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sábado, 18 de outubro de 2025

A Promessa de Liberdade


 

A Promessa de Liberdade

Caminhos de coragem e esperança

No final do outono de 1876, Giovanni Santaron, natural do pequeno comune de Valstagna, no coração da província de Vicenza, sentiu o peso de séculos de montanhas estreitas e terras insuficientes ficarem para trás. O Adriático já estava distante, e o som constante do Brenta correndo entre as rochas havia sido substituído pelo silêncio profundo das matas brasileiras. Ele chegara, com a esposa e os filhos, após meses de incertezas e mares revoltos, a um pedaço de mundo chamado Campo dei Bogheri, parte da recém-criada colônia de Caxias, no extremo sul do Brasil, província do Rio Grande do Sul.

A paisagem o impressionou desde o primeiro instante. Ondulações verdes se estendiam até onde a vista alcançava, quebradas apenas por árvores de troncos grossos e copas altas, como sentinelas de um reino intocado. O solo, escuro e fértil, prometia abundância a quem soubesse dominá-lo. Os colonos diziam que cento e cinquenta campos de terra poderiam sustentar setenta famílias com folga, e Giovanni, ao percorrer os limites de seu lote, via a promessa materializar-se em cada palmo. Ali, um mês de trabalho duro podia prover alimento para um ano inteiro. Para um homem que conhecera a fome e o frio das encostas alpinas, aquilo soava quase como milagre.

As autoridades imperiais brasileiras haviam cumprido sua palavra: na chegada, receberam víveres suficientes para atravessar os primeiros meses. Restava transformar a mata cerrada em lavouras, mas o tempo jogava a favor. A cada machadada, o cheiro fresco de madeira recém-cortada se misturava ao aroma úmido da terra exposta, e o suor parecia se converter em esperança.

Giovanni sentia a ausência da família deixada na Itália como uma ferida aberta. O pai, já envelhecido, e o irmão Pietro, preso às obrigações da aldeia, não conheciam a liberdade que ele experimentava. Em suas cartas, descrevia o ar puro e a água cristalina que corria em abundância, tão diferente da escassez do vilarejo natal. Repetia que não havia perigos nem no mar nem na terra, que o governo era justo e que, ali, até os velhos rejuvenescendo pareciam reencontrar a força.

No silêncio das noites frias, imaginava a chegada deles. Já se via indo ao porto fluvial com os cavalos para buscá-los, conduzindo-os diretamente ao novo lar, sem o desconforto das casas de imigração. Recomendava que trouxessem ferramentas de ferro, sementes e mudas de videiras, pois sonhava em ver o vale coberto por parreirais como os que conhecera em Vicenza.

Para ele, partir da Itália fora mais que uma decisão econômica: era um ato de libertação. Chamava sua terra natal de "prisão", não por falta de amor, mas pelo peso das limitações impostas por séculos de pobreza e de terras insuficientes. No Brasil, encontrara não apenas espaço e fartura, mas a sensação de que, pela primeira vez, era dono do próprio destino.

Enquanto o inverno se aproximava, Giovanni ergueu a primeira casa de madeira, sólida e simples. No quintal, linhas de milho já despontavam, e entre as árvores, reservava espaço para as primeiras videiras que chegariam com a família. Ele sabia que a vida ali exigiria trabalho árduo, mas já não temia o futuro. Naquele pedaço de terra distante, a promessa de liberdade finalmente tinha raízes.

A construção, feita com troncos cortados na própria mata, exalava o perfume fresco da madeira recém-trabalhada. As paredes ainda guardavam marcas de machado e de serrote, testemunho da força e da persistência aplicadas em cada encaixe. Ao redor, o chão de terra batida começava a tomar forma de quintal, com pequenas clareiras abertas para a horta e um cercado improvisado para as galinhas que pretendia criar.

Nos finais de tarde, quando o sol se inclinava por trás das colinas, a luz dourada se infiltrava entre as frestas da casa, pintando de âmbar o interior simples. Giovanni observava o milho crescer dia após dia, sentindo que aquelas hastes verdes eram mais do que cultivo: eram o sinal concreto de que a dependência dos auxílios iniciais do governo logo ficaria para trás.

No espaço reservado para as videiras, ele já visualizava fileiras ordenadas que, no futuro, dariam sombra nos verões quentes e cachos maduros para o vinho que lembraria as colinas de Vicenza. Essa imagem lhe trazia um conforto silencioso, como se parte da Itália fosse recriada ali, no coração da colônia.

O inverno chegaria breve, trazendo noites frias e neblinas densas que se deitariam sobre os vales. Mas Giovanni sentia-se preparado. A casa lhe oferecia abrigo, a terra começava a responder ao seu esforço e, pela primeira vez em muitos anos, o horizonte não lhe parecia uma barreira, mas uma promessa aberta.

Nas madrugadas claras, quando o orvalho se acumulava como pequenas pérolas sobre as folhas, ele caminhava lentamente pelo terreno, ouvindo apenas o próprio passo sobre a relva úmida. Nessas horas, percebia que a liberdade não era apenas a posse da terra ou a fartura que ela prometia, mas também a ausência do medo constante que o acompanhara na Itália — medo de más colheitas, de impostos sufocantes, de senhores distantes decidindo o destino de famílias inteiras.

Agora, cada amanhecer trazia um sentido novo. Os filhos, brincando no terreiro, aprendiam a medir o tempo pelo crescimento das plantas e pela chegada das estações. A esposa, mesmo cansada, cantava baixinho enquanto cuidava das primeiras ervas da horta. Tudo ainda era frágil, mas tudo também era verdadeiro.

E, assim, no coração do inverno que se anunciava, Giovanni compreendeu que não havia viajado apenas para escapar da miséria: ele havia vindo para plantar um futuro. E esse futuro, tal como as raízes que se aprofundavam sob a terra negra, estava destinado a permanecer.

Nota do Autor

Ao escrever esta história, busquei captar não apenas as palavras de um tempo distante, mas a alma pulsante daqueles que, com coragem e fé, deixaram para trás suas terras natais em busca de uma vida melhor. A saga de Giovanni Santaron — homem simples, mas imenso em sua determinação — é também a história de milhares de italianos que cruzaram oceanos, enfrentaram a incerteza, o medo e o esforço para construir novos lares sob céus desconhecidos.

Para vocês, descendentes dessa herança rica e profunda, ofereço esta narrativa como uma ponte entre passado e presente. Que ela traga à tona o orgulho das raízes que vocês carregam e a consciência do sacrifício silencioso que moldou suas famílias. Que possam sentir, nas palavras, o cheiro da terra recém-arada, o frio das noites no novo mundo e o calor das esperanças que jamais se apagaram.

Esta é uma homenagem aos imigrantes que, mesmo diante das adversidades, encontraram na coragem a força para recomeçar. Que seu legado inspire a cada um de vocês a valorizar o passado, a respeitar a luta daqueles que vieram antes e a construir, com a mesma bravura, os sonhos do amanhã.

Com profunda gratidão e respeito,

Dr. Piazzetta


sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Entre Raízes e Horizontes


Entre Raízes e Horizontes

A Vida de Bartolomeo Mussioni


Bartolomeo Mussioni nasceu em 1868 na pequena localidade de San Giacomo di Veglia, pertencente ao município de Vittorio Veneto, na província de Treviso. O lugar era um recanto modesto do Vêneto, protegido pelas colinas, repletas de parreirais, que se erguiam como guardiãs silenciosas sobre os campos cultivados. Ali, a vida seguia o compasso antigo do trabalho rural, com sinos de igreja marcando os dias e as estações ditando o destino das famílias.

Desde cedo, Bartolomeo aprendera que a terra podia ser ao mesmo tempo generosa e cruel. As planícies ao redor da vila, recortadas por fileiras de trigo e vinhedos ralos, exigiam esforço sem tréguas. A cada verão, o calor secava os campos até quase matá-los; a cada inverno, a geada queimava o que havia sobrevivido. Havia anos em que a colheita não passava de um punhado de grãos, insuficiente para alimentar a família durante os meses mais duros. Nessas épocas, o silêncio da casa se tornava pesado, quebrado apenas pelo som das lamúrias abafadas das mães e pelo ranger dos arados puxados a custo pelos bois magros.

Mas o mundo de Bartolomeo não se limitava às dificuldades da lavoura. Desde a adolescência, rumores atravessavam os vales e corriam de boca em boca: histórias de terras distantes, de uma nova vida além do oceano. Nos encontros na pequena praça de Vittorio Veneto, entre o murmúrio dos anciãos e a curiosidade dos mais jovens, surgiam relatos de famílias que haviam partido rumo à América. Falava-se de um continente fértil e sem fim, onde a terra não precisava ser pedida em arrendamento e onde as colheitas se multiplicavam como bênçãos.

Essas histórias, muitas vezes exageradas e envoltas em mistério, alimentavam a imaginação dos camponeses. Para Bartolomeo, que desde cedo conhecia a incerteza da subsistência, a ideia de uma terra em que o pão e o mel pareciam brotar da própria natureza ganhava contornos de promessa divina. Era como se o destino oferecesse, além das colinas familiares de Treviso, um horizonte novo, vasto e luminoso, capaz de resgatar sua família da penúria e garantir-lhe um futuro de abundância. 

Em 1884, quando Bartolomeo completou dezesseis anos, sua vida sofreu o primeiro grande abalo. Naquele ano, seu tio Santo, homem de espírito inquieto e coragem rara, decidiu romper os limites da tradição e tentar a sorte além-mar. Partiu de Vittorio Veneto levando consigo a esposa e as duas filhas pequenas, deixando para trás a velha casa de pedra e os vinhedos que já não sustentavam a família. A despedida foi marcada por lágrimas contidas e pelo som pesado dos sinos da paróquia, que naquela manhã pareciam dobrar não apenas para os que ficavam, mas também para o fim de uma era.

Meses depois, começaram a chegar as primeiras notícias da travessia. Relatos inflamados descreviam um Brasil exuberante, onde a terra se abria generosa diante de quem tivesse braços fortes para cultivá-la. Falava-se de rios largos como mares, de campos tão vastos que os olhos não alcançavam o fim, de colheitas que superavam qualquer expectativa. Para os que viviam sob a penúria das encostas vênetas, tais notícias soavam como revelações de um Éden reencontrado.

A cada palavra que chegava, crescia no coração de Bartolomeo um turbilhão de sentimentos. Entre a dura realidade de San Giacomo di Veglia e as promessas de um continente sem fronteiras, instalava-se nele uma inquietação que não lhe permitia mais dormir em paz. O jovem, ainda marcado pela inocência dos dezesseis anos, começou a enxergar o mundo como uma bifurcação inevitável: permanecer preso às colinas que moldaram sua infância ou arriscar tudo na incerteza de terras desconhecidas.

A decisão foi se formando lentamente, como as estações que amadurecem a vinha. Movido por uma mistura de curiosidade, esperança e o desejo quase instintivo de quebrar o ciclo da escassez, Bartolomeo se uniu à onda migratória que se espalhava por sua região como uma maré silenciosa. No dia da partida, deixou Vittorio Veneto com o coração dividido: de um lado, a saudade pungente da pátria, das colinas familiares, dos rostos que jamais veria outra vez; de outro, a expectativa ardente do desconhecido, que o atraía como uma promessa de renascimento.

A travessia foi longa, trinta dias sobre o mar revolto até o porto de Santos. Mal desembarcou, Bartolomeo solicitou ser transferido para a Colônia Caxias, no Rio Grande do Sul, onde a família de seu tio já começava a se estabelecer. Chegaram a Porto Alegre em 13 de maio de 1888, um dia que entraria para a história do Brasil pela abolição da escravatura. Para Bartolomeo e os que chegavam, no entanto, o mundo novo era ainda cru e desafiador: não havia dinheiro, não havia crédito, não havia garantias. O peso da realidade pesava mais que o sonho da América.

Enquanto seu avô e seu tio Giovanni, ainda na Itália, sugeriam o retorno à pátria, Bartolomeo ouviu a determinação de seu pai Vittore e do tio Prosdocimo: a família já estava ali, e a oportunidade deveria ser cultivada, mesmo que lenta e penosamente. Embora Bartolomeo e sua tia Lucia inicialmente desejassem retornar à Itália, a persistência do pai e a força da comunidade os fizeram permanecer. Entre resmungos e lamentações, Lucia expressava seu desdém pela “terra de selvagens”, enquanto Bartolomeo, emocionado, buscava aceitar a vontade divina e o curso inevitável da vida.

O tempo, implacável e paciente, trouxe consigo a adaptação e os primeiros frutos do esforço. As mãos calejadas de Bartolomeo e de sua família começaram a transformar a terra bruta em campos ordenados. Onde antes havia apenas mato cerrado e chão pedregoso, surgiram fileiras de milho que se erguiam como estandartes verdes sob o sol tropical. As sementes de trigo, importadas em pequenas quantidades, encontraram resistência, mas aos poucos aprendeu a crescer naquele solo novo, como se também fosse um emigrante em busca de raízes. Outros cereais, plantados em parcelas menores, completavam a paisagem agrícola que se expandia a cada estação.

A grande virada veio com a implantação do primeiro vinhedo. Entre enxadas, estacas de madeira e paciência quase infinita, Bartolomeo via brotar não apenas videiras, mas o elo simbólico com a terra de onde viera. As parreiras, ainda frágeis, balançavam ao vento como lembranças vivas das colinas de Vittorio Veneto. Cada ramo que vingava representava mais que uma promessa de colheita: era a prova de que, mesmo longe, era possível reconstruir um pedaço da pátria.

Com o trabalho incessante, vieram os primeiros sinais de progresso. Os comerciantes locais, antes desconfiados, passaram a conceder crédito. O nome dos Mussoni começou a circular nos registros da colônia, associado à perseverança e ao cultivo bem-sucedido. Uma sensação discreta de estabilidade se insinuava, ainda frágil como um fio de vidro, mas suficiente para dar à família um novo alicerce.

Cada passo, cada colheita, cada pequeno progresso consolidava a presença dos Mussoni naquele solo estrangeiro. As casas de madeira erguiam-se ao redor dos campos, os armazéns guardavam os frutos de meses de trabalho, e a terra que no início parecia hostil começava a revelar-se parceira. Ainda assim, no fundo do coração de Bartolomeo permanecia um vazio insondável. A saudade da pátria natal nunca o abandonava: nas noites silenciosas, enquanto o vento atravessava as frestas da casa simples, ele sentia-se de novo em San Giacomo di Veglia, ouvindo o soar dos sinos da pequena igreja e vendo as colinas do Vêneto se tingirem de dourado ao entardecer.

A vida lhe ensinava que era possível criar raízes em terras distantes, mas jamais arrancar da alma a lembrança daquilo que havia sido perdido.

Bartolomeo, moldado por desafios e esperanças, aprendeu que a verdadeira viagem não estava apenas na travessia do Atlântico, mas na construção de uma vida digna em terras que, embora distantes e inóspitas, podiam tornar-se lar para aqueles que perseverassem. Entre a memória das colinas de Treviso e os horizontes abertos do Rio Grande do Sul, encontrou seu destino — uma existência de trabalho árduo, conquistas tímidas e, acima de tudo, a promessa de um futuro construído com suas próprias mãos.

Nota do Autor

Escrever esta história foi, para mim, mais do que um exercício de imaginação: foi um mergulho profundo na memória coletiva de milhares de famílias que, como Bartolomeo Mussioni, deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor. Ao revisitar os caminhos de um personagem ficcional, inspirado na realidade de tantos imigrantes do Vêneto e de outras regiões da Itália, procurei dar voz à experiência universal de quem se vê dividido entre o amor pelas raízes e a necessidade de olhar para novos horizontes.

A escolha por narrar a vida de Bartolomeo nasceu do desejo de compreender o drama silencioso da emigração: o peso da fome, das colheitas incertas, das despedidas carregadas de lágrimas, mas também a esperança quase teimosa que movia homens e mulheres a atravessarem o oceano. Escrever sobre ele foi, portanto, uma forma de homenagear não apenas uma geração de italianos que ajudou a construir o Brasil, mas também as histórias de luta, adaptação e fé que permanecem vivas na memória de seus descendentes.

Ao longo da narrativa, busquei mostrar que a travessia de Bartolomeo não se restringiu ao Atlântico: ela foi também uma travessia interior. Cada vinhedo plantado, cada pedaço de terra cultivado, representava não só um gesto de sobrevivência, mas também uma tentativa de recriar, em solo estrangeiro, a pátria que ficara para trás. É nesse ponto que a história se torna universal: todos nós, em algum momento da vida, precisamos aprender a equilibrar aquilo que carregamos de origem com aquilo que nos espera adiante.

Decidi escrever Entre Raízes e Horizontes porque acredito que a literatura tem a força de resgatar aquilo que o tempo muitas vezes tenta apagar. A saga de Bartolomeo Mussioni é, no fundo, um tributo à coragem, à persistência e à saudade. É também um convite ao leitor para refletir sobre suas próprias raízes e horizontes — sobre o que deixamos para trás e sobre aquilo que nos move a seguir em frente.

Dr. Luiz Carlos Piazzetta



terça-feira, 7 de outubro de 2025

Tra Le Radise e i Orisonti



Tra le Radise e i Orisonti  

La Vita de Bartolomeo Mussioni


Bartolomeo Mussioni lu el ze nassesto ´nte l´ano 1868 in la pìcola località de San Giacomo de Veglia, che lora fasea parte del comune de Vittorio Veneto, ´nte la provìnsia de Treviso. El posto el zera un canton modesto del Véneto, difeso da le coline, pien de vignai, che se levava come guardian silensiose sora i campi coltivà. Là, la vita la seguia el passo antico del laor contadin, con el campanel de la cesa che i segnava i zorni, e le staion che i detava el destin de le famèie.

Da bòcia, Bartolomeo el gavea imparà che la tera podea essar a lo stesso tempo generosa e crudele. Le pianure intorno a la vila, pien da file de formento e da vigne malà e smagrì, domandava fadiga sensa fin. Ogni staion, el calor brusava i campi fin quasi a coparli; ogni inverno, la brosa brusava quel poco che el zera restà. Ghe gera ani che la racolta no vegnìa gnanca che ’na manada de gran, che no bastea gnanca par dar da magnar a la famèia ´nte i mesi pì duri. ´Nte sti tempi, el silénsio de la casa el fasea peso, sbregà sol dal pianser sordo de le mare e dal rumor lontan dei vassor tirà a fadiga da i bo magri.

Ma el mondo de Bartolomeo no el se fermava mìa so le fadighe de la tera. Da zòvene, le vose che passava tra le vale e de boca in boca: stòrie de tere lontan, de ’na vita nova oltre el mar. Tra le sbachetà del campanel de Vittorio Veneto, fra el brusìo dei veci e la curiosità dei pì zòveni, nasséa raconto de famèie che i zera partì verso l’Amèrica. Se diseva che zera un continente fértile e sensa fin, ’ndove la tera no bisognava mìa chiederla in afito e ’ndove le racolte se moltiplicava come benedission.

Sti raconti, tante volte ingrandì e coerte de mistero, i scaldava l’imaginassion dei pòveri contadin. Par Bartolomeo, che già da tempo conosséa l’incertesa de la subsistensa, l’idea de ’na tera ’ndove pan e mel pareva nasser da la natura stessa la fasea l’efeto de ’na promessa divina. Era come se el destin ghe ofrìsse, oltre le coline de Treviso, un orisonte novo, vasto e luminoso, bon de scampar la so famèia da la misèria e darghe un futuro de abondansa.

´Ntel 1884, quando Bartolomeo lu el gavea compiù sédese ani, la so vita la provò el primo gran sbaltón. Quela staion, el so zio Santo, omo de spìrito inquieto e coraio raro, el decise de romper i confin de la tradission e de provar fortuna oltre el mar. El partì da Vittorio Veneto portando con lù la mòier e le do fiole, e lassando drio la vècia casa de piera e i vignai che no mantegnea mìa la famèia. El adio el fu segnà da làgreme nascoste e dal suon pesà del campanel ´ntela pìcola piaseta avanti la cesa, che parea quel zorno che i suonasse mìa sol par chi restava, ma anca par la fin de ’na era.

Pochi mesi dopo, son rivà le prime notìsie de la traversia. Raconti pien de fogo disea de un Brasil vigoroso, ’ndove la tera se vertia generosa davanti a chi gavea brassi forti par coltivarla. Se contava de fiumi larghi come mari, de campi cussì vasti che l’òcio no rivea a vardar la fin, de racolte che passava molto ogni speransa. Par chi che vivea soto la penùria de le campagne vénete, ste notìsie le pareva rivelassion de un Eden ritrovà.

Ogni parola che rivava, ghe fasea nasser drento a Bartolomeo un mar de sentimenti. Tra la dura realtà de San Giacomo de Veglia e le promesse de un continente sensa confin, ghe se instalava ’na inquietudine che el no ghe fasea pì dormir en pase. El zòvene, ancora segnà da l’ingenuità dei so sédese ani, el ga scominsià a vardar el mondo come ’na stradela che se sparti in do: restar ligà a le coline che le gavea segnà la so infansa o metarse tuto in zogo ´nte l’incertessa de tere scognossù.

La resolussion la se formò pian pianin, come le staion che le fa madurar la vigna. Spinto da ´na mèscola de curiosità, speransa e da la voia quasi istintiva de romper la repetission de la scarsità, Bartolomeo se unì a l’onda migratòria che se spaiva par la so zona come ’na marea silensiosa. ´Ntel zorno de la partensa, el lassò Vittorio Veneto con el cuor spacà: da ’na parte, la nostalgia forte de la pàtria, de le coline, de le famèie che el no vardarìa pì; da l’altra, la speransa ardente de l’scognossù, che ghe pareva ’na promessa de rinàssita.

La traversia la ze stà longa: trenta zorni sora el mar sbregà fin al porto de Santos. Quasi sensa posar i piè, Bartolomeo domandò a le autorità de essar mandà a la Colónia Caxias, ´ntel Rio Grande do Sul, ’ndove la famèia del zio la stava za scominsiando a piantar radise. El rivò a Porto Alegre el 13 de maio del 1888, pròprio el zorno che Brasil el ga abolì la schiavitù. Ma par Bartolomeo e par chi che zera rivà, el mondo novo el zera ancora duro e feròs: no ghe zera schei, no ghe zera crèdito, no ghe zera garantìe. El peso de la realtà fasea pì forsa che el sònio de l’Amèrica.

Intanto, el nono e el zio Giovanni, che i zera restà ancora in Itàlia, i proponeva de tornar indrìo; ma Bartolomeo scoltà la volontà ferma de so pare Vittore e del zio Prosdocimo: la famèia zera za là, e l’oportunità la bisognava èssar coltivà, anca se pian e con fadiga. Anca se Bartolomeo e la zia Lucia al prinsìpio i volea tornar in Itàlia, la testardessa del pare e la forsa de la comunità i ghe ga fato restar. Tra sbufi e lamentassion, Lucia mostrava el so dispreso par ’sta “tera de selvadeghi”, mentre che Bartolomeo, con el cuor tasto, l’aceptava la volontà divina e el corso inevitàbile de la vita.

El tempo, implacàbile e pasiente, el portò co lu l’adatamento e i primi fruti de la fadiga. Le man dure de Bartolomeo e de la so famèia le scominsiò a trasformar la tera bruta in campi ordenà. Là ’ndove prima ghe zera mia che mato e sasso, saltava fora file de formenton che se levava verdi come stendardi soto el sol tropical. I semi de formento, che i zera importà in pìcola quantità, i ga trovà dificoltà, ma pian pianin i imparò a crèssar sora quel novo suolo, come se anca lori i zera emigranti in serca de radise. Altri grani, seminà in pìcoli pesi, i completava il novo paesàgio agrìcola che se alargava ogni stagion.

El gran cambiamento el ze rivà con la plantassion del primo vignal. Tra zape, stacheti de legno e pasiensa sensa fin, Bartolomeo el vardava spuntar no sol le vite, ma l’elo simbòlico con la tera de la so orìgene. Le vigne, ancora fràgili, le se movea con el vento come ricordi vivi de le coline de Vittorio Veneto. Ogni rama che vegniva la zera pì che ´na promessa de racolta: la zera la prova che, anca lontan, se podéa refar un canton de pàtria.

Con el laor straco, i ze rivà i primi segni de progresso. I negosianti locài, che prima i gera sospetosi, i ga scominsià a dar crèdito. El nome dei Mussoni el ga scominsià a sircolar ´ntei registri de la colònia, ligà a la perseveransa e a la bon resa del coltivo. ’Na sensassion tìmida de stabilità la se insinuava, ancora fràgile come un filo de vero, ma bastevole par dar a la famèia un novo fondamento.

Ogni passo, ogni racolta, ogni progresso consolidava la presensa dei Mussoni sora quel solo forestiero. Le case de legno se levava intorno ai campi, i magazini tegneva i fruti de mesi de fadiga, e la tera che al scomìnsio pareva ostìl scominsiava a mostrarse compagna. Ma drento al cuor de Bartolomeo restava un vodo che no se colmava mia. La nostalgia de la pàtria la no l’abandonava gnanca: ´nte le noti silensiose, con el vento che passava tra le fessure de la pìcola casa, lu se sentiva ancora in San Giacomo de Veglia, scoltando la campana de la ceseta e vardando le coline vénete che se colorava d’oro con el tramonto.

La vita ghe imparava che el zera possìbile far radise anca in tere lontan, ma mia strapar da l’ànima el ricordo de quel che zera lassà drio.

Bartolomeo, segnà da prove e da speranse, lu el ga imparà che el vero viaio no el stava mia solo ´nte la traversia del Atlàntico, ma ’nte la costrussion de ´na vita dignitosa ´nte tere che, anca se lontan e dure, podéa diventar casa par chi che gavea la perseveransa. Tra la memòria de le coline de Treviso e i orisonti spalancà del Rio Grande do Sul, lu el ga trovà el so destin — ’na esistensa de fadiga dura, pìcole conquiste e, sora de tuto, la promessa de un futuro fato con le so man.

Nota de l’Autor

Scrivar sta stòria la ze stà par mi pì che un eserssìsio de imaginassion: el ze stà un mergúio profondo ’nte la memòria cołetiva de mile e mile de famèie che, come Bartolomeo Mussioni, i ga lassà la so tera nativa in serca de ’na vita mèio. Contando i passi de un personaio finto, ma inspirà a la realtà de tanti emigranti véneti e de altre region de l’Itàlia, mi go volù dar vose a l’esperiensa universal de chi che se cata diviso tra l’amor par le radise e el bisogno de vardar verso novi orisonti.

La scielta de contar la vita de Bartolomeo la ze nassesta da la voia de capir el drama silensioso de l’emigrassion: el peso de la fame, de le racolte inserte, de lo adio con làgreme, ma anca la speransa testarda che moveva òmini e done a traversar el mar. Scrivar de lu el ze stà ’na maniera de onorar mia soł ’na generassion de italiani che i contribuì a costruir el Brasil, ma anca le stòrie de fadiga, adatamento e fede che le resta vive ancora ’nte la memòria dei so dessendenti.

´Nte la narassion, mi go sercà de mostrar che la traversia de Bartolomeo no se fermava mìa soł a l’Atlàntico: la zera anca ’na traversia interior. Ogni vigne piantà, ogni peso de tera lavorà, el zera mìa sol un gesto de sobrevivensa, ma ’na tentativa de refar, ´nte tera forestiera, la pàtria lassà drio. E qua che la stòria la deventa universal: tuti noaltri, a un serto punto de la vita, semo costreti a imparar a meter in bilansia quel che portemo da l’orìgene con quel che speta noi pì avanti.

Mi go decìso de scrivar Tra le Radise e i Orisonti parchè credo che la leteratura la ga la forsa de salvar quel che tante volte el tempo el vol canselar. La saga de Bartolomeo Mussioni la ze, in fondo, un tributo al coraio, a la perseveransa e a la nostalgia. La ze anca un invito al letor a rifletar sora le so pròprie radise e orisonti — sora quel che gavemo lassà drio e sora quel che spinge noialtri a ´ndar avanti.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



segunda-feira, 29 de setembro de 2025

I Primi Zorni ´ntela Tera Promessa: La Saga de un Imigrante

 


I Primi Zorni ´ntela Tera Promessa: 
La Saga de un Imigrante


Toni se desmìssia de un colpo, lassando un urlo roco che el ga sfondà el silénsio profondo de la note, come se avesse scampà da un incubo bruto che l’avea catà tuto drento. Par un momento, el ga restà fermo, el cuor che batea forte ´ntel peto, mentre i òci so sercava, ancora inturbì, de capir ndove che el zera. La tènebre intorno parea pesà, opressiva, e l’ùnica luse vegnia da 'na foghera picinina al so lato. Intornà de piere grosse, la fiama vasilava, alimentà solo da un toco de legno testardo, che resisteva a le sènere e al fumo che montava in spirale lente verso el celo. Con i sensi ghe tornava drio piano, Toni ghe voltò la testa e la ga visto Pierina. Lei dormia profondo, coperta de la strachesa, con la cara che se indorava apena con el brilo del fogo che tremava. I so brassi i gavea streto el pìcolo Marco, de do ani soli, che se strensava a lei, proteto e fora de le misèrie de quela caseta par far riparo. Toni, vardando a lori, el se sentìa mescolà de solièvo e de tristessa. ´Ntel silénsio de la note, con el vento fredo che intrava tra i buchi de la baraca rùstega, el sentiva el peso de la responsabilità che portava, ma anca la forsa che l’amor par la so famèia ghe dava par far fronte a sto mondo novo pien de incertese. Ghe ze volù qualche minuto prima che Toni scominsiasse a ricordarse ndove che zera e cossa che lori i stava far in quela caseta rùstega, cussì lontan dal conforto de ´na casa vera. La tera dura soto ai so piè i gavea solo un poco de fóie, la maior parte ancora verde, che ghe dava un odor forte e fresco, come se zera stà apena taià da un bosco vivo. L’odor zera intenso, quasi confortante, ma no bastava a cavar via el desconforto de starghe alogià in un riparo cussì fato sgoelto. 
Ancora meso inturbià, Toni ghe passò le man per tera, tastando par catar un toco de legno par dar da magnar al fogo, che pian pian el se stava consumando con el fredo de la matina che rivava. La ària freda la intrava tra le fissure de la baraca, come pìcole lame invisìbili, mentre la manta grossa che i gavea dosso pareva inùtile par fermar el rigor de la note. El ga restà sentà su quel materasso improvisà, fato de fóie che scrichiolava soto el so peso, el se sentiva la straca acumulà de sti ùltimi zorni che ghe pesava sui mùscoli.
Pian pian, la realtà la saltò fora come un'onda lenta e inevitàbile. Lori i zera là da sol tre zorni, in meso a la densità quasi sufocante del bosco, in sta tera selvàdega che adesso la zera da lori. La zera la tanto sperà propietà ´ntela Colónia Caxias, un toco de futuro che prometea de èsser mèio, ma che al presente el se mostrava come un desafio imenso, domandando pì de lori de quel che i gavea mai imaginà. Straco dai sforsi sensa fin de sti ùltimi zorni, Toni i ga restà fermo, sensa forsa né vóia de alsarse. El corpo el parea pesar pì che mai, ogni mùscolo el ghe reclamava par el laor duro, mentre la mente, inquieta, lo portava indrio ai eventi che gavea cambià la so vita in ste ùltime setimane, da la partensa dolorosa da la so tera natal. 
Se ricordava del momento in cui i ga messo i piè par la prima volta su el tereno che i gavea ricevù. La tera che lori i gavea trovà la zera tanto sfidante quanto imponente: un bosco denso, pien de àlbari alti e robusti, con tronchi che pareva sfidar el ciel. Ntel cuor de sta tera vèrgine, un russelo picolino serpentinava in silénsio, taiando la proprietà come ´na vena de vita, ma anca de ostàcolo. Toni el se sentì ancora ´na volta l’impato de quel momento — ´na mèscola de speransa e disperassion vardando el laor titánico che li aspetava. Con determinassion, lori, Toni e Pierina, i gavea despianà un tocheto de quel teritòrio selvàdego. La sega taiava i arbusti pì bassi, mentre la manara abateva qualche àlbaro grande, fasendo spàssio par construre un riparo. El resultato el zera ´na baraca semplice, tirà su con i rami dei stessi àlbari che i gavea taià, coerto da fóie de palma che formava un teto fràgil, pien de buchi da ndove el vento ghe intrava sempre.
La tera, sensa nessun altro coerto fora de la tera batuta, la gavea ricevesto un monte de foie che i usava par farse el materasso. Là, su quel leto rùstego, lori i se coricava ogni sera, sercando de ignorar i dolori del corpo e el fredo che no li lassava mai in pase. A lato, un fogon improvisà, niente de pì che un fogo de tera, el zera el posto ndove Pierina, con sforso e ingegno, la preparava da magnar. L’odor de la cusina el zera semplice, ma par lori ogni piato, per quanto modesto, el zera un trionfo contro le aversità. Toni el stava là, sprofondà ´nte le so riflession, con i oci piantà ´nte le fiame che se spegnea pian pian. El presente el zera duro, ma el ricordo de quel che i ga superà fin a quel momento el ghe faceva capir che ogni conquista, per quanto pìcola, zera ´na prova de la so forsa e de la so fede ´ntel futuro.
´Ntel momento in cui lori i ga preso possesso de la tera, Toni e Pierina i gavea provà una mèscola de solievo e inquietudine. El solievo el vegniva da la promessa de un futuro come proprietàri, un sònio che nessuna generassion pressedente de la so famèia gavea mai potuto realisar. L’inquietudine la vegniva dal riconòsser che la tera, cussì generosa ´ntel so potenssial, la zera ancora avolta in sfide imense. El governo ghe gavea fornì quel che lori i ciamava "provision inissiài": meso saco de farina de mìlio par la polenta, un sachetin de fasòi neri, qualche chilo de farina de formento e un pò de sale. Per quanto scarsi, sti provision rapresentava un punto de partensa e ´na ligassion fràgile tra la sopravivensa imediata e la speransa de un futuro autosuficiente.
Altre le robe da magnà, ghe gavea fornì anca strumenti bàsichi che i gavea far difarensa par domar la selva e renderla produtiva: ´na manara, ´na sega, ´na falce e un facon. Semplici in forma, sti strumenti i pareva brilar con la promessa de fatiche e progresso. Toni el savea che sti strumenti i saria diventà le estenssion de le so man con i zorni che vegnia, un ricordo costante de la so responsabilità come provedidor e costrutor de 'na nova vita.
Sentà al canto del fogo, che desso el zera un poco pì vivo, Toni el se perdea ´ntei ricordi che vegniva drento con la fùria de un fiume ingrossà. El pensava a casa de so pare, ai vali verdi che girava intorno a la vila de Fagarè, in San Biagio de Callalta. L'imàgine de la pìcola caseta de sassi, in quei ùltimi ani meso discurà, con le so pareti segnà dal tempo, ghe vegniva in mente con dolsesa e dolor. Podeva quasi sentir el odor de la tera bagnà dopo le prime piove de primavera, i campi che cantava in tanti verdi con el profumo dei fiori selvadeghi che riempiva l’ària. El Piave, con le so aque ciare che corea fra i sassi bianchi, la zera pì che ‘na vision; la zera un toco de Toni che el temeva de no ritrovare pì.
Con el cuor strensà, Toni el se ricordea de l’adio de so mare, ´na figura picolina ma forte, che la zera stà el sostegno de la so infánsia. Vedova e già inchinà dal peso dei ani e de le fatiche, lei lo gavea strensà forte prima de partir, come se volesse passarghe la so forsa in un ùltimo gesto. Lustrava ancora i so oci bagnà, che i ghe nascondeva la pena de no piansar davante ai fiòi picinin, che i vardava tuta la scena con spavento e confusion.
La partensa de Toni no la zera stà ‘na scelta, ma ‘na necessità. La fame, sempre pronta a colpir, la gavea fato casa ´ntela so vita. Le racolte, magre e scarse, no bastava gnanca par el mìnimo, e le tasse pesanti e inflessìbili le siapava via quel poco che restava. La tera, che la dovarìa portar vita, la pareva far el contra, con le seche stracurente o le piove che finiva par somersare tuto. L’emigrassion la zera ‘na strada obligada, el solo modo par un come Toni, el pì vècio dei fioi, che el savea de aver el futuro de la so mare e dei fradèi pì zòvani tra le man.
Anca qua, lontan da casa, el sentia ancora quel peso. Ogni colpo de sega su la legna, ogni passo stracà sul teren scognossù, el zera ‘na prova de la so determinassion par onorar quel sacrifìssio. El fogo, là davanti a lui, così pìcio ma vivo, el zera come Toni: ‘na fiama che no volea morir, con tuti i fredi e le sfide sensa fin.
Treviso, la so provìnsia, la zera un quadro de crudele contrasto. La tera, che dovea èsser ´na risorsa, la parea ‘na maledission: le lunghe seche fasea secar i campi, mentre le piove stracurente distrugeva quel poco che ghe restava. E po’, le malatie come la pelagra le rodeva i corpi già strachi, logorà da un'alimentassion pòvera de nutrission. La fame e la debolessa le segna ogni viso, ogni criatura con gli oci spenti. Toni, come tanti altri, savea che ´ndar via el zera l’ùnico modo par sperar in qualcos’altro. El Brasil el prometea ´na tera che sarìa stada sua, lontan dai paroni che per generassion de la so famèia i ghe gavea comandà e sfrutà. Lì, Toni el gavaria poter coltivar la tera par la so famèia, sensa pagar servitù a nissun. Anca se, drio le promesse, i ghe contava anca de robe dure, Toni savea che no ghe zera altro modo che tentar.
Cussì, la partida la zera un misto de speransa e paura, ma ogni passo el zera verso un futuro che no zera pì un sònio, ma ‘na necessità.
Nonostante ciò Toni no se scordava mai el momento che ga visto, lontan, la forma de la tera promessa. La rivada al Brasil la zera come sveiarse de un incubo in diression de un sònio. La vision del porto de Rio de Janeiro, con i so monti coerti de vegetassion zuberante e le costrussion che brilava soto el sol tropical, pareva ´na pintura viva, un contrasto quasi ireale con i ricordi de la so tera natal e la duresa de la traversia. El cuor de Toni se strinseva con ´na mèscola de solievo, speransa e malinconia, mentre i passegieri se radunava sul ponte, sercando de scolpirse in mente quel primo sguardo de la nova pàtria.
Dopo i documenti e la discesa in tera ferma, el viaio el zera ancora lontan de finir. I ze ndà ´ntei grandi baracon comunitari a Rio Grande, ndove i ze stà alogià provisoriamente. Là, la mancansa de privassità la zera ´na afronta contìnua, un ricordo de la fragilità de la loro condission. Òmeni, done e bambini dividea el stesso spàssio sensa division, mostrando le lore vite ìntime un con l'altro. Era un fastìdio che no superava la forsa de la loro speransa in un futuro mèio. El odor forte de corpi strachi e la vision de famèie che improvisava ripari con teli e lensiòi i ghe fasea compagna par quasi do setimane, fin che el viaio no continuava.
Dal porto de Rio Grande, lori i ga scominsià la traversia de la magnìfica Lagoa dos Patos, con le so aque calme che rifletea el cielo grande, e dopo pì avanti su la forte corente del fiume Caí, con le rive pien de verde e de vita che sveiava in Toni ´na meravèia nova. La corente velose e le curve strete del fiume i ghe domandava abilità ai barcaroli, che i manejava le barche con destressa, mentre i emigranti, tra meraveià e strachi, i ghe tegneva streti ai lori bagali e a le speranse.
Quando lori i ze sbarcà a São Sebastião do Caí, i ga afrontà un novo problema: el difìssil percorso per tera fin a la Colònia Caxias. Le strade i zera strete, bagnà e sircondà da ´na selva fissa che parea vardar ogni passo de la carovana. I caretieri i urlava òrdini e imprecassion a le bèstie, che i metea i piè ´ntel fango mentre le roti de le carosse scricolava soto el peso dei bagali. El sforso el zera grande, e el ambiente intorno, con i so rumori strani e misteriosi, el ingrandiva la tension. Bradi, monari e osei strani i saltava fora da la vegetassion, ora sveiando stupor, ora paura. I monari, sopra tuto, i urlava e strilava, parendo protestar contra l’invasion de quel teritòrio tanto ben difeso.
Finalmente, dopo ore de camino stracante e noti mal dormì, lori i ze rivà a la tera tanto sonià. La vision del teren segnà, ancora coerto de foresta vèrgine, la provocava ´na esplosion de sentimenti in Toni e la so mòier. Ghe zera lo scomìnsio de ´na fase nova, el punto ndove el sònio e la realtà i se incrossiava. Anche se i sapea che i problemi i zera ancora tanti, el sèmplisse fato de aver ´na tera da coltivar e far frutar la zera un bàlsamo par i so cuor strachi. I zera rivà, e adesso i gavea da transformar quel peseto de mondo in casa. Parea incredìbile che i gavea superà tuti i problemi da quando i gavea decidì de lassar indrio la vila picolina a Fagarè, con i so coli verdi e el corso calmo del Piave. Zera ´na vitòria che ghe portava solievo e stupor, na prova de la so forsa e resistensa. Toni vardava intorno, verso quel teren snetà ancora picinin che adesso el ghe diseva "casa", e el sentiva na gratitùdine profunda. I segni del viaio i zera ancora vivi ´ntei ricordi, ma el fato de esser rivà sani e unidi el zera un miràcolo che el no se scordaria mai.
El pensava con tristessa ai volti conossù durante la traversia e che no i se vardaria pì, ricordi de amissi trovà ´ntele dificoltà del vapor. Qualche fiol el gavea cedù a le malatie, e i so sorisi i se gavea spenti par sempre. Qualche mare la gavea pianto tanto che parea che anca l'ànima la gavea lassà el corpo. Òmeni, prima pien de forsa e soni, i gavea cedu a la strachessa, lassando famèie sensa pì guida. Toni el savea che la fortuna la gavea stà generosa con lui e Pierina, anca se tante olte pareva che i venti i vegniva contro. 
Adesso, vardando la pìcola casa de rami e fóie che i ga fato insieme, el capiva che ogni fissura de quele pareti rùsteghe contava ´na stòria de fadiga e perseveransa. Ogni àlbaro butà zo, ogni metro de tera libarà la zera un tributo a chi ga sonià un futuro mèio. Pierina, drio a so banda, portava ancora la strachessa drio i òci, ma anca un lume de determinassion. La zera el cuor che tegneva viva la fiama, anca quando tuto pareva cascar.
Pensar a chi ga restà indrìo ghe fasea rifleter sul significato de la vita che vivea adesso. I ga scapà de la fame e de la misèria, ma a che prèssio? Ogni conquista portava con se ´na ombra de dolor, ma anca na promessa de speransa. El zera sto equilìbrio delicà che tegneva in piè i so zorni, el stesso che ghe dava la forsa de ndar avante, credendo che un futuro pì generoso li stesse vardando in lontanansa.
Pensando a sto, Toni el se sentiva càrico de ´na nova responsabilità: onorar no solo la so fadiga, ma anca la memòria de chi no ga avù la stessa fortuna. Lori i laoraria la tera con devossion, i construiria ´na casa digna e i tegnarìa che i so fiòi conossesse na vita mèior de quela che i ga lassà indrìo. Ogni racolta la zera un omaio, ogni passo avanti un passo verso el sònio condiviso da tanti.
Mentre la luse del sole calante pinseva el cielo de colori d’oro e rosso, Toni el alsò i oci verso l’infinito. El cielo pareva tegner su le stòrie de tuti quei che i zera partì e de tuti quei che i zera rivà, intressà in un manto de stele che presto le vegnaria fora a iluminar la note. El tirò un fià profondo, sentindo l’ària fresca e frisante riempir i so polmoni, e el serò i oci par un momento, in silénsio. Lori i zera vivi, i zera insieme e i gavea un futuro davante. Questo, da solo, el zera un trionfo.

Nota del Autor


Sta stòria, anca se pien de detài che prova a portar via con el pensier a un tempo lontan e a ´na realtà che la ga formà tante vite, el ze tuto fruto de l’imaginassion. I posti, i eventi e i personagi che ghe sta drento i ze fitissi, anca se inspirà da fati stòrici e cenari reai che i ga aiutà a costruir la narativa. Scrivar sto libro el ze sta na strada pien de emossion forti. Da quando le prime parole le ze sta messe in carta, mi son sentì ligà ai soni, ai dolori e a le speranse de chi, pì de un sècolo fa, ga traversà i mari e afrontà sfide impensàbili par trovar ´na vita pì bea. 
A ogni cena, a ogni diàlogo, mi go provà a dar vita a esperiense che, anca se inventà, le suona vere con la coraio de l’omo davanti al’incognossù. Sto laor qua el ze, sora de tuto, un omenàio ai pionieri. Ai òmeni, a le done e ai bambini che i ga lassà le so tere natìe, le so famèie e tuto quel che i conossea par ndar a scoprì foreste dense e farse ´na vita su teri lontan. Lu el ze na celebrassion de la forsa de chi, malgrado le adversità, ga tegnù el cuor pien de speransa e ga costruì le basi de un futuro par i so dissendenti.
Che sta stòria sia ´na memòria del valor de le so lote e un invito par che tuti noi se rendemo conto de la richessa de quel che i ga lassà. E, sora de tuto, che la possa inspirar i letori a dà valor a la resistensa e a la determinassion del omo, che le ga superà el tempo e le confin.
Con gratitudine profonda,

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



terça-feira, 19 de agosto de 2025

Entre Ervas e Novos Horizontes


Entre Ervas e Novos Horizontes

Remédios simples e a esperança de um novo mundo

Giuseppe partiu de Ciósa sob um céu pesado de nuvens cinzentas, carregando não só uma mala de couro já bastante consumida pelo tempo, mais o peso ancestral do conhecimento que sua mãe lhe havia confiado — a farmacopeia viva da aldeia, uma herança mais valiosa que qualquer moeda. Naquelas terras do Vêneto, onde as ervas medicinais cresciam em cada quintal e o poço era fonte de vida e cura, ele aprendera que a natureza oferecia remédios simples, porém poderosos. Decotos de malva, camomila, tamarindo e rabarbaro eram o alívio contra as dores que a pobreza e o frio não poupavam; a santonina, amarga infusão de flores de artemísia, era a arma contra os vermes que atormentavam as crianças e confundiam médicos e mães.

Aos olhos de muitos, aquela medicina popular parecia superstição ou atraso, mas para Giuseppe e sua gente era a essência da sobrevivência. Ele se lembrava das noites em que as mães preparavam com cuidado as poções, os banhos quentes para aliviar a cabeça pesada, as sanguessugas aplicadas com precisão brutal para drenar o mal, e as pomadas feitas de óleo, sabão e ervas, espalhadas sobre as dores silenciosas que ninguém via.

A viagem ao Brasil foi longa e cruel. O Atlântico parecia não ter fim, e a incerteza era uma companheira constante. Ao desembarcar, Giuseppe encontrou uma terra de calor abrasador, florestas densas e um céu vasto demais para seus olhos acostumados às colinas italianas. A língua era um muro, o trabalho duro e exaustivo, e a saudade um punhal cravado no peito. Mas no coração, ele trazia a força das raízes, daquelas ervas simples e da sabedoria popular que, embora deixasse a aldeia para trás, não o deixaria jamais.

Na colônia, entre o mato cerrado e a terra nova, Giuseppe e seus companheiros precisavam reconstruir tudo — casas, plantações, vidas. O calor fazia o suor escorrer como um rio, e as doenças traziam medo e morte. As febres maláricas atacavam sem piedade, e ele via muitos tombarem, vítimas do desconhecido. Mas como no Vêneto, a resposta estava na terra e no saber ancestral: compressas de gelo, quinino em pó misturado ao leite e vinagre, banhos para aliviar a dor e pomadas para as feridas eram os remédios que mantinham a comunidade viva. O vinho quente, agora tão distante, fora substituído pela coragem simples que alimentava cada amanhecer.

As mães continuavam a dar santonina às crianças, com a mesma paciência e fé de outrora, enquanto Giuseppe, agora reconhecido como guardião dos remédios naturais, espalhava seu conhecimento para quem precisasse. Ele ensinava que as tinturas feitas com óleo e escorpiões triturados, por mais estranhas que parecessem, tinham raízes profundas naquele mundo antigo; que os banhos de pés quentes e as compressas de mostarda não eram meros rituais, mas pontes entre o corpo e a cura.

A adaptação não foi fácil. Entre as plantações de café e as casas de pau a pique, as vozes do dialeto ciosoto misturavam-se aos cantos dos índios e ao português que tentavam aprender. As festas, as preces e as tradições eram a cola que segurava a alma dos imigrantes, preservando a identidade diante do esquecimento. E enquanto o suor lavava o rosto e o trabalho endurecia as mãos, Giuseppe sentia que resistia — resistia não só às adversidades da terra e do clima, mas ao fantasma do abandono, da perda da memória.

Por vezes, sentava-se à sombra de uma árvore e fechava os olhos, deixando que as imagens de Ciósa invadissem sua mente: o poço onde tirava água para os decotos, a cozinha da mãe onde as ervas secavam penduradas, a praça onde crianças corriam livres e saudáveis, protegidas pelo saber antigo. Ali, naquele momento, entendia que aquela farmacopeia simples era mais que remédio — era um elo sagrado entre o passado e o futuro, a certeza de que, mesmo longe, o sangue e a cultura de seu povo não seriam esquecidos.

Assim, entre o perfume das plantas brasileiras e a memória das colinas italianas, Giuseppe construiu sua vida. Ele viveu para contar histórias, para passar adiante os segredos das ervas e dos banhos, para mostrar que, mesmo no meio do mundo novo, as raízes fincadas na terra antiga continuavam a florescer. Resistiu como a velha oliveira, dobrada pelo tempo, mas inquebrantável.

E essa resistência, feita de ciência popular e esperança, foi o legado que deixou para seus filhos e netos — uma herança invisível, mas tão viva quanto as ervas que curam, e tão forte quanto o sonho de quem atravessou mares em busca de um novo começo. 

Nota do Autor

Ao escrever Entre Ervas e Novos Horizontes, procurei resgatar um capítulo pouco explorado da imensa saga dos emigrantes italianos que, no final do século XIX, atravessaram oceanos em busca de uma vida melhor. Esta narrativa é uma homenagem à coragem e à sabedoria daqueles que, mesmo diante de um mundo estranho e desafiador, encontraram na simplicidade das ervas e no conhecimento ancestral um elo vital com suas raízes e uma fonte de esperança.

A história é fruto de extensa pesquisa e do desejo de dar voz a personagens que muitas vezes permaneceram invisíveis nas grandes crônicas da imigração: os curandeiros, os sábios do campo, aqueles que ajudavam suas comunidades a sobreviver e a se adaptar, sem perder a identidade cultural. Através deles, quis explorar como a natureza e o saber tradicional foram companheiros indispensáveis na construção de novos lares.

Entre Ervas e Novos Horizontes é, acima de tudo, um convite à reflexão sobre o valor das memórias, das práticas populares e da perseverança humana diante da adversidade. Aos descendentes dos imigrantes, deixo este relato como um reconhecimento da força que corre em suas veias e do patrimônio imaterial que carregam — uma história de luta, sabedoria e renovação.

Dr. Piazzetta





quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Raízes que Cruzaram o Oceano: do Veneto ao Novo Mundo



Raízes que Cruzaram o Oceano 
do Veneto ao Novo Mundo

Na frazione de Miane, um pequeno agrupamento de casas incrustada nas colinas ondulantes do comune de Valdobbiadene, na província de Treviso, o final do século XIX marcou o fim de uma era e o início de mudanças irreversíveis. A paisagem bucólica, com suas vinhas enfileiradas e olivais centenários, escondia uma realidade dura e implacável. O Vêneto, assim como grande parte da Itália, vivia um período de profunda crise econômica e social.

As reformas implementadas pelo recém-unificado Reino da Itália haviam trazido um peso inesperado às comunidades rurais. As terras, que durante séculos haviam passado de geração em geração, tornaram-se cada vez mais fragmentadas devido às partilhas entre os herdeiros. O resultado era um mosaico de pequenos lotes insuficientes para sustentar uma família. As colheitas, outrora abundantes, já não conseguiam competir com os produtos mais baratos que chegavam de outras regiões e países, impulsionados pela crescente globalização do comércio agrícola.

Como se não bastasse, o novo governo italiano impôs uma carga tributária pesada, alegando a necessidade de financiar o desenvolvimento da jovem nação. Os agricultores, como os Casagrande, sentiam o impacto diretamente em seus bolsos, vendo a maior parte de seus magros rendimentos escoar em taxas e impostos. Ao mesmo tempo, os preços dos insumos agrícolas subiam, enquanto o valor dos produtos finais permanecia estagnado, esmagando ainda mais os pequenos produtores.

A família Casagrande era um exemplo típico dessa luta diária. Patriarca da família, Giovanni Casagrande era um homem de mãos calejadas e olhar resiliente, acostumado a enfrentar a terra dura e as intempéries para sustentar sua esposa Maria e seus três filhos. Maria, por sua vez, equilibrava o papel de mãe e trabalhadora, mantendo a casa em ordem enquanto ajudava no cultivo de trigo, sorgo e videiras. Apesar de todo o esforço, o retorno financeiro era cada vez mais insuficiente, e o futuro parecia sombrio.

Entre os moradores de Miane, crescia um sentimento de frustração e desolação. Reuniões na praça da igreja ou nas tavernas locais eram tomadas por discussões sobre a falta de perspectiva, a desigualdade e o êxodo de jovens em busca de trabalho nas cidades mais industrializadas. Mas não era apenas para as grandes cidades italianas que os olhares se voltavam. Sussurros de oportunidades além-mar começavam a ganhar força. Histórias de terras férteis e generosas no Brasil, ainda que muitas vezes exageradas ou romantizadas, plantavam sementes de esperança em corações desgastados pela miséria.

Foi nesse cenário de incertezas que os Casagrande, após muita reflexão e debate, chegaram à conclusão de que permanecer em Miane significaria um futuro de privações sem fim. Partir parecia a única alternativa, ainda que envolvesse o abandono de tudo o que conheciam – a casa onde nasceram, os campos que araram, e os parentes e amigos que ficariam para trás. A decisão, tão dura quanto inevitável, seria a que definiria os rumos da família e dos descendentes que viriam depois.

Pietro Casagrande, aos 35 anos, era um homem moldado pela terra áspera e generosa das colinas de Miane, onde nascera e passara toda a vida. Desde menino, seu aprendizado fora íntimo e constante, absorvendo os segredos da viticultura que seu pai lhe transmitira com paciência: o momento exato da poda, a escolha das mudas, o cuidado meticuloso com o solo para preservar sua fertilidade. Cada videira, cada cacho, carregava o peso de uma tradição secular que Pietro honrava com dedicação quase religiosa.

Mas o mundo à sua volta já não era o mesmo de outrora. A agricultura familiar, que sustentara gerações, agora se via esmagada por forças que escapavam ao controle dos pequenos produtores. O mercado do vinho, antes local e simples, tornara-se um terreno disputado por grandes negociantes e industriais que podiam ditar preços e impor condições desfavoráveis aos agricultores. Pietro via, com angústia, seus esforços esmorecerem diante da impossibilidade de competir com esses gigantes. A produção familiar mal cobria os custos, e a incerteza tornava-se companheira constante.

Ao seu lado, Anna representava a força silenciosa que sustentava a família. Mulher de fibra e praticidade, ela dividia seu tempo entre as tarefas domésticas e o cuidado incessante com os filhos pequenos — Luigi, que já tinha 10 anos e ajudava no campo sempre que possível; Teresa, de 7, que começava a entender as responsabilidades que a vida lhes impunha; e o bebê Marco, que mal engatinhava e trazia ao lar uma luz tênue de esperança. Anna sabia que a sobrevivência da família dependia não apenas do trabalho árduo de Pietro, mas também da organização e do equilíbrio que mantinha dentro de casa.

Juntos, enfrentavam dias marcados pelo suor e pela incerteza, mas também pela esperança teimosa de que um futuro melhor pudesse existir — seja nas vinhas que resistiam, seja além das colinas que já não pareciam promissoras como antes.

Os dias em Miane pareciam se arrastar sob um céu cinzento, onde o sol raramente conseguia aquecer o corpo cansado dos agricultores. O trabalho no campo consumia cada gota de energia, e as noites, em vez de trazerem descanso, eram marcadas por inquietação e sonhos perturbadores. A fome pairava como uma sombra silenciosa sobre a casa dos Casagrande, apertando o peito e corroendo as forças de todos. Os invernos, antes amenos e familiares, tornavam-se cada vez mais rigorosos, castigando as colinas com ventos cortantes e geadas que destruíam as últimas esperanças de uma colheita digna.

Em meio a esse cenário de desespero, começaram a se espalhar rumores vindos de além-mar. Um nome estranho e distante ganhava vida nas conversas sussurradas: Brasil. Palavras sobre um país gigantesco, onde as terras eram vastas, férteis e, sobretudo, oferecidas gratuitamente a quem estivesse disposto a arar o solo e construir uma nova vida. Essas histórias chegavam através de cartas, viajantes e alguns poucos imigrantes retornados, carregadas de promessas que pareciam quase inacreditáveis.

As notícias falavam de oportunidades reais, mas não escondiam os perigos. A travessia do oceano Atlântico era longa e traiçoeira, marcada por condições precárias a bordo dos navios, onde doenças como tifo, colera e sarampo ceifavam vidas. O medo do desconhecido e das dificuldades não era pequeno, mas, para aqueles que sofriam com a escassez e o desespero, essa promessa de um recomeço valia qualquer risco.

Assim, mesmo diante das dificuldades incontestáveis, a luz de esperança que essas histórias carregavam começava a iluminar os corações endurecidos pela luta diária. O Brasil, com suas terras generosas e futuro incerto, surgia como um farol distante, uma possibilidade de escapar das correntes que prendiam as famílias vênetas a uma vida de privações sem fim. Foi nesse momento que muitos, como os Casagrande, começaram a sonhar com uma vida além das colinas que haviam conhecido, dispostos a arriscar tudo para garantir um amanhã melhor para seus filhos.

Pietro e Anna enfrentaram uma angústia profunda diante da decisão que lhes pesava no coração. A ideia de abandonar a terra natal, com suas colinas verdes, os vinhedos que tinham cuidado por gerações, e o vilarejo onde cada pedra parecia conter memórias de antepassados, era uma dor quase insuportável. O Vêneto não era apenas um lugar no mapa; era a essência da sua identidade, o palco das alegrias e tristezas que moldaram suas vidas. Cada aroma do solo, cada som do vento entre as folhas, carregava um pedaço da história da família.

Porém, as condições se tornavam cada vez mais insustentáveis. O trabalho árduo, os sacrifícios diários e as esperanças cada vez mais tênues haviam mostrado que permanecer significava aceitar a pobreza, a fome e a insegurança perpetuamente. A perspectiva de um futuro onde os filhos sofreriam as mesmas privações que eles já enfrentavam não lhes dava paz.

Depois de longas noites em claro e conversas silenciosas, tomaram a decisão que, embora carregada de incertezas, representava uma faísca de esperança. Venderam tudo o que podiam: a única vaca da família, que lhes dava leite e ajudava nas tarefas do campo; a velha carroça de madeira, que carregava não apenas cargas, mas também histórias de muitos anos; e os poucos utensílios de valor que possuíam, acumulados com sacrifício e cuidado ao longo do tempo.

Com o dinheiro obtido, procuraram um agente de emigração que trabalhava para uma grande companhia de navegação sediada em Veneza. Esse homem, com sua pasta cheia de papéis e promessas, ofereceu-lhes passagens para o Brasil — um destino distante, quase mítico, mas que carregava a esperança de terras férteis e vida digna. Embora temerosos diante do desconhecido, Pietro e Anna inscreveram-se para a viagem, conscientes de que dali em diante nada seria como antes. O peso da despedida se misturava à promessa de um recomeço, enquanto o horizonte do velho mundo se fechava para dar lugar ao mistério e à oportunidade do novo.

A travessia foi uma prova de resistência física e emocional para Pietro, Anna e seus filhos. O navio, um antigo cargueiro adaptado às pressas para o transporte de imigrantes, estava longe de ser adequado para a viagem transatlântica. Projetado para levar mercadorias, agora transportava centenas de pessoas empilhadas em condições sub-humanas, abarrotando os porões e os estreitos compartimentos da terceira classe.

Os alojamentos, pouco mais que cubículos improvisados, eram escuros e abafados. Não havia ventilação adequada, e o ar rapidamente tornava-se pesado e insalubre, impregnado pelo odor de corpos exaustos, comida deteriorada e dejetos humanos. Não havia privacidade nem descanso, e a constante proximidade forçada criava tensões e atritos entre os passageiros.

A comida, racionada e muitas vezes estragada, era composta de pão duro, sopas ralas e, ocasionalmente, pedaços de carne que raramente estavam frescos. A água, armazenada em tonéis sujos, não era suficiente para todos, e muitos sofriam de sede. Crianças e idosos, mais frágeis, adoeciam rapidamente. Entre as doenças mais comuns estavam o tifo e o escorbuto, que se espalhavam como fogo em um campo seco.

Pietro passava noites em claro, ouvindo os gemidos dos doentes e tentando acalmar o choro de seus filhos. Luigi, o mais velho, suportava a situação com bravura, mas os olhos cansados de Teresa e o choro constante do pequeno Marco perfuravam o coração de Pietro como facas. Ele temia pelo bem-estar da família e rezava para que o navio alcançasse o destino antes que uma tragédia maior acontecesse.

Anna, apesar de debilitada, mostrava uma resiliência admirável. Ela se esforçava para manter a dignidade e o conforto dos filhos dentro do possível. Inventava histórias para distraí-los e, com mãos trêmulas, dividia as pequenas porções de comida, garantindo que cada um recebesse pelo menos um pouco. Mesmo quando sua própria saúde começava a vacilar, seu foco permanecia nas crianças.

O balanço constante do navio, agravado por tempestades que tornavam o mar traiçoeiro, fazia muitos sucumbirem ao enjoo. As ondas gigantes lançavam o cargueiro de um lado para outro, e, em noites mais severas, os passageiros agarravam-se ao que podiam, rezando para que o navio não fosse engolido pelas águas revoltas.

Apesar de tudo, a esperança teimava em resistir. Nos momentos mais sombrios, os imigrantes se uniam, compartilhando palavras de conforto, alimentos ou mesmo preces conjuntas. Pietro encontrava força ao olhar para Anna e os filhos, determinado a fazer com que aquele sacrifício não fosse em vão. A promessa de uma nova vida, ainda que distante, era a chama que os mantinha vivos em meio à escuridão e ao sofrimento.

Após semanas intermináveis no mar, o navio finalmente atracou no movimentado porto do Rio de Janeiro. Era um espetáculo de cores e sons que contrastava fortemente com os dias sombrios e silenciosos da travessia. Para Pietro e Anna, o alívio de tocar terra firme misturava-se à apreensão pelo que ainda estava por vir. O Brasil, com seu calor sufocante e uma língua desconhecida, era um mundo novo e estranho.

No entanto, esse desembarque era apenas uma breve pausa na longa jornada. Após dois dias de espera no porto, tempo que usaram para recuperar um pouco das forças abrigados na grande Hospedaria dos Imigrantes onde recebiam alimento e camas para descansar se adaptar ao ritmo frenético do novo país, os Casagrande foram embarcados novamente, desta vez em um navio menor, destinado ao sul do país. A viagem prosseguia, agora rumo à província de São Pedro do Rio Grande do Sul, onde as promessas de terra e uma nova vida ainda eram apenas ideias distantes.

Quando finalmente chegaram ao porto de Rio Grande, a família estava exausta, mas Pietro sentia que o destino final estava ao alcance. Ainda assim, o desafio não terminava ali. Embarcaram em barcos fluviais lotados, navegando lentamente pelo rio Caí que cruza as vastas planícies da província. A vegetação exuberante, os sons das aves tropicais e o calor úmido criavam uma atmosfera completamente diferente das colinas familiares do Vêneto. Anna, com os filhos nos braços, observava a paisagem com um misto de fascínio e inquietação, enquanto Pietro mantinha os olhos fixos na água, pensando no futuro incerto que os aguardava.

Ao chegar ao destino, foram encaminhados por funcionários do governo para uma colônia recém-criada, chamada Caxias do Sul. O lugar, apesar de promissor, era marcado por uma rudeza que não deixava dúvidas sobre os desafios que enfrentariam. A paisagem, dominada por matas densas e terras ainda por desbravar, parecia indomada. As autoridades entregaram à família Casagrande um pedaço de terra coberto de vegetação cerrada, que deveria ser desmatado e cultivado com suas próprias mãos.

Pietro encarou aquele pedaço de terra como um campo de batalha. Ele sabia que cada árvore derrubada, cada pedaço de solo revolvido seria uma conquista para sua família. Anna, mesmo cansada, arregaçou as mangas para ajudar no que podia. As crianças, embora ainda jovens, absorviam o ambiente com curiosidade e esperança.

A colônia era formada por outras famílias italianas, vindas de diferentes partes do norte da Itália. Isso trouxe algum alívio: podiam falar sua língua, compartilhar tradições e formar uma comunidade que os conectava às raízes deixadas no Vêneto. Apesar das condições iniciais difíceis, a promessa de uma vida melhor alimentava seus esforços. Caxias do Sul, ainda rudimentar, tornava-se um símbolo de recomeço, onde cada dia de trabalho árduo representava um passo para transformar a promessa em realidade.

O pedaço de terra que a família Casagrande recebeu por meio do contrato com o governo era vasto e imponente, abrangendo cerca de 250 mil metros quadrados. Para uma família de agricultores habituada às pequenas parcelas fragmentadas do Vêneto, aquela extensão parecia tanto uma bênção quanto um desafio colossal. No entanto, o terreno estava completamente coberto por mata fechada, uma selva densa e inexplorada, com árvores altas, raízes profundas e uma fauna desconhecida que muitas vezes os assustava à noite.

Pietro, sem experiência com desmatamento, logo percebeu que enfrentar sozinho aquela tarefa monumental seria impossível. Ele se uniu a outros colonos recém-chegados, formando uma rede de apoio que misturava trabalho árduo e aprendizado coletivo. Com ferramentas rudimentares, como machados, foices e serras de arco, os homens enfrentavam a floresta, abrindo clareiras a cada dia, muitas vezes ao custo de bolhas nas mãos e músculos exaustos.

Os dias começavam ao amanhecer ainda escuro, com Pietro liderando sua família e dividindo tarefas com outros colonos. O som das árvores sendo derrubadas ecoava pela colônia, acompanhado pelos gritos de encorajamento entre os trabalhadores e pelo estalar da madeira ao ceder. Era um trabalho árduo e perigoso, com troncos caindo em direções inesperadas e ferramentas que exigiam precisão para evitar acidentes. Pietro, sempre cauteloso, mantinha os filhos longe das áreas mais perigosas, mas sua mente não descansava enquanto trabalhava, sabendo que ainda havia muito a fazer para tornar aquele pedaço de terra um lar.

Enquanto isso, Anna mostrava uma determinação extraordinária. Apesar da precariedade inicial, ela começou a plantar as primeiras sementes de feijão, mandioca e milho em pequenos espaços que Pietro e os outros conseguiam abrir no solo. Usando um enxadão que trouxera consigo, Anna misturava o solo fértil com as sementes, rezando silenciosamente por uma colheita que alimentasse seus filhos.

As crianças, ainda pequenas, faziam o que podiam para ajudar. Luigi, o mais velho, assumia responsabilidades maiores, carregando baldes de água do riacho próximo e ajudando o pai a recolher galhos e raízes. Teresa, com sua energia juvenil, recolhia lenha para as fogueiras, enquanto Marco, apesar de ainda ser um bebê, brincava sob a sombra das árvores, sua presença lembrando a Pietro e Anna o motivo pelo qual enfrentavam tamanha adversidade.

O progresso era lento, mas visível. A cada árvore derrubada e a cada metro de solo cultivado, a floresta dava lugar a um campo que prometia se tornar fértil. Pietro e Anna viam naquelas clareiras não apenas o resultado de seu trabalho, mas também a possibilidade de um futuro, onde a terra que antes parecia indomável pudesse sustentar sua família. A solidariedade entre os colonos reforçava o senso de comunidade, e o esforço conjunto transformava o sonho de sobrevivência em um objetivo compartilhado: construir uma nova vida, um sulco de cada vez.

Os primeiros anos na nova terra foram uma verdadeira prova de resiliência para os Casagrande. Acostumados ao clima ameno das colinas do Vêneto, enfrentar o calor sufocante e a umidade constante do clima tropical era um desafio diário. As chuvas torrenciais, que muitas vezes transformavam o solo em lama e faziam os riachos transbordarem, destruíam plantações inteiras em questão de horas. O sol escaldante, por sua vez, secava as folhas das culturas recém-plantadas e tornava o trabalho no campo extenuante.

Além disso, as pragas agrícolas, desconhecidas para Pietro e Anna, tornavam-se uma batalha constante. Gafanhotos, lagartas e outros insetos atacavam as plantações de milho e mandioca, e não havia conhecimento ou recursos suficientes para combatê-los. No entanto, Pietro era persistente, aprendendo com outros colonos e experimentando métodos rudimentares para proteger as culturas. Ele usava cinzas das fogueiras como repelente natural e criava barreiras simples para evitar que os insetos se alastrassem.

A saudade do Vêneto também pesava. As memórias das colinas verdes, do cheiro das videiras e do som dos sinos das igrejas eram como fantasmas que os acompanhavam. À noite, enquanto descansavam em seu abrigo improvisado, Pietro e Anna falavam em sussurros sobre a terra natal, temendo que mencionar suas saudades em voz alta pudesse enfraquecer o ânimo das crianças.

Apesar das dificuldades, os Casagrande começaram a ver o fruto de seus esforços. O pedaço de mata densa que haviam recebido transformava-se gradualmente em campos cultivados. Pietro, com as mãos calejadas e um espírito incansável, concentrou-se primeiro em construir um abrigo rudimentar, feito de troncos e folhas, para proteger a família da chuva e dos animais selvagens. Era precário, mas servia de refúgio enquanto ele planejava algo mais duradouro.

Com o tempo, e à medida que os campos davam suas primeiras colheitas, Pietro iniciou a construção de uma casa simples de madeira. Ele cortava as tábuas com cuidado, ajustando cada peça com paciência, mesmo sem ter ferramentas adequadas. A casa era pequena, com um único cômodo que servia de cozinha, sala e dormitório, mas era o suficiente para dar à família um senso de segurança e estabilidade.

Anna, com sua dedicação inabalável, transformou a estrutura básica em um verdadeiro lar. Ela pendurava ervas secas nas vigas de madeira, costurava cortinas com retalhos de tecido que trouxera da Itália e cuidava para que o pequeno jardim ao redor da casa estivesse sempre florescendo. À noite, quando a família se reunia ao redor da mesa improvisada, Anna preparava refeições simples, mas feitas com carinho, e suas histórias sobre o Vêneto ajudavam a manter vivas as raízes culturais dos Casagrande.

Pouco a pouco, a nova vida começava a tomar forma. Embora o caminho fosse longo e os desafios constantes, os Casagrande viam na transformação da terra e no lar que estavam construindo um sinal de que a coragem de deixar sua terra natal não havia sido em vão.

Com o passar dos anos, os frutos do árduo trabalho começaram a se manifestar de maneira mais evidente. As colheitas, antes tímidas e incertas, tornaram-se progressivamente mais abundantes, fruto de um aprendizado contínuo sobre a terra e suas peculiaridades. Com isso, a família finalmente pôde negociar o excedente da produção por outros bens essenciais, como ferramentas, tecidos e até pequenos luxos que antes pareciam inalcançáveis.

Luigi, agora na adolescência, emergia como um jovem forte e dedicado, assumindo com seriedade muitas das responsabilidades no campo. Ele não apenas auxiliava no plantio e na colheita, mas também começou a se interessar por técnicas agrícolas mais eficientes, que ouviu de outros colonos ou leu em antigos manuais trazidos da Itália. Sob sua liderança discreta, a produtividade da pequena propriedade deu novos saltos.

Teresa, por sua vez, encontrou na costura não apenas uma forma de complementar a renda da família, mas também um caminho para expressar sua criatividade e talento. Seus bordados, conhecidos por detalhes delicados e motivos tradicionais italianos, começaram a ser procurados por outras famílias da colônia. Logo, ela se tornara uma figura reconhecida pela comunidade, recebendo encomendas que lhe permitiram comprar materiais de melhor qualidade e até sonhar com uma máquina de costura moderna.

O crescimento econômico trouxe não só alívio, mas também uma nova esperança para a família. Aos poucos, começaram a planejar melhorias na casa de madeira, incluindo um novo quarto para Luigi e sua irmã mais nova, Rosa, que também crescia rapidamente e já ajudava a mãe em pequenos afazeres. Com cada conquista, sentiam-se mais enraizados naquele solo, que, embora distante de sua terra natal, começava a se parecer com um verdadeiro lar.

Os Casagrande encontraram nos outros colonos italianos não apenas vizinhos, mas uma verdadeira extensão de sua família. A solidariedade mútua era o alicerce daquela pequena comunidade, onde cada gesto de apoio fazia a diferença. Em momentos de necessidade, fosse para levantar um novo galpão, colher uma safra antes da chegada da chuva ou enfrentar os desafios impostos pelo clima tropical, os colonos estavam sempre prontos a ajudar uns aos outros, criando laços que iam além do sangue.

Aos domingos, as reuniões na igreja da colônia eram um ponto alto na semana. A pequena capela, construída em mutirão, era mais do que um espaço de oração; era um local onde a alma da comunidade se fortalecia. Ali, ao som de cânticos entoados no dialeto vêneto, os Casagrande sentiam a conexão com sua herança cultural e espiritual. As missas, simples, mas carregadas de emoção, eram seguidas por longas conversas e risadas ao redor de mesas improvisadas, repletas de pratos típicos como polenta, salame e pão caseiro.

Entre histórias sobre as dificuldades da travessia do oceano e as vitórias na terra nova, a saudade da Itália era constantemente compartilhada, mas, com o tempo, também transformada. Embora a nostalgia da pátria nunca desaparecesse por completo, os Casagrande perceberam que, naquele novo lar, haviam plantado raízes profundas. O solo que antes parecia tão estranho agora produzia os frutos de seus esforços. E, na companhia de seus conterrâneos, descobriram que o sentido de pertencimento não dependia apenas do lugar, mas das pessoas que os cercavam.

Com cada colheita bem-sucedida e cada celebração comunitária, ficou claro para os Casagrande que haviam encontrado mais do que um espaço para sobreviver: haviam construído um lugar onde poderiam sonhar, crescer e, acima de tudo, prosperar.

Décadas mais tarde, os Casagrande haviam se tornado uma referência em toda a região. Reconhecidos por sua incansável dedicação ao trabalho e pela visão inovadora, a família não apenas prosperou, mas também deixou um legado que ecoava além das fronteiras de suas terras. Seus descendentes expandiram a propriedade original, transformando-a em um complexo agrícola diversificado, que ia muito além do cultivo inicial de uvas e cereais. Vinhedos cuidadosamente cultivados deram origem a premiados vinhos regionais, enquanto plantações de frutas e hortaliças abasteciam mercados locais e contribuíam para o desenvolvimento da economia da jovem cidade de Caxias do Sul.

A participação da família não se restringiu à esfera econômica. Os Casagrande desempenharam papéis importantes na vida comunitária, ajudando a fundar escolas, associações culturais e até uma cooperativa agrícola que impulsionou o progresso de muitas outras famílias imigrantes. O espírito de união, que fora vital nos primeiros anos de luta, permaneceu uma característica marcante da família, transmitido de geração em geração.

Na Itália, na pequena frazione de Miane, a história dos Casagrande que partiram em busca de uma nova vida era contada com reverência e orgulho. Cartas enviadas ao longo dos anos, cheias de relatos sobre as conquistas e os desafios enfrentados no Brasil, eram lidas e guardadas como tesouros. Fotografias em preto e branco mostrando os campos férteis de Caxias do Sul e os rostos sorridentes dos descendentes eram compartilhadas nas celebrações familiares, uma ponte simbólica entre os dois continentes.

Hoje, a trajetória dos Casagrande é lembrada como um exemplo inspirador de coragem, determinação e fé no futuro. Suas conquistas não apenas enriqueceram a história de Caxias do Sul, mas também fortaleceram os laços culturais entre Brasil e Itália. A memória dos que ousaram sonhar com uma vida melhor em terras desconhecidas permanece viva, um testemunho de que o espírito humano é capaz de superar as maiores adversidades e transformar sonhos em realidade.

Nota do Autor


A história apresentada é parte do livro Raízes que Cruzaram o Oceano: do Veneto ao Novo Mundo. Trata-se de um romance fictício, porém amplamente inspirado em fatos reais e relatos coletados pelo autor junto a descendentes daqueles pioneiros que, com coragem e determinação, desbravaram novos horizontes em terras distantes. Os nomes dos personagens e alguns eventos foram adaptados ou recriados para preservar a identidade das famílias e tornar a narrativa mais envolvente. O sobrenome "Casagrande" foi escolhido para exemplificar e dar vida à história, sendo um sobrenome bastante comum na Itália, o que facilita sua identificação com os contextos históricos e culturais retratados. Apesar das adaptações literárias, o espírito das jornadas, os desafios enfrentados e as conquistas alcançadas são um tributo fiel ao legado deixado por esses imigrantes. Esta obra é uma homenagem à resiliência, ao trabalho árduo e ao amor que moldaram uma nova história, tanto para os que partiram quanto para os que ficaram.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta