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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Entre Raízes e Horizontes


Entre Raízes e Horizontes

A Vida de Bartolomeo Mussioni


Bartolomeo Mussioni nasceu em 1868 na pequena localidade de San Giacomo di Veglia, pertencente ao município de Vittorio Veneto, na província de Treviso. O lugar era um recanto modesto do Vêneto, protegido pelas colinas, repletas de parreirais, que se erguiam como guardiãs silenciosas sobre os campos cultivados. Ali, a vida seguia o compasso antigo do trabalho rural, com sinos de igreja marcando os dias e as estações ditando o destino das famílias.

Desde cedo, Bartolomeo aprendera que a terra podia ser ao mesmo tempo generosa e cruel. As planícies ao redor da vila, recortadas por fileiras de trigo e vinhedos ralos, exigiam esforço sem tréguas. A cada verão, o calor secava os campos até quase matá-los; a cada inverno, a geada queimava o que havia sobrevivido. Havia anos em que a colheita não passava de um punhado de grãos, insuficiente para alimentar a família durante os meses mais duros. Nessas épocas, o silêncio da casa se tornava pesado, quebrado apenas pelo som das lamúrias abafadas das mães e pelo ranger dos arados puxados a custo pelos bois magros.

Mas o mundo de Bartolomeo não se limitava às dificuldades da lavoura. Desde a adolescência, rumores atravessavam os vales e corriam de boca em boca: histórias de terras distantes, de uma nova vida além do oceano. Nos encontros na pequena praça de Vittorio Veneto, entre o murmúrio dos anciãos e a curiosidade dos mais jovens, surgiam relatos de famílias que haviam partido rumo à América. Falava-se de um continente fértil e sem fim, onde a terra não precisava ser pedida em arrendamento e onde as colheitas se multiplicavam como bênçãos.

Essas histórias, muitas vezes exageradas e envoltas em mistério, alimentavam a imaginação dos camponeses. Para Bartolomeo, que desde cedo conhecia a incerteza da subsistência, a ideia de uma terra em que o pão e o mel pareciam brotar da própria natureza ganhava contornos de promessa divina. Era como se o destino oferecesse, além das colinas familiares de Treviso, um horizonte novo, vasto e luminoso, capaz de resgatar sua família da penúria e garantir-lhe um futuro de abundância. 

Em 1884, quando Bartolomeo completou dezesseis anos, sua vida sofreu o primeiro grande abalo. Naquele ano, seu tio Santo, homem de espírito inquieto e coragem rara, decidiu romper os limites da tradição e tentar a sorte além-mar. Partiu de Vittorio Veneto levando consigo a esposa e as duas filhas pequenas, deixando para trás a velha casa de pedra e os vinhedos que já não sustentavam a família. A despedida foi marcada por lágrimas contidas e pelo som pesado dos sinos da paróquia, que naquela manhã pareciam dobrar não apenas para os que ficavam, mas também para o fim de uma era.

Meses depois, começaram a chegar as primeiras notícias da travessia. Relatos inflamados descreviam um Brasil exuberante, onde a terra se abria generosa diante de quem tivesse braços fortes para cultivá-la. Falava-se de rios largos como mares, de campos tão vastos que os olhos não alcançavam o fim, de colheitas que superavam qualquer expectativa. Para os que viviam sob a penúria das encostas vênetas, tais notícias soavam como revelações de um Éden reencontrado.

A cada palavra que chegava, crescia no coração de Bartolomeo um turbilhão de sentimentos. Entre a dura realidade de San Giacomo di Veglia e as promessas de um continente sem fronteiras, instalava-se nele uma inquietação que não lhe permitia mais dormir em paz. O jovem, ainda marcado pela inocência dos dezesseis anos, começou a enxergar o mundo como uma bifurcação inevitável: permanecer preso às colinas que moldaram sua infância ou arriscar tudo na incerteza de terras desconhecidas.

A decisão foi se formando lentamente, como as estações que amadurecem a vinha. Movido por uma mistura de curiosidade, esperança e o desejo quase instintivo de quebrar o ciclo da escassez, Bartolomeo se uniu à onda migratória que se espalhava por sua região como uma maré silenciosa. No dia da partida, deixou Vittorio Veneto com o coração dividido: de um lado, a saudade pungente da pátria, das colinas familiares, dos rostos que jamais veria outra vez; de outro, a expectativa ardente do desconhecido, que o atraía como uma promessa de renascimento.

A travessia foi longa, trinta dias sobre o mar revolto até o porto de Santos. Mal desembarcou, Bartolomeo solicitou ser transferido para a Colônia Caxias, no Rio Grande do Sul, onde a família de seu tio já começava a se estabelecer. Chegaram a Porto Alegre em 13 de maio de 1888, um dia que entraria para a história do Brasil pela abolição da escravatura. Para Bartolomeo e os que chegavam, no entanto, o mundo novo era ainda cru e desafiador: não havia dinheiro, não havia crédito, não havia garantias. O peso da realidade pesava mais que o sonho da América.

Enquanto seu avô e seu tio Giovanni, ainda na Itália, sugeriam o retorno à pátria, Bartolomeo ouviu a determinação de seu pai Vittore e do tio Prosdocimo: a família já estava ali, e a oportunidade deveria ser cultivada, mesmo que lenta e penosamente. Embora Bartolomeo e sua tia Lucia inicialmente desejassem retornar à Itália, a persistência do pai e a força da comunidade os fizeram permanecer. Entre resmungos e lamentações, Lucia expressava seu desdém pela “terra de selvagens”, enquanto Bartolomeo, emocionado, buscava aceitar a vontade divina e o curso inevitável da vida.

O tempo, implacável e paciente, trouxe consigo a adaptação e os primeiros frutos do esforço. As mãos calejadas de Bartolomeo e de sua família começaram a transformar a terra bruta em campos ordenados. Onde antes havia apenas mato cerrado e chão pedregoso, surgiram fileiras de milho que se erguiam como estandartes verdes sob o sol tropical. As sementes de trigo, importadas em pequenas quantidades, encontraram resistência, mas aos poucos aprendeu a crescer naquele solo novo, como se também fosse um emigrante em busca de raízes. Outros cereais, plantados em parcelas menores, completavam a paisagem agrícola que se expandia a cada estação.

A grande virada veio com a implantação do primeiro vinhedo. Entre enxadas, estacas de madeira e paciência quase infinita, Bartolomeo via brotar não apenas videiras, mas o elo simbólico com a terra de onde viera. As parreiras, ainda frágeis, balançavam ao vento como lembranças vivas das colinas de Vittorio Veneto. Cada ramo que vingava representava mais que uma promessa de colheita: era a prova de que, mesmo longe, era possível reconstruir um pedaço da pátria.

Com o trabalho incessante, vieram os primeiros sinais de progresso. Os comerciantes locais, antes desconfiados, passaram a conceder crédito. O nome dos Mussoni começou a circular nos registros da colônia, associado à perseverança e ao cultivo bem-sucedido. Uma sensação discreta de estabilidade se insinuava, ainda frágil como um fio de vidro, mas suficiente para dar à família um novo alicerce.

Cada passo, cada colheita, cada pequeno progresso consolidava a presença dos Mussoni naquele solo estrangeiro. As casas de madeira erguiam-se ao redor dos campos, os armazéns guardavam os frutos de meses de trabalho, e a terra que no início parecia hostil começava a revelar-se parceira. Ainda assim, no fundo do coração de Bartolomeo permanecia um vazio insondável. A saudade da pátria natal nunca o abandonava: nas noites silenciosas, enquanto o vento atravessava as frestas da casa simples, ele sentia-se de novo em San Giacomo di Veglia, ouvindo o soar dos sinos da pequena igreja e vendo as colinas do Vêneto se tingirem de dourado ao entardecer.

A vida lhe ensinava que era possível criar raízes em terras distantes, mas jamais arrancar da alma a lembrança daquilo que havia sido perdido.

Bartolomeo, moldado por desafios e esperanças, aprendeu que a verdadeira viagem não estava apenas na travessia do Atlântico, mas na construção de uma vida digna em terras que, embora distantes e inóspitas, podiam tornar-se lar para aqueles que perseverassem. Entre a memória das colinas de Treviso e os horizontes abertos do Rio Grande do Sul, encontrou seu destino — uma existência de trabalho árduo, conquistas tímidas e, acima de tudo, a promessa de um futuro construído com suas próprias mãos.

Nota do Autor

Escrever esta história foi, para mim, mais do que um exercício de imaginação: foi um mergulho profundo na memória coletiva de milhares de famílias que, como Bartolomeo Mussioni, deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor. Ao revisitar os caminhos de um personagem ficcional, inspirado na realidade de tantos imigrantes do Vêneto e de outras regiões da Itália, procurei dar voz à experiência universal de quem se vê dividido entre o amor pelas raízes e a necessidade de olhar para novos horizontes.

A escolha por narrar a vida de Bartolomeo nasceu do desejo de compreender o drama silencioso da emigração: o peso da fome, das colheitas incertas, das despedidas carregadas de lágrimas, mas também a esperança quase teimosa que movia homens e mulheres a atravessarem o oceano. Escrever sobre ele foi, portanto, uma forma de homenagear não apenas uma geração de italianos que ajudou a construir o Brasil, mas também as histórias de luta, adaptação e fé que permanecem vivas na memória de seus descendentes.

Ao longo da narrativa, busquei mostrar que a travessia de Bartolomeo não se restringiu ao Atlântico: ela foi também uma travessia interior. Cada vinhedo plantado, cada pedaço de terra cultivado, representava não só um gesto de sobrevivência, mas também uma tentativa de recriar, em solo estrangeiro, a pátria que ficara para trás. É nesse ponto que a história se torna universal: todos nós, em algum momento da vida, precisamos aprender a equilibrar aquilo que carregamos de origem com aquilo que nos espera adiante.

Decidi escrever Entre Raízes e Horizontes porque acredito que a literatura tem a força de resgatar aquilo que o tempo muitas vezes tenta apagar. A saga de Bartolomeo Mussioni é, no fundo, um tributo à coragem, à persistência e à saudade. É também um convite ao leitor para refletir sobre suas próprias raízes e horizontes — sobre o que deixamos para trás e sobre aquilo que nos move a seguir em frente.

Dr. Luiz Carlos Piazzetta



segunda-feira, 29 de setembro de 2025

I Primi Zorni ´ntela Tera Promessa: La Saga de un Imigrante

 


I Primi Zorni ´ntela Tera Promessa: 
La Saga de un Imigrante


Toni se desmìssia de un colpo, lassando un urlo roco che el ga sfondà el silénsio profondo de la note, come se avesse scampà da un incubo bruto che l’avea catà tuto drento. Par un momento, el ga restà fermo, el cuor che batea forte ´ntel peto, mentre i òci so sercava, ancora inturbì, de capir ndove che el zera. La tènebre intorno parea pesà, opressiva, e l’ùnica luse vegnia da 'na foghera picinina al so lato. Intornà de piere grosse, la fiama vasilava, alimentà solo da un toco de legno testardo, che resisteva a le sènere e al fumo che montava in spirale lente verso el celo. Con i sensi ghe tornava drio piano, Toni ghe voltò la testa e la ga visto Pierina. Lei dormia profondo, coperta de la strachesa, con la cara che se indorava apena con el brilo del fogo che tremava. I so brassi i gavea streto el pìcolo Marco, de do ani soli, che se strensava a lei, proteto e fora de le misèrie de quela caseta par far riparo. Toni, vardando a lori, el se sentìa mescolà de solièvo e de tristessa. ´Ntel silénsio de la note, con el vento fredo che intrava tra i buchi de la baraca rùstega, el sentiva el peso de la responsabilità che portava, ma anca la forsa che l’amor par la so famèia ghe dava par far fronte a sto mondo novo pien de incertese. Ghe ze volù qualche minuto prima che Toni scominsiasse a ricordarse ndove che zera e cossa che lori i stava far in quela caseta rùstega, cussì lontan dal conforto de ´na casa vera. La tera dura soto ai so piè i gavea solo un poco de fóie, la maior parte ancora verde, che ghe dava un odor forte e fresco, come se zera stà apena taià da un bosco vivo. L’odor zera intenso, quasi confortante, ma no bastava a cavar via el desconforto de starghe alogià in un riparo cussì fato sgoelto. 
Ancora meso inturbià, Toni ghe passò le man per tera, tastando par catar un toco de legno par dar da magnar al fogo, che pian pian el se stava consumando con el fredo de la matina che rivava. La ària freda la intrava tra le fissure de la baraca, come pìcole lame invisìbili, mentre la manta grossa che i gavea dosso pareva inùtile par fermar el rigor de la note. El ga restà sentà su quel materasso improvisà, fato de fóie che scrichiolava soto el so peso, el se sentiva la straca acumulà de sti ùltimi zorni che ghe pesava sui mùscoli.
Pian pian, la realtà la saltò fora come un'onda lenta e inevitàbile. Lori i zera là da sol tre zorni, in meso a la densità quasi sufocante del bosco, in sta tera selvàdega che adesso la zera da lori. La zera la tanto sperà propietà ´ntela Colónia Caxias, un toco de futuro che prometea de èsser mèio, ma che al presente el se mostrava come un desafio imenso, domandando pì de lori de quel che i gavea mai imaginà. Straco dai sforsi sensa fin de sti ùltimi zorni, Toni i ga restà fermo, sensa forsa né vóia de alsarse. El corpo el parea pesar pì che mai, ogni mùscolo el ghe reclamava par el laor duro, mentre la mente, inquieta, lo portava indrio ai eventi che gavea cambià la so vita in ste ùltime setimane, da la partensa dolorosa da la so tera natal. 
Se ricordava del momento in cui i ga messo i piè par la prima volta su el tereno che i gavea ricevù. La tera che lori i gavea trovà la zera tanto sfidante quanto imponente: un bosco denso, pien de àlbari alti e robusti, con tronchi che pareva sfidar el ciel. Ntel cuor de sta tera vèrgine, un russelo picolino serpentinava in silénsio, taiando la proprietà come ´na vena de vita, ma anca de ostàcolo. Toni el se sentì ancora ´na volta l’impato de quel momento — ´na mèscola de speransa e disperassion vardando el laor titánico che li aspetava. Con determinassion, lori, Toni e Pierina, i gavea despianà un tocheto de quel teritòrio selvàdego. La sega taiava i arbusti pì bassi, mentre la manara abateva qualche àlbaro grande, fasendo spàssio par construre un riparo. El resultato el zera ´na baraca semplice, tirà su con i rami dei stessi àlbari che i gavea taià, coerto da fóie de palma che formava un teto fràgil, pien de buchi da ndove el vento ghe intrava sempre.
La tera, sensa nessun altro coerto fora de la tera batuta, la gavea ricevesto un monte de foie che i usava par farse el materasso. Là, su quel leto rùstego, lori i se coricava ogni sera, sercando de ignorar i dolori del corpo e el fredo che no li lassava mai in pase. A lato, un fogon improvisà, niente de pì che un fogo de tera, el zera el posto ndove Pierina, con sforso e ingegno, la preparava da magnar. L’odor de la cusina el zera semplice, ma par lori ogni piato, per quanto modesto, el zera un trionfo contro le aversità. Toni el stava là, sprofondà ´nte le so riflession, con i oci piantà ´nte le fiame che se spegnea pian pian. El presente el zera duro, ma el ricordo de quel che i ga superà fin a quel momento el ghe faceva capir che ogni conquista, per quanto pìcola, zera ´na prova de la so forsa e de la so fede ´ntel futuro.
´Ntel momento in cui lori i ga preso possesso de la tera, Toni e Pierina i gavea provà una mèscola de solievo e inquietudine. El solievo el vegniva da la promessa de un futuro come proprietàri, un sònio che nessuna generassion pressedente de la so famèia gavea mai potuto realisar. L’inquietudine la vegniva dal riconòsser che la tera, cussì generosa ´ntel so potenssial, la zera ancora avolta in sfide imense. El governo ghe gavea fornì quel che lori i ciamava "provision inissiài": meso saco de farina de mìlio par la polenta, un sachetin de fasòi neri, qualche chilo de farina de formento e un pò de sale. Per quanto scarsi, sti provision rapresentava un punto de partensa e ´na ligassion fràgile tra la sopravivensa imediata e la speransa de un futuro autosuficiente.
Altre le robe da magnà, ghe gavea fornì anca strumenti bàsichi che i gavea far difarensa par domar la selva e renderla produtiva: ´na manara, ´na sega, ´na falce e un facon. Semplici in forma, sti strumenti i pareva brilar con la promessa de fatiche e progresso. Toni el savea che sti strumenti i saria diventà le estenssion de le so man con i zorni che vegnia, un ricordo costante de la so responsabilità come provedidor e costrutor de 'na nova vita.
Sentà al canto del fogo, che desso el zera un poco pì vivo, Toni el se perdea ´ntei ricordi che vegniva drento con la fùria de un fiume ingrossà. El pensava a casa de so pare, ai vali verdi che girava intorno a la vila de Fagarè, in San Biagio de Callalta. L'imàgine de la pìcola caseta de sassi, in quei ùltimi ani meso discurà, con le so pareti segnà dal tempo, ghe vegniva in mente con dolsesa e dolor. Podeva quasi sentir el odor de la tera bagnà dopo le prime piove de primavera, i campi che cantava in tanti verdi con el profumo dei fiori selvadeghi che riempiva l’ària. El Piave, con le so aque ciare che corea fra i sassi bianchi, la zera pì che ‘na vision; la zera un toco de Toni che el temeva de no ritrovare pì.
Con el cuor strensà, Toni el se ricordea de l’adio de so mare, ´na figura picolina ma forte, che la zera stà el sostegno de la so infánsia. Vedova e già inchinà dal peso dei ani e de le fatiche, lei lo gavea strensà forte prima de partir, come se volesse passarghe la so forsa in un ùltimo gesto. Lustrava ancora i so oci bagnà, che i ghe nascondeva la pena de no piansar davante ai fiòi picinin, che i vardava tuta la scena con spavento e confusion.
La partensa de Toni no la zera stà ‘na scelta, ma ‘na necessità. La fame, sempre pronta a colpir, la gavea fato casa ´ntela so vita. Le racolte, magre e scarse, no bastava gnanca par el mìnimo, e le tasse pesanti e inflessìbili le siapava via quel poco che restava. La tera, che la dovarìa portar vita, la pareva far el contra, con le seche stracurente o le piove che finiva par somersare tuto. L’emigrassion la zera ‘na strada obligada, el solo modo par un come Toni, el pì vècio dei fioi, che el savea de aver el futuro de la so mare e dei fradèi pì zòvani tra le man.
Anca qua, lontan da casa, el sentia ancora quel peso. Ogni colpo de sega su la legna, ogni passo stracà sul teren scognossù, el zera ‘na prova de la so determinassion par onorar quel sacrifìssio. El fogo, là davanti a lui, così pìcio ma vivo, el zera come Toni: ‘na fiama che no volea morir, con tuti i fredi e le sfide sensa fin.
Treviso, la so provìnsia, la zera un quadro de crudele contrasto. La tera, che dovea èsser ´na risorsa, la parea ‘na maledission: le lunghe seche fasea secar i campi, mentre le piove stracurente distrugeva quel poco che ghe restava. E po’, le malatie come la pelagra le rodeva i corpi già strachi, logorà da un'alimentassion pòvera de nutrission. La fame e la debolessa le segna ogni viso, ogni criatura con gli oci spenti. Toni, come tanti altri, savea che ´ndar via el zera l’ùnico modo par sperar in qualcos’altro. El Brasil el prometea ´na tera che sarìa stada sua, lontan dai paroni che per generassion de la so famèia i ghe gavea comandà e sfrutà. Lì, Toni el gavaria poter coltivar la tera par la so famèia, sensa pagar servitù a nissun. Anca se, drio le promesse, i ghe contava anca de robe dure, Toni savea che no ghe zera altro modo che tentar.
Cussì, la partida la zera un misto de speransa e paura, ma ogni passo el zera verso un futuro che no zera pì un sònio, ma ‘na necessità.
Nonostante ciò Toni no se scordava mai el momento che ga visto, lontan, la forma de la tera promessa. La rivada al Brasil la zera come sveiarse de un incubo in diression de un sònio. La vision del porto de Rio de Janeiro, con i so monti coerti de vegetassion zuberante e le costrussion che brilava soto el sol tropical, pareva ´na pintura viva, un contrasto quasi ireale con i ricordi de la so tera natal e la duresa de la traversia. El cuor de Toni se strinseva con ´na mèscola de solievo, speransa e malinconia, mentre i passegieri se radunava sul ponte, sercando de scolpirse in mente quel primo sguardo de la nova pàtria.
Dopo i documenti e la discesa in tera ferma, el viaio el zera ancora lontan de finir. I ze ndà ´ntei grandi baracon comunitari a Rio Grande, ndove i ze stà alogià provisoriamente. Là, la mancansa de privassità la zera ´na afronta contìnua, un ricordo de la fragilità de la loro condission. Òmeni, done e bambini dividea el stesso spàssio sensa division, mostrando le lore vite ìntime un con l'altro. Era un fastìdio che no superava la forsa de la loro speransa in un futuro mèio. El odor forte de corpi strachi e la vision de famèie che improvisava ripari con teli e lensiòi i ghe fasea compagna par quasi do setimane, fin che el viaio no continuava.
Dal porto de Rio Grande, lori i ga scominsià la traversia de la magnìfica Lagoa dos Patos, con le so aque calme che rifletea el cielo grande, e dopo pì avanti su la forte corente del fiume Caí, con le rive pien de verde e de vita che sveiava in Toni ´na meravèia nova. La corente velose e le curve strete del fiume i ghe domandava abilità ai barcaroli, che i manejava le barche con destressa, mentre i emigranti, tra meraveià e strachi, i ghe tegneva streti ai lori bagali e a le speranse.
Quando lori i ze sbarcà a São Sebastião do Caí, i ga afrontà un novo problema: el difìssil percorso per tera fin a la Colònia Caxias. Le strade i zera strete, bagnà e sircondà da ´na selva fissa che parea vardar ogni passo de la carovana. I caretieri i urlava òrdini e imprecassion a le bèstie, che i metea i piè ´ntel fango mentre le roti de le carosse scricolava soto el peso dei bagali. El sforso el zera grande, e el ambiente intorno, con i so rumori strani e misteriosi, el ingrandiva la tension. Bradi, monari e osei strani i saltava fora da la vegetassion, ora sveiando stupor, ora paura. I monari, sopra tuto, i urlava e strilava, parendo protestar contra l’invasion de quel teritòrio tanto ben difeso.
Finalmente, dopo ore de camino stracante e noti mal dormì, lori i ze rivà a la tera tanto sonià. La vision del teren segnà, ancora coerto de foresta vèrgine, la provocava ´na esplosion de sentimenti in Toni e la so mòier. Ghe zera lo scomìnsio de ´na fase nova, el punto ndove el sònio e la realtà i se incrossiava. Anche se i sapea che i problemi i zera ancora tanti, el sèmplisse fato de aver ´na tera da coltivar e far frutar la zera un bàlsamo par i so cuor strachi. I zera rivà, e adesso i gavea da transformar quel peseto de mondo in casa. Parea incredìbile che i gavea superà tuti i problemi da quando i gavea decidì de lassar indrio la vila picolina a Fagarè, con i so coli verdi e el corso calmo del Piave. Zera ´na vitòria che ghe portava solievo e stupor, na prova de la so forsa e resistensa. Toni vardava intorno, verso quel teren snetà ancora picinin che adesso el ghe diseva "casa", e el sentiva na gratitùdine profunda. I segni del viaio i zera ancora vivi ´ntei ricordi, ma el fato de esser rivà sani e unidi el zera un miràcolo che el no se scordaria mai.
El pensava con tristessa ai volti conossù durante la traversia e che no i se vardaria pì, ricordi de amissi trovà ´ntele dificoltà del vapor. Qualche fiol el gavea cedù a le malatie, e i so sorisi i se gavea spenti par sempre. Qualche mare la gavea pianto tanto che parea che anca l'ànima la gavea lassà el corpo. Òmeni, prima pien de forsa e soni, i gavea cedu a la strachessa, lassando famèie sensa pì guida. Toni el savea che la fortuna la gavea stà generosa con lui e Pierina, anca se tante olte pareva che i venti i vegniva contro. 
Adesso, vardando la pìcola casa de rami e fóie che i ga fato insieme, el capiva che ogni fissura de quele pareti rùsteghe contava ´na stòria de fadiga e perseveransa. Ogni àlbaro butà zo, ogni metro de tera libarà la zera un tributo a chi ga sonià un futuro mèio. Pierina, drio a so banda, portava ancora la strachessa drio i òci, ma anca un lume de determinassion. La zera el cuor che tegneva viva la fiama, anca quando tuto pareva cascar.
Pensar a chi ga restà indrìo ghe fasea rifleter sul significato de la vita che vivea adesso. I ga scapà de la fame e de la misèria, ma a che prèssio? Ogni conquista portava con se ´na ombra de dolor, ma anca na promessa de speransa. El zera sto equilìbrio delicà che tegneva in piè i so zorni, el stesso che ghe dava la forsa de ndar avante, credendo che un futuro pì generoso li stesse vardando in lontanansa.
Pensando a sto, Toni el se sentiva càrico de ´na nova responsabilità: onorar no solo la so fadiga, ma anca la memòria de chi no ga avù la stessa fortuna. Lori i laoraria la tera con devossion, i construiria ´na casa digna e i tegnarìa che i so fiòi conossesse na vita mèior de quela che i ga lassà indrìo. Ogni racolta la zera un omaio, ogni passo avanti un passo verso el sònio condiviso da tanti.
Mentre la luse del sole calante pinseva el cielo de colori d’oro e rosso, Toni el alsò i oci verso l’infinito. El cielo pareva tegner su le stòrie de tuti quei che i zera partì e de tuti quei che i zera rivà, intressà in un manto de stele che presto le vegnaria fora a iluminar la note. El tirò un fià profondo, sentindo l’ària fresca e frisante riempir i so polmoni, e el serò i oci par un momento, in silénsio. Lori i zera vivi, i zera insieme e i gavea un futuro davante. Questo, da solo, el zera un trionfo.

Nota del Autor


Sta stòria, anca se pien de detài che prova a portar via con el pensier a un tempo lontan e a ´na realtà che la ga formà tante vite, el ze tuto fruto de l’imaginassion. I posti, i eventi e i personagi che ghe sta drento i ze fitissi, anca se inspirà da fati stòrici e cenari reai che i ga aiutà a costruir la narativa. Scrivar sto libro el ze sta na strada pien de emossion forti. Da quando le prime parole le ze sta messe in carta, mi son sentì ligà ai soni, ai dolori e a le speranse de chi, pì de un sècolo fa, ga traversà i mari e afrontà sfide impensàbili par trovar ´na vita pì bea. 
A ogni cena, a ogni diàlogo, mi go provà a dar vita a esperiense che, anca se inventà, le suona vere con la coraio de l’omo davanti al’incognossù. Sto laor qua el ze, sora de tuto, un omenàio ai pionieri. Ai òmeni, a le done e ai bambini che i ga lassà le so tere natìe, le so famèie e tuto quel che i conossea par ndar a scoprì foreste dense e farse ´na vita su teri lontan. Lu el ze na celebrassion de la forsa de chi, malgrado le adversità, ga tegnù el cuor pien de speransa e ga costruì le basi de un futuro par i so dissendenti.
Che sta stòria sia ´na memòria del valor de le so lote e un invito par che tuti noi se rendemo conto de la richessa de quel che i ga lassà. E, sora de tuto, che la possa inspirar i letori a dà valor a la resistensa e a la determinassion del omo, che le ga superà el tempo e le confin.
Con gratitudine profonda,

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



quarta-feira, 24 de setembro de 2025

A Carta que Mudou Destinos: Uma Jornada de Esperança

 


A Carta que Mudou Destinos

Uma Jornada de Esperança


Maria Luigia nasceu em 1884, sob o cinza pesado de um céu outonal que parecia prenunciar as dificuldades que a aguardavam. Sua pequena vila chamada Col, em Fregona, aninhada entre as colinas ondulantes da província de Treviso, era um emaranhado de casas de pedra e telhados vermelhos, onde o tempo parecia passar com a lentidão dos que suportam a dura rotina da sobrevivência. A terra que os sustentava era ingrata, o solo pobre e seco castigado por estações implacáveis. As colheitas eram pequenas, e o pão, raro; as vozes da fome e da pobreza reverberavam em cada lar, como um sussurro ameaçador que nunca se calava. A vida naquela região nunca fora fácil — cada dia era uma batalha silenciosa contra a miséria e o destino. Os homens saíam antes do sol para lutar com o terreno rochoso, as mulheres cuidavam da casa e dos irmãos com mãos calejadas, e as crianças, como Maria Luigia, aprendiam cedo que a inocência era um luxo que poucos podiam permitir-se. As dificuldades econômicas se acumulavam, e grandes provações pareciam repousar sobre os ombros daqueles que não tinham mais do que a esperança e a coragem para seguir adiante.

Quando completou quinze anos, Maria Luigia viu sua família tomar uma decisão irrevogável. Deixar para trás não apenas a terra natal, mas tudo o que conheciam — amigos, memórias, tradições — e partir rumo ao desconhecido. Suíça, uma palavra que trazia promessas de trabalho, estabilidade e, quem sabe, um futuro menos cruel. A travessia era uma fuga silenciosa da miséria, uma tentativa desesperada de resgatar uma dignidade que o solo italiano lhes negava.

Por um breve instante, a mudança trouxe uma tênue estabilidade. As paisagens suíças eram diferentes — montanhas altivas cobertas de neve, vilarejos limpos e ordenados —, e o trabalho nas fábricas e pedreiras proporcionava um pouco de alimento e esperança. Mas o destino, sempre cruel, não tardou a lançar outra sombra sobre a família. A morte do pai, aquele que era a âncora, o chefe, o protetor, irrompeu como um vendaval inesperado. Sem sua força e liderança, a família afundou em uma luta diária e exaustiva pela sobrevivência — uma batalha invisível, silenciosa, travada entre o frio, a fome e o desespero.

Foi nesse cenário de penúria e incertezas que Maria Luigia, aos dezenove anos, sentiu o peso do mundo quase esmagar seu espírito, mas recusou-se a sucumbir. Em meio às paredes frias e às noites longas em que o vento cortante parecia querer entrar pela fresta da janela, ela sentou-se à mesa iluminada por uma tênue chama de vela, o coração apertado, as mãos trêmulas. Ali, entre palavras tortuosas e sentimentos profundos, nasceu a carta que mudaria o curso de sua vida. Cada linha carregava não apenas a dor da fome e do frio que corroíam seus entes queridos, mas também a esperança frágil e insistente de quem ainda acredita que, além da escuridão, existe luz. Ela sabia que aquela mensagem era mais do que um pedido — era um grito silencioso, um apelo desesperado lançado contra o vazio, destinado a Gigliola, uma mulher cuja reputação pela generosidade e compaixão cruzava as fronteiras da vila.

Maria Luigia não escrevia somente com palavras, mas com alma e coragem, revelando a crueza da realidade que esmagava sua família, mas sem deixar que a amargura tomasse conta de seu olhar. A carta era uma ponte entre dois mundos — o da miséria e o da esperança —, um elo tênue sustentado pela fé no coração humano. E naquela folha de papel, as dúvidas e o medo se misturavam à fé quase ingênua na bondade, enquanto a jovem confiava que alguém, do outro lado, poderia estender a mão e resgatar sua família do abismo.

Meses se passaram, carregados de espera angustiante, cada dia uma eternidade de incertezas e desejos silenciosos. E então, quando a esperança começava a se desgastar nas dobras do tempo, um golpe inesperado do destino rompeu o silêncio que oprimia Maria Luigia e sua família. A resposta de Gigliola chegou, trazendo consigo mais do que simples palavras — ela carregava a promessa de um alívio tangível, quase palpável. Dentro daquele envelope, cuidadosamente fechado, havia não só roupas — tecidos grossos, agasalhos robustos para enfrentar o rigor implacável do inverno suíço, que castigava os ossos e a alma — mas também uma carta. Uma carta que parecia abrir portas para um mundo completamente diferente, longe das montanhas frias e do solo duro que já haviam consumido tantas forças. Nela, Gigliola recomendava Maria Luigia e sua família a um amigo, um compatriota italiano que havia encontrado no Brasil um refúgio e uma nova esperança.

Aquele homem, estabelecido em Caxias do Sul, era mais que um simples conhecido; era um farol para tantos que buscavam um recomeço. Gigliola descrevia sua generosidade, sua coragem e o vigor com que ajudava os imigrantes a erguerem suas vidas em uma terra estrangeira, onde a comunidade italiana florescia, tecendo suas raízes em solo brasileiro. Era um convite sutil, mas carregado de significado — uma oportunidade para deixar para trás o passado de privação e lançar-se na promessa de um futuro ainda incerto, mas repleto de possibilidades.

Para Maria Luigia, aquela carta não era apenas uma resposta — era a chave que abriria um novo capítulo, um chamado para abraçar o desconhecido e enfrentar a travessia do Atlântico com o coração carregado de medo, mas também de uma esperança renovada e quase tangível.

Sem muitas opções restantes, presa entre o desespero da permanência e a incerteza do desconhecido, Maria Luigia e sua família tomaram uma decisão definitiva: partir. A escolha não foi fácil, mas a urgência de escapar daquela vida de privações falou mais alto do que o medo que lhes apertava o peito. O porto os aguardava como um limiar entre dois mundos — o antigo, marcado pela dor e pela escassez, e o novo, repleto de promessas e perigos invisíveis.

A travessia do Atlântico tornou-se uma jornada de extremos. Cada onda parecia carregar junto o peso de seus sonhos e de suas angústias. O medo se misturava à expectativa, os dias eram longos e as noites carregadas de silêncio, interrompido apenas pelo choro contido das crianças e pelo murmúrio nervoso dos adultos. O ar dentro do navio, denso e salgado, apertava o peito de Maria Luigia, que a cada instante sentia a responsabilidade de ser o pilar da família — a irmã mais velha, aquela que deveria manter a esperança viva. Ela, tão jovem, fez uma promessa silenciosa a si mesma: custasse o que custasse, garantiria um futuro digno para suas irmãs. Não permitiria que o sofrimento do passado se repetisse, nem que o medo dominasse seus passos. Cada olhar lançado ao horizonte era um voto de coragem, cada suspiro uma determinação renovada. Era o início de uma nova vida, um caminho árduo que Maria Luigia enfrentaria com a força de quem sabe que, às vezes, a única escolha possível é avançar.

Em 1903, após quase quatro semanas de travessia que pareceram uma eternidade, Maria Luigia finalmente desembarcou no Brasil. O ar pesado do porto de Rio Grande trouxe um misto de alívio e apreensão. Mas para alcançar Caxias, ainda precisavam enfrentar uma longa e extenuante jornada pelos rios Guaíba e Caí, navegando por águas ora tranquilas, ora traiçoeiras, até a pequena cidade de Montenegro. Dali, o caminho seguia por terra, onde uma nova provação os aguardava: horas de caminhada sobre trilhas improvisadas, subindo e descendo montes que pareciam intermináveis. Finalmente, avistaram a tão sonhada cidade de Caxias, um vilarejo ainda em seus primeiros passos, marcado pela rusticidade e pelo esforço coletivo de seus habitantes.

Caxias do Sul não era apenas uma cidade; era um caldeirão de culturas e esperanças, onde sotaques variados se misturavam, ecoando histórias de perda e renascimento. Ali, imigrantes italianos, arrancados de suas raízes pela necessidade, buscavam reescrever seus destinos. Era um lugar onde os sonhos se chocavam com a realidade implacável de uma terra selvagem, mas também onde o espírito comunitário florescia com uma força notável. As florestas densas e os campos vastos eram desafios monumentais, exigindo trabalho árduo e incessante. O solo era inflexível, as ferramentas rudimentares, e o cansaço uma constante. Contudo, havia algo de grandioso naquela luta: a determinação inabalável dos colonos, que carregavam em si o peso de suas histórias e o brilho de suas esperanças. Para Maria Luigia, como para tantos outros, Caxias representava mais do que um refúgio. Era um campo de batalha onde se forjava o futuro, um lugar onde o sacrifício diário era recompensado pela promessa de dias melhores.

Recebidos com generosidade, Maria Luigia e sua família foram acolhidos por vizinhos que compartilhavam as mesmas raízes, a mesma língua e os mesmos sonhos. Guiados pela solidariedade que só aqueles que partilham sofrimento e esperança conhecem, foram ajudados a se estabelecer em uma pequena propriedade rural, onde cada árvore derrubada e cada metro de terra arada significava um passo a mais rumo à sobrevivência e à dignidade.

Ali, naquele recanto do Novo Mundo, Maria Luigia sentiu a chama da esperança reacender dentro de si, nutrida pelo esforço coletivo e pela promessa silenciosa de que, apesar dos obstáculos, a vida poderia florescer novamente.

O começo da nova vida foi uma batalha constante contra a imensidão selvagem que cercava a pequena propriedade. As florestas densas, com suas árvores antigas e raízes profundas, pareciam guardar o passado implacável da terra, desafiando qualquer tentativa de transformação. Para abrir espaço às plantações, cada tronco tombado exigia esforço hercúleo, cada galho cortado, suor e resistência. O solo virgem, ainda coberto de mato e pedras, resistia ao toque do arado, mas não à vontade incansável daqueles que sabiam que seu futuro dependia daquele árduo trabalho.

Maria Luisa e suas irmãs trabalhavam sem trégua, de sol a sol, mãos calejadas que plantavam uvas e cuidavam dos vinhedos com a dedicação quase maternal de quem via naquelas pequenas sementes uma promessa de renascimento. Os primeiros brotos eram frágeis, mas carregavam a esperança silenciosa de um novo ciclo — um ciclo que, com o tempo, transformaria a região numa das mais importantes produtoras de vinho do Brasil.

Apesar do cansaço que pesava sobre seus ombros jovens, Maria Luisa encontrava forças na solidariedade que pulsava entre os colonos. A comunhão entre aqueles italianos recém-chegados, unidos pela língua, pela cultura e pelo destino compartilhado, criava um laço invisível, porém inquebrável. Nas dificuldades diárias, nas conversas à sombra das árvores recém-derrubadas, ela descobria não apenas companheirismo, mas um consolo que nenhum esforço físico poderia proporcionar — a certeza de que, juntos, poderiam enfrentar as agruras daquele Novo Mundo.

Com o passar dos anos, o suor e a perseverança de Maria Luisa começaram a transformar o que antes parecia apenas uma luta pela sobrevivência em uma história de conquista e prosperidade. A terra, antes hostil e indomável, lentamente deu frutos sob seus cuidados diligentes. As videiras cresceram fortes, e as colheitas tornaram-se mais abundantes. Mais do que sustentar sua família, ela conseguiu criar um alicerce sólido, capaz de suportar os sonhos e desafios que ainda viriam.

Em 1910, em meio a essa nova fase de esperança, Maria Luisa encontrou em Giovanni um companheiro com quem dividir tanto as alegrias quanto as dificuldades da vida rural. Giovanni, um jovem agricultor vindo também da Itália, trazia nos olhos o mesmo brilho de determinação que ela conhecera na sua jornada. O casamento deles não foi apenas uma união entre duas pessoas, mas a promessa de continuidade, de fortalecimento das raízes que haviam plantado em solo estrangeiro.

Juntos, ergueram uma casa modesta, mas cheia de significado — um refúgio de calor e segurança que logo se tornou um símbolo para muitos recém-chegados. Aquela casa era mais do que paredes e telhado; era um farol de esperança e um testemunho vivo da capacidade humana de recomeçar. Ali, entre risos, trabalho e histórias compartilhadas, Maria Luisa e Giovanni construíram um lar que acolhia não só sua família, mas também os sonhos de toda uma comunidade em busca de um futuro melhor.

Maria Luisa jamais pôde apagar da memória a carta que escrevera a Gigliola — aquela súplica humilde lançada ao acaso, carregada de angústia e esperança, e que acabara por transformar sua vida. A generosidade inesperada que recebera em seu momento mais sombrio tornou-se uma luz permanente em seu coração, um farol que guiava suas ações e decisões. A lembrança daquela mão estendida em meio à tempestade a ensinou que a solidariedade podia ser o alicerce mais firme para reconstruir qualquer destino.

Movida por essa profunda gratidão e pela certeza de que a bondade não deve se apagar, Maria Luisa dedicou-se a ajudar outros imigrantes que chegavam a Caxias do Sul, muitos deles tão desamparados quanto ela fora um dia. Distribuía roupas gastas, mas ainda quentes, que aqueciam os corpos marcados pelo frio cortante do inverno; oferecia alimentos simples, colhidos com sacrifício da própria terra, que alimentavam corpos famintos e mentes ansiosas. Mais do que isso, compartilhava sua experiência — ensinava como enfrentar a dureza da terra, como lidar com as agruras do novo mundo, como manter viva a chama da esperança mesmo diante das maiores adversidades.

Assim, Maria Luisa tornou-se um pilar silencioso da comunidade, uma guardiã invisível da solidariedade que mantinha viva a alma daqueles que, como ela, buscavam recomeçar. Sua generosidade era mais do que um gesto; era um legado vivo, passado de mãos em mãos, sussurrado em cada lar que florescia naquela terra distante.

No crepúsculo de sua vida, Maria Luisa já era muito mais do que uma simples imigrante; tornara-se uma figura lendária entre os moradores de Caxias do Sul. Conhecida e respeitada por sua força inabalável e generosidade sem limites, ela se erguia como um verdadeiro pilar da comunidade italiana, um farol de esperança e resistência em meio às tempestades da existência. Suas mãos calejadas e seu olhar firme contavam histórias de uma vida forjada na adversidade, mas temperada pela bondade e pela fé no futuro.

Aquela jovem que, anos antes, escrevera uma carta desesperada buscando ajuda, agora inspirava multidões. Sua trajetória de superação ecoava como um murmúrio constante entre os que, diante das próprias batalhas, buscavam coragem para seguir em frente. Era a prova viva de que, mesmo nos momentos mais sombrios, a esperança e a determinação podiam abrir caminhos inesperados.

Maria Luisa deixou um legado que transcendia as fronteiras do tempo e da terra — um legado feito não apenas das uvas que cultivara ou das casas que ajudara a erguer, mas sobretudo dos valores de solidariedade, resiliência e amor ao próximo. Ela era, e sempre seria, um símbolo eterno da capacidade humana de resistir, crescer e florescer, não importa quão árduo seja o solo onde se planta a vida.

O fruto do trabalho de Maria Luisa floresceu muito além das colinas cobertas de vinhedos que ela ajudara a cultivar. As parreiras que uma vez plantara com mãos firmes e esperanças renovadas tornaram-se mais do que uma fonte de sustento; transformaram-se em um símbolo da resiliência e do espírito pioneiro que definiu sua existência. Cada safra que brotava daqueles campos parecia sussurrar histórias de suor, lágrimas e sonhos que um dia foram apenas sementes lançadas ao solo.

Mas sua verdadeira colheita não estava apenas na terra. Estava nos valores que cultivou com igual cuidado — solidariedade, generosidade e a crença inabalável na capacidade de superar adversidades. Essas virtudes, transmitidas de geração em geração, tornaram-se um alicerce para a comunidade que ajudara a construir.

Maria Luisa deixara um legado que transcendeu o tempo, uma herança imaterial tão rica quanto os vinhedos mais férteis. Cada gesto de bondade que inspirou, cada vida que tocou, tornou-se parte de uma rede invisível de esperança e humanidade que ecoava entre as colinas de Caxias do Sul e além. Enquanto as uvas amadureciam ao sol, também amadureciam os ideais que plantara no coração de todos que tiveram o privilégio de conhecê-la.


Nota do Autor

Esta obra é uma peça de ficção, mas encontra suas raízes em acontecimentos reais que moldaram a trajetória de muitas famílias italianas no final do século XIX e início do século XX. A história de Maria Luisa, embora romantizada e enriquecida com elementos narrativos, foi inspirada por relatos preservados em arquivos históricos, registros de imigração e memórias transmitidas oralmente por parentes dos personagens que, de alguma forma, viveram ou testemunharam os desafios aqui descritos. Durante o processo de pesquisa, mergulhei em documentos que narram a dura realidade dos imigrantes italianos, em particular os que chegaram ao Brasil em busca de um futuro mais promissor. Esses registros, aliados às histórias contadas por descendentes, permitiram-me reconstruir, com respeito e sensibilidade, uma jornada que, embora única para Maria Luisa, reflete as experiências de muitas pessoas da mesma época e contexto. A carta de Maria Luisa, o desmatamento das terras em Caxias do Sul e o surgimento de uma comunidade vibrante e unida são representações ficcionais de fatos que poderiam muito bem ter ocorrido com qualquer família imigrante daquele período. O esforço, a dor e o triunfo de pessoas reais foram a inspiração para cada palavra deste livro.

Espero que esta narrativa ofereça não apenas entretenimento, mas também um vislumbre da coragem e da resiliência que definiram aqueles pioneiros e moldaram as fundações das comunidades italianas no Brasil. Que suas histórias continuem a inspirar gerações, assim como me inspiraram a dar vida a esta obra.

Com respeito e gratidão,

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

sábado, 13 de setembro de 2025

La Zornada de Giovanni Bianconi

 

La Zornada de Giovanni Bianconi

Natural de la provìnsia de Treviso, ´nte la region del Véneto, Giovanni Bianconi lu el ze cressesto rento un ambiente segnà da le fadighe de la tera e dal peso de la tradission. Le coline zalde verdesante, pontà de vigneti e formento, la zera el sfondo de stòrie contà dai so pari e dai visin, raconti che parlava de tera lontan dove el laor duro el zera pagà con l’abondansa e la dignità. Par Giovanni, ste stòrie le ga piantà 'na semensa de speransa e inquietudine. El soniava de poder dar a la so famèia un futuro che no zera segnà da la misèria o da le fadighe che se ghe trovava in Itàlia a quel tempo.

Zera l'ano 1895. Dopo tanto pensar e contar ai fiòi con la mare, Giovanni la ga finalmente dito basta: ‘sto sogno de ‘ndar via el ghe roeva drento come ´na fiama. Spint dai conti che no tornava pì e da le promesse de tera bona e vita nova là in Mèrica, el ga fato ´na pensada che la taiava el fià. El ga vendù la so campagna, un peseto de tera che i so veci i gavea messo a posto con ani de fatiga e sudor. No zera mica solo vender na roba — zera strassar le radìse, molar tuti i ricordi e ‘ndar incontro a el scuro. Ma par quela fame de speransa che ghe batéa drento, Giovanni el ga puntà tuto su el incerto, con el cuore in gola e i oci drio ùmidi.

Con la so mòier, Maria, 'na fémena forte che spartia con lu sia le speranse che le ánsie, e con so do fioleti, Giovanni el ga tacà la zornada verso el Brasile. El destino zera la Colònia Alfredo Chaves, in Rio Grande do Sul, ´na tera ancor in formasion, abità da altri emigranti che, come lori, soniava de rincominsiar.

La traversia no la zera mica fàssile. Lori i ga dovù soportar la fadiga del lungo viaio in nave, el mal de mar, la nostalgia e l’incertesa de quel che i gavea davanti. Ma, in meso a le fadighe, ghe zera un sentimento comune de determinassion e coraio. Giovanni el credea che, con fadiga e union, i podéa costruir ´na vita mèio. El portava con lu no solo le so massete e i so ogeti pì cari, ma anca la memòria de la so tera natìa e la promessa che el sacrifìssio lo saria stà degno, par un futuro pì bon par la so famèia.

Quando che i ze sbarcà in tera brasilian, el ciel ghe pareva infinito e l’orisonte sensa fin. Zera un capìtolo novo, pien de sfide e oportunità, e Giovanni el zera deciso a scrivar lì la stòria de la so redension.

El Ciamà de la Nova Tera

L'ispirassion par 'sta gran svolta nte la vita de Giovanni vegniva da le lètare pien de detài vìvidi e emosionanti mandà da so zìo Marco Bianconi, on omo coraioso che el avea lassà l'Itàlia un ano prima. Marco s'era sistemà ´nte la Colònia Dona Isabel, nel cuor del Rio Grande do Sul, e le so parole zera un mescòio de avertense e speransa. El contava che la vita in Brasil la zera come un campo verto de possibilità, ma no se desmentegava de meter in guardia su i tanti sfidi: la fadiga granda del laor, le dificoltà de adatarse al clima, la cultura e la nostalgia che no passava mai.

Ma tra le rige, ghe zera un qualcosa che ghe tocava el cuor a Giovanni: la promessa che, con sforso e volontà, se podéa costruir ´na vita méio, lìbara da le strèsse de la misèria e da le règole rìgide de le oportunità in Itàlia. Marco contava de le tere vaste che, con el sudor e la passiensa, podea diventar campi fèrtili; dei visin, ´na comunità solidale de imigranti unì da la stessa vóia de far fortuna; e de la libartà de sonir un futuro ndove el laor fusse pagà con el rispeto che el meritava.

Ste lètare le zera diventà lession de sera ´nte l'inverno, ´nte la cesa ùmile de Giovanni. Lu le lesea a vose alta par Maria, la so mòier, e dopo i discutea ogni detàio. Le parole de Marco ghe resonava drento, come un fogo che scaldava l'anima e dava coraio. Giovanni el savea che no saria stà un passo fàssile, ma el credeva che el sacrifìssio de lassar la tera natìa podea valer la pena, sopratuto par i so fiòi.

Con ´na decision presa in fondo al cuor, Giovanni el ga scominsià a pensar ogni mossa. El ga metesto assieme i pochi schei che el gavea vendendo la so pìcola proprietà e qualche roba cara, bén che zera stà messi via con fatiga par tuta la vita. Par lù, ogni ogeto vendù zera un toco de stòria, ma anca un bilieto par ´na nova zornada. El vardava a tuto no come a na perda, ma come a un investimento par el futuro de la so famèia.

A ogni moneda siapà in man, Giovanni el sentiva che el se fasea sempre pì visin al so sònio: quel de ricominsià, anca se el zera pien de incertese.

El Zorno del Adio

Nel zorno del adio, la pìcola vila de Giovanni la se ga trasformà in un mosàico de emossion profonde e contraditòrie. El sol de quea matina pareva che l’usasse un lusor espessial, come se el volesse tegner vivo par sempre el ricordo de quel momento. La cesa sèmplise, ndove lu e la so famèia gavea vivesto tanti ani, la zera insircondà da visin, amissi e parenti, tuti radunà par un ùltimo saludo. Ghe zera na mèscola de contentessa par el coraio suo e tristessa par la separassion che se avisinava.

El suon de le ciàcole zera interroto da silènsio pien de senso. Le done de la vila, con i fasoleti in testa e le man induride dal laor, ghe donava regaleti – pan, fruta seca, e anca medàie religiose – come segni de protesion par la longa strada. I òmeni, sercando de no far védar l'emossion, ghe dava paroe de coraio, un forte strucon su la schena e abrassi che disea pì de ogni parola. I putei, sensa capir ben la gravità del momento, zughéa tra de lori, ma ogni tanto se fermava a guardar la valìsia de Giovanni e Maria, imaginando cossa volesse dir 'ndar via par tère cussì lontan. Par lori, el "Brasil" zera come un mondo de fiaba.

Giovanni, anca se sicuro de la so decision, no rivava a evitar un nodo in gola mentre el se despideva de ogni persona cara. El so cuor zera pesà ´ntel vardar le face de chi, forse, no i rivardaria mai più. Maria, con i òci pien de làgreme, restava drio ai so fiòi, regalando un soriso pien de coraio, mentre drento de so stesso lei lotava con le so paure e con l'inssertesa de l’icognossesto.

Le làgreme ´ntei òci de chi restava se mescolava con le paroe de speransa.
«Va con Dio, Giovanni!», el ga dito un vècio amico.
«Che le tere nove te acóia ben, e che un zorno te torna a contarne de le richesse che ghe ze de l'altra parte del mar.»

Anca se la tristessa se sentiva forte, ghe zera anca na speransa che girava tra la zente. La promessa de na vita mèio dava forsa a Giovanni e Maria par afrontar el sconossesto. I savea che no stéa solo lassando na vila, ma che i portava drio le speranse de chi restava, de chi soniava anca lu ´na vita pì pròspera, ma che no podea, o no gavea el coraio de partir.

La Traversia del Atlántico

La viaio in vapore fin al Brasil el ze stà par Giovanni e la so famèia un vero teste de resistensa: fìsica, emossional e anca spiritual. Par quaranta lunghi zorni de traversia, lori i ga dovù afrontàr la roba dura de un ponte sempre pien de zente, spartindo el spàssio con sentene de altri emigranti che, come lori, gavea lassà tuto drio par sercar un futuro incerto. L’ambiente zera segnà da ‘na mèscola de ansietà, speransa e un sforso contìnuo par resister a le condission difìssili de bordo.

I zorni i scominsiava con el frússio de passi pressadi e le vose mescolà in tanti dialeti italiani. Òmeni e done i se dava da far tra spassi streti, curando i so fameiar e quei pochi ogeti che i gavea portà con lori. Tanti gavea casse e sachi pien de atresi, convinti da le ciàcole che el Brasil zera na tera sensa legna, ndove bisognava costruìr tuto da capo.

In meso a lori, Giovanni tegneva la testa alta, spesso rincoraiando i compagni de viaio con parole bone e gesti de solidarietà, anca se el sentiva anca lù le so preoccupassion. L’ària ´ntel navio la zera pesà, con el odor de sal, sibo semplisse e sudor umano. Maria, con la passiensa de chi sa el peso de la so mission, se dedicava a curar i putei. Lei inventava zoghi par distràrli, contava stòrie su la nova vita che i ghe aspetava e faseva de tuto par trasformar quel ambiente duro in ‘na cesa temporanea.

Le noti le era ‘na mèscola de solievo e sfida. Soto el ciel pien de stele e con el dondolar del barco, Giovanni se consedeva qualche momento de riflession. El se incocolava visin ai parapeti, vardando el mar sensa fine, lassando che el pensier el vagasse tra i ricordi de l’Itàlia e le speranse par el Brasil. In quei àtimi de solitudine, el sentiva el peso de la responsabilità, ma anca ´na gran determinassion de onorar el sacrifìssio de la so famèia e de tanti altri che i stéa vivendo la stessa zornada.

Con la vita insieme l´altri emigranti, se formava legami novi e inesperà. Le stòrie e le esperiense spartì rendeva pì legera la fatiga del viaio, e la solidarietà la diventava un valore de ogni zorno. Quando che qualcun se amalava, tuti i ghe stava drio par darghe conforto. Giovanni, con el so spìrito bon e presente, el diventava un punto de riferimento, sempre pronto a dar na man o scoltar un bisogno.

Nonostante le fadighe – el mal de mar, la strachesa e la nostalgia che diventava ogni zorno pì grande – la promessa de ‘na nova vita continuava a darli forsa. Giovanni e Maria trovava coraio uno ´ntel’altro, spartendo sorisi e paroe de fede. Par lori, ogni zorno no zera solo un ostàcolo superà, ma un passo in pì verso el futuro che i gavea decidù de costruìr.

La Luta par la Sopravivensa

El teren che i ghe ga tocà, el zera sassoroso, tuto montagna e foresta grossa. Ma Giovanni no se ga spaventà. Con do o tre atresi in man, el tacò a taiar la boscaia e preparar la tera par podar piantar. Maria, la so mòier, la stava indrio con i porsei, le galine, e lei faséa de tuto par tegner la casa in òrdine, anca se zera pì che na baraca.

I primi ani i zera massa duri: tanta fadiga e poca roba par mostrar. Ma i colono, un stava con l’altro. Con i mutiron, i fasea strade, taiàva legna, menava grande sataron, e ognidun i ghe dava ´na man. Cussì, pian pianin, la comunità la se fece forte, dura, e che no se desmentegava.

El Lassà de Giovanni Bianconi

Con el passo el tempo, la tera la ga scominsià a dar fruto. La famèia Bianconi la ga scominsià a tirar vanti. Giovanni el piantava formenton, fasòi, un po' de milio, e Maria la rincurava la casa e i fiòi, che i zera ancora massa pìcoli par un laor. La nostalgia de l’Itàlia la stava sempre là, ma ogni roba che lei faséa nasser su sta tera nova, la ghe dava corajo de continuar.

Giovanni el ga rivà a vardar Alfredo Chaves diventar paese, e dopo tanti ani, Veranópolis. La so fadiga, la so testa dura, el so coraio, I ga lassà un segno. No solo par la so famèia, ma par tuto quei che i vegniva dopo. El so nome el ga restà vivo tra la zentr, come un sìmbolo de speransa, de chi no se straca, de chi se tira su anca con la tera freda e i man roti. El ga mostrà che, anca se el mondo el ze grande e scuro, un pò de coraio el basta par far de un posto straniero un vero fogolar.

Nota de l´Autor

Quel che te lesi chi de sora el ze un resumeto breve del libro che porta el stesso nome: La Zornada de Giovanni Bianconi. No la ze fantasia, ma un conto che vien da la vita vera, de quei tanti che, come Giovanni, ga lassà la so tera in serca de na speransa nova. Sto libro el conta la strada longa e fadigosa de ´na famèia vèneta che, con tanto coraio e fede, la ga traversà el mar e ga afrontà la boscaia, la tera cruda e la solitùdine par costruir un fogolar novo ´ntel Brasil.

Mi go scrivesto sta òpera par un dover de memòria, par un rispeto verso quei che i ga sofresto in silènsio, che i ga laorà con le man rote e i piè ´ntel fango, ma che no i se ga mai desmentegà de chi i zera. La stòria de Giovanni Bianconi no la ze solo la so: la ze la stòria de mì, de ti, e de tanti altri che vive ancora con ´sta eredità ´ntel cuor e ´ntel sangue. El resumeto chi el ze solo on assàgio. Se te vol capir ben, va pì in fondo, passo dopo passo, come se caminàssimo insieme drento i ani, i campi, le làgreme e i sorisi de chi ga fato nàsser sta tera nova con un spìrito vècio, ma forte come na radise.

Parché la zornada de Giovanni no finì con el so viaio: la contìnua ogni zorno che un dissendente el se alsa presto, el toca la tera, e el dise pian: "Mi son qua par un motivo."

Dr. Luiz C. B. Piazzetta


sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Os Navios de Lázaro: A Saga de Francesco e Elena


Os Navios de Lázaro: A Saga de Francesco e Elena


No final do século XIX, Francesco Bettine e sua esposa, Elena, viviam em San Vito, uma pacata localidade no município de Altivole, na província de Treviso, região do Vêneto, ao norte da Itália. O lugar, cercado por colinas onduladas e pequenos vinhedos, parecia ser um recanto de tranquilidade, mas a realidade estava longe de ser idílica. A terra que cultivavam, uma pequena parcela herdada de gerações anteriores, era árida e pouco produtiva. As colheitas eram insuficientes para alimentar a família adequadamente, e Francesco passava longas horas tentando arrancar da terra seca o sustento para os filhos, Giulia e Marco, ainda pequenos. Além da pobreza natural da região, os altos impostos cobrados pelos proprietários de terras e pelo governo local tornavam o esforço diário quase inútil. A fome era uma presença constante na casa dos Bettine, um lembrete cruel das limitações que os aprisionavam em um ciclo interminável de miséria. Por anos, Francesco e Elena resistiram, sustentados pela esperança de que as coisas poderiam melhorar. Mas, à medida que os invernos se tornavam mais rigorosos e os barris de farinha esvaziavam cada vez mais rápido, a esperança deu lugar à necessidade.

Quando os primeiros rumores sobre oportunidades no Brasil chegaram a San Vito, trazidos por outros camponeses ou por cartas de parentes já emigrados, o casal viu ali uma saída. Partir significava abandonar tudo o que conheciam, mas também era uma chance de dar aos filhos a vida que eles próprios nunca tiveram. Assim, com o coração dividido entre a dor da despedida e a promessa de um futuro mais digno, decidiram arriscar tudo e cruzar o oceano em busca de uma nova vida.

A jornada começou com uma longa e desconfortável viagem de trem desde a estação mais próxima de San Vito até o porto de Gênova. As pequenas economias que haviam guardado foram gastas na compra de bilhetes de terceira classe, onde os vagões estavam lotados e o cheiro de carvão e suor impregnava o ar. Francesco e Elena mantinham os filhos junto a si, temerosos de que pudessem se perder no caos da viagem.

Ao chegarem a Gênova, a visão do porto era ao mesmo tempo fascinante e assustadora. Era um cenário de confusão: multidões de emigrantes, maltrapilhos e carregando suas vidas em sacos e malas improvisadas, aguardavam instruções. Entre gritos de carregadores e o apito dos navios, a família Bettine foi direcionada para o grande vapor que os levaria ao outro lado do Atlântico: o Sant’Antonio.

O navio, imponente à distância, perdia parte de sua grandiosidade ao se aproximarem. O casco escurecido pela fuligem e a madeira desgastada denunciavam os anos de uso intenso. Conhecido pelos jornais como o “Navio de Lázaro”, ele já havia transportado milhares de emigrantes e ganhara essa alcunha devido à miséria que o acompanhava. Era um símbolo da resiliência de quem partia em busca de uma nova vida, mas também uma lembrança cruel das condições sub-humanas que aguardavam os passageiros.

A bordo, o ambiente era ainda mais opressivo. O porão, onde Francesco e Elena foram alocados com seus filhos, era um espaço apertado e insalubre, iluminado apenas por lâmpadas fracas e mal ventilado. O ar era pesado, carregado de odores de comida estragada, fumaça e corpos amontoados. Muitos dos passageiros já demonstravam sinais de doença: tosses secas ecoavam entre os corredores, e o semblante abatido era quase universal.

Enquanto se acomodavam no pequeno espaço que lhes foi designado, Francesco e Elena trocavam olhares de preocupação, mas também de determinação. Sabiam que a travessia seria um teste cruel, mas cada onda enfrentada, cada dificuldade superada, os aproximaria de um futuro em que seus filhos poderiam crescer com mais dignidade e esperança.

A Travessia

No convés inferior, onde ficavam os passageiros de terceira classe, as condições eram precárias. Francesco e Elena se acomodaram no chão, ao lado de outras famílias, sem espaço para se mover. Nos dias de chuva, todos se espremiam nos corredores apertados, onde o ar se tornava irrespirável. A comida era escassa e mal preparada; muitas vezes, os passageiros comiam de pratos que seguravam no colo, sentados onde podiam. Doenças se espalhavam rapidamente. Durante a segunda semana de viagem, Marco começou a apresentar febre alta e manchas pelo corpo. O médico a bordo, sobrecarregado e sem recursos, diagnosticou sarampo e recomendou apenas repouso. A falta de ventilação e as más condições sanitárias pioraram a saúde do menino.

Tragédia no Mar

Marco não resistiu à doença e faleceu em uma madrugada em que uma tempestade castigava o navio. No porão abafado, iluminado apenas por lâmpadas trêmulas, a presença da morte tornou o ambiente ainda mais sombrio. O som das ondas violentas do lado de fora parecia ecoar a dor dos que, como Francesco e Elena, sofriam perdas irreparáveis durante a travessia.

Na manhã seguinte, enquanto o Sant’Antonio enfrentava o mar revolto, Francesco e Elena tiveram que realizar a despedida mais dolorosa de suas vidas. O corpo de Marco foi envolto em um pedaço de tecido simples, um gesto simbólico para resguardar sua dignidade na morte. Com uma pedra amarrada aos pés para que o pequeno corpo não retornasse à superfície, ele foi preparado para seu destino final.

A cerimônia improvisada foi breve e silenciosa, marcada apenas pelo som das ondas negras e do vento que chicoteava o convés. Quando o corpo foi lançado ao mar, o impacto da água produziu um ruído surdo que ficou gravado na memória de Elena como um símbolo do fim abrupto e cruel da curta vida do filho.

No convés, outros emigrantes observavam com olhares mistos de pesar e resignação. A perda de Marco era um lembrete da fragilidade de todos a bordo e da incerteza que os cercava. Para Francesco e Elena, porém, a dor da despedida era amplificada pela necessidade de seguir em frente, carregando a memória de Marco enquanto enfrentavam os desafios da travessia e buscavam forças para cuidar de Giulia, sua filha sobrevivente.

A Chegada

Após semanas extenuantes a bordo do Sant’Antonio, marcadas por privação, doenças e o luto pela perda de Marco, o vapor finalmente atracou no movimentado porto de Santos, no Brasil. A visão da costa tropical era ao mesmo tempo uma promessa e um enigma para os Bettine. Os morros cobertos de vegetação exuberante e o calor úmido contrastavam com o cenário que haviam deixado no Vêneto.

O desembarque foi tumultuado. Junto com centenas de outros emigrantes, Francesco e Elena enfrentaram a burocracia e as longas filas de inspeção. Após uma breve quarentena, a família foi encaminhada ao destino que lhes havia sido designado: uma colônia agrícola no interior da província. A viagem continuou, desta vez por estradas empoeiradas e apertadas trilhas em carroças, até a região de Alfredo Chaves, um pequeno núcleo de imigrantes italianos situado em terras que começavam a ser desbravadas.

Ao chegarem, os Bettine encontraram um ambiente que parecia promissor à primeira vista. A terra era rica e fértil, muito diferente das parcelas áridas de San Vito, mas o trabalho era árduo. Francesco dedicava-se ao cultivo de café e milho, enquanto Elena cuidava da horta, dos animais e de Giulia, agora a única filha do casal.

Os desafios eram imensos. As longas jornadas de trabalho sob o sol tropical exauriam as forças de todos. Além disso, as doenças tropicais, como malária e febre amarela, eram ameaças constantes, agravadas pela falta de acesso a cuidados médicos adequados. Para Elena, cada nova dificuldade fazia crescer a saudade da terra natal, onde as montanhas e o clima ameno do Vêneto ainda habitavam suas memórias.


Apesar disso, os Bettine não desistiram. Francesco acreditava que a perseverança seria recompensada, e lentamente a família começou a se adaptar à nova realidade. O vínculo com outros imigrantes italianos na colônia trouxe algum alívio, permitindo-lhes compartilhar experiências, tradições e uma língua comum. Alfredo Chaves se tornou, com o tempo, um novo lar – não sem dificuldades, mas com a promessa de um futuro melhor para Giulia e as gerações que viriam.

Com o passar dos anos, a determinação de Francesco e Elena começou a dar frutos. Apesar das adversidades iniciais, a família conseguiu construir uma pequena casa de madeira, simples mas sólida, em meio às colinas férteis de Alfredo Chaves. A casa, com um telhado inclinado coberto de telhas feitas à mão, tornou-se um símbolo do esforço coletivo e da capacidade de adaptação. Era ali que os Bettine encontraram, pela primeira vez em muito tempo, um senso de estabilidade.


A lavoura que antes parecia um sonho distante começou a prosperar. Francesco dedicava-se ao cultivo de café e milho, enquanto Elena administrava uma pequena horta de subsistência que incluía ervas, legumes e frutas tropicais que aprendera a cultivar com outros colonos. O trabalho árduo transformou a terra em uma fonte confiável de sustento para a família, permitindo-lhes escapar, mesmo que parcialmente, da constante ameaça da fome.


Giulia cresceu forte e saudável, ajudando os pais nas tarefas do campo e absorvendo os valores de resiliência e união que moldavam a vida da família. Para ela, o sacrifício dos pais e a memória do irmão Marco tornaram-se inspirações profundas. Embora Marco nunca tivesse a chance de viver plenamente naquela nova terra, sua lembrança era mantida viva em cada conversa e em cada conquista, como um símbolo do preço pago para que a família pudesse recomeçar.


Com o tempo, a pequena propriedade dos Bettine transformou-se em um ponto de referência na comunidade. Apesar das dificuldades, Francesco e Elena se tornaram conhecidos pela generosidade e pelo espírito de colaboração com outros imigrantes. A história deles era contada com reverência, um testemunho de que, mesmo diante das maiores perdas, a coragem e a determinação podiam criar raízes profundas e florescer em solo estrangeiro.

Um Legado de Esperança

Décadas mais tarde, a trajetória dos Bettine não era apenas a história de uma família, mas parte de uma narrativa grandiosa que unia milhões de emigrantes italianos espalhados pelo mundo. Eles foram protagonistas de uma saga épica, marcada por coragem, sacrifício e determinação, que ajudou a moldar a identidade de comunidades inteiras em terras estrangeiras. Os chamados “Navios de Lázaro” — símbolos de sofrimento, perdas e incertezas — também foram veículos de um sonho coletivo: a busca por uma vida mais digna e a promessa de um futuro que justificasse todo o sacrifício.

Para os descendentes de Francesco e Elena, a memória dos antepassados é um patrimônio inestimável, preservado com reverência. Eles reconhecem que o presente confortável que desfrutam hoje só foi possível graças à força de vontade daqueles que enfrentaram mares turbulentos, terras inexploradas e desafios inimagináveis. Essa lembrança não é apenas uma homenagem, mas uma inspiração.

Ao longo das gerações, os valores que guiaram Francesco e Elena foram transmitidos como uma herança invisível, mas poderosa. O espírito de resiliência, a dedicação ao trabalho e a importância da união familiar permanecem como pilares fundamentais. Giulia, que cresceu sob o peso das histórias de sacrifício, tornou-se a matriarca de uma geração que viu Alfredo Chaves transformar-se em uma próspera comunidade.

Hoje, os descendentes dos Bettine mantêm viva a conexão com suas raízes italianas, celebrando tradições, compartilhando histórias e honrando o legado de coragem de seus ancestrais. A saga dos Bettine tornou-se um emblema da jornada de todos os imigrantes que, movidos pela esperança, cruzaram oceanos e enfrentaram adversidades para construir novos começos. Suas vidas provaram que, mesmo em meio à escuridão das maiores dificuldades, a luz do sonho por um futuro melhor pode ser o farol que guia gerações.

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Danke: O Cão Que Desvendou Minha História Familiar Perdida em Pederobba, Itália




Desde quando eu ainda era apenas um menino, e isso já faz muito tempo, pois, estamos falando da década de 1950, sempre manifestei curiosidade pela história da minha família. Quem eram eles? O que faziam e de onde vieram meus antepassados? Porque tiveram que abandonar o seu país natal, quando e como vieram? Por que escolheram o Brasil? As dúvidas eram muitas. Sabia, pelo meu sobrenome, e também por esporádicos relatos de outros familiares mais velhos, que tínhamos raízes na Itália. A explicação que eu recebia deles não ia muito além disso, simplesmente, terminava por aí. Pela minha pouca idade as vagas respostas que recebia até me satisfizeram parcialmente por algum tempo. 
O tempo foi passando e já adulto comecei a fazer algumas pesquisas por conta própria, as quais, também não progrediram muito, sempre esbarrando na identificação do local da Itália de onde partiram os primeiros emigrantes da família. Meus pais, e também os poucos parentes que eu conhecia, pouco ou nada puderam acrescentar, todos estavam na mesma situação de ignorância. Parecia até que os antigos não queriam me contar a verdade. Mas, por qual razão? 
Na cidade onde nasci moravam diversas famílias que tinham o mesmo meu sobrenome, algumas delas eram de conhecidos parentes, e outras tantas, por pessoas que não se conheciam como tal. Aqueles que então contatei não puderam me esclarecer mais nada. Eu não podia me conformar com esta situação, tínhamos que ter um lugar-comum de origem, uma cidade, um estado e não somente que viemos de um país chamado Itália. 
Sem respostas para minhas perguntas, apesar de muito procurar, a estranha sensação de deslocamento da minha origem, me fazia sentir muito mal. 
Depois de alguns anos, então já casado e com filhos, queria contar para eles a nossa origem, o local de onde viemos, mas, não conseguia encontrar nada. 
Foi após comprar uma casa, com um grande quintal, que um dia resolvi que seria hora de adquirir um bom cachorro de guarda. Não sabia qual raça escolher, pois, até então conhecia algumas poucas. Lembro que ainda estávamos muito longe do advento da internet, a qual só surgiria quase trinta anos depois. Não querendo errar na escolha, emprestei de um casal amigo, e também eles grandes entusiastas por cães, um livro ilustrado sobre as diversas raças caninas então existentes no mundo. Folheando a belíssima coleção de fotos coloridas, onde os exemplares das raças estavam dispostos por casais, com as devidas especificações oficiais, como finalidades da raça, peso, altura e também uma completa explicação do comportamento de cada uma. 
Não precisei procurar muito e lá estava a foto daquele que eu me apaixonei imediatamente. Realmente, eram animais muito bonitos, fortes e considerados na época, e acredito que até hoje, os melhores cães de guarda. Tratava-se de um cão da raça Rotweiller. Feito a escolha da raça bastava agora ligar para o Kennel Clube e obter informações sobre os telefones de criadores idôneos, registrados naquele conhecido clube de cinofilia. Foi o que realmente fiz. 
Os responsáveis pela entidade perguntaram onde eu morava, a fim de facilitar o encontro. Informei onde eu morava e eles disseram que perto da minha cidade ficava um famoso canil, o mais premiado daquela raça em todo o estado. Falaram também que o casal proprietário tinha vários grandes campeões no plantel, inclusive de nível mundial. Informaram o nome do canil, que ficava em uma cidade muito próxima de onde eu moro. Seus proprietários eram também grandes fazendeiros e criadores de cavalos de raça, em um município não muito distante. O mais interessante e inesperado aconteceu quando pedi o nome desse criador, para minha surpresa tinha o mesmo meu sobrenome: era um primo, filho do irmão mais velho do meu pai, o qual desde o tempo de criança não o tinha mais visto e nem sabia mais do seu paradeiro. Ele também, depois fiquei sabendo, não sabia que eu morava assim tão perto. 



Visitando-o, fiquei impressionado com a estrutura do canil e com o tamanho daquela mãe com seus sete filhotes, nascidos a pouco mais de um mês, mas, já enormes. O primo, separou-os da mãe e me deu o privilégio de escolher o cãozinho que eu mais gostasse de toda a ninhada. Adquiri o filhote e o fui buscar algumas semanas depois, quando já tinha dois meses. Já estava devidamente registrado no Kennel Clube e recebera por acaso o nome de Danke, palavra que em alemão quer dizer "obrigado". 



Restabelecemos amizade e algum tempo depois, em uma noite, depois de um caprichado jantar em sua casa, o assunto origem da nossa família foi abordado. Ele era alguns anos mais velho que eu, mas, também nada sabia da nossa origem. Disse que o pai dele falava, que o nossos avô e o bisavô, que vieram da Itália, não gostavam muito de falar nesse assunto. 
A única coisa que lembrou, e isso não passou despercebido para mim, foi que a muitos anos antes, em um velho livro que pertencia ao nosso avô e que ficara com seu pai após o falecimento do "nonno", ele tinha encontrado um bilhete, já bastante amarelado pelo tempo, com o nome Pederobba, manuscrito a lápis. Por mais que pensasse, ele não sabia a que podia se referir. Pensei comigo que talvez fosse uma pista sobre a origem da nossa família, escondida no meio daquelas páginas do livro. 
Sabia pelo nome que era de algum lugar da Itália, mas, naqueles anos tudo era mais difícil, não tinha os meios para saber qual era, como já citei antes ainda não havia sido criada a internet. 
Naquele tempo eu já era um aficionado do radioamadorismo, fazendo diariamente contatos via rádio, com todos os países, através das grandes antenas instaladas sobre uma alta torre no quintal. Como radioamador eu era obrigado a ter um conhecimento de geografia acima da média e também recebia diariamente pelo correio, muitos cartões de confirmação dos novos contatos que realizava. Esses cartões eram, por nós radioamadores, conhecidos por QSL cards e continham informações relevantes sobre o contato, como as datas, horários, frequências e detalhes técnicos, e eram trocados como uma forma de comprovação e registro das comunicações entre os radioamadores. Com eles, era habitual o companheiro, do outro lado do mundo, enviar também um postal da cidade onde morava, com algumas palavras gentis escritas. 
Um dia recebi de um desses amigos, radioamador na Itália, um mapa da província de Treviso e um belo cartão postal da cidade de Treviso, onde morava. O cartão era patrocinado e distribuído pelo jornal local Tribuna de Treviso, em cujo logo se podia ler o endereço. Esse jornal tinha uma excelente penetração em toda a província de Treviso, especialmente aos domingos, quando então circulava por todos os municípios. 
Procurando naquele mapa, que tinha muito mais detalhes que os meus, devido a sua escala ampliada, percebi que Pederobba era um dos municípios dessa província, localizado quase na fronteira com a província de Belluno. Entendi imediatamente que tinha encontrado uma pista concreta, pois, por qual razão aquele nome estaria em um bilhete escondido entre as páginas de um livro? 
Acreditando muito nessa possibilidade, redigi uma carta para o diretor do referido jornal, com muita dificuldade é verdade, me valendo de um pequeno dicionário português-italiano para ajudar, pois, até então não sabia nada de italiano. Pelo rádio e telégrafo usávamos o inglês para se comunicar. 
Nessa carta tentei explicar quem eu era, onde morava, e que estava pesquisando sobre as minhas origens, pois acreditava que poderiam estar em algum município da província de Treviso. Pedi ao diretor fazer o favor de verificar se entre seus assinantes existia algum deles com o meu sobrenome, reforçando também que o meu interesse era simplesmente encontrar as minhas raízes. 
Naquela época, início da década de 1980, quase ninguém aqui no Brasil estava procurando pelas suas raízes na Itália, como veio acontecer a partir de alguns anos depois, com milhares ansiosos em encontrar um possível antepassado que tivesse emigrado, para assim obter o reconhecimento da cidadania italiana por "juris sanguinis", um direito conferido pela constituição italiana. 
Naquele tempo em que escrevia a carta ao diretor do jornal ninguém falava em dupla cidadania, a qual era ainda proibida pelas leis em vigor no Brasil. Quem resolvesse obter uma cidadania estrangeira deveria automaticamente renunciar aquela brasileira e o indivíduo não poderia exercer um cargo público federal, como era o meu caso. 
Passados pouco mais de um mês, recebi, quase simultaneamente, seis cartas da Itália, cujos remetentes tinham todos o meu sobrenome. O diretor do jornal Tribuna de Treviso, se comoveu bastante com a minha pequena e mal escrita carta, com diversos erros de italiano, como depois soube, e resolveu divulgá-la em uma edição dominical, aquela que circulava por toda a província. 
Das seis cartas recebidas de Pederobba, todas muito educadas e gentis, em duas delas as pessoas que escreviam eram de fato meus parentes, afastados é bem verdade, que tinham eles mesmos sofrido com a emigração para outros países e compreendiam bem o que eu estava procurando: o reencontro com a minhas raízes mais profundas. 
Um casal em especial imediatamente se prontificou em ajudar a encontrar a minha linha familiar e para tanto mobilizou diversos amigos, entre eles um que era considerado o arquivo vivo da cidade, o historiador local. A partir daí mantivemos contato frequente por cartas e um dia marquei uma viagem para a Itália, já no ano seguinte para nos conhecer. Como não entendia nada de italiano, fomos com uma excursão que nos hospedou em outro município, distante uma hora e meia de carro de Pederobba. Tinha somente um dia para os encontrar, sacrificando uma visita, constante no roteiro da excursão, ao Santuário de Santo Antonio, em Padova. 
Bem cedo pela manhã, eles gentilmente foram de carro até o hotel para nos buscar e nos levaram para sua casa onde, em um grande almoço, pudemos conhecer diversos membros daquela família. A tarde também nos levaram para breves visitas pela cidade. Estudei italiano e a partir desse encontro fizemos inúmeras viagens para a Itália, sempre nos hospedando alguns dias em um município vizinho a Pederobba, muito próximo dela por falta de hotel na cidade, e gradualmente fui refazendo toda a nossa história familiar. 
Isso aconteceu a mais de quarenta anos atrás e até hoje agradeço por ter escolhido aquele querido cão que me ajudou a encontrar as minhas origens e, apesar da sua vida curta, foi um grande amigo e fiel companheiro.

As imagens acima são fictícias e foram geradas por I.A., mas, este relato é totalmente verdadeiro, de como consegui reencontrar com as minhas raízes.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS