man e parea pì segatura che magnar. Quase sempre i piati se resumia a fasòi bagnà e a ‘na farina grossa che no sassiava, ma pesava ´nte el stómaco come ‘na piera.

Matteo el sentia la mancansa del vin rosso che scaldava le note frede in Arsego e de la polenta dorà che se alsava fumante in tola ´ntela vila. Quei poveri sapori portava ricordi de condivisione, de feste del paese, de racolti un tempo lontan bondanti e de la sensassion de apartenensa. ´Nte la Encruzilhada, a ogni pasto insìpido, la nostalgia se transformava in dolore. No zera solo el corpo che declinava; zera anche el spìrito, privà de ciò che dava senso a la vita contadin.

La situassion se agravava par colpa del ambiente. Le famèie zera messe in lunghi baraconi de legno scuro, vècie costrussion che, poco tempo prima, le zera servì come abitassion ai schiavi neri. La loro liberassion la zera ancora da poco tempo, e l’ombra de quel passà impregnava l’ària. Le pareti rùstegue tegnia un silénsio pesà, come se portasse i lamenti de chi zera stà imprigionà. Adesso, ospitava òmini e done lìbari, ma no ghe zera dignità in quele case coletive, ndove ogni famèia ricevea solo un spàssio streto, diviso da tavole fràgili che poco protegea da la umidità o dai sguardi ei visin.

I fatori, abituà tuta la vita a tratar con i schiavi, no savea come comportarse con i laoratori lìbari. Par lori, el cámbio zera solo de nome: no potea pì usar la scùria, ma mantegnea la stessa rigidità implacàbile. El tono de vose zera autoritàrio, i gesti sechi, i oci sempre vìgili. La dissiplina la zera imposta con urli e umiliassion, e ogni segno de strachessa o ribelion zera visto come insubordinassion. No ghe zera comprenssion par la fadiga dei novi arivà, né spasio par diàlogo o negosiassion.

Sta mancansa de capassità a tratar con i òmini no pì proprietà ma coloni salarià creva tension ogni zorno. El colonato, vendù come contrato giusto, in pràtica se rivelava ‘na tràpola: laoro ecessivo, pagamento incerto, dèbiti imposti da le stesse spese in negòssio de la fazenda. Matteo el capiva che, ´ntel fondo, zera ancora prigionero de un sistema che se nutriva de la stranchesa de i coloni. Solo el linguagio el zera cambià; l’opression la zera sempre la stessa.

E quande la note calava su la fazenda, el silénsio dei baracon zera spacà solo dai mormori de preghiere e dal pianto contenù de le done e dei bambin. Matteo, steso su un leto duro e streto, vardava la fiola Giuseppina dormente e se domandava se el futuro che lu el ga sognà par lei no zera sepolto lì, soto el peso de sta nova schiavitù mascherà.

Epure, zera un filo de speransa. La racolta del cafè, anca se dura, dava la possibilitá de ciapar qualche soldo. Se soniava de comprar un pìcolo peso de tera, ndove se podesse piantar par conto pròprio e scampar da la schiavitù mascherà che pesava su i coloni. Matteo el credea che, se resistea par alcuni ani, podesse dar a la fiola un futuro mèio de quel che l’Itàlia ghe gavea negà.

Le notisie tra i emigranti zera preocupantepe. Tanti che i ga sbarcà prima de lu ´nte altre zone già parlava de delusion e misèria. Epure, la vita ´nte la fazenda Encruzilhada continuava, segnà da zornate uguali, de sudor e silénsio, de nostalgia e resistensa. Tra i conterane partì da Arsego, alcuni cascava in disperassion, altri se rampegava a la fede. Matteo, par so conto, se sostenea con el ricordo de la tera natale e con il viso fràgile de Giuseppina, che zera diventà la sola rason par soportar el peso de sto destin.

Inte l’Amèrica che prometea richessa e fortuna, Matteo el trovava solo el peso del laoro duro, l’incertessa ogni zorno e la strachessa che el tempo parea no dissipar. Le promesse de abondansa se disfasea soto el sol crudele e tra le man calose, ma drento de lu restava ‘na obstinassion silensiosa, fata de radisi invisìbili e profonde. Ogni gran de cafè racolto, ogni gossa de sudor versà su tera straniera, zera par lu ‘na semensa de futuro — un investimento silensioso in zorni che forse no vardarà, ma che credea podesse dar a la fiola e a le generassion che vegnia.

I ani i ga passà, e el paesagio de la fazenda Encruzilhada se radicava ´nte la memòria tanto quanto i campi de frumento e de viti de Arsego. Le prime ore ndove se alsava prima del canto del galo, i baracon scuri che ospitava famèie intere, el sguardo severo dei fatori che no savea parlar la léngua de libartà — tuto questo se diventava el scenàrio permanente de la so vita. Ma Matteo no el ga mai lassà che la duresa el rovinasse del tuto. ´Nte el fondo, conservava el ricordo de la vila véneta come un faro lontan, un peso de tera che continuava a guidarlo anche a un ossean de distansa.

Zera in sto scontro tra memòria e realtá, tra sònio e sacrifìssio, che Matteo Zanforlin scrivea la so vita. No pì tra le piere consumà de le strete vie de Arsego, ndove generassion dei soi antenà i zera vissù, ma tra le vaste piantassion de cafè intorno a la Stassion Gabiroba, ndove el verde intenso de le piante nascondea la stòria de sudor e de làgreme. Lì, insieme a miliaia de altri emigranti, el trasformava el pròprio sofrir in eredità.

Sta eredità no la zera fata de richesse o tera conquistà, ma de qualcosa pì duraduro: el coraio de resistir, la perseveransa davanti al impossìbile e la speransa, sempre rinata, che el sacrifìssio de ‘na generassion se trasformarà in libartà e prosperità par le sucessive.

E cussì, al’incrussiada tra do mondi, Matteo Zanforlin el lassava segnà el testimónio de la so vita: che anca sul solo pì áspro se pol butar semense che fiorirà in futuro.

Nota del Autor

I nomi che qua i compare i ze stà curadamente cambià par preservar el anonimato dei personagi. Però, la stòria che el letor ga apena conossù la ze vera. La ze nassù da i parole segnà ´nte le carte dei emigranti e dai documenti ufissiai de le vècie fazenda de cafè, conservà con rigore e rispeto dal Museo de l’Emigrassion del Stado de São Paulo. I ze framenti de vita che ga passà pì de un sècolo e anca adesso risonano come testimonianse de coraio, sacrifìssio e speransa.

Sto raconto qua fa parte de ‘na òpera pì grande, che ga el stesso tìtolo, scrita con l’intenssion de dar vose a la epopea de la grande emigrassion italiana in Brasil. No se trata solo de ricordar un passà lontan, ma de iluminar el camino de miliaia de òmini, done e bambin che i ga cambià la pàtria conossù par la promessa incerta de un mondo novo. I ga rischià la pròpria esistensa sora el dolore de la separassion, la duresa del laoro e l’ostinassion de ofrir un futuro mèio ai propri dessendenti.

Contar ste stòrie vol dir no permeter che el silénsio canssele la memòria. Vol dir riconosser che, ´nte le fasenda de cafè del interior paulista, no se racolieva solo grani, ma se forgiava ‘na identità che gavaria segnalà par sempre el Brasil.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta