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quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Raízes que Cruzaram o Oceano: do Veneto ao Novo Mundo



Raízes que Cruzaram o Oceano 
do Veneto ao Novo Mundo

Na frazione de Miane, um pequeno agrupamento de casas incrustada nas colinas ondulantes do comune de Valdobbiadene, na província de Treviso, o final do século XIX marcou o fim de uma era e o início de mudanças irreversíveis. A paisagem bucólica, com suas vinhas enfileiradas e olivais centenários, escondia uma realidade dura e implacável. O Vêneto, assim como grande parte da Itália, vivia um período de profunda crise econômica e social.

As reformas implementadas pelo recém-unificado Reino da Itália haviam trazido um peso inesperado às comunidades rurais. As terras, que durante séculos haviam passado de geração em geração, tornaram-se cada vez mais fragmentadas devido às partilhas entre os herdeiros. O resultado era um mosaico de pequenos lotes insuficientes para sustentar uma família. As colheitas, outrora abundantes, já não conseguiam competir com os produtos mais baratos que chegavam de outras regiões e países, impulsionados pela crescente globalização do comércio agrícola.

Como se não bastasse, o novo governo italiano impôs uma carga tributária pesada, alegando a necessidade de financiar o desenvolvimento da jovem nação. Os agricultores, como os Casagrande, sentiam o impacto diretamente em seus bolsos, vendo a maior parte de seus magros rendimentos escoar em taxas e impostos. Ao mesmo tempo, os preços dos insumos agrícolas subiam, enquanto o valor dos produtos finais permanecia estagnado, esmagando ainda mais os pequenos produtores.

A família Casagrande era um exemplo típico dessa luta diária. Patriarca da família, Giovanni Casagrande era um homem de mãos calejadas e olhar resiliente, acostumado a enfrentar a terra dura e as intempéries para sustentar sua esposa Maria e seus três filhos. Maria, por sua vez, equilibrava o papel de mãe e trabalhadora, mantendo a casa em ordem enquanto ajudava no cultivo de trigo, sorgo e videiras. Apesar de todo o esforço, o retorno financeiro era cada vez mais insuficiente, e o futuro parecia sombrio.

Entre os moradores de Miane, crescia um sentimento de frustração e desolação. Reuniões na praça da igreja ou nas tavernas locais eram tomadas por discussões sobre a falta de perspectiva, a desigualdade e o êxodo de jovens em busca de trabalho nas cidades mais industrializadas. Mas não era apenas para as grandes cidades italianas que os olhares se voltavam. Sussurros de oportunidades além-mar começavam a ganhar força. Histórias de terras férteis e generosas no Brasil, ainda que muitas vezes exageradas ou romantizadas, plantavam sementes de esperança em corações desgastados pela miséria.

Foi nesse cenário de incertezas que os Casagrande, após muita reflexão e debate, chegaram à conclusão de que permanecer em Miane significaria um futuro de privações sem fim. Partir parecia a única alternativa, ainda que envolvesse o abandono de tudo o que conheciam – a casa onde nasceram, os campos que araram, e os parentes e amigos que ficariam para trás. A decisão, tão dura quanto inevitável, seria a que definiria os rumos da família e dos descendentes que viriam depois.

Pietro Casagrande, aos 35 anos, era um homem moldado pela terra áspera e generosa das colinas de Miane, onde nascera e passara toda a vida. Desde menino, seu aprendizado fora íntimo e constante, absorvendo os segredos da viticultura que seu pai lhe transmitira com paciência: o momento exato da poda, a escolha das mudas, o cuidado meticuloso com o solo para preservar sua fertilidade. Cada videira, cada cacho, carregava o peso de uma tradição secular que Pietro honrava com dedicação quase religiosa.

Mas o mundo à sua volta já não era o mesmo de outrora. A agricultura familiar, que sustentara gerações, agora se via esmagada por forças que escapavam ao controle dos pequenos produtores. O mercado do vinho, antes local e simples, tornara-se um terreno disputado por grandes negociantes e industriais que podiam ditar preços e impor condições desfavoráveis aos agricultores. Pietro via, com angústia, seus esforços esmorecerem diante da impossibilidade de competir com esses gigantes. A produção familiar mal cobria os custos, e a incerteza tornava-se companheira constante.

Ao seu lado, Anna representava a força silenciosa que sustentava a família. Mulher de fibra e praticidade, ela dividia seu tempo entre as tarefas domésticas e o cuidado incessante com os filhos pequenos — Luigi, que já tinha 10 anos e ajudava no campo sempre que possível; Teresa, de 7, que começava a entender as responsabilidades que a vida lhes impunha; e o bebê Marco, que mal engatinhava e trazia ao lar uma luz tênue de esperança. Anna sabia que a sobrevivência da família dependia não apenas do trabalho árduo de Pietro, mas também da organização e do equilíbrio que mantinha dentro de casa.

Juntos, enfrentavam dias marcados pelo suor e pela incerteza, mas também pela esperança teimosa de que um futuro melhor pudesse existir — seja nas vinhas que resistiam, seja além das colinas que já não pareciam promissoras como antes.

Os dias em Miane pareciam se arrastar sob um céu cinzento, onde o sol raramente conseguia aquecer o corpo cansado dos agricultores. O trabalho no campo consumia cada gota de energia, e as noites, em vez de trazerem descanso, eram marcadas por inquietação e sonhos perturbadores. A fome pairava como uma sombra silenciosa sobre a casa dos Casagrande, apertando o peito e corroendo as forças de todos. Os invernos, antes amenos e familiares, tornavam-se cada vez mais rigorosos, castigando as colinas com ventos cortantes e geadas que destruíam as últimas esperanças de uma colheita digna.

Em meio a esse cenário de desespero, começaram a se espalhar rumores vindos de além-mar. Um nome estranho e distante ganhava vida nas conversas sussurradas: Brasil. Palavras sobre um país gigantesco, onde as terras eram vastas, férteis e, sobretudo, oferecidas gratuitamente a quem estivesse disposto a arar o solo e construir uma nova vida. Essas histórias chegavam através de cartas, viajantes e alguns poucos imigrantes retornados, carregadas de promessas que pareciam quase inacreditáveis.

As notícias falavam de oportunidades reais, mas não escondiam os perigos. A travessia do oceano Atlântico era longa e traiçoeira, marcada por condições precárias a bordo dos navios, onde doenças como tifo, colera e sarampo ceifavam vidas. O medo do desconhecido e das dificuldades não era pequeno, mas, para aqueles que sofriam com a escassez e o desespero, essa promessa de um recomeço valia qualquer risco.

Assim, mesmo diante das dificuldades incontestáveis, a luz de esperança que essas histórias carregavam começava a iluminar os corações endurecidos pela luta diária. O Brasil, com suas terras generosas e futuro incerto, surgia como um farol distante, uma possibilidade de escapar das correntes que prendiam as famílias vênetas a uma vida de privações sem fim. Foi nesse momento que muitos, como os Casagrande, começaram a sonhar com uma vida além das colinas que haviam conhecido, dispostos a arriscar tudo para garantir um amanhã melhor para seus filhos.

Pietro e Anna enfrentaram uma angústia profunda diante da decisão que lhes pesava no coração. A ideia de abandonar a terra natal, com suas colinas verdes, os vinhedos que tinham cuidado por gerações, e o vilarejo onde cada pedra parecia conter memórias de antepassados, era uma dor quase insuportável. O Vêneto não era apenas um lugar no mapa; era a essência da sua identidade, o palco das alegrias e tristezas que moldaram suas vidas. Cada aroma do solo, cada som do vento entre as folhas, carregava um pedaço da história da família.

Porém, as condições se tornavam cada vez mais insustentáveis. O trabalho árduo, os sacrifícios diários e as esperanças cada vez mais tênues haviam mostrado que permanecer significava aceitar a pobreza, a fome e a insegurança perpetuamente. A perspectiva de um futuro onde os filhos sofreriam as mesmas privações que eles já enfrentavam não lhes dava paz.

Depois de longas noites em claro e conversas silenciosas, tomaram a decisão que, embora carregada de incertezas, representava uma faísca de esperança. Venderam tudo o que podiam: a única vaca da família, que lhes dava leite e ajudava nas tarefas do campo; a velha carroça de madeira, que carregava não apenas cargas, mas também histórias de muitos anos; e os poucos utensílios de valor que possuíam, acumulados com sacrifício e cuidado ao longo do tempo.

Com o dinheiro obtido, procuraram um agente de emigração que trabalhava para uma grande companhia de navegação sediada em Veneza. Esse homem, com sua pasta cheia de papéis e promessas, ofereceu-lhes passagens para o Brasil — um destino distante, quase mítico, mas que carregava a esperança de terras férteis e vida digna. Embora temerosos diante do desconhecido, Pietro e Anna inscreveram-se para a viagem, conscientes de que dali em diante nada seria como antes. O peso da despedida se misturava à promessa de um recomeço, enquanto o horizonte do velho mundo se fechava para dar lugar ao mistério e à oportunidade do novo.

A travessia foi uma prova de resistência física e emocional para Pietro, Anna e seus filhos. O navio, um antigo cargueiro adaptado às pressas para o transporte de imigrantes, estava longe de ser adequado para a viagem transatlântica. Projetado para levar mercadorias, agora transportava centenas de pessoas empilhadas em condições sub-humanas, abarrotando os porões e os estreitos compartimentos da terceira classe.

Os alojamentos, pouco mais que cubículos improvisados, eram escuros e abafados. Não havia ventilação adequada, e o ar rapidamente tornava-se pesado e insalubre, impregnado pelo odor de corpos exaustos, comida deteriorada e dejetos humanos. Não havia privacidade nem descanso, e a constante proximidade forçada criava tensões e atritos entre os passageiros.

A comida, racionada e muitas vezes estragada, era composta de pão duro, sopas ralas e, ocasionalmente, pedaços de carne que raramente estavam frescos. A água, armazenada em tonéis sujos, não era suficiente para todos, e muitos sofriam de sede. Crianças e idosos, mais frágeis, adoeciam rapidamente. Entre as doenças mais comuns estavam o tifo e o escorbuto, que se espalhavam como fogo em um campo seco.

Pietro passava noites em claro, ouvindo os gemidos dos doentes e tentando acalmar o choro de seus filhos. Luigi, o mais velho, suportava a situação com bravura, mas os olhos cansados de Teresa e o choro constante do pequeno Marco perfuravam o coração de Pietro como facas. Ele temia pelo bem-estar da família e rezava para que o navio alcançasse o destino antes que uma tragédia maior acontecesse.

Anna, apesar de debilitada, mostrava uma resiliência admirável. Ela se esforçava para manter a dignidade e o conforto dos filhos dentro do possível. Inventava histórias para distraí-los e, com mãos trêmulas, dividia as pequenas porções de comida, garantindo que cada um recebesse pelo menos um pouco. Mesmo quando sua própria saúde começava a vacilar, seu foco permanecia nas crianças.

O balanço constante do navio, agravado por tempestades que tornavam o mar traiçoeiro, fazia muitos sucumbirem ao enjoo. As ondas gigantes lançavam o cargueiro de um lado para outro, e, em noites mais severas, os passageiros agarravam-se ao que podiam, rezando para que o navio não fosse engolido pelas águas revoltas.

Apesar de tudo, a esperança teimava em resistir. Nos momentos mais sombrios, os imigrantes se uniam, compartilhando palavras de conforto, alimentos ou mesmo preces conjuntas. Pietro encontrava força ao olhar para Anna e os filhos, determinado a fazer com que aquele sacrifício não fosse em vão. A promessa de uma nova vida, ainda que distante, era a chama que os mantinha vivos em meio à escuridão e ao sofrimento.

Após semanas intermináveis no mar, o navio finalmente atracou no movimentado porto do Rio de Janeiro. Era um espetáculo de cores e sons que contrastava fortemente com os dias sombrios e silenciosos da travessia. Para Pietro e Anna, o alívio de tocar terra firme misturava-se à apreensão pelo que ainda estava por vir. O Brasil, com seu calor sufocante e uma língua desconhecida, era um mundo novo e estranho.

No entanto, esse desembarque era apenas uma breve pausa na longa jornada. Após dois dias de espera no porto, tempo que usaram para recuperar um pouco das forças abrigados na grande Hospedaria dos Imigrantes onde recebiam alimento e camas para descansar se adaptar ao ritmo frenético do novo país, os Casagrande foram embarcados novamente, desta vez em um navio menor, destinado ao sul do país. A viagem prosseguia, agora rumo à província de São Pedro do Rio Grande do Sul, onde as promessas de terra e uma nova vida ainda eram apenas ideias distantes.

Quando finalmente chegaram ao porto de Rio Grande, a família estava exausta, mas Pietro sentia que o destino final estava ao alcance. Ainda assim, o desafio não terminava ali. Embarcaram em barcos fluviais lotados, navegando lentamente pelo rio Caí que cruza as vastas planícies da província. A vegetação exuberante, os sons das aves tropicais e o calor úmido criavam uma atmosfera completamente diferente das colinas familiares do Vêneto. Anna, com os filhos nos braços, observava a paisagem com um misto de fascínio e inquietação, enquanto Pietro mantinha os olhos fixos na água, pensando no futuro incerto que os aguardava.

Ao chegar ao destino, foram encaminhados por funcionários do governo para uma colônia recém-criada, chamada Caxias do Sul. O lugar, apesar de promissor, era marcado por uma rudeza que não deixava dúvidas sobre os desafios que enfrentariam. A paisagem, dominada por matas densas e terras ainda por desbravar, parecia indomada. As autoridades entregaram à família Casagrande um pedaço de terra coberto de vegetação cerrada, que deveria ser desmatado e cultivado com suas próprias mãos.

Pietro encarou aquele pedaço de terra como um campo de batalha. Ele sabia que cada árvore derrubada, cada pedaço de solo revolvido seria uma conquista para sua família. Anna, mesmo cansada, arregaçou as mangas para ajudar no que podia. As crianças, embora ainda jovens, absorviam o ambiente com curiosidade e esperança.

A colônia era formada por outras famílias italianas, vindas de diferentes partes do norte da Itália. Isso trouxe algum alívio: podiam falar sua língua, compartilhar tradições e formar uma comunidade que os conectava às raízes deixadas no Vêneto. Apesar das condições iniciais difíceis, a promessa de uma vida melhor alimentava seus esforços. Caxias do Sul, ainda rudimentar, tornava-se um símbolo de recomeço, onde cada dia de trabalho árduo representava um passo para transformar a promessa em realidade.

O pedaço de terra que a família Casagrande recebeu por meio do contrato com o governo era vasto e imponente, abrangendo cerca de 250 mil metros quadrados. Para uma família de agricultores habituada às pequenas parcelas fragmentadas do Vêneto, aquela extensão parecia tanto uma bênção quanto um desafio colossal. No entanto, o terreno estava completamente coberto por mata fechada, uma selva densa e inexplorada, com árvores altas, raízes profundas e uma fauna desconhecida que muitas vezes os assustava à noite.

Pietro, sem experiência com desmatamento, logo percebeu que enfrentar sozinho aquela tarefa monumental seria impossível. Ele se uniu a outros colonos recém-chegados, formando uma rede de apoio que misturava trabalho árduo e aprendizado coletivo. Com ferramentas rudimentares, como machados, foices e serras de arco, os homens enfrentavam a floresta, abrindo clareiras a cada dia, muitas vezes ao custo de bolhas nas mãos e músculos exaustos.

Os dias começavam ao amanhecer ainda escuro, com Pietro liderando sua família e dividindo tarefas com outros colonos. O som das árvores sendo derrubadas ecoava pela colônia, acompanhado pelos gritos de encorajamento entre os trabalhadores e pelo estalar da madeira ao ceder. Era um trabalho árduo e perigoso, com troncos caindo em direções inesperadas e ferramentas que exigiam precisão para evitar acidentes. Pietro, sempre cauteloso, mantinha os filhos longe das áreas mais perigosas, mas sua mente não descansava enquanto trabalhava, sabendo que ainda havia muito a fazer para tornar aquele pedaço de terra um lar.

Enquanto isso, Anna mostrava uma determinação extraordinária. Apesar da precariedade inicial, ela começou a plantar as primeiras sementes de feijão, mandioca e milho em pequenos espaços que Pietro e os outros conseguiam abrir no solo. Usando um enxadão que trouxera consigo, Anna misturava o solo fértil com as sementes, rezando silenciosamente por uma colheita que alimentasse seus filhos.

As crianças, ainda pequenas, faziam o que podiam para ajudar. Luigi, o mais velho, assumia responsabilidades maiores, carregando baldes de água do riacho próximo e ajudando o pai a recolher galhos e raízes. Teresa, com sua energia juvenil, recolhia lenha para as fogueiras, enquanto Marco, apesar de ainda ser um bebê, brincava sob a sombra das árvores, sua presença lembrando a Pietro e Anna o motivo pelo qual enfrentavam tamanha adversidade.

O progresso era lento, mas visível. A cada árvore derrubada e a cada metro de solo cultivado, a floresta dava lugar a um campo que prometia se tornar fértil. Pietro e Anna viam naquelas clareiras não apenas o resultado de seu trabalho, mas também a possibilidade de um futuro, onde a terra que antes parecia indomável pudesse sustentar sua família. A solidariedade entre os colonos reforçava o senso de comunidade, e o esforço conjunto transformava o sonho de sobrevivência em um objetivo compartilhado: construir uma nova vida, um sulco de cada vez.

Os primeiros anos na nova terra foram uma verdadeira prova de resiliência para os Casagrande. Acostumados ao clima ameno das colinas do Vêneto, enfrentar o calor sufocante e a umidade constante do clima tropical era um desafio diário. As chuvas torrenciais, que muitas vezes transformavam o solo em lama e faziam os riachos transbordarem, destruíam plantações inteiras em questão de horas. O sol escaldante, por sua vez, secava as folhas das culturas recém-plantadas e tornava o trabalho no campo extenuante.

Além disso, as pragas agrícolas, desconhecidas para Pietro e Anna, tornavam-se uma batalha constante. Gafanhotos, lagartas e outros insetos atacavam as plantações de milho e mandioca, e não havia conhecimento ou recursos suficientes para combatê-los. No entanto, Pietro era persistente, aprendendo com outros colonos e experimentando métodos rudimentares para proteger as culturas. Ele usava cinzas das fogueiras como repelente natural e criava barreiras simples para evitar que os insetos se alastrassem.

A saudade do Vêneto também pesava. As memórias das colinas verdes, do cheiro das videiras e do som dos sinos das igrejas eram como fantasmas que os acompanhavam. À noite, enquanto descansavam em seu abrigo improvisado, Pietro e Anna falavam em sussurros sobre a terra natal, temendo que mencionar suas saudades em voz alta pudesse enfraquecer o ânimo das crianças.

Apesar das dificuldades, os Casagrande começaram a ver o fruto de seus esforços. O pedaço de mata densa que haviam recebido transformava-se gradualmente em campos cultivados. Pietro, com as mãos calejadas e um espírito incansável, concentrou-se primeiro em construir um abrigo rudimentar, feito de troncos e folhas, para proteger a família da chuva e dos animais selvagens. Era precário, mas servia de refúgio enquanto ele planejava algo mais duradouro.

Com o tempo, e à medida que os campos davam suas primeiras colheitas, Pietro iniciou a construção de uma casa simples de madeira. Ele cortava as tábuas com cuidado, ajustando cada peça com paciência, mesmo sem ter ferramentas adequadas. A casa era pequena, com um único cômodo que servia de cozinha, sala e dormitório, mas era o suficiente para dar à família um senso de segurança e estabilidade.

Anna, com sua dedicação inabalável, transformou a estrutura básica em um verdadeiro lar. Ela pendurava ervas secas nas vigas de madeira, costurava cortinas com retalhos de tecido que trouxera da Itália e cuidava para que o pequeno jardim ao redor da casa estivesse sempre florescendo. À noite, quando a família se reunia ao redor da mesa improvisada, Anna preparava refeições simples, mas feitas com carinho, e suas histórias sobre o Vêneto ajudavam a manter vivas as raízes culturais dos Casagrande.

Pouco a pouco, a nova vida começava a tomar forma. Embora o caminho fosse longo e os desafios constantes, os Casagrande viam na transformação da terra e no lar que estavam construindo um sinal de que a coragem de deixar sua terra natal não havia sido em vão.

Com o passar dos anos, os frutos do árduo trabalho começaram a se manifestar de maneira mais evidente. As colheitas, antes tímidas e incertas, tornaram-se progressivamente mais abundantes, fruto de um aprendizado contínuo sobre a terra e suas peculiaridades. Com isso, a família finalmente pôde negociar o excedente da produção por outros bens essenciais, como ferramentas, tecidos e até pequenos luxos que antes pareciam inalcançáveis.

Luigi, agora na adolescência, emergia como um jovem forte e dedicado, assumindo com seriedade muitas das responsabilidades no campo. Ele não apenas auxiliava no plantio e na colheita, mas também começou a se interessar por técnicas agrícolas mais eficientes, que ouviu de outros colonos ou leu em antigos manuais trazidos da Itália. Sob sua liderança discreta, a produtividade da pequena propriedade deu novos saltos.

Teresa, por sua vez, encontrou na costura não apenas uma forma de complementar a renda da família, mas também um caminho para expressar sua criatividade e talento. Seus bordados, conhecidos por detalhes delicados e motivos tradicionais italianos, começaram a ser procurados por outras famílias da colônia. Logo, ela se tornara uma figura reconhecida pela comunidade, recebendo encomendas que lhe permitiram comprar materiais de melhor qualidade e até sonhar com uma máquina de costura moderna.

O crescimento econômico trouxe não só alívio, mas também uma nova esperança para a família. Aos poucos, começaram a planejar melhorias na casa de madeira, incluindo um novo quarto para Luigi e sua irmã mais nova, Rosa, que também crescia rapidamente e já ajudava a mãe em pequenos afazeres. Com cada conquista, sentiam-se mais enraizados naquele solo, que, embora distante de sua terra natal, começava a se parecer com um verdadeiro lar.

Os Casagrande encontraram nos outros colonos italianos não apenas vizinhos, mas uma verdadeira extensão de sua família. A solidariedade mútua era o alicerce daquela pequena comunidade, onde cada gesto de apoio fazia a diferença. Em momentos de necessidade, fosse para levantar um novo galpão, colher uma safra antes da chegada da chuva ou enfrentar os desafios impostos pelo clima tropical, os colonos estavam sempre prontos a ajudar uns aos outros, criando laços que iam além do sangue.

Aos domingos, as reuniões na igreja da colônia eram um ponto alto na semana. A pequena capela, construída em mutirão, era mais do que um espaço de oração; era um local onde a alma da comunidade se fortalecia. Ali, ao som de cânticos entoados no dialeto vêneto, os Casagrande sentiam a conexão com sua herança cultural e espiritual. As missas, simples, mas carregadas de emoção, eram seguidas por longas conversas e risadas ao redor de mesas improvisadas, repletas de pratos típicos como polenta, salame e pão caseiro.

Entre histórias sobre as dificuldades da travessia do oceano e as vitórias na terra nova, a saudade da Itália era constantemente compartilhada, mas, com o tempo, também transformada. Embora a nostalgia da pátria nunca desaparecesse por completo, os Casagrande perceberam que, naquele novo lar, haviam plantado raízes profundas. O solo que antes parecia tão estranho agora produzia os frutos de seus esforços. E, na companhia de seus conterrâneos, descobriram que o sentido de pertencimento não dependia apenas do lugar, mas das pessoas que os cercavam.

Com cada colheita bem-sucedida e cada celebração comunitária, ficou claro para os Casagrande que haviam encontrado mais do que um espaço para sobreviver: haviam construído um lugar onde poderiam sonhar, crescer e, acima de tudo, prosperar.

Décadas mais tarde, os Casagrande haviam se tornado uma referência em toda a região. Reconhecidos por sua incansável dedicação ao trabalho e pela visão inovadora, a família não apenas prosperou, mas também deixou um legado que ecoava além das fronteiras de suas terras. Seus descendentes expandiram a propriedade original, transformando-a em um complexo agrícola diversificado, que ia muito além do cultivo inicial de uvas e cereais. Vinhedos cuidadosamente cultivados deram origem a premiados vinhos regionais, enquanto plantações de frutas e hortaliças abasteciam mercados locais e contribuíam para o desenvolvimento da economia da jovem cidade de Caxias do Sul.

A participação da família não se restringiu à esfera econômica. Os Casagrande desempenharam papéis importantes na vida comunitária, ajudando a fundar escolas, associações culturais e até uma cooperativa agrícola que impulsionou o progresso de muitas outras famílias imigrantes. O espírito de união, que fora vital nos primeiros anos de luta, permaneceu uma característica marcante da família, transmitido de geração em geração.

Na Itália, na pequena frazione de Miane, a história dos Casagrande que partiram em busca de uma nova vida era contada com reverência e orgulho. Cartas enviadas ao longo dos anos, cheias de relatos sobre as conquistas e os desafios enfrentados no Brasil, eram lidas e guardadas como tesouros. Fotografias em preto e branco mostrando os campos férteis de Caxias do Sul e os rostos sorridentes dos descendentes eram compartilhadas nas celebrações familiares, uma ponte simbólica entre os dois continentes.

Hoje, a trajetória dos Casagrande é lembrada como um exemplo inspirador de coragem, determinação e fé no futuro. Suas conquistas não apenas enriqueceram a história de Caxias do Sul, mas também fortaleceram os laços culturais entre Brasil e Itália. A memória dos que ousaram sonhar com uma vida melhor em terras desconhecidas permanece viva, um testemunho de que o espírito humano é capaz de superar as maiores adversidades e transformar sonhos em realidade.

Nota do Autor


A história apresentada é parte do livro Raízes que Cruzaram o Oceano: do Veneto ao Novo Mundo. Trata-se de um romance fictício, porém amplamente inspirado em fatos reais e relatos coletados pelo autor junto a descendentes daqueles pioneiros que, com coragem e determinação, desbravaram novos horizontes em terras distantes. Os nomes dos personagens e alguns eventos foram adaptados ou recriados para preservar a identidade das famílias e tornar a narrativa mais envolvente. O sobrenome "Casagrande" foi escolhido para exemplificar e dar vida à história, sendo um sobrenome bastante comum na Itália, o que facilita sua identificação com os contextos históricos e culturais retratados. Apesar das adaptações literárias, o espírito das jornadas, os desafios enfrentados e as conquistas alcançadas são um tributo fiel ao legado deixado por esses imigrantes. Esta obra é uma homenagem à resiliência, ao trabalho árduo e ao amor que moldaram uma nova história, tanto para os que partiram quanto para os que ficaram.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta



sexta-feira, 25 de julho de 2025

La Stòria de Francesco Bernardel

 

La Stòria de Francesco Bernardel

Francesco Bernardel, un contadin italiano de ùmile origine, el ga deciso de partir par el Brasile in serca de un futuro miliore. Lassando indrio le coline de la provìnsia de Treviso, lu el ga scampà via con la so mòier, Maria, e i so do fiòi ancora picinin, Pietro e Rosa. El so destino el zera São José do Rio Pardo, ´ntel interior de São Paulo, ndove le tere fèrtili e le promesse de laoro pareva la solussion par la misèria che lori i ga lassà in Itàlia.

Quando quando lu el ze rivà a Santos, a la Casa del Emigrante, Francesco el ga trovà ´na realtà caòtica. El posto el zera pien de famèie de diverse region del’Itàlia, tuti con la speransa de ´na oportunità. Lì, lu el ze sta testimone de ´na rivolta: i emigranti, descontenti con le condission precàrie e con el cibo scadente, i se ga ribelà, butando el mangnar fora de le finestre e obligando l’intervento dei militari. Anche se nissun s’era ferì, sto episòdio el ga segnà Francesco, mostrando ghe che el camìn verso la tanto sperà prosperità el saria sta pien de dificoltà.

Dopo zornate turbulente, la famèia Bernardel la ze sta mandà a ´na grande piantassion de café aministrà da un italiano ciamà Giovanni Toffel. Lì, con altre sei famèie, lori i ga tacà a laorar ´ntei campi. Le condision le zera dure: erba alta, caldo forte e un salàrio che no bastava gnanca par le spese de base. Però, Francesco el ga trovà consolassion ´ntela solidarietà tra i coloni e ´ntela bontà del administrador, che faseva tuto quel che podia par dar cibo e ´na casa dignitosa.

La vita de ogni zorno la zera massacrante, ma ghe bastava qualchi momento de meravèia par dar senso al laoro. Francesco se incantava a vardar le coline pien de piantaion de café, con i grani che lusea come pìcoli gioieli soto el sol. "Se el Signor podesse vardar che meravèia che ze ´na colina de café!", lu el ga scrito in una lètara al maestro che l’aveva lassà in Itàlia.

La casa ndove i stava la zera semplice, fata de legno greso e coerta de vècie tègole de argila, ma ghe dava un conforto inesperà. Ogni sabo, i amasava un porzel e la carne la vegniva spartì tra le famèie, un lusso che Francesco no ga mai provà in Itàlia. Ma la nostalgia de casa restava sempre, specialmente ´ntei zorni de festa religiosa, quando la distansa da la cesa e la mancansa de preti rendeva difìssile far le celebrassion.

Con el tempo, Francesco lu el ze diventà un sìmbolo de resiliensa. Lu el ga imparà a coltivar secondo le usanse locai, conservando el formento con la paia par farlo durar de pì e afrontando le intempèrie tropicai. Maria, dal canto so, la se curava del orto e dei fiòi, insegnando a Pietro e Rosa le tradision italiane par che no le vegnisse mai desmentegà.

No stante le dificoltà, la famèia Bernardel la ga prosperà. Pietro el ze diventà un bravo falegname, costruindo case par i novi emigranti. Rosa, con la so voce delicà, la la ze diventà la cantante prinsipal de le feste de la colónia, unindo italian e brasilian in celebrasion che simbolisava la fusion tra le culture.

Francesco no el ga mai smesso de scriver al so vècio maestro, contando le so vitòrie e dificoltà. Lu el savea che tanti emigranti no i ga avù la stessa fortuna, ma el se sentiva grato par aver trovà un posto ndove el laoro duro el zera recompensà. In una de le so ùltime lètare, el ga scrito: "Qua, in sta tera lontan, go trovà quel che l’Itàlia no me gavea mai podesto dar: la oportunità de ricominsiar. Anche se la nostalgia la ze granda, gavemo costruì ´na casa, e questo ze un tesoro che nissun ossean pol cancelar."

Francesco Bernardel el ze diventà un sìmbolo de coraio e perseveransa, rapresentando i mìliai de italiani che, con sudore e sacrifìssio, i ga contribuì a formar el Brasile. La so stòria, come tante altre, ze na prova che anca ´ntei momenti pì difìssili, la speransa pol fiorir e transformar la vita.

Nota del Autor

Scriver La Stòria de Francesco Bernardel la ze sta un viaio de esplorasion dele radise del coraio umano e dela forsa che ne porta verso l’ignoto in serca de na vita miliore. Inspirà dai raconti dei emigranti italiani che i ga traversà l’Atlàntico a la fine del XIX sècolo e al inìsio del XX, sta narativa la vol render omaio no solo a Francesco e a la so famèia fitìssia, ma anca ai mìlai de òmini, done e putei che i ga afrontà tante aversità par costruir un novo futuro in Brasile.

La stòria de Francesco Bernardel la rispechia la realtà de tanti italiani che i ga lassà indrio le so aldeie, le so tradision e, a volte, anca i so cari, par afrontar lo sconossesto. Ze un omaio a le speranse e ai sacrifìssi de chel che i ga trovà ´ntele tere brasilian un novo scomìnsio, anca quando i sfidi i pareva insormontàbili.

La me intension la ze sta de caturar no solo i fati stòrici, ma anca le emosion e i dilemi interni de chi che i ga vissesto sto processo de spostamento e adatatasion. Dal caos de le Case del Emigrante fin a le durese dele fasende de café, La Stòria de Francesco Bernardel l’è un ritrato de resiliensa, solidarietà e reinvension.

Che sto libro el sia un ricordo che le stòrie dei emigranti no le ze solo parte del passà, ma che le continua a plasmar el presente e el futuro. E che ogni letore el possa trovar in Francesco Bernardel na ispirasion par crèder che, anca de fronte ai pì grandi dificoltà, la speransa e el laoro duro i pol transformar la vita.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta

quarta-feira, 23 de julho de 2025

A História de Francesco Bernardel


 

A História de Francesco Bernardel

Francesco Bernardel, um agricultor italiano de origem humilde, embarcou rumo ao Brasil em busca de um futuro melhor. Deixando para trás as colinas da província de Treviso, ele viajou com sua esposa, Maria, e seus dois filhos pequenos, Pietro e Rosa. Seu destino era São José do Rio Pardo, no interior de São Paulo, onde terras férteis e promessas de trabalho pareciam ser a solução para a miséria que enfrentavam na Itália.

Ao chegar à Casa do Imigrante, Francesco deparou-se com uma realidade caótica. O local estava abarrotado de famílias de diversas regiões da Itália, todas ansiando por uma oportunidade. Foi ali que ele testemunhou uma revolta. Descontentes com as condições precárias e a péssima alimentação, os imigrantes se rebelaram, atirando comida pela janela e forçando a intervenção de militares. Embora ninguém tenha se ferido, o episódio marcou profundamente Francesco, deixando claro que o caminho para a tão sonhada prosperidade seria repleto de desafios.

Após dias turbulentos, a família Bernardel foi encaminhada a uma fazenda de café administrada por um italiano de nome Giovanni Toffel. Ali, junto a outras seis famílias, começaram a trabalhar nos campos. As condições eram duras: mato alto, calor intenso e um salário que mal cobria as necessidades básicas. No entanto, Francesco encontrou consolo na solidariedade entre os colonos e na gentileza do administrador, que fazia o possível para prover alimento e moradia dignos.

O dia a dia era exaustivo, mas havia momentos de encanto que davam sentido ao esforço. Francesco maravilhava-se ao contemplar as colinas cobertas de cafezais, com os grãos brilhando como pequenas joias sob o sol. "Se o senhor pudesse ver a maravilha que é uma colina de café!", escreveu ele em uma carta ao professor que havia deixado na Itália.

A casa onde moravam era simples, feita de madeira tosca e coberta por velhas telhas de barro cozido, mas oferecia um conforto inesperado. Todo sábado, um porco era abatido e sua carne distribuída entre as famílias, um luxo que Francesco nunca havia experimentado em sua terra natal. No entanto, as saudades da Itália permaneciam como uma sombra constante, especialmente nos dias de festa religiosa, quando a distância da igreja e a falta de sacerdotes limitavam as celebrações.

Com o passar dos anos, Francesco tornou-se um exemplo de resiliência. Ele adaptou-se às peculiaridades do cultivo local, aprendendo a armazenar milho com palha para prolongar sua durabilidade e a lidar com as intempéries tropicais. Maria, por sua vez, cuidava da horta e das crianças, enquanto ensinava Pietro e Rosa sobre as tradições italianas, na esperança de que não esquecessem suas raízes.

Apesar das dificuldades, a família Bernardel prosperou. Pietro cresceu e tornou-se um hábil carpinteiro, ajudando a construir casas para novos imigrantes. Rosa, com sua voz doce, tornou-se a principal cantora das festas da colônia, unindo italianos e brasileiros em celebrações que simbolizavam a fusão das culturas.

Francesco nunca deixou de escrever para seu antigo professor, relatando suas vitórias e desafios. Ele sabia que muitos imigrantes não tinham tido a mesma sorte, mas sentia-se grato por ter encontrado um lugar onde o trabalho árduo era recompensado. Em uma de suas últimas cartas, escreveu: "Aqui, nesta terra distante, encontrei algo que a Itália não pôde me dar: a oportunidade de recomeçar. Embora as saudades sejam imensas, construímos um lar, e isso é um tesouro que nenhum oceano pode apagar."

Francesco Bernardel tornou-se um símbolo de coragem e perseverança, representando os milhares de italianos que, com suor e sacrifício, ajudaram a moldar o Brasil. Sua história, como tantas outras, é uma prova de que mesmo nos momentos mais difíceis, a esperança pode florescer e transformar vidas.


Nota do Autor

Escrever A História de Francesco Bernardel foi uma jornada de exploração das raízes da coragem humana e da força que nos move em direção ao desconhecido em busca de uma vida melhor. Inspirada pelos relatos de imigrantes italianos que atravessaram o Atlântico no final do século XIX e início do XX, esta narrativa pretende homenagear não apenas Francesco e sua família fictícia, mas também os milhares de homens, mulheres e crianças que enfrentaram adversidades para construir um novo lar no Brasil. A história de Francesco Bernardel reflete a realidade de muitos italianos que deixaram para trás suas aldeias, suas tradições e até mesmo familiares queridos para enfrentarem o desconhecido. É também uma homenagem às esperanças e aos sacrifícios de pessoas que encontraram nas terras brasileiras um novo começo, mesmo quando os desafios pareciam intransponíveis. Minha intenção foi capturar não apenas os fatos históricos, mas também as emoções e os dilemas internos de quem viveu esse processo de deslocamento e adaptação. Desde o caos das Casas do Imigrante até a dureza das fazendas de café, A História de Francesco Bernardel é um retrato de resiliência, solidariedade e reinvenção. 

Que este livro sirva como um lembrete de que as histórias dos imigrantes não pertencem apenas ao passado, mas continuam a moldar o presente e o futuro. E que cada leitor encontre em Francesco Bernardel uma inspiração para acreditar que, mesmo diante das maiores dificuldades, a esperança e o trabalho árduo podem transformar vidas.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Uma Jornada Sem Fim

 

Uma Jornada Sem Fim


No amanhecer de uma manhã fria e enevoada, a pequena vila de San Pietro di Livenza parecia tão calma quanto sempre, mas para Giuseppe Zilotto e sua família, aquele dia marcava o início de uma jornada que mudaria suas vidas para sempre. Era o outono de 1876, e Giuseppe, um homem robusto com as mãos calejadas pelo trabalho árduo na terra estéril, sabia que não havia mais como sustentar sua família naquele lugar.

Ao seu lado estava Maria, sua esposa, cujos olhos, embora marcados pelo cansaço, ainda refletiam uma centelha de esperança. Com seus três filhos pequenos – Matteo, de oito anos; Luca, de cinco; e o bebê Vittorio, de apenas dez meses – eles se preparavam para deixar tudo para trás e embarcar rumo ao desconhecido Brasil. A vila inteira se reuniu para se despedir, oferecendo pequenos presentes para a longa viagem, como pães, ervas medicinais e até um medalhão de Santo Antônio, além de lágrimas e orações silenciosas. 

O caminho desde a estação ferroviária até o porto de Gênova foi longo e cansativo, devido às inúmeras paradas em diversas estações pelo caminho, ocasião em que embarcavam dezenas de outros emigrantes como eles. O trem carregado corria lento pelos trilhos e as crianças, especialmente o pequeno Vittorio, pareciam definhar com a exaustão.

Quando finalmente chegaram ao porto, a visão do enorme vapor Savoie foi tanto uma promessa de esperança quanto uma ameaça de perigos desconhecidos. A bordo do navio, as condições eram insalubres. Homens, mulheres e crianças amontoavam-se em espaços apertados, com pouca ventilação e comida escassa. A água potável frequentemente se misturava com impurezas, e as noites eram preenchidas com o som de orações, choros e tosse – especialmente de Luca, que começou a demonstrar sinais de fraqueza. Apesar de todo o cuidado de Maria, as más condições agravaram sua saúde, e a febre logo se tornou uma companheira constante.

Após quase 40 dias no mar, o navio chegou ao porto do Rio de Janeiro no início de 1877. O desembarque trouxe alívio, mas também novos desafios. A família ainda precisaria enfrentar uma segunda jornada em uma caravana até Santa Catarina, e os riscos das doenças e da fadiga estavam sempre presentes. Quando finalmente chegaram ao lote designado para eles, a visão da terra foi um choque. Prometida como fértil e abundante, era na verdade um matagal denso e inóspito. Giuseppe, com determinação feroz, começou a desbravar o terreno com a ajuda de Matteo, enquanto Maria cuidava das crianças e tentava adaptar-se ao ambiente hostil.

A tragédia atingiu a família poucos meses após a chegada. Luca, debilitado pela longa viagem e pelas condições adversas, adoeceu gravemente. Sem médicos ou recursos, Maria e Giuseppe fizeram tudo o que podiam, utilizando ervas e compressas ensinadas por vizinhos mais experientes, mas seus esforços foram em vão. Luca faleceu numa tarde silenciosa, no verão de 1877, e a dor de sua perda foi como uma faca atravessando o coração da família. O pequeno grupo de vizinhos imigrantes, alguns deles já estabelecidos na região, organizou um funeral simples. Sob um velho cedro, próximo ao cemitério improvisado, Giuseppe cavou a sepultura. Maria, com o pequeno rosário nas mãos, murmurava orações entre lágrimas. A perda de Luca marcou a família profundamente, mas também fortaleceu sua determinação de sobreviver e honrar sua memória.

Os meses seguintes foram repletos de desafios. Giuseppe e Matteo trabalharam incansavelmente para limpar a terra e plantar as primeiras sementes. Após muitos esforços, a primeira colheita foi modesta, mas trouxe um senso de realização e esperança renovada. Maria buscou formas de melhorar a vida da família, aprendendo com os vizinhos novas receitas com ingredientes locais, muitos deles desconhecidos e a utilizar ervas medicinais para tratar pequenas enfermidades.

Mesmo diante das dificuldades, ela sempre encontrava tempo para contar histórias da Itália aos filhos, incentivando-os a sonhar com um futuro melhor. No início de 1878, Maria descobriu que estava grávida novamente. A notícia trouxe sentimentos mistos, com o medo de novas perdas, mas também a esperança de um recomeço.

Em julho de 1878, durante uma forte tempestade, nasceu um menino, que recebeu o nome de Carlo Vittorio, em homenagem ao irmão perdido e à força que sustentava a família. Carlo Vittorio trouxe alegria e tornou-se um símbolo de resiliência.

Sob o velho cedro, Maria frequentemente rezava, lembrando-se de Luca e encontrando forças em sua memória. A terra, antes hostil, começou a mostrar sua generosidade, e a casa simples tornou-se um lar acolhedor. Os anos seguintes foram de trabalho árduo e conquistas. A família Zilotto, apesar de todas as adversidades, construiu uma vida digna, transformando sofrimento em força e saudade em esperança. A história deles tornou-se um testemunho da força humana diante das dificuldades, uma jornada que começou com dor e incerteza, mas que se transformou em uma celebração da vida e da superação.

A jornada dos Zilotto foi mais do que uma travessia oceânica; foi um ato de coragem que plantou os alicerces de um novo futuro. Ao cruzarem o Atlântico, deixaram para trás não apenas uma terra empobrecida, mas também uma identidade que logo se fundiria com o vigor do Brasil. Carlo e Maria talvez nunca tenham imaginado que seu esforço criaria raízes tão profundas. O que começou como uma luta pela sobrevivência se transformou em uma história de superação e resiliência, passada de geração em geração.

Hoje, muitos descendentes dos Zilotto retornam à Itália, não como imigrantes em busca de refúgio, mas como viajantes em busca de suas origens. Em Treviso, pequenos vilarejos ainda reconhecem os sobrenomes que desapareceram há mais de um século. Os viajantes são recebidos com curiosidade e hospitalidade, como se a volta completasse um ciclo iniciado por Carlo e Maria.

As marcas dessa jornada também estão nos detalhes cotidianos da vida brasileira. A tradição de plantar vinhedos, passada por Carlo a seus filhos, floresceu em algumas das melhores vinícolas do país. A dedicação de Maria à comunidade se reflete em descendentes que hoje são médicos, professores e líderes locais. Em cada pequeno gesto – uma prece antes da refeição, uma receita de família transmitida com carinho, um abraço caloroso – vive a essência dos Zilotto.

Essa saga, rica em detalhes e profundidade, ensina que, mesmo nas circunstâncias mais adversas, a fé, o trabalho duro e o amor pela família podem superar qualquer obstáculo. A medalha e o terço são mais do que relíquias: são símbolos de uma força que atravessou gerações, lembrando a todos que a coragem dos que vieram antes é a base sólida sobre a qual o presente se ergue.


Nota do Autor

A história que você tem em mãos é mais do que uma narrativa de coragem e superação. É um tributo àqueles que atravessaram mares, deixaram para trás tudo o que conheciam e enfrentaram o desconhecido com esperança no coração. Uma Jornada Sem Fim nasceu do desejo de resgatar e honrar a memória de milhares de imigrantes italianos que ajudaram a moldar a identidade cultural e econômica do Brasil.

Giuseppe Zilotto e sua família são fictícios mas representam tantos outros que, como eles, plantaram raízes em terras estrangeiras. A cada página, procurei dar voz às suas dores, aos seus sacrifícios e, principalmente, aos seus sonhos. Essa obra é, acima de tudo, uma celebração da força humana diante das adversidades e da capacidade de transformar dificuldades em um legado que atravessa gerações.

É importante mencionar que o que está apresentado aqui é apenas um resumo da obra completa. Nas páginas do livro, mergulho mais profundamente nas vivências de Giuseppe, nos detalhes históricos e emocionais que deram forma a essa saga. Espero que este resumo desperte em você a curiosidade e a emoção para explorar a obra em sua totalidade, onde cada capítulo traz nuances ainda mais intensas e cativantes.

Com imensa gratidão,


Dr. Piazzetta




sábado, 18 de janeiro de 2025

Raízes de Esperança: Uma Saga de Amor e Coragem do Outro Lado do Oceano





Para ir ao trabalho Gino, um forte rapaz com seus 18 anos recém-completados, percorria diariamente vários quilômetros pelas colinas e vales da província de Treviso, na Itália. O sol dourado da tarde refletia nos campos verdejantes de videiras e oliveiras, pintando um cenário que contrastava com a quietude do pequeno vilarejo onde nasceu. A paisagem idílica não conseguia dissolver a inquietude que o corroía. A situação econômica do país estava cada vez pior, com falta de serviço e insegurança no trabalho, o qual, quando conseguia, remunerava muito mal os trabalhadores, que pouco ou nada sobrava no fim do mês. A pobreza era generalizada no campo e a fome já rondava alguns lares. Muitos milhares de italianos já haviam emigrado para outros países, tanto da Europa como principalmente para a América. Gino, era o filho mais velho, de uma família de doze irmãos, todos menores de idade, sentia que precisava fazer alguma coisa, algo grande além das fronteiras de sua aldeia. A notícia que mudaria o rumo de sua vida chegou em forma de conversa com um amigo. Este lhe contou que, pelas cartas de um parente emigrado alguns anos antes, ele relatava entusiasmado sobre as terras férteis do Brasil, onde o café crescia em abundância, como ouro em grãos. O grande país sul-americano estava contratando aos milhares trabalhadores para as grandes fazendas de café de São Paulo e Espírito Santo e até pagavam a passagem até o local de trabalho. Essa mão de obra estrangeira era muito necessária para preencher a lacuna deixada pela abolição da escravidão no país, onde todos os escravos africanos foram libertos alguns anos antes. Os olhos de Gino brilharam com a possibilidade de uma vida melhor para ele e para a família. Aquilo soava como o destino chamando por ele. Com coragem, ele tomou uma decisão ousada, deixando para trás sua família e sua terra natal, e embarcando em uma jornada incerta em busca de prosperidade. A longa e tumultuosa travessia do oceano foi um grande desafio que testou sua coragem, mas Gino perseverou. Ao chegar ao interior de São Paulo, o jovem italiano encontrou-se em um mundo completamente diferente. As vastas plantações de café se estendiam até onde a vista alcançava, como um mar verde e perfumado. Ele havia sido contratado, quando ainda na Itália, por uma grande fazenda, onde seu trabalho como agricultor apesar de árduo, trazia a promessa de um futuro melhor e isso o mantinha firme. Foi durante esse período de alguns anos na fazenda que Gino ali conheceu Maria Augusta, uma jovem italiana, também proveniente da província de Treviso, emigrada com a família pouco tempo antes, que também buscavam oportunidades em terras estrangeiras. O destino entrelaçou seus caminhos de forma inesperada, e eles decidiram se casar. Juntos, enfrentaram os desafios da vida na enorme fazenda de café, construindo um amor que crescia a cada safra, como os frutos que colhiam. No entanto, a saudade da família na Itália, da qual tinha poucas notícias, nunca o abandonou, mas, o que mais influiu na decisão do casal foi a recessão no cultivo do café, cujos preços estavam em queda no mercado mundial. Depois de alguns anos de trabalho na fazenda, e ainda sem filhos, o casal tomou a difícil decisão de voltar para sua terra natal. Eles retornaram à pequena aldeia onde Gino nascera, no interior da província de Treviso, com a esperança de reconstruir suas vidas. Ali, plantaram novas raízes e estabeleceram-se entre amigos e familiares, mas o desejo de prosperidade continuou a arder em seus corações. A situação econômica da Itália, e da Europa em geral, ainda não estava boa e o trabalho continuava escasso e mal remunerado. Mesmo assim não tinham outra opção e continuaram tocando a vida. Em solo italiano, Maria Augusta e Gino foram abençoados com três filhos: dois meninos e uma linda menina. A vida apesar de muito dura era mais tranquila do que aquela agitação da fazenda de café, mas a situação econômica na Itália novamente começou a piorar rapidamente e as perspectivas de um futuro próspero desvaneceram como um sonho que se desfaz ao acordar. Foi então que eles tomaram outra decisão difícil, mas muito corajosa: emigrar novamente. Em 1909, Gino, Maria Augusta e seus três filhos voltaram ao Brasil, desta vez para ficar. Assinaram um contrato de trabalho em outra grande fazenda de café, onde enfrentaram desafios ainda maiores. A família cresceu, e mais dois filhos nasceram nas terras paulistas, solidificando ainda mais seus laços com o Brasil. Juntando as suas economias, mudaram-se para uma cidade próxima da fazenda que experimentava um período de grande progresso e lá adquiriram um grande lote de terra na periferia e passaram a trabalhar com empregados de pequenas fábricas que surgiam. Cada novo dia era uma batalha contra o desconhecido, mas a esperança e o amor que compartilhavam os mantinham firmes. O tempo passou, e a família de Gino e Maria Augusta prosperou, chegando a abrir com os filhos um pequeno comércio que aos poucos foi se transformando em uma grande rede de lojas com várias filiais, inclusive em cidades vizinhas, hoje um conglomerado de supermercados. Eles viram seus filhos crescerem e construírem suas próprias vidas no Brasil, mantendo viva a rica herança italiana que os ligava à sua terra natal. As histórias de coragem e perseverança de Gino e Maria Augusta continuaram a ser contadas de geração em geração, lembrando a todos que, com determinação e amor, é possível construir um novo lar e um futuro melhor, mesmo em terras distantes. O aroma do café e o sabor do sucesso se entrelaçaram em suas vidas, criando uma história que celebra o amor, a coragem, a emigração e a força da família, traçando um elo indelével entre a Itália e o Brasil.


sábado, 16 de novembro de 2024

L'Emigrassion Trevisana in Brasil


 

L'Emigrassion Trevisana in Brasil


Drento un arco de cento ani, tra el 1876 e el 1976, ze partì da la Regione del Véneto ben pì de tre milioni de persone, de un totale nassionale de 27 milioni. Con i dati che ghe se, el Véneto ze in prima posisione tra le region vénete par el volume de emigranti.

In Provìnsia de Treviso no ghe ze dati de l’emigrassion par tuti sti ani, ma se sa che tra el 1876 e el 1900, verso la fin del sècolo, el númaro de trevisani che i ga dovesto emigrar la zera un quarto de la so popolassion entiera, con percentuai ancora pì alti in le zone de pianura.

In la seconda metà del Otossento, le condission de vita dei pìcoli contadini véneti le ze pegiorà notevolmente par na sèrie de cause sussedeste quasi tute inseme:

· L'aumento natural de la popolassion, per mèrito de meiorie in l’igiene, specialmente durante el domìnio austrìaco sul Véneto, e con na natalità sempre alta.

· La calada de i recavi dei picoli e medi contadini, como che sussedeva in tuta l’Europa, a causa de la brusca calada dei prezzi de i prodoti agrìcoli importà a presi che i zera molto pì bassi del custo de produsione in Itàlia. Disastri de colti par via del maltempo, tra sissità devastanti, aluvioni in pianura e smotamenti in montagne. Le malatie nei campi con la perdita de le vendemie e el baco da seda.

· L'aumento de la disocupassion, spècie par via de nuove machine, anca se ancora lente, che sostituiva i laoradori a brasso, e el svanir de veci mestieri.

Ampie fasce de la popoassion la zera soto el livelo de sussistenza, como che mostra el alto nùmaro de maladi de pelagra, malatia causada da la mancansa de vitamine che doveria vegnir da i cibi come carne, late e derivai, mentre la dieta la zera basà quasi esclusivamente su la farina de granoturco, par la poenta. Sta malatia la zera difondesta in tuto el Véneto. Par i contadini e zornalieri ridoti in misèria, no ghe restava altro che sfiorir o scapar.

Nel Otossento i paesi de l’Amèrica del Sud i ga fato na polìtica de colonisassion de le so vaste tere ancora disponibili, usando manodopera europea, a custo baso, parchè in quel perìodo ghe zera tanto disocupassion.

La traversà del oceano sconossesto, drio na metà sconossesta in Amèrica, i zera càrica de incertesse e de imprevisti de tute le sorte, da la partensa dal porto. Ritardi, documentassion incompleta, burocrassia infinida, i problemi de promiscuità e sovraafolamento de la tersa classe. Al sbarco, altri problem i ghe aspetava: quarantena, tanti controli mèdici e interogatori da l’autorità del goerno local. Sta situassion la ze andà meiorando solo dopo la seconda guerra mondiale, quando che i véneti i ze partì verso el Canadà e l’Austràlia. Lì, tuti i documenti i zera a posto e ben organisà.

Anca quando che la quarentena la finiva, no voleva dir che sùbito i ghe dava laoro, come i ghe ga dito i agenti recrutor prima de partir. I posti ndove che i ghe destinà i ghe zera ancora tanti chilometri a sud del porto, e ghe volìa ancora zorni de viàio in navi par rivarghe. In sti porti de rivà, i dovea ancora spetar altri mesi de trasporto, come navi fluvial, treni o lunghe marce a piè o in carose tiràe da boi, par rivar a le colónie. Ma no i zera ancora la fin del viàio: par rivar ai campi i dovea ancora desfà la floresta, piena de perìcoli e rumori de bèstie sconosseste.

Un volta i ze rivà a la loro tera, la prima roba che i dovea far la zera un casoto de tronchi, coperto de rami, par ripararse dal fredo, de  le bèstie feroce e le serpenti che, la note, i ghe girava drio l’acampamento. La tera bisognava prepararla par i campi, e alora scominssiava a sfalciar i àlbari alti e spessi. Con el fogo, la floresta se trasformava pian pian in un orto ndove cresceva le prime colti. I casoti dopo i zera sostituì pian pian da case grandi de legno, con scàndole, case sòlide e sostenude da sassi che forma el fondaco, un spaso fresco e grande par conservar la roba de la stagione.



sábado, 13 de janeiro de 2024

Fios da Inovação: A Saga de uma Vila


 

Em uma remota aldeia no coração de Treviso, onde a cadência da vida seguia os compassos das estações, a talentosa "filandeira" Isabella tecia sua existência. Seus dias eram meticulosamente entrelaçados com os fios da canapa, transformando matéria-prima em narrativas de linho e tradição. Os dedos ágeis de Isabella convergiam a matéria em fios tão finos quanto a brisa outonal que sussurrava pelos campos.

No crepúsculo, além de testemunhar o pôr do sol, via-se a rotina minuciosa de Isabella, que fiava três fusos a cada noite. O trabalho dela não passava despercebido na pacata vila, onde a arte da tecelagem era reverenciada como uma conexão viva com o passado.

Em uma noite encantada, enquanto Isabella trabalhava sob a luz tênue da lua, cruzou o caminho de Lorenzo, um habilidoso artesão que esculpia peças intricadas de madeira. Fascinado pela destreza dela, Lorenzo sugeriu uma colaboração, combinando a precisão da fiação de Isabella com a arte requintada de suas esculturas.

Conforme os dias se desenrolavam, a parceria florescia, e suas criações conjuntas atraíam a atenção de comerciantes dos vilarejos vizinhos. A fama da dupla alcançou Emilia, uma costureira astuta que viajou de longe para encomendar tecidos exclusivos.

Enquanto Isabella, Lorenzo e Emilia uniam suas habilidades, um vínculo especial se formava entre eles. A pequena aldeia transformou-se em um centro efervescente de artesãos, onde o rumor dos fusos e o eco das esculturas entrelaçavam-se como uma melodia única.

No entanto, desafios surgiram quando uma seca ameaçou a plantação de canapa, colocando em risco a principal matéria-prima de Isabella. Determinados a superar a adversidade, o trio buscou soluções inovadoras, explorando novas formas de cultivar o cânhamo e preservar a tradição que os unia.

À medida que a reputação da pequena aldeia se espalhava, um mercador ambicioso chamado Alessandro decidiu visitá-la. Encantado com a qualidade excepcional dos tecidos e esculturas, Alessandro viu uma oportunidade de expandir os horizontes comerciais da aldeia. Ele propôs uma parceria, imaginando uma linha exclusiva de produtos que poderia ser vendida em mercados distantes.

Enquanto a aldeia se via envolvida em negociações e preparativos para uma exposição de seus trabalhos, uma sombra do passado surgiu. Gabriella, uma ex-artesã que havia abandonado a vila anos atrás, retornou, buscando redenção. Percebendo que havia perdido a conexão com suas raízes, Gabriella procurou reconciliação com Isabella, Lorenzo e Emilia.

A reconciliação, no entanto, não foi fácil. Resgatando memórias enterradas, o quarteto enfrentou desafios emocionais enquanto tentavam entender as escolhas passadas de Gabriella. Com o tempo, a força da amizade prevaleceu, e Gabriella encontrou seu lugar entre os artesãos, contribuindo com sua própria habilidade única.

À medida que a exposição se aproximava, a aldeia experimentava um frenesi criativo. Cada artesão, impulsionado pela paixão e pela promessa de reconhecimento, mergulhava em novos projetos. Os campos, outrora castigados pela seca, começaram a florescer com uma nova variedade de cânhamo, trazendo esperança para o futuro.

O grande dia da exposição chegou, e a vila brilhou com as criações dos talentosos artesãos. A parceria com Alessandro provou ser um sucesso, com compradores de todas as partes interessados nas peças únicas da aldeia. A pequena vila, antes adormecida, agora pulsava com a energia da criatividade e da renovação.

No ápice do evento, Isabella, Lorenzo, Emilia e Gabriella perceberam que haviam construído algo maior do que si mesmos. A aldeia não era apenas um ponto no mapa; tornara-se um farol de inspiração, onde as tradições se entrelaçavam com inovações, criando um legado duradouro para as gerações futuras.










quarta-feira, 28 de junho de 2023

Da Província de Treviso ao Pampa Gaúcho: A Jornada Épica de Genaro em Busca de um Futuro Melhor - parte 4








Domenico, a mãe e os irmãos trabalharam duro para limpar parte do terreno e preparar um novo pedaço de terra para as semeaduras de inverno, principalmente, de trigo. Ainda tinham parte dos mantimentos recebidos do governo e muita coisa que por vezes faltava, os vizinhos, que já moravam a mais tempo no local, davam ou vendiam para eles. A primeira safra de milho foi ótima, além das suas expectativas. A semeadura do milho apesar de ter sido feita com um pouco de atraso, foi compensada com o atraso do inverno. Mostrou que a terra era muito fértil e a safra de fim de primavera seria abundante. Aprenderam que quando o milho já estivesse com grãos, precisavam ficar mais atentos, pelo grande número de pássaros e animais selvagens, que em bandos dizimavam as plantações. O tempo corria rápido e os irmãos já haviam começado a fazer as tábuas para a construção da casa. Estavam contentes com o lugar, com a terra que compraram. Agradeciam sempre ao pai Daniele pela indicação do lugar e incentivo para emigrarem. O correio chegava mensalmente na sede da colônia, não muito distante onde moravam. Maria tinha esperanças de receber notícias das duas outras filhas. Não sabia onde miravam e nem como estavam. Antes de deixar Segusino, durante a visita ao pároco Michele, havia deixado com ele o seu novo endereço no Brasil para caso as filhas quisessem ou pudessem entrar em contato com ela. Também tinha iniciado contato por cartas com o velho padre, amigo de muitos anos da família. Estava aguardando a sua resposta. Naquele tempo, conforme o local, uma carta demorava vários meses para ser entregue ao destinatário, especialmente naquelas colônias do Rio Grande do Sul, tão distantes de tudo. A casa de madeira estava quase pronta, os rapazes tinham se saído muito bem, revelando-se bons carpinteiros. Era grande com três grandes quartos e uma sala. A cozinha, com seu fogão de chão, ficava em outra pequena dependência, separada da parte principal da casa, pelo perigo de incêndio. A safra do trigo foi ótima e a do milho excelente, ocasião em que puderam encher os depósitos no grande paiol recém-construído. Parte das safras eram vendidas e seguiam de barcos para a capital do estado e a outra parte era reservada para consumo da família. Já estavam criando galinhas e alguns porcos soltos em um cercado. Um dos filhos andava semanalmente até o correio, na sede da colônia, para ver se tinha chegado alguma carta para eles. Durante muitos meses voltavam tristes, pois, não encontraram nada. Um dia o filho mais novo, voltou gritando e correndo. De longe balançava o braço mostrando dois envelopes brancos. Saíram todos correndo ao encontro do rapaz. De todos eles somente Domenico sabia ler um pouco, pois, tinha somente estudado até a terceira série. Uma das cartas era da filha mais velha que morava nos Estados Unidos e a outra era de Don Michele. Com dificuldade a família foi se inteirando nas notícias tão aguardadas. Ficou sabendo que a filha estava bem e já tinha três filhos, dois meninos e uma menina. O marido estava bem empregado na construção civil e que tinha muito trabalho. Todos estavam bem de saúde e muito contentes na nova pátria. Ela, infelizmente, ainda não tinha recebido notícias da irmã mais nova que havia emigrado para Chipilo, no México. Encontrou o endereço da família através do padre Michele. Pela carta do antigo pároco, ficaram sabendo dos acontecimentos em Segusino e, principalmente, notícias da segunda filha. Ela, como havia previsto Maria, a filha também tinha escrito para o pároco para saber notícias do resto da família. Algum tempo depois de se estabelecerem em Chipilo, entrou em contato com Don Michele e conseguiu o endereço atual da mãe e dos irmãos no Brasil. Já era mãe de dois meninos e estava grávida do terceiro. Estavam bem de saúde e ela e o marido trabalhavam em uma terra própria, comprada a prestações do governo mexicano, onde plantavam principalmente milho e criavam vacas, cujo leite era transformado em queijos, vendidos em Chipilo e nas cidades próximas. Estavam muito felizes no novo país e até já estavam começando a ganhar dinheiro. Maria e os filhos ficaram radiantes de alegria com as boas notícias recebidas das duas.

Este conto continua
Texto de 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS




segunda-feira, 19 de junho de 2023

Da Província de Treviso ao Pampa Gaúcho: A Jornada Épica de Genaro em Busca de um Futuro Melhor - parte 1

 



A Vida na Vila

Genaro era um jovem de quatorze anos. Tinha recebido esse nome dos seus pais pelo fato de ter nascido no mês de janeiro, do ano de 1866. Era o quinto filho de uma família de nove irmãos vivos, quatro meninas e cinco meninos. Sua mãe havia perdido três outros filhos, mortos ainda bebês, antes do primeiro ano de vida, por falta de uma melhor alimentação durante as seguidas gravidezes. Viviam na pobreza, como a maioria daqueles que moravam naquela pequena vila quase perdida à margem esquerda do rio Piave, no interior da província de Treviso. A vila, uma pequena fração do município de Segusino, que outrora já tinha vivido mais progresso, não passava agora de um amontoado de algumas poucas casas rurais, mal conservadas, com terrenos pequenos pouco produtivos, resultado dos seguidos desmembramentos quando das transmissões de posse deixadas como herança dos antepassados. A população da vila não ultrapassava, quando muito, duzentas pessoas, distribuídas entre a minúscula zona urbana e a rural. Uma pequena capela, uma pracinha e algumas antigas casas de comércio, entre elas, uma que vendia tabaco, sal, vinho e licores, administrada a muitos anos por uma viúva já idosa, a avó de Genaro. Era tudo que havia na vila. O prédio da prefeitura e a igreja matriz, com sua alta torre dos sinos e a praça, ficavam na sede do município, cerca de quatro quilômetros distantes. Aqui se podia sentir um pouco mais de movimento, principalmente aos domingos e dias santos, por ocasião das missas, quando também as diversas casas de comércio que vendiam vinho e licores também recebiam mais fregueses. Completava o cenário um pequeno hotel, com poucos quartos, agora quase sempre vazios, que em tempos passados dava abrigo às dezenas de balseiros que tinham descido pelo Piave com grandes balsas formadas com toras de madeira, provenientes sobretudo de Cadore e Cansiglio. Os "zattieri" como eram chamados esses trabalhadores, desciam com as balsas pelo rio  Piave até Veneza e retornavam a pé para começar uma nova viagem, muitos deles passando também por Segusino, onde faziam alguma refeição e pernoitavam. 
A família de Genaro tentava sobreviver como podia, plantando algumas hortaliças no pequeno lote de terra e criando alguns poucos animais domésticos, para ovos e abate. O pai Daniele tinha nascido no interior do município de Alano di Piave, localizado não muito distante, mas, já pertencente a província de Belluno e migrado muitos anos antes devido ao seu trabalho. Daniele conheceu a sua esposa Maria Augusta, a mãe de Genaro, no município de Vaz, também não longe de Segusino, quando, acompanhava o seu pai Antonio, que era um hábil carpinteiro, muito procurado em toda aquela região, e faziam um trabalho de reparo do telhado na casa dos pais de Maria. Depois de um namoro e noivado curtos, algum tempo depois, se casaram na Igreja Paroquial San Leonardo, de Vaz e depois de um ano, quando Maria já estava grávida do primeiro filho, Daniele resolveu se estabelecer por conta própria, descendo e costeando o rio Piave, rumando para Segusino, levando também a mãe viúva com eles. A situação de todo o Vêneto, e também da Itália, naquele período era muito difícil. O trabalho de carpinteiro estava cada dia mais difícil. Por falta de dinheiro as  pessoas não mais construíam e nem reformavam suas casas. As oportunidades de trabalho para Daniele foram ficando cada vez mais raras, chegando ao ponto que ele não mais aguentou e também passou a trabalhar como empregado rural diarista para alguns donos de grandes propriedades que ainda estavam sobrevivendo àquela economia que se seguiu a criação do novo país, a chamada Itália, que eles pouco conheciam. Genaro e suas irmãs mais velhas também trabalhavam o dia todo como diaristas em outras propriedades rurais da região. As dificuldades foram crescendo em casa e até as refeições, uma vez mais fartas, começaram a rarear e a polenta se tornou o único alimento ainda disponível. O pão branco e o vinho eram duas coisas que não conseguiam mais comprar. Genaro viu seu pai e irmãs mais velhas definhando a cada dia, por deixarem de fazer uma das refeições do dia, para sobrar comida para os irmãos menores. À mesa a polenta ficava cada vez menor, servida pela mãe e cortada com um fio de linha umedecido em água colocada em um prato fundo. Algumas poucas verduras amargas, tais como o "pissacan", completavam a pobre guarnição. Por cima da mesa ficava dependurada por um barbante, uma sardinha, ou outro peixe frito, em algumas raras vezes, um pequeno salame defumado, onde, cada um por sua vez o tocava com o seu pedaço de polenta, para obter algum sabor. Essa dieta quase única e muito fraca em nutrientes, fez o pai de Genaro e uma das suas irmãs ficarem muito doentes, com a pelagra, precisando internação em um hospital distante, na cidade de Mogliano Veneto. Depois de alguns meses de tratamento a irmã conseguiu se recuperar bem, mas, infelizmente, o seu pai voltou para casa para morrer pouco tempo depois. A morte de Daniele desestruturou completamente a família, deixando-os na miséria completa e as poucas economias, incluindo a vaca e o pequeno burro usado para o trabalho, foram vendidos para tentar salvá-lo. 
Um ano após o falecimento de Daniele, as duas irmãs mais velhas de Genaro se casaram. A primogênita, com um bravo rapaz de Vidor e no mesmo ano emigraram para os Estados Unidos. A outra irmã também se casou logo, em 1882, com um rapaz de família conhecida, moradores à localidade de Col Lonc e emigraram para Chipilo no México, com grande número de outros camponeses trevisanos e beluneses. 
Genaro já estava com dezessete anos, era agora o homem da família, responsável pela mãe viúva e mais seis irmãos e irmãs menores. Era o arrimo da família. Deveria se apresentar para o serviço militar no próximo ano, quando completaria 18 anos e isso o deixava muito preocupado. Pensava como a sua família poderia sobreviver sem ele. Em algumas ocasiões, nos tempos de paz, os rapazes arrimo de família eram dispensados do serviço militar, porém, não dava para ter certeza que isso aconteceria com ele. Não podia esperar pelo ano seguinte, quando então teria dezoito anos e se não conseguisse dispensa do serviço militar seria impedido de sair legalmente do país. Pensou até em migrar sozinho para a França e de lá embarcar em algum navio a caminho do Brasil, o destino que o pai sempre vinha sonhando para todos eles. Nos portos franceses de Le Havre e Marselha o controle do serviço militar era relaxado para os estrangeiros e passaria facilmente. Porém, lembrou que para  isso precisava ter dinheiro para comprar o bilhete de viagem, que não era pouco, e a família de muito tempo já não possuía mais recursos. Lembrou também de como ficariam a sua mãe e irmãos, pois, o outro irmão menor tinha somente 16 anos e não tinha ainda condições de assumir o seu lugar. Assim, em uma reunião da família, a mãe se impôs e resolveu seguir os conselhos do marido, que sempre falava que o Brasil era um grande e rico país no qual, certamente, encontrariam um local para eles. Daniele sempre alimentou a ideia de levar toda a família para o Brasil para fugir da carestia, do desemprego e da fome na Itália. Alguns dos seus conhecidos, anos antes, já tinham emigrado para a província do Rio Grande do Sul e contavam, nas suas cartas para as famílias, que estavam indo muito bem e aconselhavam os amigos a também irem para lá e jamais para a província de São Paulo. Sem discussão todos os irmãos concordaram com a mãe e começaram os preparativos para emigrarem juntos para o Brasil ainda naquele ano de 1883, quando Genaro estava com 17 anos. Na prefeitura fizeram um passaporte coletivo para todos da família, com destino ao Brasil. Ficaram sabendo que o governo do Império do Brasil continuava recrutando mão de obra na Itália e fornecia gratuitamente as passagens de navio e os deslocamentos até o novo local de trabalho. Genaro e quatro dos seus irmãos eram bem altos e muito corpulentos, acostumados desde cedo aos trabalhos pesados do campo, o que talvez compensaria a falta do pai, uma das exigências para obter a gratuidade da viagem, pois, aceitavam somente casais com filhos. Procuraram por um agente de viagens, também representante do governo imperial brasileiro, e sem maiores discussões foram aceitos para emigrar para o Brasil. Precisavam se desfazer das poucas coisas que possuíam e de tudo que não pudessem levar. Venderam até com facilidade a casa em que moravam, para um dos vizinhos. Venderam também a casa de comércio que era da avó, a qual tinha sido alugada e deixada pelo pai Daniele como a última reserva de capital, caso conseguissem emigrar. Conseguiram um bom valor por ela, até mais do que pensavam, por estar bem localizada, às margens da estrada que levava à sede do município.
Um dia antes de partirem, Maria Augusta e os filhos, após organizarem todas as caixas e sacos com a mudança, foram até o cemitério dar a última despedida para Daniele e a avó que ali estavam sepultados. Foram também até a igreja matriz se despedir do velho padre Michele, um antigo amigo da família, e pedir a sua benção para que a viagem transcorresse bem e que tivessem sucesso no Novo Mundo. Aproveitaram também para encomendar missas anuais, nas datas dos falecimentos de Daniele e da avó Giacinta, em intenção às suas almas. Se despediram de todos os amigos e vizinhos e em uma manhã bastante fria do início de dezembro, se dirigiram à estação ferroviária para pegar o trem até Gênova, e assim deixaram definitivamente a querida vila, para nunca mais voltarem.

Continua
Trecho do conto 
Em Busca de um Futuro Melhor
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS