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sábado, 18 de outubro de 2025

A Promessa de Liberdade


 

A Promessa de Liberdade

Caminhos de coragem e esperança

No final do outono de 1876, Giovanni Santaron, natural do pequeno comune de Valstagna, no coração da província de Vicenza, sentiu o peso de séculos de montanhas estreitas e terras insuficientes ficarem para trás. O Adriático já estava distante, e o som constante do Brenta correndo entre as rochas havia sido substituído pelo silêncio profundo das matas brasileiras. Ele chegara, com a esposa e os filhos, após meses de incertezas e mares revoltos, a um pedaço de mundo chamado Campo dei Bogheri, parte da recém-criada colônia de Caxias, no extremo sul do Brasil, província do Rio Grande do Sul.

A paisagem o impressionou desde o primeiro instante. Ondulações verdes se estendiam até onde a vista alcançava, quebradas apenas por árvores de troncos grossos e copas altas, como sentinelas de um reino intocado. O solo, escuro e fértil, prometia abundância a quem soubesse dominá-lo. Os colonos diziam que cento e cinquenta campos de terra poderiam sustentar setenta famílias com folga, e Giovanni, ao percorrer os limites de seu lote, via a promessa materializar-se em cada palmo. Ali, um mês de trabalho duro podia prover alimento para um ano inteiro. Para um homem que conhecera a fome e o frio das encostas alpinas, aquilo soava quase como milagre.

As autoridades imperiais brasileiras haviam cumprido sua palavra: na chegada, receberam víveres suficientes para atravessar os primeiros meses. Restava transformar a mata cerrada em lavouras, mas o tempo jogava a favor. A cada machadada, o cheiro fresco de madeira recém-cortada se misturava ao aroma úmido da terra exposta, e o suor parecia se converter em esperança.

Giovanni sentia a ausência da família deixada na Itália como uma ferida aberta. O pai, já envelhecido, e o irmão Pietro, preso às obrigações da aldeia, não conheciam a liberdade que ele experimentava. Em suas cartas, descrevia o ar puro e a água cristalina que corria em abundância, tão diferente da escassez do vilarejo natal. Repetia que não havia perigos nem no mar nem na terra, que o governo era justo e que, ali, até os velhos rejuvenescendo pareciam reencontrar a força.

No silêncio das noites frias, imaginava a chegada deles. Já se via indo ao porto fluvial com os cavalos para buscá-los, conduzindo-os diretamente ao novo lar, sem o desconforto das casas de imigração. Recomendava que trouxessem ferramentas de ferro, sementes e mudas de videiras, pois sonhava em ver o vale coberto por parreirais como os que conhecera em Vicenza.

Para ele, partir da Itália fora mais que uma decisão econômica: era um ato de libertação. Chamava sua terra natal de "prisão", não por falta de amor, mas pelo peso das limitações impostas por séculos de pobreza e de terras insuficientes. No Brasil, encontrara não apenas espaço e fartura, mas a sensação de que, pela primeira vez, era dono do próprio destino.

Enquanto o inverno se aproximava, Giovanni ergueu a primeira casa de madeira, sólida e simples. No quintal, linhas de milho já despontavam, e entre as árvores, reservava espaço para as primeiras videiras que chegariam com a família. Ele sabia que a vida ali exigiria trabalho árduo, mas já não temia o futuro. Naquele pedaço de terra distante, a promessa de liberdade finalmente tinha raízes.

A construção, feita com troncos cortados na própria mata, exalava o perfume fresco da madeira recém-trabalhada. As paredes ainda guardavam marcas de machado e de serrote, testemunho da força e da persistência aplicadas em cada encaixe. Ao redor, o chão de terra batida começava a tomar forma de quintal, com pequenas clareiras abertas para a horta e um cercado improvisado para as galinhas que pretendia criar.

Nos finais de tarde, quando o sol se inclinava por trás das colinas, a luz dourada se infiltrava entre as frestas da casa, pintando de âmbar o interior simples. Giovanni observava o milho crescer dia após dia, sentindo que aquelas hastes verdes eram mais do que cultivo: eram o sinal concreto de que a dependência dos auxílios iniciais do governo logo ficaria para trás.

No espaço reservado para as videiras, ele já visualizava fileiras ordenadas que, no futuro, dariam sombra nos verões quentes e cachos maduros para o vinho que lembraria as colinas de Vicenza. Essa imagem lhe trazia um conforto silencioso, como se parte da Itália fosse recriada ali, no coração da colônia.

O inverno chegaria breve, trazendo noites frias e neblinas densas que se deitariam sobre os vales. Mas Giovanni sentia-se preparado. A casa lhe oferecia abrigo, a terra começava a responder ao seu esforço e, pela primeira vez em muitos anos, o horizonte não lhe parecia uma barreira, mas uma promessa aberta.

Nas madrugadas claras, quando o orvalho se acumulava como pequenas pérolas sobre as folhas, ele caminhava lentamente pelo terreno, ouvindo apenas o próprio passo sobre a relva úmida. Nessas horas, percebia que a liberdade não era apenas a posse da terra ou a fartura que ela prometia, mas também a ausência do medo constante que o acompanhara na Itália — medo de más colheitas, de impostos sufocantes, de senhores distantes decidindo o destino de famílias inteiras.

Agora, cada amanhecer trazia um sentido novo. Os filhos, brincando no terreiro, aprendiam a medir o tempo pelo crescimento das plantas e pela chegada das estações. A esposa, mesmo cansada, cantava baixinho enquanto cuidava das primeiras ervas da horta. Tudo ainda era frágil, mas tudo também era verdadeiro.

E, assim, no coração do inverno que se anunciava, Giovanni compreendeu que não havia viajado apenas para escapar da miséria: ele havia vindo para plantar um futuro. E esse futuro, tal como as raízes que se aprofundavam sob a terra negra, estava destinado a permanecer.

Nota do Autor

Ao escrever esta história, busquei captar não apenas as palavras de um tempo distante, mas a alma pulsante daqueles que, com coragem e fé, deixaram para trás suas terras natais em busca de uma vida melhor. A saga de Giovanni Santaron — homem simples, mas imenso em sua determinação — é também a história de milhares de italianos que cruzaram oceanos, enfrentaram a incerteza, o medo e o esforço para construir novos lares sob céus desconhecidos.

Para vocês, descendentes dessa herança rica e profunda, ofereço esta narrativa como uma ponte entre passado e presente. Que ela traga à tona o orgulho das raízes que vocês carregam e a consciência do sacrifício silencioso que moldou suas famílias. Que possam sentir, nas palavras, o cheiro da terra recém-arada, o frio das noites no novo mundo e o calor das esperanças que jamais se apagaram.

Esta é uma homenagem aos imigrantes que, mesmo diante das adversidades, encontraram na coragem a força para recomeçar. Que seu legado inspire a cada um de vocês a valorizar o passado, a respeitar a luta daqueles que vieram antes e a construir, com a mesma bravura, os sonhos do amanhã.

Com profunda gratidão e respeito,

Dr. Piazzetta


quarta-feira, 15 de outubro de 2025


A Promessa de um Novo Horizonte

A Saga de Pietro Galvani em Terras Gaúchas

Na quase esquecida fração de Alberoro, no pequeno município de Monte San Savino, com somente uma dúzia de construções em pedra, nas planícies onduladas da Toscana, em 1884, a conversa sobre a "Merica” dominava as praças e os encontros em família. Pietro Galvani, um homem de 36 anos, ouvia atento as histórias contadas após a missa dominical na pracinha da localidade por algum vizinho que havia recebido cartas da Argentina ou do Brasil. Diziam que essas terras eram um paraíso onde o ouro fluía nas águas dos rios e as plantações cresciam sozinhas sob um sol generoso.

Piero era um agricultor modesto, casado com Francesca De Martino, uma mulher decidida e resiliente. Eles tinham quatro filhos: Emilio, de 12 anos, que já ajudava o pai no campo; Giulia, de 10, sonhadora e talentosa com agulhas e linhas; Antonio, de 7, sempre curioso e questionador; e o pequeno Luca, de apenas 2 anos. A vida na Toscana era muito dura naqueles anos. As terras estavam exauridas, os impostos eram sufocantes e os Galvani mal conseguiam alimentar a família. Quando o tio de Pietro, Domenico Galvani, escreveu do Brasil falando sobre a abundância de terras férteis e os salários pagos em ouro, Pietro e Francesca começaram a considerar o impensável: também emigrar, seguindo aquela corrente que desde 1875 engrossava a cada ano, de milhares de compatriotas que descontentes deixavam tudo em busca de uma nova vida do outro lado do oceano. 

Francesca hesitava. Deixar a Itália era abandonar o que restava de sua identidade, sua língua, suas tradições. Mas Pietro sabia que não tinham outra escolha. Em uma noite fria de final de novembro, com o vento uivando pelas frestas da janela, ele disse:

— Francesca, é agora ou nunca. Se ficarmos, não teremos futuro. Se formos, podemos dar às crianças uma vida que nunca sonharíamos aqui.

Com lágrimas nos olhos, Francesca concordou. Venderam tudo o que possuíam: os móveis, a mula, até mesmo os utensílios de cozinha. Em março de 1885, embarcaram no porto de Genova no navio a vapor Príncipe de Asturias, rumo ao Brasil.

A viagem foi uma provação. Por 33 dias, enfrentaram tempestades, enjôos e a monotonia do oceano. Luca, o mais jovem, contraiu uma febre durante o trajeto, e Francesca passava noites em claro cuidando dele. Apesar das dificuldades, Pietro mantinha a esperança viva, reunindo os filhos todas as noites para contar histórias sobre as terras que os aguardavam.

Chegaram ao porto de Santos em um dia chuvoso. A visão do cais, com suas multidões de imigrantes, trabalhadores e mercadores, foi ao mesmo tempo assustadora e emocionante. Após alguns dias de espera, foram transferidos para o sul, chegando ao Rio Grande em um outro navio menor, apertado, ao lado de outras famílias italianas. Finalmente, desembarcaram no Porto de Rio Grande, no dia 13 de maio de 1888, o mesmo dia em que a escravidão foi abolida no Brasil.

Os Galvani foram enviados para uma colônia em uma região de mata densa chamada Colonia Dona Isabel. Cada família adquiriu do governo em incontáveis prestações, um grande pedaço de terra coberto por árvores altas e cipós, e a primeira tarefa era desbravar a floresta. Pietro e Emilio trabalhavam incansavelmente, derrubando árvores e preparando o solo para plantar milho, trigo e feijão em pequenos espaços abertos na mata enquanto Francesca cuidava das crianças e sempre achava tempo de dar uma mão ao marido no trabalho duro da roça.

As noites eram longas e difíceis. Giulia, que sentia muita falta da avó e dos primos, chorava baixinho para não preocupar os pais. Antonio fazia perguntas intermináveis sobre os animais da floresta e sobre os diversos sons que ouvia à noite. E Francesca, apesar de sua resistência, às vezes murmurava em voz baixa:

— "Se eu encontrasse Cristóvão Colombo, eu o faria pagar por ter descoberto esse lugar".

Depois de alguns anos de luta constante, a família começou a ver os frutos de seu trabalho. A primeira colheita foi modesta, mas suficiente para sobreviver. Piero construiu uma pequena adega onde fermentava vinho com as primeiras uvas que plantaram. O vinho logo se tornou conhecido entre os colonos, e os Galvani ganharam um pouco de crédito com os comerciantes locais.

Em 1892, Emilio, agora com 19 anos, casou-se com Teresa Benvenuto, uma jovem da colônia vizinha de Caxias. Juntos, começaram a expandir os vinhedos da família, plantando novas variedades de uvas trazidas da Itália. Antonio, sempre curioso, tornou-se um talentoso carpinteiro, fabricando móveis que eram vendidos em Porto Alegre. Giulia, com seu talento, começou a ensinar outras jovens da colônia, enquanto Luca, o caçula, se tornou o contador da família.

Pietro faleceu em 1912, aos 63 anos, deixando um legado de perseverança e coragem. Francesca viveu até 1925, cercada pelos netos que a ouviam contar histórias da Itália e da travessia que mudou o destino da família. A colonia prosperou rapidamente, tornando-se o município de Bento Gonçalves, e a cantina dos Galvani é hoje uma das mais renomadas da região.

Os descendentes de Pietro e Francesca continuam a celebrar as tradições italianas, lembrando-se dos sacrifícios de seus antepassados e da coragem que os trouxe a esta nova terra.

Nota do Autor

Os personagens e nomes apresentados nesta narrativa são fictícios, mas a história é real. Ela nasceu a partir de uma carta familiar autêntica, escrita no final do século XIX, que chegou às minhas mãos durante uma pesquisa em um acervo museológico no Rio Grande do Sul — um lugar de memória onde se preservam cartas, diários, mensagens e objetos pessoais dos pioneiros imigrantes italianos que ajudaram a construir o sul do Brasil.

Ao decifrar a caligrafia desbotada e as palavras marcadas pela saudade e pela esperança, foi possível entrever o drama humano que se escondia nas entrelinhas: o medo da travessia, o choque com o desconhecido e a obstinada fé no trabalho como caminho para a dignidade. A carta original não mencionava apenas fatos, mas sentimentos — o desespero de deixar a pátria, a ternura pelos filhos, a coragem silenciosa das mulheres e a esperança renascida a cada amanhecer na nova terra.

Os nomes foram alterados para preservar a privacidade dos descendentes e para permitir liberdade literária na reconstrução dos eventos. No entanto, cada gesto, cada dor e cada conquista descritos nesta história pertencem verdadeiramente aos homens e mulheres que, com as próprias mãos, transformaram a mata bruta em vinhedos e vilas — e que, sem saber, escreveram um dos capítulos mais comoventes da saga da imigração italiana no Brasil.

Esta narrativa é, portanto, uma homenagem a eles: aos Galvani de todos os sobrenomes, cujas vozes ecoam ainda hoje entre os vales, nos sotaques mistos, nas celebrações familiares e no vinho que perpetua a memória dos que ousaram sonhar com um novo horizonte.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta




sábado, 11 de outubro de 2025

Traduçao da Carta de Dom Domenico Munari ao Arcebispo em 1877

 



Carta de Dom Domenico Munari

Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, 21 de outubro de 1877

Diletíssimo Arcebispo,

Este dia, que em anos passados eu costumava passar em meio à alegria de doces amigos, este dia me recorda Arsiè e a bela sua solenidade aniversária do terceiro domingo de outubro, e muito mais me recorda os dilettíssimos amigos com os quais eu costumava conversar com alegria em tempos menos infelizes do que o presente.

Antes de todos esses amigos, naturalmente, vem Vossa Senhoria, diletíssimo Arcipreste, e por isso a Vós devo por esse título escrever a presente, e escrever-Vos destas múltiplas penas.

Gozo perfeitamente de saúde, embora a sorte iníqua se ria de mim e me lance os golpes mais cruéis nos meus espíritos, especialmente no decorrer do meu destino a estes lugares do novo mundo; todavia não perdi ainda aquele meu habitual e natural bom humor, que me faz rir até mesmo da desgraça.

Depois de tantas desventuras, a partida e o naufrágio nas costas da França (coisas que já conhecereis), depois de 40 dias de viagem, decidi arriscar-me a vir aqui, ao Brasil, que ainda não conhecia, apenas ouvindo falar. Atravessei o Atlântico desembarcando em Rio Grande no dia 10 de agosto; de lá embarquei num vaporzinho e em 12 dias, passando por Lisboa e Santa Cruz das Canárias, finalmente me encontrei nesta terra.

Permaneci no Rio de Janeiro por 12 dias; mas vendo que ali circulava a “Seca”, que com a foice da febre amarela ameaçava mandar-me ao coveiro e engordar os ratos, tratei logo de escapar e embarquei num vapor que me trouxe ao Rio Grande do Sul; entrei pelo canal de Porto Alegre e fui enviado para a cura de Conde d’Eu, colônia italiana de 4.000 e mais almas. Logo em seguida foi anexada também a colônia Dona Isabel de outros tantos italianos; mas, considerando a impossibilidade de poder reger com tanto encargo, especialmente com a indiferença, com o astúcia das vorazes Harpias que presidem aquela infeliz colônia, apresentei ao Governo a minha demissão, por ter o Bispo erigido uma nova Paróquia, como me foi prometido e espero.

Agora gozo de ótima saúde e bom humor, e com isso celebro o Ofício e a Missa, e escrevo a alguns amigos. Não será surpresa que eu não retorne à colônia Conde d’Eu, mas agora por conselho do Bispo não volto, nem os colonos querem, e com razão, dar uma lição de equidade e justiça ao Chefe da Colônia que os trata pior que escravos. Oh! pobres italianos imigrados! Quanta angústia e privações devem sofrer, e quantos sacrifícios devem fazer para se estabelecerem em uma selva selvagem áspera e forte! A maioria amaldiçoa o dia em que descobriu a América, maldizendo o desgosto, a emigração e o dia da sua partida para estas partes, e desejariam morrer miseráveis e nus em sua pátria, em vez de se verem privados de cada conforto em meio a essas antigas selvas, sem esperanças de retorno, e com pouca esperança de prover o necessário.

E como são tratados os colonos, posso jurar que nenhuma miséria é igual a essa.

Mas quem acreditará em mim? Tantos desses miseráveis, quando escrevem, por medo de que suas cartas não cheguem às suas pobres famílias (porque o Czar das colônias tem tudo em mãos para entregar ao longínquo correio), escrevem bem; mas isso não é verdade e não pode ser. E como poderão chamar-se felizes?

Aqui é uma selva, e no princípio sem teto, e depois uma cabana semelhante ao presépio de Belém, feita em grande parte de varas, onde o ar e a água dominam sempre.

Enquanto escrevo, os colonos devem levar-se à própria colônia, onde encontram apenas mato, mato e mais mato. Dez dias só de comida são dados a eles, e depois nada, nada e nada. Uma vez paga a casa com 105 florins, depois muda-se a máscara, e só 25 florins (quando Deus quer) são dados de ajuda, que equivalem a 25 francos de nossa moeda, e a menos de 25 francos.

Verdadeiramente digo-vos, e o Senhor é minha testemunha.

De fato, neste emaranhado não entra o Governo do Brasil, porque este estaria disposto a ajudar; mas são as companhias que, como o Czar e as Harpias, sugam das últimas forças do pobre colono, até o ponto de este sucumbir miseravelmente.

Avisai ao Governo já que a emigração deve ser fechada, se ele vos ouvir, e se me ouvir também. Oh, pobres cegos e miseráveis, nada são e nada mais se tornarão, senão ainda mais miseráveis! Agora a Vós posso e devo escrever a verdade, porque estou fora da pressão deles. Avisai em Igreja o povo, que não tome por ora o caminho da América, pelas causas indicadas.

Passo a falar de outras coisas da emigração.

As notícias que tenho em resumo são estas: os emigrados italianos sofrem com o calor excessivo do clima, com a absoluta falta de pão, de vinho, que devem substituir (se podem) por uma espécie de água extraída da cana-de-açúcar fermentada, com sabor desagradabilíssimo. A terra é fértil, mas é coberta de mato e de florestas imensas, com árvores de até 2 metros de diâmetro; para derrubá-las é preciso o trabalho de dois homens robustos durante um dia inteiro, trabalho desproporcional ao hábito do italiano emigrado, que muitas vezes não compensa a fadiga suportada. Além disso, muitas vezes a seca arruína as colheitas, e se não há seca, uma chuva repentina as destrói, ou uma geada mata as plantas na primavera; outro dia foi uma grande granizada, que em um quarto de hora, enquanto o pobre colono mal acreditava no que via, arrasou tudo.

Quando a terra tivesse muito fruto, o colono não poderia pagar ao Governo o preço da terra, pela absoluta falta de comércio, estando as colônias muito longe dos centros comerciais e com estradas tão péssimas que nem mulas podem transitar. Assim, em meio às misérias e angústias, prepara-se talvez um pão, mas certamente se prepara uma grande dívida, que dificilmente poderá pagar.

Quanto ao espiritual, é coisa péssima em tudo.

A religião professada pelos americanos do Rio Grande do Sul é precisamente a nulidade de toda religião; são “frammassoni”, mas não sabem o que isso significa; são católicos, mas não conhecem nada do cristianismo; são protestantes sem saber o que é o protesto. Na verdade, são indiferentes à religião, e nada mais.

A esse propósito, quero transcrever duas linhas do Boletim da Sociedade de Patronato dos Emigrantes Italianos, publicado em Roma em janeiro de 1876:
“As mulheres (dos imigrantes) se dão à prostituição; ao redor das meretrizes vivem outros emigrantes italianos, em péssimos costumes, lascivos, e sem freios.”

E mais:
“Há um turbilhão de emigrantes italianos atirados à mendicância, sem advertência da sua condição e da sua miséria, de modo que uma décima parte deles se encontra em situações horríveis, arruinados moral e materialmente, expostos a todos os perigos, reduzidos à condição de escravo por muitos e muitos anos.”

Portanto, quanto ao corpo e quanto ao espírito, os colonos perecem, e infeliz será quem se aventurar a emigrar para cá. A Providência talvez reprovará a nossa emigração: para mim isso já é mais que suficiente.

Assim escrevo apenas para bem do povo italiano.

De coração, vos saúdo.
Vosso devotíssimo amigo e confrade,

Don Domenico Munari
Ex-pároco de Fastro 

Nota do Autor

A carta do padre Domenico Munari, escrita em 1877, é um documento raro e pungente, impregnado de desilusão, compaixão e testemunho humano diante do drama dos primeiros colonos italianos no Rio Grande do Sul. Nela transparece a alma de um pároco sensível, formado na serenidade dos vales vênetos, lançado de súbito ao coração de uma terra bravia e hostil, onde seus conterrâneos lutavam para sobreviver entre o mato, a fome e a solidão.
Munari não escreve como observador distante, mas como alguém que compartilha a dor dos seus. Sua pena é, ao mesmo tempo, denúncia e desabafo. Ele vê nas companhias colonizadoras “harpias vorazes”, exploradoras do suor dos emigrantes, e descreve com espanto o contraste entre as promessas de um novo mundo fértil e a dura realidade de selvas, miséria e abandono. Sua carta é também um clamor pastoral — alerta às autoridades e súplica ao céu — pedindo que se interrompa a emigração antes que mais famílias sejam arrastadas à ruína moral e física.
Em suas linhas ecoa o sentimento profundo de quem, longe de casa, percebe o fracasso de um ideal. O tom é de desalento, mas também de fidelidade: o padre, embora vencido pelas circunstâncias, conserva o humor e a fé, e ainda encontra forças para celebrar a missa e escrever a verdade, mesmo sabendo que poucos acreditariam.
O sentimento que percorre toda a missiva é o de triste compaixão — a dor de ver um povo generoso, cheio de esperança, transformado em vítima das ilusões da emigração. Na sua voz, mistura-se o desencanto de um homem de fé com a ternura de um pastor que, mesmo exilado e impotente, ainda deseja proteger o rebanho disperso nas florestas do Novo Mundo.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta


sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Entre Raízes e Horizontes


Entre Raízes e Horizontes

A Vida de Bartolomeo Mussioni


Bartolomeo Mussioni nasceu em 1868 na pequena localidade de San Giacomo di Veglia, pertencente ao município de Vittorio Veneto, na província de Treviso. O lugar era um recanto modesto do Vêneto, protegido pelas colinas, repletas de parreirais, que se erguiam como guardiãs silenciosas sobre os campos cultivados. Ali, a vida seguia o compasso antigo do trabalho rural, com sinos de igreja marcando os dias e as estações ditando o destino das famílias.

Desde cedo, Bartolomeo aprendera que a terra podia ser ao mesmo tempo generosa e cruel. As planícies ao redor da vila, recortadas por fileiras de trigo e vinhedos ralos, exigiam esforço sem tréguas. A cada verão, o calor secava os campos até quase matá-los; a cada inverno, a geada queimava o que havia sobrevivido. Havia anos em que a colheita não passava de um punhado de grãos, insuficiente para alimentar a família durante os meses mais duros. Nessas épocas, o silêncio da casa se tornava pesado, quebrado apenas pelo som das lamúrias abafadas das mães e pelo ranger dos arados puxados a custo pelos bois magros.

Mas o mundo de Bartolomeo não se limitava às dificuldades da lavoura. Desde a adolescência, rumores atravessavam os vales e corriam de boca em boca: histórias de terras distantes, de uma nova vida além do oceano. Nos encontros na pequena praça de Vittorio Veneto, entre o murmúrio dos anciãos e a curiosidade dos mais jovens, surgiam relatos de famílias que haviam partido rumo à América. Falava-se de um continente fértil e sem fim, onde a terra não precisava ser pedida em arrendamento e onde as colheitas se multiplicavam como bênçãos.

Essas histórias, muitas vezes exageradas e envoltas em mistério, alimentavam a imaginação dos camponeses. Para Bartolomeo, que desde cedo conhecia a incerteza da subsistência, a ideia de uma terra em que o pão e o mel pareciam brotar da própria natureza ganhava contornos de promessa divina. Era como se o destino oferecesse, além das colinas familiares de Treviso, um horizonte novo, vasto e luminoso, capaz de resgatar sua família da penúria e garantir-lhe um futuro de abundância. 

Em 1884, quando Bartolomeo completou dezesseis anos, sua vida sofreu o primeiro grande abalo. Naquele ano, seu tio Santo, homem de espírito inquieto e coragem rara, decidiu romper os limites da tradição e tentar a sorte além-mar. Partiu de Vittorio Veneto levando consigo a esposa e as duas filhas pequenas, deixando para trás a velha casa de pedra e os vinhedos que já não sustentavam a família. A despedida foi marcada por lágrimas contidas e pelo som pesado dos sinos da paróquia, que naquela manhã pareciam dobrar não apenas para os que ficavam, mas também para o fim de uma era.

Meses depois, começaram a chegar as primeiras notícias da travessia. Relatos inflamados descreviam um Brasil exuberante, onde a terra se abria generosa diante de quem tivesse braços fortes para cultivá-la. Falava-se de rios largos como mares, de campos tão vastos que os olhos não alcançavam o fim, de colheitas que superavam qualquer expectativa. Para os que viviam sob a penúria das encostas vênetas, tais notícias soavam como revelações de um Éden reencontrado.

A cada palavra que chegava, crescia no coração de Bartolomeo um turbilhão de sentimentos. Entre a dura realidade de San Giacomo di Veglia e as promessas de um continente sem fronteiras, instalava-se nele uma inquietação que não lhe permitia mais dormir em paz. O jovem, ainda marcado pela inocência dos dezesseis anos, começou a enxergar o mundo como uma bifurcação inevitável: permanecer preso às colinas que moldaram sua infância ou arriscar tudo na incerteza de terras desconhecidas.

A decisão foi se formando lentamente, como as estações que amadurecem a vinha. Movido por uma mistura de curiosidade, esperança e o desejo quase instintivo de quebrar o ciclo da escassez, Bartolomeo se uniu à onda migratória que se espalhava por sua região como uma maré silenciosa. No dia da partida, deixou Vittorio Veneto com o coração dividido: de um lado, a saudade pungente da pátria, das colinas familiares, dos rostos que jamais veria outra vez; de outro, a expectativa ardente do desconhecido, que o atraía como uma promessa de renascimento.

A travessia foi longa, trinta dias sobre o mar revolto até o porto de Santos. Mal desembarcou, Bartolomeo solicitou ser transferido para a Colônia Caxias, no Rio Grande do Sul, onde a família de seu tio já começava a se estabelecer. Chegaram a Porto Alegre em 13 de maio de 1888, um dia que entraria para a história do Brasil pela abolição da escravatura. Para Bartolomeo e os que chegavam, no entanto, o mundo novo era ainda cru e desafiador: não havia dinheiro, não havia crédito, não havia garantias. O peso da realidade pesava mais que o sonho da América.

Enquanto seu avô e seu tio Giovanni, ainda na Itália, sugeriam o retorno à pátria, Bartolomeo ouviu a determinação de seu pai Vittore e do tio Prosdocimo: a família já estava ali, e a oportunidade deveria ser cultivada, mesmo que lenta e penosamente. Embora Bartolomeo e sua tia Lucia inicialmente desejassem retornar à Itália, a persistência do pai e a força da comunidade os fizeram permanecer. Entre resmungos e lamentações, Lucia expressava seu desdém pela “terra de selvagens”, enquanto Bartolomeo, emocionado, buscava aceitar a vontade divina e o curso inevitável da vida.

O tempo, implacável e paciente, trouxe consigo a adaptação e os primeiros frutos do esforço. As mãos calejadas de Bartolomeo e de sua família começaram a transformar a terra bruta em campos ordenados. Onde antes havia apenas mato cerrado e chão pedregoso, surgiram fileiras de milho que se erguiam como estandartes verdes sob o sol tropical. As sementes de trigo, importadas em pequenas quantidades, encontraram resistência, mas aos poucos aprendeu a crescer naquele solo novo, como se também fosse um emigrante em busca de raízes. Outros cereais, plantados em parcelas menores, completavam a paisagem agrícola que se expandia a cada estação.

A grande virada veio com a implantação do primeiro vinhedo. Entre enxadas, estacas de madeira e paciência quase infinita, Bartolomeo via brotar não apenas videiras, mas o elo simbólico com a terra de onde viera. As parreiras, ainda frágeis, balançavam ao vento como lembranças vivas das colinas de Vittorio Veneto. Cada ramo que vingava representava mais que uma promessa de colheita: era a prova de que, mesmo longe, era possível reconstruir um pedaço da pátria.

Com o trabalho incessante, vieram os primeiros sinais de progresso. Os comerciantes locais, antes desconfiados, passaram a conceder crédito. O nome dos Mussoni começou a circular nos registros da colônia, associado à perseverança e ao cultivo bem-sucedido. Uma sensação discreta de estabilidade se insinuava, ainda frágil como um fio de vidro, mas suficiente para dar à família um novo alicerce.

Cada passo, cada colheita, cada pequeno progresso consolidava a presença dos Mussoni naquele solo estrangeiro. As casas de madeira erguiam-se ao redor dos campos, os armazéns guardavam os frutos de meses de trabalho, e a terra que no início parecia hostil começava a revelar-se parceira. Ainda assim, no fundo do coração de Bartolomeo permanecia um vazio insondável. A saudade da pátria natal nunca o abandonava: nas noites silenciosas, enquanto o vento atravessava as frestas da casa simples, ele sentia-se de novo em San Giacomo di Veglia, ouvindo o soar dos sinos da pequena igreja e vendo as colinas do Vêneto se tingirem de dourado ao entardecer.

A vida lhe ensinava que era possível criar raízes em terras distantes, mas jamais arrancar da alma a lembrança daquilo que havia sido perdido.

Bartolomeo, moldado por desafios e esperanças, aprendeu que a verdadeira viagem não estava apenas na travessia do Atlântico, mas na construção de uma vida digna em terras que, embora distantes e inóspitas, podiam tornar-se lar para aqueles que perseverassem. Entre a memória das colinas de Treviso e os horizontes abertos do Rio Grande do Sul, encontrou seu destino — uma existência de trabalho árduo, conquistas tímidas e, acima de tudo, a promessa de um futuro construído com suas próprias mãos.

Nota do Autor

Escrever esta história foi, para mim, mais do que um exercício de imaginação: foi um mergulho profundo na memória coletiva de milhares de famílias que, como Bartolomeo Mussioni, deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor. Ao revisitar os caminhos de um personagem ficcional, inspirado na realidade de tantos imigrantes do Vêneto e de outras regiões da Itália, procurei dar voz à experiência universal de quem se vê dividido entre o amor pelas raízes e a necessidade de olhar para novos horizontes.

A escolha por narrar a vida de Bartolomeo nasceu do desejo de compreender o drama silencioso da emigração: o peso da fome, das colheitas incertas, das despedidas carregadas de lágrimas, mas também a esperança quase teimosa que movia homens e mulheres a atravessarem o oceano. Escrever sobre ele foi, portanto, uma forma de homenagear não apenas uma geração de italianos que ajudou a construir o Brasil, mas também as histórias de luta, adaptação e fé que permanecem vivas na memória de seus descendentes.

Ao longo da narrativa, busquei mostrar que a travessia de Bartolomeo não se restringiu ao Atlântico: ela foi também uma travessia interior. Cada vinhedo plantado, cada pedaço de terra cultivado, representava não só um gesto de sobrevivência, mas também uma tentativa de recriar, em solo estrangeiro, a pátria que ficara para trás. É nesse ponto que a história se torna universal: todos nós, em algum momento da vida, precisamos aprender a equilibrar aquilo que carregamos de origem com aquilo que nos espera adiante.

Decidi escrever Entre Raízes e Horizontes porque acredito que a literatura tem a força de resgatar aquilo que o tempo muitas vezes tenta apagar. A saga de Bartolomeo Mussioni é, no fundo, um tributo à coragem, à persistência e à saudade. É também um convite ao leitor para refletir sobre suas próprias raízes e horizontes — sobre o que deixamos para trás e sobre aquilo que nos move a seguir em frente.

Dr. Luiz Carlos Piazzetta



terça-feira, 7 de outubro de 2025

Tra Le Radise e i Orisonti



Tra le Radise e i Orisonti  

La Vita de Bartolomeo Mussioni


Bartolomeo Mussioni lu el ze nassesto ´nte l´ano 1868 in la pìcola località de San Giacomo de Veglia, che lora fasea parte del comune de Vittorio Veneto, ´nte la provìnsia de Treviso. El posto el zera un canton modesto del Véneto, difeso da le coline, pien de vignai, che se levava come guardian silensiose sora i campi coltivà. Là, la vita la seguia el passo antico del laor contadin, con el campanel de la cesa che i segnava i zorni, e le staion che i detava el destin de le famèie.

Da bòcia, Bartolomeo el gavea imparà che la tera podea essar a lo stesso tempo generosa e crudele. Le pianure intorno a la vila, pien da file de formento e da vigne malà e smagrì, domandava fadiga sensa fin. Ogni staion, el calor brusava i campi fin quasi a coparli; ogni inverno, la brosa brusava quel poco che el zera restà. Ghe gera ani che la racolta no vegnìa gnanca che ’na manada de gran, che no bastea gnanca par dar da magnar a la famèia ´nte i mesi pì duri. ´Nte sti tempi, el silénsio de la casa el fasea peso, sbregà sol dal pianser sordo de le mare e dal rumor lontan dei vassor tirà a fadiga da i bo magri.

Ma el mondo de Bartolomeo no el se fermava mìa so le fadighe de la tera. Da zòvene, le vose che passava tra le vale e de boca in boca: stòrie de tere lontan, de ’na vita nova oltre el mar. Tra le sbachetà del campanel de Vittorio Veneto, fra el brusìo dei veci e la curiosità dei pì zòveni, nasséa raconto de famèie che i zera partì verso l’Amèrica. Se diseva che zera un continente fértile e sensa fin, ’ndove la tera no bisognava mìa chiederla in afito e ’ndove le racolte se moltiplicava come benedission.

Sti raconti, tante volte ingrandì e coerte de mistero, i scaldava l’imaginassion dei pòveri contadin. Par Bartolomeo, che già da tempo conosséa l’incertesa de la subsistensa, l’idea de ’na tera ’ndove pan e mel pareva nasser da la natura stessa la fasea l’efeto de ’na promessa divina. Era come se el destin ghe ofrìsse, oltre le coline de Treviso, un orisonte novo, vasto e luminoso, bon de scampar la so famèia da la misèria e darghe un futuro de abondansa.

´Ntel 1884, quando Bartolomeo lu el gavea compiù sédese ani, la so vita la provò el primo gran sbaltón. Quela staion, el so zio Santo, omo de spìrito inquieto e coraio raro, el decise de romper i confin de la tradission e de provar fortuna oltre el mar. El partì da Vittorio Veneto portando con lù la mòier e le do fiole, e lassando drio la vècia casa de piera e i vignai che no mantegnea mìa la famèia. El adio el fu segnà da làgreme nascoste e dal suon pesà del campanel ´ntela pìcola piaseta avanti la cesa, che parea quel zorno che i suonasse mìa sol par chi restava, ma anca par la fin de ’na era.

Pochi mesi dopo, son rivà le prime notìsie de la traversia. Raconti pien de fogo disea de un Brasil vigoroso, ’ndove la tera se vertia generosa davanti a chi gavea brassi forti par coltivarla. Se contava de fiumi larghi come mari, de campi cussì vasti che l’òcio no rivea a vardar la fin, de racolte che passava molto ogni speransa. Par chi che vivea soto la penùria de le campagne vénete, ste notìsie le pareva rivelassion de un Eden ritrovà.

Ogni parola che rivava, ghe fasea nasser drento a Bartolomeo un mar de sentimenti. Tra la dura realtà de San Giacomo de Veglia e le promesse de un continente sensa confin, ghe se instalava ’na inquietudine che el no ghe fasea pì dormir en pase. El zòvene, ancora segnà da l’ingenuità dei so sédese ani, el ga scominsià a vardar el mondo come ’na stradela che se sparti in do: restar ligà a le coline che le gavea segnà la so infansa o metarse tuto in zogo ´nte l’incertessa de tere scognossù.

La resolussion la se formò pian pianin, come le staion che le fa madurar la vigna. Spinto da ´na mèscola de curiosità, speransa e da la voia quasi istintiva de romper la repetission de la scarsità, Bartolomeo se unì a l’onda migratòria che se spaiva par la so zona come ’na marea silensiosa. ´Ntel zorno de la partensa, el lassò Vittorio Veneto con el cuor spacà: da ’na parte, la nostalgia forte de la pàtria, de le coline, de le famèie che el no vardarìa pì; da l’altra, la speransa ardente de l’scognossù, che ghe pareva ’na promessa de rinàssita.

La traversia la ze stà longa: trenta zorni sora el mar sbregà fin al porto de Santos. Quasi sensa posar i piè, Bartolomeo domandò a le autorità de essar mandà a la Colónia Caxias, ´ntel Rio Grande do Sul, ’ndove la famèia del zio la stava za scominsiando a piantar radise. El rivò a Porto Alegre el 13 de maio del 1888, pròprio el zorno che Brasil el ga abolì la schiavitù. Ma par Bartolomeo e par chi che zera rivà, el mondo novo el zera ancora duro e feròs: no ghe zera schei, no ghe zera crèdito, no ghe zera garantìe. El peso de la realtà fasea pì forsa che el sònio de l’Amèrica.

Intanto, el nono e el zio Giovanni, che i zera restà ancora in Itàlia, i proponeva de tornar indrìo; ma Bartolomeo scoltà la volontà ferma de so pare Vittore e del zio Prosdocimo: la famèia zera za là, e l’oportunità la bisognava èssar coltivà, anca se pian e con fadiga. Anca se Bartolomeo e la zia Lucia al prinsìpio i volea tornar in Itàlia, la testardessa del pare e la forsa de la comunità i ghe ga fato restar. Tra sbufi e lamentassion, Lucia mostrava el so dispreso par ’sta “tera de selvadeghi”, mentre che Bartolomeo, con el cuor tasto, l’aceptava la volontà divina e el corso inevitàbile de la vita.

El tempo, implacàbile e pasiente, el portò co lu l’adatamento e i primi fruti de la fadiga. Le man dure de Bartolomeo e de la so famèia le scominsiò a trasformar la tera bruta in campi ordenà. Là ’ndove prima ghe zera mia che mato e sasso, saltava fora file de formenton che se levava verdi come stendardi soto el sol tropical. I semi de formento, che i zera importà in pìcola quantità, i ga trovà dificoltà, ma pian pianin i imparò a crèssar sora quel novo suolo, come se anca lori i zera emigranti in serca de radise. Altri grani, seminà in pìcoli pesi, i completava il novo paesàgio agrìcola che se alargava ogni stagion.

El gran cambiamento el ze rivà con la plantassion del primo vignal. Tra zape, stacheti de legno e pasiensa sensa fin, Bartolomeo el vardava spuntar no sol le vite, ma l’elo simbòlico con la tera de la so orìgene. Le vigne, ancora fràgili, le se movea con el vento come ricordi vivi de le coline de Vittorio Veneto. Ogni rama che vegniva la zera pì che ´na promessa de racolta: la zera la prova che, anca lontan, se podéa refar un canton de pàtria.

Con el laor straco, i ze rivà i primi segni de progresso. I negosianti locài, che prima i gera sospetosi, i ga scominsià a dar crèdito. El nome dei Mussoni el ga scominsià a sircolar ´ntei registri de la colònia, ligà a la perseveransa e a la bon resa del coltivo. ’Na sensassion tìmida de stabilità la se insinuava, ancora fràgile come un filo de vero, ma bastevole par dar a la famèia un novo fondamento.

Ogni passo, ogni racolta, ogni progresso consolidava la presensa dei Mussoni sora quel solo forestiero. Le case de legno se levava intorno ai campi, i magazini tegneva i fruti de mesi de fadiga, e la tera che al scomìnsio pareva ostìl scominsiava a mostrarse compagna. Ma drento al cuor de Bartolomeo restava un vodo che no se colmava mia. La nostalgia de la pàtria la no l’abandonava gnanca: ´nte le noti silensiose, con el vento che passava tra le fessure de la pìcola casa, lu se sentiva ancora in San Giacomo de Veglia, scoltando la campana de la ceseta e vardando le coline vénete che se colorava d’oro con el tramonto.

La vita ghe imparava che el zera possìbile far radise anca in tere lontan, ma mia strapar da l’ànima el ricordo de quel che zera lassà drio.

Bartolomeo, segnà da prove e da speranse, lu el ga imparà che el vero viaio no el stava mia solo ´nte la traversia del Atlàntico, ma ’nte la costrussion de ´na vita dignitosa ´nte tere che, anca se lontan e dure, podéa diventar casa par chi che gavea la perseveransa. Tra la memòria de le coline de Treviso e i orisonti spalancà del Rio Grande do Sul, lu el ga trovà el so destin — ’na esistensa de fadiga dura, pìcole conquiste e, sora de tuto, la promessa de un futuro fato con le so man.

Nota de l’Autor

Scrivar sta stòria la ze stà par mi pì che un eserssìsio de imaginassion: el ze stà un mergúio profondo ’nte la memòria cołetiva de mile e mile de famèie che, come Bartolomeo Mussioni, i ga lassà la so tera nativa in serca de ’na vita mèio. Contando i passi de un personaio finto, ma inspirà a la realtà de tanti emigranti véneti e de altre region de l’Itàlia, mi go volù dar vose a l’esperiensa universal de chi che se cata diviso tra l’amor par le radise e el bisogno de vardar verso novi orisonti.

La scielta de contar la vita de Bartolomeo la ze nassesta da la voia de capir el drama silensioso de l’emigrassion: el peso de la fame, de le racolte inserte, de lo adio con làgreme, ma anca la speransa testarda che moveva òmini e done a traversar el mar. Scrivar de lu el ze stà ’na maniera de onorar mia soł ’na generassion de italiani che i contribuì a costruir el Brasil, ma anca le stòrie de fadiga, adatamento e fede che le resta vive ancora ’nte la memòria dei so dessendenti.

´Nte la narassion, mi go sercà de mostrar che la traversia de Bartolomeo no se fermava mìa soł a l’Atlàntico: la zera anca ’na traversia interior. Ogni vigne piantà, ogni peso de tera lavorà, el zera mìa sol un gesto de sobrevivensa, ma ’na tentativa de refar, ´nte tera forestiera, la pàtria lassà drio. E qua che la stòria la deventa universal: tuti noaltri, a un serto punto de la vita, semo costreti a imparar a meter in bilansia quel che portemo da l’orìgene con quel che speta noi pì avanti.

Mi go decìso de scrivar Tra le Radise e i Orisonti parchè credo che la leteratura la ga la forsa de salvar quel che tante volte el tempo el vol canselar. La saga de Bartolomeo Mussioni la ze, in fondo, un tributo al coraio, a la perseveransa e a la nostalgia. La ze anca un invito al letor a rifletar sora le so pròprie radise e orisonti — sora quel che gavemo lassà drio e sora quel che spinge noialtri a ´ndar avanti.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



sexta-feira, 3 de outubro de 2025

El Difìssile Viaio dei Pionieri Taliani fin la Colónia Silveira Martins

 

El Difìssile Viaio dei Pionieri Taliani fin la Colónia Silveira Martins


El zera lo scomìnsio del ano 1877, el vapor Maranhão cargà con sentene de emigranti taliani, el gavea salpar dal porto del Rio de Janeiro, solcava le aque del sud del Brasil, za drento al stuàrio del fiume Guaíba, ndando pian pianin verso el porto de Rio Grande, ´ntela sità de lo stesso nome. Le sentene de passegieri impassienti, tanti de lori con le làgreme ´ntei oci, se strensèa contro le mure del ponte de la nave par vardar la manobra per aportar. Lori i fasea parte de la prima leva de emigranti taliani che dovea stabilirse ´nte la Colónia Silveira Martins, in sustitussion ai emigranti slavi che, dopo tante disgràsie, i gavea deciso de lassarla par sempre e che dopo mesi se ga saveo che i se ga stabilì in Paraná. Anca se strachi, el moral del grupo el zera alto e ciaschedun de lori no vardava l’ora de meter i piè su la tera tanto sonià. Tra quei passegieri ghe zera Francesco con la so zòvene mòier Mariana, tuti i do nati ´ntela località de San Giorgio, ´ntel comune de San Polo di Piave, provìnsia de Treviso. Mariana la zera al scomìsio de la so prima gravidansa. Lori i se zera sposà quatro mesi prima ´ntela cesa de San Giorgio Maggiore, in San Polo, na costrussion antica del sècolo II tirà su sopra le rovine de un aquedoto romano.

El grupo che ze arivà el ze stà portà a un alogiamento provisòrio, no tanto lontan dal porto, che no el zera altro che baraconi grandi de legno greso, coperti de lamiere de zinco e pavimento de tera batuda, sensa tante division interne, ndove la privasità la zera quasi nula. Òmini, done, putei, veci vegnù da tante provìnsie de Itàlia, i se mescolava tentando ciaschedun de conservar la dignità.

Lori i savea che i dovea restar là spetando l’òrdine de prosseguir el viaiao che le autorità de imigrassion gavea da dar. Queste ultimi i spetea che i funsionari i segnasse i loti in colónia, ma sto laor zera drio a ritardar tanto, par via de le piove forte che gavea rendù impraticà gran zone. L’inquietùdine la scominciava a ciapar i pì impasienti, diventando anca motivo de qualche discussion tra de lori.

Finalmente, dopo setimane de speta, ´na matina la ze rivà l’òrdine tanto aspetà de prosseguir el viaio. Le famèie le ze menà al porto e imbarcà in barche fluviali a vapor che fasea el trasporto fin la sità de Rio Pardo, za ´ntel cuor de la provìnsia de Rio Grande do Sul. Francesco e Mariana con altri trenta compagni i ze rivà presto a bordo del vapor Guimarães, na imbarcassion anca nova, che se scostò presto dal cais, lassando un rastro de fumo nero su el cielo.

Seguindo el viaio, lori i ga passà drio a la sità de Pelotas e i ga entrà ´nte la Laguna dos Patos, na vasta distesa de aqua, ciamà anca fiume Guaíba, formà da la confluensa de pì fiumi che i finia là a l’altessa de Porto Alegre, la capital de la provìnsia. In sto ponto, dopo quasi un zorno de viaio, i ga fato ´na sosta curta par riposar. El zorno dopo i ga ripartì su per la corente del fiume Jacuí fin la pìcola sità de Rio Pardo, che zera el fin de lìnia par le imbarcassion, ma par i emigranti ancora ghe mancava anca tanto camin da far.

Da Rio Pardo i son destinà a la Colónia Silveira Martins e i ´ndava a piè o in carosse tirà da mule, traversando la sera de São Martinho fin la località de Val de Buia, a sirca 30 km de Santa Maria.

Sta prima leva de emigranti taliani destinà a la Colónia Silveira Martins la coinside con l’ussita de un gran grupo de slavi che, dopo tanti insucessi, lori i gavea abandonà la colónia e i ze ´ndà a Porto Alegre par dopo seguir verso el Paraná. In Val de Buia i taliani i ga dovesto restar pì del previsto par via dei ritardi ´nte la segnatura dei loti e altri problemi che le autorità brasiliane no riussiva a risolver. ´Ntei mesi de maio e zugno del stesso ano scopiò ´na gran epidemia de tifo che la ga portà via sirca 300 de lori. Là ghe zera reunì sirca 1500 emigranti.

Quando l’epidemia de tifo colpì i emigranti a Val de Buia, i zorni i se ga trasformà in uno spetàcolo macabro de angùstia e resistensa. Le piove contìnue le trasformava la tera in un pantan pestilento e i abrighi improvisà, con le mure fràgili de legno, no dava riparo contro l’avansar de la malatia. La febre, cruel e persistente, la butava zo zòveni e veci con la stessa pietà.

Francesco e Mariana, apena rivà, se ga trovà travolti da sta tempesta de soferensa. Lui, ancora con i cali freschi del laor duro, sentiva el corpo brusar e la mente trabaiar, ma no el volea ceder. Mariana, con el ventre za un fià rondà da la gravidessa, la meteva tute le so forse a curar altri malà, anca quando la stranchessa la stava a vencer.

Na matina, con el sol dèbole che tentava de romper la nèbia, Mariana trovò ´na putela abandonà in uno dei baracon. La putela, che no gavea pì de cinque ani, la zera strensà in un straso sporco e la piansea piano, ciamando la mama che zera morta de febre pochi ore prima. Mariana, senza esitar, la ga strensà, donandoghe el calor del so corpo e na fetina de pan duro, mentre la prometea a se stessa che la salvaria.

I zorni i se trascinava, segnà da sepoltamenti improvisà in fosse comun e dal odor amaro de la malatia che se sentia ´nte l’ària. Ma, verso la fine de quel autuno terìbile, l’epidemia la ga scominsià a calar. La morte, sassià de sentene de vite, finalmente la ga lassà un fià ai sopravissuti. Francesco e Mariana, debilità ma ancora in piè, i ga racolto quel poco che ghe restava par ricominsià.

El teren destinà a lori el zera rìpido e coperto de boscàia, ma lori lo vardava come un campo de ocasion. Francesco, con man ferme e ´na determinassion dura, el ga atacà la tera con ´na zapa, mentre Mariana la metea òrdine ´nte la pòvera caseta de pali che i gavea tirà su con le so stesse man. El puteo el ga nassesto in ´na note pien de stele, come se la vita la volesse anunssiar un capìtulo novo in meso a la scurità che gavea afrontà.

La pìcola Antonella la ga portà con sé ´na luse che rischiarava i zorni pì scuri. E la putea salvà, che la ze vegnesto ciamà Rosa, la ze cressesto insieme con Antonella come ´na sorela. Inseme, le corea lìbare tra i campi e su le coline, i so risi un eco de speransa che se spandea par la colónia.

Francesco e Mariana no se i ga fermà a costruir solo par lori. Lori i spinge la creassion de ´na scola e i ga partesipassion ativa a la costrussion de ´na ceseta, sìmboli che, anca in tera lontan, i podea rifar un fogolor.

´Na matina de primavera, tanti ani dopo, Francesco e Mariana, con i cavèi ormai argentà dal tempo, i se ga sentà al’ombra de un figher che i gavea piantà el primo ano ´nte la nova tera. Lontan, i vardava i so nepoti corer tra i campi e i sentiva i canti de la messa domenical, che resonava come prova viva de tuto quel che gavea costruì.

Nissuna parola i se disea ma el sguardo che i ga se scambià disea tuto. Lori zera sopravissù, pionieri e, sopra tuto, testimoni che anca le aversità pì pesanti se pol venser con resiliensa e amor. El figher se muovea dolse con el vento, come par benedir chi ancora caminava sopra le so radise profonde.

Nota del Autor

Sto libro el ze un’òpera de finsion ispirà da fati stòrici veri che i ga segnà profondo el camin de mile de emigranti taliani in Brasile, specialmente quei che i ga disboscà le tere del Rio Grande do Sul a la fin del sècolo XIX. Anca se tanti fati e scenari descriti i se basa su registri stòrici, i personagi, le so stòrie e i detàie de la so vita i ze fruto de l’imaginassion del autor.

El mio intento el ze stà de far lume su le lote e i sacrifìssi de sti pionieri, che i ga lassà tuto indrìo in serca de ´na vita mèio in un continente scognossù. A traverso el viaio de Francesco e Mariana, mi go volù trasmeter el spìrito de resiliensa e determinassion che descrive l’esperiensa de tanti emigranti. Le sfidi descriti, come le epidemie, le condission dure del viaio, el isolamento e la nostalgia, i zera realità vissù da miliaie de famèie. Ma el intrigo e i protagonisti i ze fictisi, creà par donar al letor ´na narativa avolgente e pien de emossion, sensa perder de vista la verità del contesto stòrico.

Scriver sto libro lei ze stà anca un omàio a l’eredità culturale lassà da sti emigranti, che le so forte contribussion a la formassion de la sossietà brasilian, spessialmente ´nte le region suline. Se, dopo sta letura, ti te sentì pì visin a ste stòrie, pì sensìbile a la coraio e al sacrifìssio de quei che i ze vignesto prima de noaltri, lora el mio intento sarà stà ragiunto.

Ringrasio tuti i letori che intraprenderà sto viaio in un passà pien de sfide, speranse e conquiste. Che sta stòria la sia un ponte tra presente e passà, un invito a rifleter su i valori umani che unissi noaltri.

Con gratitùdine,

Dr. Luiz C. B. Piazzetta


quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Cesare Petruzzio – Das Vinhas de Vittorio Veneto às Matas do Rio Grande do Sul


Cesare Petruzzio – Das Vinhas de Vittorio Veneto às Matas do Rio Grande do Sul


Nascido em 1860, em Manzana, um pequeno vilarejo encravado nas colinas do comune de Vittorio Veneto, no coração da província de Treviso, Cesare Petruzzio cresceu cercado pelo verde profundo dos vinhedos, que se estendiam como tapetes sobre o relevo ondulado da região. Cada parreiral parecia carregar não apenas uvas, mas também a memória de gerações de famílias que ali haviam trabalhado a terra com mãos calejadas e esperanças silenciosas. Era uma vida marcada pelo labor incessante, pelo ritmo das estações e pelo peso das tradições que moldavam cada escolha, cada gesto.

Filho de meeiros, Cesare aprendeu desde cedo que a terra, embora bela e fértil, também podia ser implacável. O trabalho na vinha, os invernos rigorosos e as promessas nunca cumpridas da unificação italiana deixavam marcas profundas na pele, no corpo e no espírito. As palavras sobre progresso e justiça, que chegavam em folhetos ou discursos pomposos, eram como nuvens passageiras: bonitas de longe, mas incapazes de aliviar a fome, a miséria e o cansaço que se acumulavam dia após dia.

À medida que crescia, Cesare sentia a esperança de um futuro melhor escapar-lhe entre os dedos, tão efêmera quanto o aroma das uvas maduras que enchiam o ar do vilarejo. As colinas do Vêneto pareciam silenciosas testemunhas de uma vida de sofrimento, onde cada família sustentava-se com esforço titânico, mas sempre à mercê do acaso e da injustiça. Mesmo assim, havia algo nos olhos de Cesare — uma inquietação silenciosa, uma chama que recusava-se a se apagar — que o tornava diferente daqueles que simplesmente aceitavam o destino. Ele começava a sonhar com horizontes que iam além das vinhas de Manzana, imaginando um mundo onde o trabalho árduo pudesse, enfim, ser recompensado.

Aos vinte e dois anos, Cesare começou a perceber que algo estava mudando em Manzana. Rumores viajavam de boca em boca, carregados pelo vento que descia das colinas e atravessava as ruas estreitas do vilarejo: falava-se de terras vastas e férteis, no outro lado do oceano, no Brasil, onde o solo era vermelho e abundante, onde a promessa de uma vida digna não se perdia entre decretos e promessas vazias. Diziam que o governo pagaria a passagem para quem quisesse tentar a sorte naquele Novo Mundo, que havia espaço para trabalhar, plantar e, finalmente, erguer uma casa própria sem depender de senhores de terras ou da generosidade de donos de vinhedos.

Cesare ouviu esses rumores nos campos, entre fileiras de uvas, e também nas conversas baixas das tabernas, onde homens envelhecidos falavam com os olhos cheios de nostalgia e desejo. Até os párocos começaram a encorajar a partida, dando bênçãos discretas aos que sonhavam em ir embora. Em suas pregações, a emigração era apresentada quase como um ato de coragem e dignidade, uma rebelião silenciosa contra um sistema que esmagava os pobres e reduzia famílias inteiras à submissão e à miséria. Alguns padres, de fato, partiam junto com suas comunidades, carregando livros de oração e esperanças renovadas, como se quisessem assegurar que ninguém seria deixado para trás na travessia.

Para Cesare, a ideia de emigrar provocava uma mistura de medo e fascínio. Partir significava abandonar tudo que conhecia: a casa de pedra da família, os vinhedos que haviam sustentado gerações, os amigos e os rituais que marcavam cada estação do ano. Mas também representava uma promessa de liberdade, de um espaço onde a vida pudesse ser moldada pelo próprio esforço, e não pelas regras rígidas de um sistema que parecia ter esquecido os que nasciam pobres. A decisão começava a crescer dentro dele, lenta e implacável, como as raízes das parreiras que ele aprendera a cultivar: silenciosa, mas impossível de arrancar.

Foi assim que Cesare, com os olhos ainda cheios de esperança e o coração apertado de saudade, embarcou na travessia do Atlântico acompanhado de seus pais, já envelhecidos, mas ainda vigorosos e determinados, e de seus irmãos e irmãs, cujas mãos jovens ainda brilhavam com o vigor da terra natal. Cada um carregava na bagagem sonhos, lembranças e o peso silencioso da partida, sabendo que jamais poderiam voltar da mesma forma que partiram.

O navio cortava as águas revoltas do mar, rangendo sob o peso de famílias inteiras, de barris de alimentos e de esperanças contidas em baús de madeira. As noites eram longas, escuras e agitadas pelo balanço constante das ondas, que pareciam sussurrar histórias de naufrágios e promessas quebradas. Cesare passava horas no convés, observando o horizonte infinito, tentando imaginar o novo mundo que se abria à sua frente, enquanto o cheiro de maresia e o murmúrio distante das estrelas lhe recordavam Manzana, suas colinas e os vinhedos que nunca mais veria.

A viagem era uma prova de resistência. Doenças, enjoo e o frio cortante das madrugadas no convés transformavam cada instante em um desafio, e ainda assim a família Petruzzio encontrava força na união e nos pequenos gestos de solidariedade com os outros imigrantes. Havia histórias contadas em sussurros, lágrimas silenciosas, risos nervosos e a constante esperança de que, do outro lado, a vida seria diferente — uma vida onde cada homem e cada mulher poderia finalmente decidir seu destino.

Após semanas que pareceram meses, o Atlântico enfim cedeu lugar às primeiras vistas de terra firme. Após o Rio de Janeiro, onde desembarcaram e apresentaram os documentos de viagem e depois foi a vez do Rio Grande do Sul se apresentar com seu solo vermelho, denso e fértil, cortado por rios e florestas que pareciam desafiar os recém-chegados. Silveira Martins, a colônia recém-fundada, aguardava Cesare e sua família com o mesmo misto de promessa e incerteza que tinha caracterizado toda a viagem. Cada árvore derrubada, cada pedacinho de terra conquistado da mata virgem seria um passo rumo a uma nova vida — e para Cesare, uma prova de que a coragem de deixar Manzana não fora em vão.

Lá, no coração da mata cerrada, onde a sombra das árvores se entrelaçava com o canto incessante dos pássaros e o rugido distante de rios turbulentos, começaria para Cesare uma verdadeira epopeia de resistência e esperança. Cada manhã trazia consigo o desafio da natureza indomável: chuvas torrenciais que transformavam o solo em lama escorregadia, dias de sol impiedoso que castigavam a pele e a energia, e insetos e animais desconhecidos que pareciam querer testar a coragem dos recém-chegados.

A cada árvore derrubada com machados pesados, a cada pedra removida da terra vermelha e densa, Cesare sentia crescer em si algo mais do que um lar; sentia erguer-se uma nova identidade, forjada no esforço, na coragem e na determinação. O suor misturava-se à terra, deixando marcas que não seriam apagadas, lembranças tangíveis de que cada passo dado, cada hectare conquistado, era uma declaração silenciosa de vida, de pertença, de resistência.

A vida na colônia não era apenas trabalho: era aprendizado constante, adaptação e descobertas. Cesare observava o ritmo das estações, a força do vento que soprava pela mata, o modo como a chuva escorria pelos troncos e riachos, e aprendia a respeitar a terra e a ouvir seus segredos. Havia noites em que, exausto, ele olhava para o céu estrelado e pensava na aldeia distante, em Manzana, nas vinhas que moldaram sua infância, percebendo que, embora tivesse deixado o Vêneto para trás, parte de sua alma continuava ali — mas agora se entrelaçava com a terra vermelha do Rio Grande, criando raízes novas, mais profundas e irrevogáveis.

Cada vitória, por menor que fosse — um canteiro limpo, um barraco erguido, a primeira colheita que despontava no solo conquistado — representava um passo na construção de um futuro que antes parecia impossível. E, no esforço coletivo dos imigrantes italianos, Cesare descobria que aquela terra estrangeira, dura e implacável, podia se tornar um lar não apenas de sobrevivência, mas de sonhos realizados, de memória preservada e de identidade reconstruída, tijolo por tijolo, árvore por árvore, gota de suor por gota de suor.

Essa é a história de um homem comum, Cesare Petruzzio, que, como milhares de seus conterrâneos, carregou no peito a saudade de uma terra distante e a esperança de um futuro ainda por escrever. Ele transformou a dor da partida — o adeus às vinhas de Manzana, às ruas estreitas de Vittorio Veneto, às famílias e amigos deixados para trás — em força, coragem e determinação para recomeçar em uma terra desconhecida.

Em Silveira Martins, cada pedra arrancada da mata, cada árvore derrubada, cada fileira de lavoura erguida com mãos calejadas contava a história de um povo que se recusava a sucumbir. Cesare aprendeu, dia após dia, que o trabalho árduo não era apenas um meio de sobrevivência, mas também uma forma de resistência silenciosa, uma maneira de reivindicar dignidade em um mundo que, tantas vezes, negava oportunidades aos humildes.

O passado de Vittorio Veneto nunca deixou de ecoar em sua memória — o perfume das uvas maduras, o som dos sinos da aldeia, a luz dourada que se espalhava pelas colinas ao fim de cada dia — mas essas lembranças não eram correntes que o aprisionavam; eram sementes que ele plantava em terras novas, fertilizando a identidade de uma vida reconstruída. Entre as roças vermelhas, os rios caudalosos e o horizonte infinito do Rio Grande do Sul, Cesare encontrou uma nova pátria, feita de suor, sonhos e comunidade.

E assim, a saga de um homem simples tornou-se um testemunho de coragem e persistência. Um relato de perdas irreparáveis, de batalhas diárias e de pequenas vitórias que, somadas, ergueram não apenas casas e plantações, mas uma nova história de esperança. Cesare Petruzzio não apenas sobreviveu — ele viveu plenamente, deixando um legado que atravessaria gerações, lembrando a todos que, mesmo diante do desconhecido e do impossível, o espírito humano é capaz de criar raízes e florescer, mesmo nas terras mais distantes e inesperadas.

Nota do Autor

A história de Cesare Petruzzio e de sua família é fruto da imaginação do autor, e todos os nomes citados foram criados para dar vida à narrativa. No entanto, a obra se baseia em fatos históricos reais, extraídos de cartas, registros e relatos de emigrantes italianos, cuidadosamente preservados em arquivos e museus do interior paulista. Essas cartas documentam a vida, os desafios e as esperanças daqueles que, no final do século XIX, deixaram suas terras natais no Vêneto em busca de um futuro melhor no Brasil.

Ao combinar pesquisa histórica com ficção literária, procurei recriar a atmosfera, os sentimentos e a coragem desses homens, mulheres e crianças que enfrentaram longas travessias, a dureza das matas e as dificuldades de uma terra desconhecida. A narrativa procura honrar a memória desses emigrantes, transformando suas experiências em uma história que, embora inventada em seus detalhes, reflete a verdade da coragem, da perseverança e do espírito de recomeço que marcou gerações de italianos no Brasil.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta



sábado, 13 de setembro de 2025

La Zornada de Giovanni Bianconi

 

La Zornada de Giovanni Bianconi

Natural de la provìnsia de Treviso, ´nte la region del Véneto, Giovanni Bianconi lu el ze cressesto rento un ambiente segnà da le fadighe de la tera e dal peso de la tradission. Le coline zalde verdesante, pontà de vigneti e formento, la zera el sfondo de stòrie contà dai so pari e dai visin, raconti che parlava de tera lontan dove el laor duro el zera pagà con l’abondansa e la dignità. Par Giovanni, ste stòrie le ga piantà 'na semensa de speransa e inquietudine. El soniava de poder dar a la so famèia un futuro che no zera segnà da la misèria o da le fadighe che se ghe trovava in Itàlia a quel tempo.

Zera l'ano 1895. Dopo tanto pensar e contar ai fiòi con la mare, Giovanni la ga finalmente dito basta: ‘sto sogno de ‘ndar via el ghe roeva drento come ´na fiama. Spint dai conti che no tornava pì e da le promesse de tera bona e vita nova là in Mèrica, el ga fato ´na pensada che la taiava el fià. El ga vendù la so campagna, un peseto de tera che i so veci i gavea messo a posto con ani de fatiga e sudor. No zera mica solo vender na roba — zera strassar le radìse, molar tuti i ricordi e ‘ndar incontro a el scuro. Ma par quela fame de speransa che ghe batéa drento, Giovanni el ga puntà tuto su el incerto, con el cuore in gola e i oci drio ùmidi.

Con la so mòier, Maria, 'na fémena forte che spartia con lu sia le speranse che le ánsie, e con so do fioleti, Giovanni el ga tacà la zornada verso el Brasile. El destino zera la Colònia Alfredo Chaves, in Rio Grande do Sul, ´na tera ancor in formasion, abità da altri emigranti che, come lori, soniava de rincominsiar.

La traversia no la zera mica fàssile. Lori i ga dovù soportar la fadiga del lungo viaio in nave, el mal de mar, la nostalgia e l’incertesa de quel che i gavea davanti. Ma, in meso a le fadighe, ghe zera un sentimento comune de determinassion e coraio. Giovanni el credea che, con fadiga e union, i podéa costruir ´na vita mèio. El portava con lu no solo le so massete e i so ogeti pì cari, ma anca la memòria de la so tera natìa e la promessa che el sacrifìssio lo saria stà degno, par un futuro pì bon par la so famèia.

Quando che i ze sbarcà in tera brasilian, el ciel ghe pareva infinito e l’orisonte sensa fin. Zera un capìtolo novo, pien de sfide e oportunità, e Giovanni el zera deciso a scrivar lì la stòria de la so redension.

El Ciamà de la Nova Tera

L'ispirassion par 'sta gran svolta nte la vita de Giovanni vegniva da le lètare pien de detài vìvidi e emosionanti mandà da so zìo Marco Bianconi, on omo coraioso che el avea lassà l'Itàlia un ano prima. Marco s'era sistemà ´nte la Colònia Dona Isabel, nel cuor del Rio Grande do Sul, e le so parole zera un mescòio de avertense e speransa. El contava che la vita in Brasil la zera come un campo verto de possibilità, ma no se desmentegava de meter in guardia su i tanti sfidi: la fadiga granda del laor, le dificoltà de adatarse al clima, la cultura e la nostalgia che no passava mai.

Ma tra le rige, ghe zera un qualcosa che ghe tocava el cuor a Giovanni: la promessa che, con sforso e volontà, se podéa costruir ´na vita méio, lìbara da le strèsse de la misèria e da le règole rìgide de le oportunità in Itàlia. Marco contava de le tere vaste che, con el sudor e la passiensa, podea diventar campi fèrtili; dei visin, ´na comunità solidale de imigranti unì da la stessa vóia de far fortuna; e de la libartà de sonir un futuro ndove el laor fusse pagà con el rispeto che el meritava.

Ste lètare le zera diventà lession de sera ´nte l'inverno, ´nte la cesa ùmile de Giovanni. Lu le lesea a vose alta par Maria, la so mòier, e dopo i discutea ogni detàio. Le parole de Marco ghe resonava drento, come un fogo che scaldava l'anima e dava coraio. Giovanni el savea che no saria stà un passo fàssile, ma el credeva che el sacrifìssio de lassar la tera natìa podea valer la pena, sopratuto par i so fiòi.

Con ´na decision presa in fondo al cuor, Giovanni el ga scominsià a pensar ogni mossa. El ga metesto assieme i pochi schei che el gavea vendendo la so pìcola proprietà e qualche roba cara, bén che zera stà messi via con fatiga par tuta la vita. Par lù, ogni ogeto vendù zera un toco de stòria, ma anca un bilieto par ´na nova zornada. El vardava a tuto no come a na perda, ma come a un investimento par el futuro de la so famèia.

A ogni moneda siapà in man, Giovanni el sentiva che el se fasea sempre pì visin al so sònio: quel de ricominsià, anca se el zera pien de incertese.

El Zorno del Adio

Nel zorno del adio, la pìcola vila de Giovanni la se ga trasformà in un mosàico de emossion profonde e contraditòrie. El sol de quea matina pareva che l’usasse un lusor espessial, come se el volesse tegner vivo par sempre el ricordo de quel momento. La cesa sèmplise, ndove lu e la so famèia gavea vivesto tanti ani, la zera insircondà da visin, amissi e parenti, tuti radunà par un ùltimo saludo. Ghe zera na mèscola de contentessa par el coraio suo e tristessa par la separassion che se avisinava.

El suon de le ciàcole zera interroto da silènsio pien de senso. Le done de la vila, con i fasoleti in testa e le man induride dal laor, ghe donava regaleti – pan, fruta seca, e anca medàie religiose – come segni de protesion par la longa strada. I òmeni, sercando de no far védar l'emossion, ghe dava paroe de coraio, un forte strucon su la schena e abrassi che disea pì de ogni parola. I putei, sensa capir ben la gravità del momento, zughéa tra de lori, ma ogni tanto se fermava a guardar la valìsia de Giovanni e Maria, imaginando cossa volesse dir 'ndar via par tère cussì lontan. Par lori, el "Brasil" zera come un mondo de fiaba.

Giovanni, anca se sicuro de la so decision, no rivava a evitar un nodo in gola mentre el se despideva de ogni persona cara. El so cuor zera pesà ´ntel vardar le face de chi, forse, no i rivardaria mai più. Maria, con i òci pien de làgreme, restava drio ai so fiòi, regalando un soriso pien de coraio, mentre drento de so stesso lei lotava con le so paure e con l'inssertesa de l’icognossesto.

Le làgreme ´ntei òci de chi restava se mescolava con le paroe de speransa.
«Va con Dio, Giovanni!», el ga dito un vècio amico.
«Che le tere nove te acóia ben, e che un zorno te torna a contarne de le richesse che ghe ze de l'altra parte del mar.»

Anca se la tristessa se sentiva forte, ghe zera anca na speransa che girava tra la zente. La promessa de na vita mèio dava forsa a Giovanni e Maria par afrontar el sconossesto. I savea che no stéa solo lassando na vila, ma che i portava drio le speranse de chi restava, de chi soniava anca lu ´na vita pì pròspera, ma che no podea, o no gavea el coraio de partir.

La Traversia del Atlántico

La viaio in vapore fin al Brasil el ze stà par Giovanni e la so famèia un vero teste de resistensa: fìsica, emossional e anca spiritual. Par quaranta lunghi zorni de traversia, lori i ga dovù afrontàr la roba dura de un ponte sempre pien de zente, spartindo el spàssio con sentene de altri emigranti che, come lori, gavea lassà tuto drio par sercar un futuro incerto. L’ambiente zera segnà da ‘na mèscola de ansietà, speransa e un sforso contìnuo par resister a le condission difìssili de bordo.

I zorni i scominsiava con el frússio de passi pressadi e le vose mescolà in tanti dialeti italiani. Òmeni e done i se dava da far tra spassi streti, curando i so fameiar e quei pochi ogeti che i gavea portà con lori. Tanti gavea casse e sachi pien de atresi, convinti da le ciàcole che el Brasil zera na tera sensa legna, ndove bisognava costruìr tuto da capo.

In meso a lori, Giovanni tegneva la testa alta, spesso rincoraiando i compagni de viaio con parole bone e gesti de solidarietà, anca se el sentiva anca lù le so preoccupassion. L’ària ´ntel navio la zera pesà, con el odor de sal, sibo semplisse e sudor umano. Maria, con la passiensa de chi sa el peso de la so mission, se dedicava a curar i putei. Lei inventava zoghi par distràrli, contava stòrie su la nova vita che i ghe aspetava e faseva de tuto par trasformar quel ambiente duro in ‘na cesa temporanea.

Le noti le era ‘na mèscola de solievo e sfida. Soto el ciel pien de stele e con el dondolar del barco, Giovanni se consedeva qualche momento de riflession. El se incocolava visin ai parapeti, vardando el mar sensa fine, lassando che el pensier el vagasse tra i ricordi de l’Itàlia e le speranse par el Brasil. In quei àtimi de solitudine, el sentiva el peso de la responsabilità, ma anca ´na gran determinassion de onorar el sacrifìssio de la so famèia e de tanti altri che i stéa vivendo la stessa zornada.

Con la vita insieme l´altri emigranti, se formava legami novi e inesperà. Le stòrie e le esperiense spartì rendeva pì legera la fatiga del viaio, e la solidarietà la diventava un valore de ogni zorno. Quando che qualcun se amalava, tuti i ghe stava drio par darghe conforto. Giovanni, con el so spìrito bon e presente, el diventava un punto de riferimento, sempre pronto a dar na man o scoltar un bisogno.

Nonostante le fadighe – el mal de mar, la strachesa e la nostalgia che diventava ogni zorno pì grande – la promessa de ‘na nova vita continuava a darli forsa. Giovanni e Maria trovava coraio uno ´ntel’altro, spartendo sorisi e paroe de fede. Par lori, ogni zorno no zera solo un ostàcolo superà, ma un passo in pì verso el futuro che i gavea decidù de costruìr.

La Luta par la Sopravivensa

El teren che i ghe ga tocà, el zera sassoroso, tuto montagna e foresta grossa. Ma Giovanni no se ga spaventà. Con do o tre atresi in man, el tacò a taiar la boscaia e preparar la tera par podar piantar. Maria, la so mòier, la stava indrio con i porsei, le galine, e lei faséa de tuto par tegner la casa in òrdine, anca se zera pì che na baraca.

I primi ani i zera massa duri: tanta fadiga e poca roba par mostrar. Ma i colono, un stava con l’altro. Con i mutiron, i fasea strade, taiàva legna, menava grande sataron, e ognidun i ghe dava ´na man. Cussì, pian pianin, la comunità la se fece forte, dura, e che no se desmentegava.

El Lassà de Giovanni Bianconi

Con el passo el tempo, la tera la ga scominsià a dar fruto. La famèia Bianconi la ga scominsià a tirar vanti. Giovanni el piantava formenton, fasòi, un po' de milio, e Maria la rincurava la casa e i fiòi, che i zera ancora massa pìcoli par un laor. La nostalgia de l’Itàlia la stava sempre là, ma ogni roba che lei faséa nasser su sta tera nova, la ghe dava corajo de continuar.

Giovanni el ga rivà a vardar Alfredo Chaves diventar paese, e dopo tanti ani, Veranópolis. La so fadiga, la so testa dura, el so coraio, I ga lassà un segno. No solo par la so famèia, ma par tuto quei che i vegniva dopo. El so nome el ga restà vivo tra la zentr, come un sìmbolo de speransa, de chi no se straca, de chi se tira su anca con la tera freda e i man roti. El ga mostrà che, anca se el mondo el ze grande e scuro, un pò de coraio el basta par far de un posto straniero un vero fogolar.

Nota de l´Autor

Quel che te lesi chi de sora el ze un resumeto breve del libro che porta el stesso nome: La Zornada de Giovanni Bianconi. No la ze fantasia, ma un conto che vien da la vita vera, de quei tanti che, come Giovanni, ga lassà la so tera in serca de na speransa nova. Sto libro el conta la strada longa e fadigosa de ´na famèia vèneta che, con tanto coraio e fede, la ga traversà el mar e ga afrontà la boscaia, la tera cruda e la solitùdine par costruir un fogolar novo ´ntel Brasil.

Mi go scrivesto sta òpera par un dover de memòria, par un rispeto verso quei che i ga sofresto in silènsio, che i ga laorà con le man rote e i piè ´ntel fango, ma che no i se ga mai desmentegà de chi i zera. La stòria de Giovanni Bianconi no la ze solo la so: la ze la stòria de mì, de ti, e de tanti altri che vive ancora con ´sta eredità ´ntel cuor e ´ntel sangue. El resumeto chi el ze solo on assàgio. Se te vol capir ben, va pì in fondo, passo dopo passo, come se caminàssimo insieme drento i ani, i campi, le làgreme e i sorisi de chi ga fato nàsser sta tera nova con un spìrito vècio, ma forte come na radise.

Parché la zornada de Giovanni no finì con el so viaio: la contìnua ogni zorno che un dissendente el se alsa presto, el toca la tera, e el dise pian: "Mi son qua par un motivo."

Dr. Luiz C. B. Piazzetta