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quarta-feira, 15 de outubro de 2025


A Promessa de um Novo Horizonte

A Saga de Pietro Galvani em Terras Gaúchas

Na quase esquecida fração de Alberoro, no pequeno município de Monte San Savino, com somente uma dúzia de construções em pedra, nas planícies onduladas da Toscana, em 1884, a conversa sobre a "Merica” dominava as praças e os encontros em família. Pietro Galvani, um homem de 36 anos, ouvia atento as histórias contadas após a missa dominical na pracinha da localidade por algum vizinho que havia recebido cartas da Argentina ou do Brasil. Diziam que essas terras eram um paraíso onde o ouro fluía nas águas dos rios e as plantações cresciam sozinhas sob um sol generoso.

Piero era um agricultor modesto, casado com Francesca De Martino, uma mulher decidida e resiliente. Eles tinham quatro filhos: Emilio, de 12 anos, que já ajudava o pai no campo; Giulia, de 10, sonhadora e talentosa com agulhas e linhas; Antonio, de 7, sempre curioso e questionador; e o pequeno Luca, de apenas 2 anos. A vida na Toscana era muito dura naqueles anos. As terras estavam exauridas, os impostos eram sufocantes e os Galvani mal conseguiam alimentar a família. Quando o tio de Pietro, Domenico Galvani, escreveu do Brasil falando sobre a abundância de terras férteis e os salários pagos em ouro, Pietro e Francesca começaram a considerar o impensável: também emigrar, seguindo aquela corrente que desde 1875 engrossava a cada ano, de milhares de compatriotas que descontentes deixavam tudo em busca de uma nova vida do outro lado do oceano. 

Francesca hesitava. Deixar a Itália era abandonar o que restava de sua identidade, sua língua, suas tradições. Mas Pietro sabia que não tinham outra escolha. Em uma noite fria de final de novembro, com o vento uivando pelas frestas da janela, ele disse:

— Francesca, é agora ou nunca. Se ficarmos, não teremos futuro. Se formos, podemos dar às crianças uma vida que nunca sonharíamos aqui.

Com lágrimas nos olhos, Francesca concordou. Venderam tudo o que possuíam: os móveis, a mula, até mesmo os utensílios de cozinha. Em março de 1885, embarcaram no porto de Genova no navio a vapor Príncipe de Asturias, rumo ao Brasil.

A viagem foi uma provação. Por 33 dias, enfrentaram tempestades, enjôos e a monotonia do oceano. Luca, o mais jovem, contraiu uma febre durante o trajeto, e Francesca passava noites em claro cuidando dele. Apesar das dificuldades, Pietro mantinha a esperança viva, reunindo os filhos todas as noites para contar histórias sobre as terras que os aguardavam.

Chegaram ao porto de Santos em um dia chuvoso. A visão do cais, com suas multidões de imigrantes, trabalhadores e mercadores, foi ao mesmo tempo assustadora e emocionante. Após alguns dias de espera, foram transferidos para o sul, chegando ao Rio Grande em um outro navio menor, apertado, ao lado de outras famílias italianas. Finalmente, desembarcaram no Porto de Rio Grande, no dia 13 de maio de 1888, o mesmo dia em que a escravidão foi abolida no Brasil.

Os Galvani foram enviados para uma colônia em uma região de mata densa chamada Colonia Dona Isabel. Cada família adquiriu do governo em incontáveis prestações, um grande pedaço de terra coberto por árvores altas e cipós, e a primeira tarefa era desbravar a floresta. Pietro e Emilio trabalhavam incansavelmente, derrubando árvores e preparando o solo para plantar milho, trigo e feijão em pequenos espaços abertos na mata enquanto Francesca cuidava das crianças e sempre achava tempo de dar uma mão ao marido no trabalho duro da roça.

As noites eram longas e difíceis. Giulia, que sentia muita falta da avó e dos primos, chorava baixinho para não preocupar os pais. Antonio fazia perguntas intermináveis sobre os animais da floresta e sobre os diversos sons que ouvia à noite. E Francesca, apesar de sua resistência, às vezes murmurava em voz baixa:

— "Se eu encontrasse Cristóvão Colombo, eu o faria pagar por ter descoberto esse lugar".

Depois de alguns anos de luta constante, a família começou a ver os frutos de seu trabalho. A primeira colheita foi modesta, mas suficiente para sobreviver. Piero construiu uma pequena adega onde fermentava vinho com as primeiras uvas que plantaram. O vinho logo se tornou conhecido entre os colonos, e os Galvani ganharam um pouco de crédito com os comerciantes locais.

Em 1892, Emilio, agora com 19 anos, casou-se com Teresa Benvenuto, uma jovem da colônia vizinha de Caxias. Juntos, começaram a expandir os vinhedos da família, plantando novas variedades de uvas trazidas da Itália. Antonio, sempre curioso, tornou-se um talentoso carpinteiro, fabricando móveis que eram vendidos em Porto Alegre. Giulia, com seu talento, começou a ensinar outras jovens da colônia, enquanto Luca, o caçula, se tornou o contador da família.

Pietro faleceu em 1912, aos 63 anos, deixando um legado de perseverança e coragem. Francesca viveu até 1925, cercada pelos netos que a ouviam contar histórias da Itália e da travessia que mudou o destino da família. A colonia prosperou rapidamente, tornando-se o município de Bento Gonçalves, e a cantina dos Galvani é hoje uma das mais renomadas da região.

Os descendentes de Pietro e Francesca continuam a celebrar as tradições italianas, lembrando-se dos sacrifícios de seus antepassados e da coragem que os trouxe a esta nova terra.

Nota do Autor

Os personagens e nomes apresentados nesta narrativa são fictícios, mas a história é real. Ela nasceu a partir de uma carta familiar autêntica, escrita no final do século XIX, que chegou às minhas mãos durante uma pesquisa em um acervo museológico no Rio Grande do Sul — um lugar de memória onde se preservam cartas, diários, mensagens e objetos pessoais dos pioneiros imigrantes italianos que ajudaram a construir o sul do Brasil.

Ao decifrar a caligrafia desbotada e as palavras marcadas pela saudade e pela esperança, foi possível entrever o drama humano que se escondia nas entrelinhas: o medo da travessia, o choque com o desconhecido e a obstinada fé no trabalho como caminho para a dignidade. A carta original não mencionava apenas fatos, mas sentimentos — o desespero de deixar a pátria, a ternura pelos filhos, a coragem silenciosa das mulheres e a esperança renascida a cada amanhecer na nova terra.

Os nomes foram alterados para preservar a privacidade dos descendentes e para permitir liberdade literária na reconstrução dos eventos. No entanto, cada gesto, cada dor e cada conquista descritos nesta história pertencem verdadeiramente aos homens e mulheres que, com as próprias mãos, transformaram a mata bruta em vinhedos e vilas — e que, sem saber, escreveram um dos capítulos mais comoventes da saga da imigração italiana no Brasil.

Esta narrativa é, portanto, uma homenagem a eles: aos Galvani de todos os sobrenomes, cujas vozes ecoam ainda hoje entre os vales, nos sotaques mistos, nas celebrações familiares e no vinho que perpetua a memória dos que ousaram sonhar com um novo horizonte.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta




quarta-feira, 20 de agosto de 2025

O Último Adeus a Feltre

 


O Último Adeus a Feltre

Memórias de um emigrante entre a partida e o silêncio

Feltre, no início do século XX, era uma pequena joia de pedra incrustada no coração agreste dos Dolomitas italianos. Cercada por montanhas que pareciam erguer muralhas contra o mundo exterior, a cidade vivia sob um ritmo próprio. As ruas estreitas, calçadas com pedras irregulares, guardavam um silêncio antigo, interrompido apenas pelo som grave das badaladas da torre da igreja, que marcavam as horas como se fossem capítulos de uma história imutável.

Aldo Bernardi nasceu e cresceu nesse cenário, filho de um lenhador. Desde cedo aprendeu a acompanhar o pai nos bosques que se estendiam como muralhas verdes ao redor da cidade. Os invernos eram longos e duros, cobrindo tudo de um branco silencioso; as manhãs de trabalho traziam o hálito gelado da montanha e o cheiro da madeira recém-cortada. A vida era dura, mas sólida. As casas de pedra, as colinas suaves, as feiras silenciosas onde mais se trocavam notícias que moedas — tudo construía um laço profundo com aquela terra.

Mas a juventude, ao contrário das montanhas, não é imóvel. Aldo cresceu num tempo em que o mundo parecia mudar rápido demais, mesmo para um lugar tão isolado. A Primeira Guerra Mundial levou rapazes conhecidos, vizinhos, primos — alguns não voltaram; outros regressaram mutilados, com um silêncio que pesava mais que qualquer relato. As fachadas da cidade carregavam marcas de estilhaços, mas eram as pessoas que traziam as cicatrizes mais fundas.

Quando a paz chegou, não trouxe alívio. Trouxe um silêncio inquietante. A guerra havia terminado, mas a pobreza permanecia. As pequenas indústrias, que haviam florescido para alimentar o conflito, fecharam suas portas. Os campos já não rendiam o suficiente para sustentar todas as famílias. Jovens circulavam sem destino, oferecendo braços fortes a quem já não tinha como pagá-los.

Foi nesse cenário que Aldo, ainda muito jovem, deixou Feltre pela primeira vez. Atravessou os Alpes rumo à França, onde trabalhou nas minas do Jura. Passava dias inteiros embaixo da terra, respirando poeira de rocha e convivendo com o silêncio sufocante das galerias. Três anos depois, regressou à sua cidade. Voltava com as mãos mais calejadas, os ombros mais curvados e um bolso quase vazio. A França dera sustento, mas não futuro.

1924: A hora da decisão

Naqueles anos, a Itália vivia sob as mudanças do regime de Mussolini, que consolidava o poder em Roma. O discurso fascista chegava às vilas mais distantes, prometendo ordem e unidade, mas também trazendo incerteza e tensão. Para muitos, a esperança passou a se depositar em lugares distantes — na América, onde cartas de parentes e conhecidos falavam de terras férteis, trabalho abundante e, talvez, um futuro digno.

Aldo começou a ouvir cada vez mais a palavra “Brasil” nos encontros de taberna e nas conversas baixas nas feiras. Em cozinhas modestas, enquanto o pão era repartido com parcimônia, famílias falavam de navios, portos, passagens e oportunidades. Aos poucos, o inevitável se impôs: o futuro não estava mais em Feltre.

A despedida

Na madrugada de 15 de julho de 1924, Feltre acordou antes do sol. Não havia festa na despedida, apenas um silêncio pesado. A mãe de Aldo mantinha os dedos entrelaçados, como se suas orações pudessem deter o inevitável. O pai, firme, olhava o filho sem palavras. A carroça de aluguel aguardava na praça para o levar até a estação de trem. Ao comando do cocheiro, as rodas começaram a girar, e Aldo permaneceu mudo, vendo as ruas se afastarem lentamente. Só depois de algumas curvas ousou virar-se para lançar o último olhar — o adeus às montanhas de sua infância.

Longarone foi apenas passagem: documentos, esperas, burocracia. Em Veneza, Aldo obteve o passaporte. Comprou pão, salame e vinho, alimento e memória comprimidos para a viagem até o porto de Gênova.

Gênova o recebeu com cheiro de sal e o barulho incessante do porto. Agentes de imigração o conduziram a um hotel barato, onde depositou bagagem e se misturou a centenas de outros viajantes. Em uma caminhada pelo cais, viu pela primeira vez o colosso metálico: o vapor Giulio Cesare, um gigante pronto para cortar o Atlântico.

Na manhã de 30 de julho, o porto fervilhava. Antes de embarcar, Aldo comprou limões — diziam que ajudavam contra o enjoo — e escreveu dois cartões para os familiares em Feltre. Ao som de três apitos longos, o navio começou a afastar-se lentamente. Em terra, centenas acenavam. Era um adeus carregado de dor e orgulho. O mar se abriu à frente como promessa e abismo.

Travessia e chegada ao Brasil

Durante a travessia, o oceano tornou-se um espaço suspenso no tempo. No porão da terceira classe, os beliches eram estreitos e o ar rarefeito. A comida era pouca e sem sabor. No convés, quando o clima ou o capitão permitia, Aldo olhava o horizonte e imaginava a nova vida. As noites eram povoadas pelo som das ondas e pela saudade de Feltre.

Ao desembarcar no Porto de Santos, o calor do Brasil o envolveu como um muro invisível. A língua era outra, os sons diferentes, o cheiro carregado de café, frutas e maresia. Dali, seguiu de trem para o Rio Grande do Sul, acompanhando um grupo de vênetos que já tinham parentes estabelecidos desde as grandes levas de emigrantes do século anterior.

Nova vida no Sul

O destino final foi a região de Bento Gonçalves, uma terra de colinas verdes que, à distância, lembrava vagamente as encostas do Vêneto. Aldo começou trabalhando como empregado em vinhedos de outros imigrantes. A poda, o plantio, a vindima — tudo era trabalho duro, mas não havia patrão estrangeiro. Aqui, o suor poderia, um dia, se transformar em terra própria.

Com o tempo, juntou economias e comprou um pequeno lote. Casou-se com Lucia Morette, filha de imigrantes estabelecidos muitos anos antes. A casa era simples, feita de madeira e pedra, mas abrigava o som de crianças e o aroma de polenta. Os filhos cresceram entre as cantinas e os parreirais, aprendendo a língua dos pais e a nova língua da terra.

Aldo ajudou na construção de uma capela, participou de mutirões para abrir estradas e plantou parreiras que, décadas depois, dariam frutos para seus netos.

E, ainda que o Atlântico o separasse de Feltre, em cada parreira carregada de uvas, em cada laje de pedra que sustentava sua casa, havia o eco distante da cidade entre as montanhas. Um eco que não se apagaria nunca.

Epílogo

O tempo, com seu ritmo silencioso, seguiu desenrolando a vida sobre as colinas da Serra Gaúcha. Aldo Bernardi partiu em um inverno calmo, quando as videiras estavam despidas e o vento trazia o mesmo frio que ele conhecera nas montanhas de Feltre.

No dia do enterro, o cortejo percorreu a pequena estrada ladeada por parreiras já antigas, plantadas por suas mãos. Filhos, netos e vizinhos carregavam não apenas o caixão, mas a memória viva de um homem que, um dia, deixou tudo para cruzar o oceano.

Seu túmulo, simples, de pedra lavrada, tinha o nome gravado em letras firmes, e ao lado um pequeno ramo de uma parreira, trazida de Feltre anos antes por um conterrâneo. Era como se as duas terras finalmente repousassem juntas, unidas para sempre.

No silêncio daquela tarde, a Serra parecia suspensa, como se os vales, as parreiras e o céu carregassem a certeza de que o sangue e o suor dos que partiram jamais seriam esquecidos.

E, nas gerações seguintes, cada vindima, cada copo erguido e cada canção entoada em dialeto vêneto, agora chamado de talian, seriam, sem saber, um brinde ao homem que ousou atravessar o mar.

Nota do Autor

A história de Aldo Bernardi foi inspirada em um relato real, de um emigrante da província de Belluno, que deixou a Itália em 1924, após breve passagem pela França anos antes, para tentar a vida no Brasil.

Sua narrativa, preservada, revela não apenas o itinerário físico — de Feltre a Longarone, de Veneza a Gênova, do vapor Giulio Cesare até as terras do Rio Grande do Sul —, mas, sobretudo, a paisagem humana de um tempo: a despedida da pátria, a travessia incerta, a adaptação em uma nova terra. Nesta versão ficcional, os nomes foram alterados, mas a essência foi mantida. Busquei preservar o tom emocional e a atmosfera histórica, dando voz ao silêncio que tantas vezes se impôs aos emigrantes.

Dedico esta obra a todos os descendentes que, espalhados pelo Brasil, ainda carregam no sotaque, nos costumes e na memória o eco distante das colinas do Vêneto.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



quinta-feira, 3 de julho de 2025

Além do Mar

 


Além do Mar

O ano era 1885. Vittorio Mancoretti, um homem de constituição robusta e com olhos escuros e profundos que refletiam tanto a dureza da vida quanto a obstinação de quem nunca desiste, nascera e crescera na pequena e quase esquecida aldeia de San Daniele, ainda agarrada às montanhas do Friuli. Essa aldeia era um lugar onde o vento trazia histórias de gerações marcadas pelo trabalho árduo e pela resignação diante de uma terra ingrata. Vittorio era o filho mais velho de uma família de pobres camponeses, onde a única herança era o saber como arrancar de uma terra árida o pouco que bastava para viver.

Desde menino, ele compreendera que o nascer do sol trazia consigo o peso do trabalho, e que as noites eram feitas de esperanças silenciosas, muitas vezes esquecidas pelas promessas de uma Itália unificada há pouco. Aos trinta e cinco anos, seus ombros já estavam curvados pelos mesmos gestos repetidos: arar, plantar, colher – uma dança infinita que retornava apenas cansaço.

A seca, uma companheira cruel das colheitas, e a pobreza, sempre à espreita, haviam transformado a vida dos Mancoretti em um ciclo amargo de escassez. A pequena faixa de terra herdada, exausta por anos de exploração, não era mais capaz de sustentar sua esposa Bianca, uma mulher forte com olhos azuis desbotados pelo tempo, e seus dois filhos pequenos, Matteo, de sete anos, e Rosa, que tinha apenas quatro anos. Matteo já havia começado a ajudar o pai nos campos, mas seu espírito ainda estava cheio da inocência dos jogos. Rosa, por outro lado, frágil e frequentemente doente, necessitava de cuidados que muitas vezes eram mais do que podiam oferecer.

Vittorio sentia o peso de suas responsabilidades como uma corrente que o mantinha preso a um destino que parecia nunca mudar. Cada dia passado naquela terra lhe roubava um pedaço de força, mas nunca sua determinação. Dentro dele, ardia uma chama viva – uma inquietação que o levava a olhar além das montanhas de Valdorsi, sonhando com uma vida onde o trabalho não fosse apenas sobrevivência, mas uma promessa de algo mais.

As notícias de uma nova terra, rica e generosa no sul do Brasil, chegavam devagar pelos vizinhos que haviam lido cartas de parentes emigrados. Falavam de florestas vastas, rios caudalosos e promessas de terras próprias, longe dos patrões que lhes tiravam tudo. Vittorio, inicialmente cético, não podia mais ignorar a miséria crescente ao redor de sua casa.

Bianca, prática e decidida, disse ao marido:

“Se ficarmos aqui, morreremos. Se partirmos, ao menos teremos uma esperança.”

Com o coração pesado, Vittorio decidiu vender tudo o que possuíam — o velho arado, uma vaca magra e até mesmo a aliança de casamento de sua esposa.

O Vapor Umberto I

A jornada até o porto de Gênova foi uma verdadeira odisseia, cheia de dificuldades e sacrifícios. A família percorreu estradas empoeiradas e acidentadas, viajando por dias em uma carroça carregada de pertences, depois em vagões apertados de trem e, finalmente, a pé, atravessando povoados e colinas com os poucos bens que possuíam bem embrulhados.

No cais, o ambiente era uma mistura de névoa e expectativa, cheio de vozes em dialetos diferentes, carregadas de esperança e desespero. Foram agrupados com dezenas de outros emigrantes, todos com destino ao Brasil, formando uma massa de rostos ansiosos e olhares perdidos.

Umberto I, ancorado, imponente diante deles, parecia uma cidade flutuante, com suas enormes chaminés e os conveses lotados de pessoas. Para quem nunca tinha visto o mar, a visão do colosso de ferro era tão fascinante quanto assustadora. Mas o cheiro de óleo e sal, misturado ao burburinho dos passageiros já embarcados, criava uma sensação sufocante antes mesmo de entrarem no vapor.

No porão do navio, escuro, úmido e abafado, as condições eram ainda mais opressivas. Famílias inteiras estavam amontoadas em redes penduradas no teto, enquanto outras improvisavam camas com trapos e malas. A travessia do Atlântico era um verdadeiro tormento: a fome corroía os estômagos, doenças se espalhavam como fogo, e a saudade dos entes queridos deixados para trás parecia pesar mais a cada dia, com cada onda que o navio enfrentava.

Matteo, o menino de sete anos, era um raio de sol no meio da escuridão do porão. Com sua energia infinita, organizava jogos e brincadeiras, arrancando sorrisos das outras crianças e aliviando, ainda que por um momento, o peso da viagem. Rosa, sua irmã menor, porém, era frágil e, dia após dia, parecia definhar, arrancando lágrimas silenciosas de seus pais.

Certa noite, especialmente longa, enquanto o vapor deslizava sob um céu sem estrelas, Vittorio, o patriarca, estava no convés, segurando a mão de Bianca, sua esposa. Olhava para o mar escuro como se buscasse respostas na vastidão desconhecida. O peso de sua decisão apertava seu peito. E se tivesse cometido um erro irreparável? E se sua busca por uma vida melhor condenasse sua família à miséria ou, pior, à morte?

Mas Bianca, com sua força inabalável e seu olhar sereno, apertou sua mão e sussurrou:
“Mantenha a fé, meu amor. A terra que encontrarmos será a promessa de um novo começo. Basta resistirmos.”

Essas palavras ecoaram no coração de Vittorio, uma centelha de esperança no meio de uma escuridão que parecia infinita.

Os Primeiros Anos na Colônia

Quando desembarcaram no porto de Rio Grande, os Mancoretti sentiram uma mistura de alívio e incerteza. A longa travessia do Atlântico havia terminado, mas a verdadeira jornada estava apenas começando. Foram enviados para a Colônia Conde d’Eu, situada entre as verdes encostas da Serra Gaúcha.

Ao chegarem ao destino, encontraram uma terra vastíssima, mas de uma beleza selvagem: cheia de florestas densas e habitada apenas pelo silêncio das árvores e pelo canto distante dos pássaros.

Os primeiros dias foram marcados por novos desafios a cada instante. A família construiu um abrigo improvisado com troncos e folhas, um barraco rudimentar que mal os protegia das chuvas incessantes e do frio das noites. Mas, para os Mancoretti, aquele refúgio simples representava o primeiro passo para um lar. Vittorio, com o machado nas mãos, passava as manhãs derrubando árvores gigantescas e lutando contra os espinhos, enquanto Bianca, com maestria e paciência, limpava pedaços de terra para plantar repolhos e legumes.

As dificuldades pareciam insuperáveis. A comida era escassa, os braços não bastavam para todo o trabalho, e a solidão pesava como um fardo invisível. Rosa, ainda fraca após a viagem, contraiu uma febre alta que rapidamente drenou suas forças. Sem médicos ou remédios, Bianca cuidou da menina com compressas de ervas e orações todas as noites. Milagrosamente, Rosa se recuperou, mas aqueles dias de medo deixaram marcas profundas em todos os corações da família.

Foi a solidariedade dos outros colonos que trouxe algum alívio e esperança. Os recém-chegados logo entenderam que sobreviver era possível apenas com o esforço coletivo. Juntos, homens e mulheres trabalhavam para abrir trilhas na floresta, erguer casas simples e compartilhar a pouca comida que tinham. Vittorio, com sua determinação calma e talento natural para liderar, tornou-se uma referência para a comunidade. Sua voz firme e serena era como uma âncora em meio às tempestades da vida.

O Florescer da Esperança

Após cinco anos de luta contínua contra a terra, o tempo e suas próprias incertezas, a vida dos Mancoretti começou a mudar de forma. As terras, antes uma extensão selvagem de floresta densa, agora exibiam fileiras ordenadas de trigo dourado, pés de feijão verde e vinhedos carregados de uvas suculentas. O cheiro da terra fértil, conquistada com suor e perseverança, permanecia como um lembrete do que o esforço humano podia alcançar.

Vittorio, incansável, dedicou cada minuto de seus dias a construir uma casa digna para sua família. A nova casa de madeira, erguida com tábuas robustas cortadas por suas próprias mãos, era um símbolo de vitória. Na sala principal, pendurou com reverência o crucifixo que haviam trazido da Itália, um lembrete de fé e esperança que os sustentou nos anos mais difíceis. A casa, embora simples, tinha um calor humano que nenhuma mansão poderia replicar.

Matteo, agora um jovem forte e curioso, tornara-se o braço direito do pai nos campos. Mas, enquanto suas mãos calejadas trabalhavam a terra, sua mente sonhava mais alto. Ele desejava mais do que uma vida de trabalho agrícola; sonhava em criar uma escola para as crianças da colônia, oferecendo-lhes um futuro onde pudessem escrever, ler e sonhar como ele fazia. Rosa, por sua vez, havia se transformado de uma menina frágil em uma jovem cheia de vida. Sua saúde agora florescia, e sua voz, melodiosa e cheia de emoção, conquistava os corações dos colonos durante as missas na capela improvisada, um pequeno barraco decorado com flores e devoção.

Na primavera de 1890, a primeira colheita de vinho da família Mancoretti foi realizada, marcando um momento de grande satisfação. O aroma doce do mosto invadiu a casa, e os barris, armazenados no recém-construído celeiro, simbolizavam mais do que trabalho árduo: eram a promessa de um futuro próspero.

Naquela noite, sob um céu estrelado, os Mancoretti e seus vizinhos permitiram-se sonhar. Eles não estavam apenas sobrevivendo; estavam criando raízes profundas, tão sólidas quanto os vinhedos que começavam a dar frutos.

Naquele tempo, ele pensava, troquei a comodidade pelo risco, o hábito pelo desafio. E a liberdade, esta terra generosa, nos retribuiu com raízes que jamais imaginei que pudessem se aprofundar tanto.” Às vezes, ele sussurrava ao vento, como se conversasse com Bianca: “Conseguimos. Não apenas por nós, mas por todos aqueles que vieram depois.”

Com o som distante das risadas dos seus netos, que se divertiam entre as fileiras de videiras, Vittorio fechava os olhos por um momento, sentindo-se em paz. Ele sabia que havia cumprido seu dever e que o legado dos Mancoretti não era apenas a terra que ele havia cultivado, mas também os sonhos que havia plantado e as vidas que havia tocado. No coração da Serra Gaúcha, sob um céu que parecia mais luminoso do que nunca, a história de Vittorio tornava-se parte desta terra que ele tanto amava.

Nota do Autor

A história da família Mancoretti é uma ficção inspirada em muitos relatos de imigrantes italianos que chegaram ao Brasil no final do século XIX. Assim como Vittorio e Bianca, centenas de milhares de famílias deixaram suas terras natais, especialmente das regiões do Vêneto, Lombardia e Trentino-Alto Ádige, em busca de uma vida melhor. Fugiam da miséria, das crises econômicas e da falta de perspectivas que assolavam a Itália após a unificação, encontrando no Brasil um novo lar, embora cheio de desafios.

As colônias italianas no Rio Grande do Sul, como Caxias, Dona Isabel (atual Bento Gonçalves) e Conde d’Eu (hoje Garibaldi), foram fundadas em meio à mata virgem da Serra Gaúcha. Os primeiros anos desses imigrantes foram marcados por um profundo isolamento, condições de trabalho adversas e a falta de infraestrutura básica, como estradas, médicos e escolas. Muitos enfrentaram doenças, perdas pessoais e uma saudade profunda, mas, ao mesmo tempo, construíram comunidades vivas e resilientes, que moldaram a identidade cultural e econômica dessa região.

O personagem de Vittorio representa o espírito de liderança e perseverança que emergiu entre os colonos, enquanto Bianca simboliza a força e a fé que sustentavam tantas famílias. Matteo e Rosa refletem as gerações seguintes, que sonhavam e trabalhavam para ampliar os horizontes conquistados por seus pais.

A inclusão do vinho como parte do legado da família Mancoretti é uma homenagem à introdução da viticultura pelos italianos no Brasil, um feito que transformou a Serra Gaúcha em um dos principais centros vinícolas do país. Ainda hoje, as festas da colheita e as celebrações comunitárias são ricas em tradições trazidas da Itália, repletas de música, dança e gratidão pela terra que os acolheu.

Esta história é uma ode à resiliência humana, ao poder dos sonhos e à força de um legado que transcende fronteiras. Que os Mancoretti sejam um espelho para todos aqueles que, em momentos difíceis, tiveram a coragem de recomeçar e criar raízes em terras distantes, transformando o desconhecido em lar.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta

domingo, 29 de junho de 2025

Oltre al Mar


Oltre el Mar


El ano el zera el 1885. Vittorio Mancoretti, un omo de costitussion robusta e con i òci scuri e profondi che ghe rifletéa tanto la duresa de la vita quanto l’ostinassion de chi no el se rende mai, lu el zera nassesto e cressiuto ´nte la pìcola e quasi smentegà frasion de San Daniele, ancorà tra le montagne del Friuli. Sta frasion, un posto ndove el vento portava stòrie de generassion segnà dal lavoro duro e da la rassegnassion davanti a na tera ingrata. Vittorio lu el zera el primo fiol de na famèia de povare contadin, ndove l’ùnica eredità la zera el saver come cavar fora da na tera àrida quel poco che bastava par viver.

Fin da bòcia, el gavea capìo che el sorgere del sol portava el peso del lavoro, e che le sere le zera fate de speranse tase, spesso desmentegà da le promesse de na Itàlia unificà da poco. A trentasinque ani, i so spale i zera zà storte da i stessi gesti ripetù: arar, piantar, recòier – na dansa infinita che tornava indrio sol strachesa.

La seca, na compagna crudèle de le rese, e la povartà, sempre drìo l’ángolo, gavea trasformà la vita de i Mancoretti in un siclo amaro de scarsità. La pìcia tòla de tera eredità, stufa de ani de sfrutamento, no la zera bona de mantegner la so dona Bianca, na fèmena forte con i òci asuri scolorì dal tempo, e i so do fiòi picinin, Matteo, de sete ani, e Rosa, che gavea solo quatro ani. Matteo el gavea zà scominsià a dar na man al pare ´ntei campi, ma el so spìrito el zera ancora pien de l’inocensa de i zoghi. Rosa, invece, dèbole e spesso malà, la nessesitava cure che tante volte zera pì de quel che i podèa far.

Vittorio el sentiva el peso de le so responsabilità come na catena che lo tegneva legà a un destino che pareva no el dovesse mai cambiàr. Ogni zorno passà su quela tera la ghe siapava via un toco de forsa, ma mai la so determinassion. Drento de lu, ghe brusava na scinsa viva – na inquietudine che lo portava a vardar oltre le montagne de Valdorsi, soniando na vita ndove el lavoro no fusse sol sopravivensa, ma na promessa de qualcosa de pì.

Le notìssie de na tera nova, rica e generosa ´ntel sud del Brasile, le ghe rivà pian pian dai vissini che i gavea recevù lètare, le lètare de parenti oramai emigrà. Lori i parlava de foreste vaste, fiumi impetuosi e promesse de tère pròpie, lontan dai paroni che i ghe siapava tuto. Vittorio, al scomìnsio el zera sètico, no el podeva pì ignorar la misèria cressente drìo la so casa.

Bianca, pì pràtica del marìo, la ghe dise con decision: “Se restemo qua, morìmo. Se partìmo, almanco gavemo na speransa.” Con el cuor pesante, Vittorio el decise de vender tuto quel che i gavea — el vècio aratro, ´na vaca magra e fin anca l’anelo de matrimónio de so mòie.

El Vapor Umberto I

El viaio fin al porto de Zenova el ze stà ´na vera odissea, pien de dificoltà e sacrifíssi. La famèia la ghe passà per strade de tera e piera, viaiando par ziorni su na careta piena de robe, dopo su vagoncini de treno streti, e finalmente a piè, traversando paeseti e coline con le poche robe ben incartà. Quando lori i ze rivà al porto, l'ambiente el zera un misto de paura e spetative, pien de vose in dialeti diversi, caregà de speransa e disperassion. Lori i ghe mete insieme a dessene de altri emigranti, tuti direti al Brasile, formando ´na massa de visi ansiosi e òci persi.

L’Umberto I, ancorà el zera poderoso davanti de lori, el pareva na sità che flotuava, con le so siminiere enormi e i ponti stracariche de zente. Par chi che no gavea mai visto el mar, la vision del colosso de fero la zera tanto fassinante quanto spaventosa. Ma el odor de òlio e sal, mescolà al frastuono dei passegieri che zera zà imbarcà, creava ´na sensassion de sofegamento prima ancora de metarse su el vapor.

Ntele profonde caneve del vapor, scuro, ùmido e abafà, le condission le zera ancora pì opressive. Famèie intere le zera messe su rete che pendeva dal teto, e altri ghe inventava leti con strasse e valise. Traversar l'Atlántico el zera un vero tormento: la fame la rodeva el stómego, le malatie le se spargeva come fogo, e la nostalgia dei cari lassà drìo la pareva pesar ogni dì de pì con ogni onda che el vapor incontrava. Matteo, el putel de sete ani, lu el zera un ragio de sol in meso a la oscurità de le caneve. Con la so energia infinita, l’organizzava zoghi e divertimenti, tirando fora i sorisi dai altri putini e alivando, anca solo par un momento, el peso del via. Rosa, la so sorela pì pìcola, però, la zera delicà e, dì dopo dì, la pareva consumarse, cavando làgreme  soto dai so genitori.

Una sera particolarmente lunga, mentre el vapor el sgaiava soto un cielo sensa stele, Vittorio, el patriarca, el stava sul ponte, tenendo per man Bianca, la so mòier. El vardava el mar scuro come par catar risposte ´ntela vastità sconossùa. El peso de la so decision ghe scraseva el peto. E se gavea fato un sbaglio irreparabile? E se la so busca de na vita mèio la condenava la so famèia a la misèria o, pedo, a la morte? Ma Bianca, con la so forsa incrolà e el so sguardo calmo, la ghe strense la man e la sussurò: “Tieni fede, amor mio. La tera che catemo sarà la promessa de un novo scomìnsio. Basta che resistemo.” Ste parole le rimbombava nel cuor de Vittorio, na scintila de speransa in meso a ´na oscurità che pareva infinita.

I Primi Ani in Colónia

Quando lori i ze sbarcà al porto de Rio Grande, i Mancoretti i ga sentì ´na mescola de alìvio e incertessa. La longa traversia del Atlántico l’era finita, ma el vero viàio el gaveva ancora da scominsiar. I ze stà mandà a la Colónia Conde d’Eu, incastrà tra le coste verde de la Serra Gaúcha. Quando i ze rivà al destino, dopo settimane di soferensa, i ga trovà na tera vastìssima, ma de na belessa selvàdega: pien de boschi fiti e abità solo dal silénsio de le àlbari e dal canto lontan de l’osei.

I primi zorni, el tempo el gaveva sempre nove dificoltà. La famèia la ga costruì un riparo improvisà con tronchi e foie, un baraco bruto che apena li protegeva da le piove sensa fine e dal fredo de le noti. Ma par i Mancoretti, quel rifùgio semplice el rapresentava el primo passo par un casa. Vittorio, con la manara in man, el passava le matine a tirar zo àlbari gigantesche e a combater con i rovi, mentre Bianca, con maestria e pasiensa, la netava poche de tera par piantar verze e legumi.

Le dificoltà le pareva insuperàbili. La magnà la zera poca, i brassi no bastava par tuto el laoro e la solitudine la pesava come un peso invisìbile. Rosa, ancora dèbole dopo e viàio, la se ga piasa ´na febre forte che presto ghe tirava via le forse. Sensa mèdighi o medegini, Bianca la curava la putina con impachi de erbe e la recitava orassion tute le sere. Miracolosamente, Rosa la se ga salvà, ma quei zorni de paura i ghe lassà segni profondi su tuti i cuori de la famèia.

La zera la solidarietà de i altri colóni che ga portà un poco de alìvio e speransa. I novi rivà i ga capì presto che sopraviver el zera possìbile solo con l’impegno de tuti. Con le faede, òmini e femene i lavorava insieme par far sentieri in meso al bosco, tirar su case semplici e spartir el poco sibo che i gaveva. Vittorio, con la so calma determinassion e un talento natural par comandar, el ze diventà un punto de riferimento par la comunità. La so vose calma e ferma, pien de forsa, la zera come un àncora in meso ai temporai de la vita.

Ogni àlbaro che cascava, ogni toco de tera lavorà, i Mancoretti i se sentiva un poco pì visin al sònio che i li ga portà in quele tere lontan. Tra sudor e làgreme, i ga scominsià a far del isolamento ´na casa e de l’insertessa ´na nova speransa.

El Fiorir de la Speransa

Dopo sinque ani de lota contìnua contro la tera, el tempo e le pròprie insertezze, la vita dei Mancoretti la ga scominsià a cambiar forma. Le tere, prima un’estension selvàdega de bosco fito, adesso le mostrava file ordinate de formento dorà, pianti de fasòi verdi e filari de viti carghi de uve suculente. L’odor de la tera fèrtil, conquistà con sudor e perseveransa, el stava come un ricordo de quel che el sforso umano el podea otener.

Vittorio, instancàbil, el ga dedicà ogni minuto dei so zorni a costruir un casa digna par la so famèia. La nova casa de legno, tirà su co tavole robuste taià con le so pròprie man, el zera un sìmbolo de vitòria. Ntela stansa granda, el ga apeso con reverensa el crussifisso che i gaveva portà da l’Itàlia, un ricordo de fede e speransa che li ga sostenù durante i ani pì difïssili. La casa, benché semplice, la gaveva un calor umano che nissuna vila podéa replicar.

Matteo, adesso un toso forte e curioso, el zera diventà el brasso destro del pare ´ntei campi. Ma, mentre le so man calose continuava a lavorar la tera, la so mente la soniava pì in grando. El voleva pì de ´na vita de laoro agrìcolo; el soniava de far na scola par i putini de la colónia, par un futuro ndove i podesse scrivar, leser e soniar come che el fasea. Rosa, invese, la se ga trasformà da ´na putela dèbole in ´na zovane piena de vita. La so salute adesso la sbocèava, e la so vose, melodiosa e pien de emossion, la conquistava i cuori dei coloni durante le messe ntela capela improvisà, un pìcolo baraco decorà con fiori e devossion.

In autuno del 1890, la prima vendemia de vin de la famèia Mancoretti la zera stà racolta, segnando un momento de grande sodisfassion. L’odor dolse del mosto el ga invaso la casa, e i barili, sistemà ´ntel cantonier pena costruì, i simbolisava pì che duro laoro: i zera la promessa de un futuro pròspero. Par selebrar, la famèia la ga organisà ´na festa al’ària verza. Soto le viti novare, iluminà da lusi improvisà, i vissin i se ga radunà par spartir cibo, mùsica e stòrie.

Vittorio, con le man segnà da la tera e el viso iluminà da ´na gioia contenuda, el ga alsà un goto de vin ancora zòvene e el ga parlà con na vose ferma che ispirava tuti: “Sta tera, che ogni zorno la pareva sfidar a noialtri, adesso lei la acolse. La ga dato a noialtri nova vita, ma semo sta pròprio noialtri a plasmarla con le nostre pròprie man. Che la prosperi par i nostri fiòi, nipoti e par tuti quei che qua costruirà i so soni.”

Quele parole le ga rissonà tra i presenti, no solo come un brìndisi, ma come un manifesto. La lota no la zera finida, ma quela sera, soto el cielo pien de stele, i Mancoretti e i so vissin i se ga permesso de soniar. I no zera solo sopravivendo; i zera metendo radise profonde, sòlide come quele dei filari de viti che scominssiava a dar fruti.

El Crepùscolo de Vittorio

Ani dopo, Vittorio Mancoretti, oramai un omo vècio con i cavei argentà e le man segnà dal tempo, el se sedea su la so veranda granda de legno, costruì con el stesso zelo che el gavea dedicà ai campi. La veranda, ombrà da le viti che da tanto tempo le gavea messo radisi profonde in sta tera fèrtil, la ghe dava ´na vista spessiale sui campi che lui e Bianca i gaveva trasformà in na pìcola prosperità. I formenti dorà i ondeava con el vento come un mar calmo, e i filari de viti i pareva reverir el ciel.

Vittorio el pasava longhi minuti a variar la paisage, perso in pensieri. No el zera solo l’orgòlio par le racolte abondanti o par la casa sòlida che gavea ospità generassion de Mancoretti. Zera un orgòlio pì profondo, quasi spiritual, par la coraio de aver sfidà l’inserto e trasformà un futuro dubitoso in na stòria de trionfo. A fianco a lui, la carega de Bianca la restava vuota da che la gavea lassà sto mondo, ma la so presensa se sentiva ancora in ogni detàio de la vita che i gavea costruì insieme.

La famèia Mancoretti la gavea diventà un sìmbolo de resistensa ´ntela colònia. I so vini, adesso stimà anca ´ntele sità visin, i zera pì de ´na semplise bevanda; i zera ´na testimoniansa de la perseveransa de un pòpolo che no gavea mai se lassà vinser da le adversità. Matteo, oramai un omo con la so pròpria famèia, el gavea realisà el sònio de far la prima scola de la comunità. Rosa, da parte so, la incantava tuti con la so guida ´ntele celebrassion religiose, trasformando la pìcola capela improvisà in un spasso de fede e cultura che univa i coloni.

Nte le sere ciare, quando le stele le brilava come fari nel cielo, Vittorio el se perdeva spesso ´nte le memòrie de l’Itàlia che el gavea lassà. El se ricordava de la pìcola vila sircondà da montagne, del suon dei campanèi de la cesa e dei campi de formento. Ma la nostalgia, prima dolorosa, adesso la veniva con un soriso sereno. No gavea pì rimorsi, solo la securansa che la so resolussion la zera sta giusta.

´Ntel quel tempo,” el pensava, “mi go cambià la comodità con el risco, l’abitudine con la sfida. E la libartà, sta tera generosa, la ga ricambià con radisi che mai gavea pensà potesse andar cussì profonde.” Qualche volta, el susurava al vento, come se parlasse con Bianca: “Gavemo fato. No solo par noialtri, ma par tuti quei che i ze vegnesti dopo.”

Con el suon lontan dei risi dei so nipoti che i se divertia tra i filari de viti, Vittorio el serava i òci par un momento, sentìndose in pase. El savea che gavea cumprì el so dover, e che el làssito dei Mancoretti no el zera solo la tera che gavea lavorà, ma anca i soni che gavea piantà e le vite che gavea tocà. ´Ntel cuor de la Serra Gaúcha, soto un cielo che pareva pì iluminà che mai, la stòria de Vittorio la diventava parte de sta tera che el gavea tanto amà.

Nota Stòrica del Autor

La stòria de la famèia Mancoretti la ze ´na fission inspirà dai tanti raconti dei primi emigranti italiani che i ze rivà in Brasil verso la fine del XIX sècolo. Come Vittorio e Bianca, sentinai de miliaia de famèie le gavea lassà le so tere natie, specialmente da le region del Véneto, Lombardia e Trentino-Alto Adige, in serca de ´na vita mèio. Lori i scampava da la misèria, da le crisi economiche e da la mancà de prospetive che assediava l’Itàlia dopo l’unificassion, trovando ´ntel Brasil un novo casolare, anca se pien de sfidi.

Le colónie italiane ´ntel Rio Grande do Sul, come Caxias, Dona Isabel (desso Bento Gonçalves) e Conde d’Eu (incò Garibaldi), le ze sta fondà in meso a la selva vèrgine de la Serra Gaúcha. I primi ani de sti emigranti i zera trio segnà da ´na isolassion profunda, condission de laoro adversàrie e la mancà de infrastruture de base, come strade, mèdici e scuole. Tanti i ga afrontà malatie, pèrdite personai e ´na nostalgia profonda, ma, contemporaneamente, lori i ga costruì comunità vive e resistenti, che le ga formà l’identità culturae e económica de sta region.

El personaggio de Vittorio el rapresenta lo spìrito de guida e perseveransa che el ga cressesto tra i coloni, mentre Bianca la simbolegia la forsa e la fede che sosteneva tante famèie. Matteo e Rosa i ze el riflesso de le generassion sussessive, che le soniava e laorava par ingrandir i orizonti conquistà dai so genitori.

L’inclusion del vin come parte del làssito de la famèia Mancoretti la rende onoransa a l’introdussion de la viticultura dai italiani in Brasil, un fato che el ga trasformà la Serra Gaúcha in uno dei prinsipai sentri vinìcoli del paese. Anca incò, le feste de la vendémia e le celebrassion comunitàrie le ze riche de tradission portà da l’Itàlia, pien de mùsica, balo e gratitùdine par la tera che i li gavea acolti.

Sta stòria la ze un ode a la resistensa umana, al poder dei soni e a la forsa de ´na eredità che la va oltre i confini. Che i Mancoretti i sia uno spècio par tuti quei che, in momenti difìssili, i ga avuo el coraio de ripartir e de metar radisi in tere lontan, trasformando l’incògnito in casa.

Luiz C. B. Piazzetta

sábado, 3 de maio de 2025

A Promessa de um Novo Horizonte


A Promessa de um Novo Horizonte


Na quase esquecida fração de Alberoro, no pequeno município de Monte San Savino, com somente uma dúzia de construções em pedra, nas planícies onduladas da Toscana, em 1884, a conversa sobre a "Merica” dominava as praças e os encontros em família. Pietro Galvani, um homem de 36 anos, ouvia atento as histórias contadas após a missa dominical na pracinha da localidade por algum vizinho que havia recebido cartas da Argentina ou do Brasil. Diziam que essas terras eram um paraíso onde o ouro fluía nas águas dos rios e as plantações cresciam sozinhas sob um sol generoso.

Piero era um agricultor modesto, casado com Francesca De Martino, uma mulher decidida e resiliente. Eles tinham quatro filhos: Emilio, de 12 anos, que já ajudava o pai no campo; Giulia, de 10, sonhadora e talentosa com agulhas e linhas; Antonio, de 7, sempre curioso e questionador; e o pequeno Luca, de apenas 2 anos. A vida na Toscana era muito dura naqueles anos. As terras estavam exauridas, os impostos eram sufocantes e os Galvani mal conseguiam alimentar a família. Quando o tio de Pietro, Domenico Galvani, escreveu do Brasil falando sobre a abundância de terras férteis e os salários pagos em ouro, Pietro e Francesca começaram a considerar o impensável: também emigrar, seguindo aquela corrente que desde 1875 engrossava a cada ano, de milhares de compatriotas que descontentes deixavam tudo em busca de uma nova vida do outro lado do oceano. 

Francesca hesitava. Deixar a Itália era abandonar o que restava de sua identidade, sua língua, suas tradições. Mas Pietro sabia que não tinham outra escolha. Em uma noite fria de final de novembro, com o vento uivando pelas frestas da janela, ele disse:

Francesca, é agora ou nunca. Se ficarmos, não teremos futuro. Se formos, podemos dar às crianças uma vida que nunca sonharíamos aqui.

Com lágrimas nos olhos, Francesca concordou. Venderam tudo o que possuíam: os móveis, a mula, até mesmo os utensílios de cozinha. Em março de 1885, embarcaram no porto de Genova no navio a vapor Príncipe de Asturias, rumo ao Brasil.

A viagem foi uma provação. Por 33 dias, enfrentaram tempestades, enjôos e a monotonia do oceano. Luca, o mais jovem, contraiu uma febre durante o trajeto, e Francesca passava noites em claro cuidando dele. Apesar das dificuldades, Pietro mantinha a esperança viva, reunindo os filhos todas as noites para contar histórias sobre as terras que os aguardavam.

Chegaram ao porto de Santos em um dia chuvoso. A visão do cais, com suas multidões de imigrantes, trabalhadores e mercadores, foi ao mesmo tempo assustadora e emocionante. Após alguns dias de espera, foram transferidos para o sul, chegando ao Rio Grande em um outro navio menor, apertado, ao lado de outras famílias italianas. Finalmente, desembarcaram no Porto de Rio Grande, no dia 13 de maio de 1888, o mesmo dia em que a escravidão foi abolida no Brasil.

Os Galvani foram enviados para uma colônia em uma região de mata densa chamada Colonia Dona Isabel. Cada família adquiriu do governo em incontáveis prestações, um grande pedaço de terra coberto por árvores altas e cipós, e a primeira tarefa era desbravar a floresta. Pietro e Emilio trabalhavam incansavelmente, derrubando árvores e preparando o solo para plantar milho, trigo e feijões em pequenos espaços abertos na mata enquanto Francesca cuidava das crianças e sempre achava tempo de dar uma mão ao marido.

As noites eram longas e difíceis. Giulia, que sentia muita falta da avó e dos primos, chorava baixinho para não preocupar os pais. Antonio fazia perguntas intermináveis sobre os animais da floresta e sobre os diversos sons que ouvia à noite. E Francesca, apesar de sua resistência, às vezes murmurava em voz baixa:
— "Se eu encontrasse Cristóvão Colombo, eu o faria pagar por ter descoberto esse lugar".

Depois de alguns anos de luta constante, a família começou a ver os frutos de seu trabalho. A primeira colheita foi modesta, mas suficiente para sobreviver. Piero construiu uma pequena adega onde fermentava vinho com as primeiras uvas que plantaram. O vinho logo se tornou conhecido entre os colonos, e os Galvani ganharam um pouco de crédito com os comerciantes locais.

Em 1892, Emilio, agora com 19 anos, casou-se com Teresa Benvenuto, uma jovem da colônia vizinha de Caxias. Juntos, começaram a expandir os vinhedos da família, plantando novas variedades de uvas trazidas da Itália. Antonio, sempre curioso, tornou-se um talentoso carpinteiro, fabricando móveis que eram vendidos em Porto Alegre. Giulia, com seu talento, começou a ensinar outras jovens da colônia, enquanto Luca, o caçula, se tornou o contador da família.

Pietro faleceu em 1912, aos 63 anos, deixando um legado de perseverança e coragem. Francesca viveu até 1925, cercada pelos netos que a ouviam contar histórias da Itália e da travessia que mudou o destino da família. A colonia prosperou rapidamente, tornando-se o município de Bento Gonçalves, e a cantina dos Galvani é hoje uma das mais renomadas da região.

Os descendentes de Pietro e Francesca continuam a celebrar as tradições italianas, lembrando-se dos sacrifícios de seus antepassados e da coragem que os trouxe a esta nova terra.



quinta-feira, 17 de abril de 2025

Um Novo Começo na Colônia Conde d’Eu


Um Novo Começo em Garibaldi: 

a Antiga Colônia Conde d’Eu


A manhã clara de setembro de 1919 trouxe a Giuseppe Denato a promessa de um novo começo. O céu límpido do porto de Rio Grande parecia um presságio para a nova etapa que sua família iniciava no Brasil. Apenas um ano havia se passado desde o fim da Grande Guerra, da qual Giuseppe carregava marcas indeléveis, tanto no corpo quanto na alma. Um acidente durante suas atividades na retaguarda o deixara com uma leve claudicação na perna direita, mas não apagou sua determinação. A visão de uma Itália devastada, assolada pela fome e pelo desemprego, fez com que ele buscasse terras mais férteis, onde seu conhecimento como enólogo pudesse florescer.

Giuseppe nascera em 1889, em Vittorio Veneto, no coração da província de Treviso, uma região de colinas ondulantes onde a vitivinicultura era mais que um ofício; era uma herança. Seu pai, Matteo Denato, era um homem austero e meticuloso, apaixonado pelo cultivo de uvas brancas como a Glera, usadas na produção do aclamado espumante Prosecco, e pela robusta Raboso, símbolo de resistência. Giuseppe herdou não apenas o gosto pelo vinho, mas a disciplina necessária para produzi-lo.

Depois de se formar como enólogo na conceituada Escola de Enologia de Conegliano, Giuseppe despontou como um dos jovens mais promissores de sua geração. Casou-se com Beatrice, sua amiga de infância, e logo o casal teve seu primeiro filho, Matteo, nomeado em homenagem ao avô. A vida parecia seguir um curso próspero até que a guerra redirecionou seus passos. A convocação em 1918 o afastou da tranquilidade de seus vinhedos, mas não o impediu de sonhar.

A travessia transatlântica rumo ao Brasil foi dura, marcada por noites mal dormidas e incertezas, mas o olhar determinado de Giuseppe mantinha a família unida. No pequeno barco a vapor que os levou de Rio Grande a Porto Alegre, ele já se imaginava entre os vinhedos. Durante as duas semanas que passou na efervescente capital gaúcha, Giuseppe reuniu informações sobre as colônias italianas ao norte.

A chegada a Garibaldi, antiga Colônia Conde d’Eu, trouxe uma mescla de encanto e desafio. O denso verde da mata atlântica e a topografia irregular exigiriam mais do que conhecimento técnico; exigiriam coragem. Giuseppe adquiriu uma porção de terras que exigia desbravamento intenso, mas ele não recuou. Com as ferramentas simples que tinha e a ajuda dos vizinhos, iniciou o árduo trabalho de limpar o terreno.

Maria, sua esposa, tornou-se uma força essencial no projeto. Enquanto cuidava da casa e dos filhos, ela se dedicava a aprender as nuances da cultura local e a organizar os primeiros experimentos de vinificação. Seu pragmatismo era o contrapeso perfeito para o espírito visionário de Giuseppe. Em 1921, nasceu Anna, a primeira filha do casal em terras brasileiras, um símbolo da nova vida que começavam a construir.

As videiras importadas da Itália começaram a se adaptar ao clima ameno da serra. Giuseppe aplicou técnicas inovadoras de poda e irrigação, e sua primeira safra, em 1924, produziu um vinho que conquistou os moradores locais. A pequena cooperativa que ele ajudou a formar não apenas aumentou a produção, mas também fortaleceu os laços entre os colonos.

O crescimento foi rápido. Em 1930, o "Vinho Denato" já era conhecido em Porto Alegre e além. Giuseppe tornou-se uma figura de respeito na comunidade, mas nunca se esqueceu de suas origens. Ele organizava encontros para compartilhar técnicas, incentivava a educação dos jovens e lembrava a todos que a verdadeira riqueza estava na terra e na união entre as pessoas.

O legado de Giuseppe Denato vai além das garrafas de vinho que carregam seu nome. Ele simboliza a resiliência e a coragem de uma geração que cruzou oceanos em busca de um futuro melhor, enfrentando adversidades com determinação e transformando sonhos em realidade. A Serra Gaúcha, hoje uma potência vinícola, é um testemunho vivo dessa história de perseverança.


Nota do Autor

"Um Novo Começo em Garibaldi: a Antiga Colônia Conde d’Eu" é uma narrativa inspirada pelos eventos reais da imigração italiana para o Brasil no final do século XIX e início do século XX. Essa migração foi impulsionada por fatores como a crise econômica, a fome e a instabilidade política na Itália, bem como pela promessa de novas oportunidades em terras férteis no outro lado do Atlântico.

A Colônia Conde d’Eu, estabelecida em 1870 na Serra Gaúcha, foi uma das primeiras áreas de colonização italiana no Rio Grande do Sul. Posteriormente renomeada Garibaldi, em homenagem ao herói da unificação italiana Giuseppe Garibaldi, a região tornou-se um dos mais importantes polos vitivinícolas do Brasil. Os imigrantes italianos trouxeram consigo conhecimentos agrícolas, tradições culturais e, sobretudo, a paixão pela vinicultura, que transformaram a paisagem econômica e cultural local.

A história de Giuseppe Denato reflete os desafios enfrentados por esses pioneiros: o desbravamento de terras cobertas por mata virgem, o isolamento inicial e as dificuldades em adaptar técnicas europeias ao novo ambiente. Porém, como muitos outros, Giuseppe encontrou na união comunitária e na resiliência uma maneira de prosperar.

Embora fictício, o enredo baseia-se em elementos históricos e busca retratar, com fidelidade, o espírito empreendedor e a contribuição dos imigrantes italianos para o desenvolvimento do sul do Brasil. É uma homenagem à coragem e ao legado cultural dessas famílias, cujas histórias continuam a ecoar nas tradições e nos vinhedos da Serra Gaúcha.

Piazzetta

terça-feira, 15 de abril de 2025

Un Novo Scomìnsio a Garibaldi: la Vècia Colónia Conde d’Eu


Un Novo Scomìnsio a Garibaldi: 

la Vècia Colónia Conde d’Eu


La matina ciara de setembre del 1919 ghe la ga portà a Giuseppe Denato la promessa de un novo scomìnsio. El celo lìmpido del porto de Rio Grande pareva un segno bon per la nova etapa che la so famèia gavea da intraprender in Brasil. Solo un ano gavea passà da la fine de la Gran Guerra, da che Giuseppe portava stigme indelèbili, tanto ´ntel corpo come ´nte l’ánima. Un insidente durante le so atività de retrovia el lo gavea lassà con un sopegar a la gamba destra, ma gnente la ga podù smorsar la so determinassion. La vision de una Itàlia devastà, distruta da la fame e dal disempiego, el lo ga portà a sercar altre tere fèrtili, ndove el so cognossensa come enòlogo podesse fiorir.

Giuseppe lu el zera nato ´ntel 1889, a Vittorio Veneto, ´ntel cuore de la provìnsia de Treviso, una region de colìne ondulà ndove la vitivinicultura la zera pì de un mestier: la zera un’eredità. El so pare, Matteo Denato, lu el zera un òmo austero e meticoloso, apassionà del coltivo de le ue bianche, come la Glera, usà per far el famoso spumante Prosecco, e de la robusta casta Raboso, sìmbolo de resistensa. Giuseppe el gavèa eredità no solo el gusto par el vin, ma anca la dissiplina necessària per farlo.

Dopo èsserse diplomà come enòlogo a la prestigiosa Scuola d’Enologia de Conegliano, Giuseppe el se gavea distinguì come un dei zòvani pì prometenti de la so generassion. Sposà Beatrice, la so amica de infansia, e presto el par el ga avù el so primo fiol, Matteo, che el ghe dà el nome in onor del nono. La vita pareva ndar ben, fin che la guera el lo ga portà via dai so vigneti tranquili. Ma no gnente el lo gavea stacar dal so sònio.

La traversia transatlàntica verso el Brasil la zera stà dura, piena de noti sensa dormir e tante incertese, ma l’òcio determinà de Giuseppe el mantegneva la famèia unida. Sul pìcolo vapor che li ga portà da Rio Grande a Porto Alegre, el se imaginava zà trà i vigneti. Durante le due setimane che el ga passà a la sità animà de Porto Alegre, Giuseppe el ga racolto informassion su le colónie italiane al nord.

L’arivada a Garibaldi, vècia Colònia Conde d’Eu, la ga portà un misto de meravèia e sfide. El verde intenso de la mata atlàntica e la topografia iregular i volea pì che tènica: i volea coraio. Giuseppe el ga comprà un tòco de tère che volea un desboscamento intensivo, ma lu no el se è mai tirà indrio. Con le poche ferramente che gavea e l’aiuto dei vissin, el ga intrapreso el lavor duro de preparar el teren.

Maria, la so sposa, la ze diventà ´na forsa essenssial ´nte’l proieto. Mentre la se ocupava de la casa e dei fiòi, anca la se ga dedicà a imparar le sfumature de la cultura local e a organisà i primi esperimenti de vinificassion. El so pragmatismo el zera el contrapeso perfeto al spìrito visionàrio de Giuseppe. Ntel 1921 la ze nassesta Anna, la prima fiola de la copia in tère brasialian, sìmbolo de la nova vita che i gavea scominsià.

Le viti importà da l’Itàlia le se ga adaptà al clima temperà de la region de Garibaldi. Giuseppe el ga aplicà tèniche inovative de potatura e irrigassion, e la so prima racolta, ´ntel 1924, la ga produre un vin che el ga conquistà i abitanti locai. La pìcola cooperativa che el gavea aiutà a formar no el ga solo aumentà la produssion, ma anca rinforsà i legami trà i coloni.

El progresso el ze stà ràpido. Ntel 1930, el “Vin Denato” el zera zà conossù a Porto Alegre e oltre. Giuseppe el zè stà diventà ´na figura de rispeto in comunità, ma no el se ga mai scordà de le so origini. Organisava incontri per condivìder tèniche, el ga insentivà l’educassion dei zòvani e el ricordava a tuti che la vera richesa la ze stà ´nte la tèra e l’union trà le persone.

El lassà de Giuseppe Denato el va oltre le bote de vin che porta el so nome. Lu el ze sìmbolo de la resistensa e del coraio de una generassion che la ga atraversà l’oceano in serca de un futuro meior, afrontando le adversità con determinassion e trasformando i so sòni in realtà. La Serra Gaúcha, che incò la ze ´na potènsa vinícola, la testimónio viva de sta stòria de perseveransa.

Nota del Autor

"Novo Scomìsio a Garibaldi: la Vècia Colónia Conde d’Eu" la ze na stòria inspirà dai eventi veri de l'imigrassion italiana in Brasile a la fin del sècolo XIX e al scomìnsio del sècolo XX. Sta imigrassion la ze stà impulsionà da cause come la crisi económica, la fame e l'instabilità polìtica in Itàlia, e anca da la promessa de nova oportunità in tere fèrtili da l'altra banda del Atlàntico.

La Colónia Conde d’Eu, fondata nel 1870 su la Serra Gaúcha, la ze stà ´na de le prime area de colonisassion italiana ´ntel Rio Grande do Sul. Dopo, ciamà Garibaldi in onore del eroe de la unificassion italiana Giuseppe Garibaldi, l'àrea la ze diventà uno dei pì importante centri vitivinìcoli del Brasile. I imigranti italiani i ga portà con lori savéri agrícoli, tradission culturai e, sopratuto, la passion par la vinicultura, che ga trasformà la vista e la cultura económica local.

La stòria de Giuseppe Denato la riflete i sfidi afrontà da sti pionieri: el desbravar de rimòvere coperte de foresta vèrgine, l'isolamento inissial e le dificoltà de adaptar le tèniche europee al novo ambiente. Ma, come tanti altri, Giuseppe el ga catà ´ntel senso de comunità e ´ntela resiliensa la strada par prosperar.

Anca se fitìssia, la trama la se basa su elementi stòrici e la sérca de rifletar con fedeltà el spìrito impreditoriale e la contribussion dei imigranti italiani al desvolvimento del sud del Brasile. Ze na onoransa al coraio e al legà culturale de ste famèie, le cui stòrie le continua a risuonar inte le tradission e ´ntei vigneti de la Serra Gaúcha.

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