Mostrando postagens com marcador Vittorio Veneto. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Vittorio Veneto. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Entre Raízes e Horizontes


Entre Raízes e Horizontes

A Vida de Bartolomeo Mussioni


Bartolomeo Mussioni nasceu em 1868 na pequena localidade de San Giacomo di Veglia, pertencente ao município de Vittorio Veneto, na província de Treviso. O lugar era um recanto modesto do Vêneto, protegido pelas colinas, repletas de parreirais, que se erguiam como guardiãs silenciosas sobre os campos cultivados. Ali, a vida seguia o compasso antigo do trabalho rural, com sinos de igreja marcando os dias e as estações ditando o destino das famílias.

Desde cedo, Bartolomeo aprendera que a terra podia ser ao mesmo tempo generosa e cruel. As planícies ao redor da vila, recortadas por fileiras de trigo e vinhedos ralos, exigiam esforço sem tréguas. A cada verão, o calor secava os campos até quase matá-los; a cada inverno, a geada queimava o que havia sobrevivido. Havia anos em que a colheita não passava de um punhado de grãos, insuficiente para alimentar a família durante os meses mais duros. Nessas épocas, o silêncio da casa se tornava pesado, quebrado apenas pelo som das lamúrias abafadas das mães e pelo ranger dos arados puxados a custo pelos bois magros.

Mas o mundo de Bartolomeo não se limitava às dificuldades da lavoura. Desde a adolescência, rumores atravessavam os vales e corriam de boca em boca: histórias de terras distantes, de uma nova vida além do oceano. Nos encontros na pequena praça de Vittorio Veneto, entre o murmúrio dos anciãos e a curiosidade dos mais jovens, surgiam relatos de famílias que haviam partido rumo à América. Falava-se de um continente fértil e sem fim, onde a terra não precisava ser pedida em arrendamento e onde as colheitas se multiplicavam como bênçãos.

Essas histórias, muitas vezes exageradas e envoltas em mistério, alimentavam a imaginação dos camponeses. Para Bartolomeo, que desde cedo conhecia a incerteza da subsistência, a ideia de uma terra em que o pão e o mel pareciam brotar da própria natureza ganhava contornos de promessa divina. Era como se o destino oferecesse, além das colinas familiares de Treviso, um horizonte novo, vasto e luminoso, capaz de resgatar sua família da penúria e garantir-lhe um futuro de abundância. 

Em 1884, quando Bartolomeo completou dezesseis anos, sua vida sofreu o primeiro grande abalo. Naquele ano, seu tio Santo, homem de espírito inquieto e coragem rara, decidiu romper os limites da tradição e tentar a sorte além-mar. Partiu de Vittorio Veneto levando consigo a esposa e as duas filhas pequenas, deixando para trás a velha casa de pedra e os vinhedos que já não sustentavam a família. A despedida foi marcada por lágrimas contidas e pelo som pesado dos sinos da paróquia, que naquela manhã pareciam dobrar não apenas para os que ficavam, mas também para o fim de uma era.

Meses depois, começaram a chegar as primeiras notícias da travessia. Relatos inflamados descreviam um Brasil exuberante, onde a terra se abria generosa diante de quem tivesse braços fortes para cultivá-la. Falava-se de rios largos como mares, de campos tão vastos que os olhos não alcançavam o fim, de colheitas que superavam qualquer expectativa. Para os que viviam sob a penúria das encostas vênetas, tais notícias soavam como revelações de um Éden reencontrado.

A cada palavra que chegava, crescia no coração de Bartolomeo um turbilhão de sentimentos. Entre a dura realidade de San Giacomo di Veglia e as promessas de um continente sem fronteiras, instalava-se nele uma inquietação que não lhe permitia mais dormir em paz. O jovem, ainda marcado pela inocência dos dezesseis anos, começou a enxergar o mundo como uma bifurcação inevitável: permanecer preso às colinas que moldaram sua infância ou arriscar tudo na incerteza de terras desconhecidas.

A decisão foi se formando lentamente, como as estações que amadurecem a vinha. Movido por uma mistura de curiosidade, esperança e o desejo quase instintivo de quebrar o ciclo da escassez, Bartolomeo se uniu à onda migratória que se espalhava por sua região como uma maré silenciosa. No dia da partida, deixou Vittorio Veneto com o coração dividido: de um lado, a saudade pungente da pátria, das colinas familiares, dos rostos que jamais veria outra vez; de outro, a expectativa ardente do desconhecido, que o atraía como uma promessa de renascimento.

A travessia foi longa, trinta dias sobre o mar revolto até o porto de Santos. Mal desembarcou, Bartolomeo solicitou ser transferido para a Colônia Caxias, no Rio Grande do Sul, onde a família de seu tio já começava a se estabelecer. Chegaram a Porto Alegre em 13 de maio de 1888, um dia que entraria para a história do Brasil pela abolição da escravatura. Para Bartolomeo e os que chegavam, no entanto, o mundo novo era ainda cru e desafiador: não havia dinheiro, não havia crédito, não havia garantias. O peso da realidade pesava mais que o sonho da América.

Enquanto seu avô e seu tio Giovanni, ainda na Itália, sugeriam o retorno à pátria, Bartolomeo ouviu a determinação de seu pai Vittore e do tio Prosdocimo: a família já estava ali, e a oportunidade deveria ser cultivada, mesmo que lenta e penosamente. Embora Bartolomeo e sua tia Lucia inicialmente desejassem retornar à Itália, a persistência do pai e a força da comunidade os fizeram permanecer. Entre resmungos e lamentações, Lucia expressava seu desdém pela “terra de selvagens”, enquanto Bartolomeo, emocionado, buscava aceitar a vontade divina e o curso inevitável da vida.

O tempo, implacável e paciente, trouxe consigo a adaptação e os primeiros frutos do esforço. As mãos calejadas de Bartolomeo e de sua família começaram a transformar a terra bruta em campos ordenados. Onde antes havia apenas mato cerrado e chão pedregoso, surgiram fileiras de milho que se erguiam como estandartes verdes sob o sol tropical. As sementes de trigo, importadas em pequenas quantidades, encontraram resistência, mas aos poucos aprendeu a crescer naquele solo novo, como se também fosse um emigrante em busca de raízes. Outros cereais, plantados em parcelas menores, completavam a paisagem agrícola que se expandia a cada estação.

A grande virada veio com a implantação do primeiro vinhedo. Entre enxadas, estacas de madeira e paciência quase infinita, Bartolomeo via brotar não apenas videiras, mas o elo simbólico com a terra de onde viera. As parreiras, ainda frágeis, balançavam ao vento como lembranças vivas das colinas de Vittorio Veneto. Cada ramo que vingava representava mais que uma promessa de colheita: era a prova de que, mesmo longe, era possível reconstruir um pedaço da pátria.

Com o trabalho incessante, vieram os primeiros sinais de progresso. Os comerciantes locais, antes desconfiados, passaram a conceder crédito. O nome dos Mussoni começou a circular nos registros da colônia, associado à perseverança e ao cultivo bem-sucedido. Uma sensação discreta de estabilidade se insinuava, ainda frágil como um fio de vidro, mas suficiente para dar à família um novo alicerce.

Cada passo, cada colheita, cada pequeno progresso consolidava a presença dos Mussoni naquele solo estrangeiro. As casas de madeira erguiam-se ao redor dos campos, os armazéns guardavam os frutos de meses de trabalho, e a terra que no início parecia hostil começava a revelar-se parceira. Ainda assim, no fundo do coração de Bartolomeo permanecia um vazio insondável. A saudade da pátria natal nunca o abandonava: nas noites silenciosas, enquanto o vento atravessava as frestas da casa simples, ele sentia-se de novo em San Giacomo di Veglia, ouvindo o soar dos sinos da pequena igreja e vendo as colinas do Vêneto se tingirem de dourado ao entardecer.

A vida lhe ensinava que era possível criar raízes em terras distantes, mas jamais arrancar da alma a lembrança daquilo que havia sido perdido.

Bartolomeo, moldado por desafios e esperanças, aprendeu que a verdadeira viagem não estava apenas na travessia do Atlântico, mas na construção de uma vida digna em terras que, embora distantes e inóspitas, podiam tornar-se lar para aqueles que perseverassem. Entre a memória das colinas de Treviso e os horizontes abertos do Rio Grande do Sul, encontrou seu destino — uma existência de trabalho árduo, conquistas tímidas e, acima de tudo, a promessa de um futuro construído com suas próprias mãos.

Nota do Autor

Escrever esta história foi, para mim, mais do que um exercício de imaginação: foi um mergulho profundo na memória coletiva de milhares de famílias que, como Bartolomeo Mussioni, deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor. Ao revisitar os caminhos de um personagem ficcional, inspirado na realidade de tantos imigrantes do Vêneto e de outras regiões da Itália, procurei dar voz à experiência universal de quem se vê dividido entre o amor pelas raízes e a necessidade de olhar para novos horizontes.

A escolha por narrar a vida de Bartolomeo nasceu do desejo de compreender o drama silencioso da emigração: o peso da fome, das colheitas incertas, das despedidas carregadas de lágrimas, mas também a esperança quase teimosa que movia homens e mulheres a atravessarem o oceano. Escrever sobre ele foi, portanto, uma forma de homenagear não apenas uma geração de italianos que ajudou a construir o Brasil, mas também as histórias de luta, adaptação e fé que permanecem vivas na memória de seus descendentes.

Ao longo da narrativa, busquei mostrar que a travessia de Bartolomeo não se restringiu ao Atlântico: ela foi também uma travessia interior. Cada vinhedo plantado, cada pedaço de terra cultivado, representava não só um gesto de sobrevivência, mas também uma tentativa de recriar, em solo estrangeiro, a pátria que ficara para trás. É nesse ponto que a história se torna universal: todos nós, em algum momento da vida, precisamos aprender a equilibrar aquilo que carregamos de origem com aquilo que nos espera adiante.

Decidi escrever Entre Raízes e Horizontes porque acredito que a literatura tem a força de resgatar aquilo que o tempo muitas vezes tenta apagar. A saga de Bartolomeo Mussioni é, no fundo, um tributo à coragem, à persistência e à saudade. É também um convite ao leitor para refletir sobre suas próprias raízes e horizontes — sobre o que deixamos para trás e sobre aquilo que nos move a seguir em frente.

Dr. Luiz Carlos Piazzetta



terça-feira, 7 de outubro de 2025

Tra Le Radise e i Orisonti



Tra le Radise e i Orisonti  

La Vita de Bartolomeo Mussioni


Bartolomeo Mussioni lu el ze nassesto ´nte l´ano 1868 in la pìcola località de San Giacomo de Veglia, che lora fasea parte del comune de Vittorio Veneto, ´nte la provìnsia de Treviso. El posto el zera un canton modesto del Véneto, difeso da le coline, pien de vignai, che se levava come guardian silensiose sora i campi coltivà. Là, la vita la seguia el passo antico del laor contadin, con el campanel de la cesa che i segnava i zorni, e le staion che i detava el destin de le famèie.

Da bòcia, Bartolomeo el gavea imparà che la tera podea essar a lo stesso tempo generosa e crudele. Le pianure intorno a la vila, pien da file de formento e da vigne malà e smagrì, domandava fadiga sensa fin. Ogni staion, el calor brusava i campi fin quasi a coparli; ogni inverno, la brosa brusava quel poco che el zera restà. Ghe gera ani che la racolta no vegnìa gnanca che ’na manada de gran, che no bastea gnanca par dar da magnar a la famèia ´nte i mesi pì duri. ´Nte sti tempi, el silénsio de la casa el fasea peso, sbregà sol dal pianser sordo de le mare e dal rumor lontan dei vassor tirà a fadiga da i bo magri.

Ma el mondo de Bartolomeo no el se fermava mìa so le fadighe de la tera. Da zòvene, le vose che passava tra le vale e de boca in boca: stòrie de tere lontan, de ’na vita nova oltre el mar. Tra le sbachetà del campanel de Vittorio Veneto, fra el brusìo dei veci e la curiosità dei pì zòveni, nasséa raconto de famèie che i zera partì verso l’Amèrica. Se diseva che zera un continente fértile e sensa fin, ’ndove la tera no bisognava mìa chiederla in afito e ’ndove le racolte se moltiplicava come benedission.

Sti raconti, tante volte ingrandì e coerte de mistero, i scaldava l’imaginassion dei pòveri contadin. Par Bartolomeo, che già da tempo conosséa l’incertesa de la subsistensa, l’idea de ’na tera ’ndove pan e mel pareva nasser da la natura stessa la fasea l’efeto de ’na promessa divina. Era come se el destin ghe ofrìsse, oltre le coline de Treviso, un orisonte novo, vasto e luminoso, bon de scampar la so famèia da la misèria e darghe un futuro de abondansa.

´Ntel 1884, quando Bartolomeo lu el gavea compiù sédese ani, la so vita la provò el primo gran sbaltón. Quela staion, el so zio Santo, omo de spìrito inquieto e coraio raro, el decise de romper i confin de la tradission e de provar fortuna oltre el mar. El partì da Vittorio Veneto portando con lù la mòier e le do fiole, e lassando drio la vècia casa de piera e i vignai che no mantegnea mìa la famèia. El adio el fu segnà da làgreme nascoste e dal suon pesà del campanel ´ntela pìcola piaseta avanti la cesa, che parea quel zorno che i suonasse mìa sol par chi restava, ma anca par la fin de ’na era.

Pochi mesi dopo, son rivà le prime notìsie de la traversia. Raconti pien de fogo disea de un Brasil vigoroso, ’ndove la tera se vertia generosa davanti a chi gavea brassi forti par coltivarla. Se contava de fiumi larghi come mari, de campi cussì vasti che l’òcio no rivea a vardar la fin, de racolte che passava molto ogni speransa. Par chi che vivea soto la penùria de le campagne vénete, ste notìsie le pareva rivelassion de un Eden ritrovà.

Ogni parola che rivava, ghe fasea nasser drento a Bartolomeo un mar de sentimenti. Tra la dura realtà de San Giacomo de Veglia e le promesse de un continente sensa confin, ghe se instalava ’na inquietudine che el no ghe fasea pì dormir en pase. El zòvene, ancora segnà da l’ingenuità dei so sédese ani, el ga scominsià a vardar el mondo come ’na stradela che se sparti in do: restar ligà a le coline che le gavea segnà la so infansa o metarse tuto in zogo ´nte l’incertessa de tere scognossù.

La resolussion la se formò pian pianin, come le staion che le fa madurar la vigna. Spinto da ´na mèscola de curiosità, speransa e da la voia quasi istintiva de romper la repetission de la scarsità, Bartolomeo se unì a l’onda migratòria che se spaiva par la so zona come ’na marea silensiosa. ´Ntel zorno de la partensa, el lassò Vittorio Veneto con el cuor spacà: da ’na parte, la nostalgia forte de la pàtria, de le coline, de le famèie che el no vardarìa pì; da l’altra, la speransa ardente de l’scognossù, che ghe pareva ’na promessa de rinàssita.

La traversia la ze stà longa: trenta zorni sora el mar sbregà fin al porto de Santos. Quasi sensa posar i piè, Bartolomeo domandò a le autorità de essar mandà a la Colónia Caxias, ´ntel Rio Grande do Sul, ’ndove la famèia del zio la stava za scominsiando a piantar radise. El rivò a Porto Alegre el 13 de maio del 1888, pròprio el zorno che Brasil el ga abolì la schiavitù. Ma par Bartolomeo e par chi che zera rivà, el mondo novo el zera ancora duro e feròs: no ghe zera schei, no ghe zera crèdito, no ghe zera garantìe. El peso de la realtà fasea pì forsa che el sònio de l’Amèrica.

Intanto, el nono e el zio Giovanni, che i zera restà ancora in Itàlia, i proponeva de tornar indrìo; ma Bartolomeo scoltà la volontà ferma de so pare Vittore e del zio Prosdocimo: la famèia zera za là, e l’oportunità la bisognava èssar coltivà, anca se pian e con fadiga. Anca se Bartolomeo e la zia Lucia al prinsìpio i volea tornar in Itàlia, la testardessa del pare e la forsa de la comunità i ghe ga fato restar. Tra sbufi e lamentassion, Lucia mostrava el so dispreso par ’sta “tera de selvadeghi”, mentre che Bartolomeo, con el cuor tasto, l’aceptava la volontà divina e el corso inevitàbile de la vita.

El tempo, implacàbile e pasiente, el portò co lu l’adatamento e i primi fruti de la fadiga. Le man dure de Bartolomeo e de la so famèia le scominsiò a trasformar la tera bruta in campi ordenà. Là ’ndove prima ghe zera mia che mato e sasso, saltava fora file de formenton che se levava verdi come stendardi soto el sol tropical. I semi de formento, che i zera importà in pìcola quantità, i ga trovà dificoltà, ma pian pianin i imparò a crèssar sora quel novo suolo, come se anca lori i zera emigranti in serca de radise. Altri grani, seminà in pìcoli pesi, i completava il novo paesàgio agrìcola che se alargava ogni stagion.

El gran cambiamento el ze rivà con la plantassion del primo vignal. Tra zape, stacheti de legno e pasiensa sensa fin, Bartolomeo el vardava spuntar no sol le vite, ma l’elo simbòlico con la tera de la so orìgene. Le vigne, ancora fràgili, le se movea con el vento come ricordi vivi de le coline de Vittorio Veneto. Ogni rama che vegniva la zera pì che ´na promessa de racolta: la zera la prova che, anca lontan, se podéa refar un canton de pàtria.

Con el laor straco, i ze rivà i primi segni de progresso. I negosianti locài, che prima i gera sospetosi, i ga scominsià a dar crèdito. El nome dei Mussoni el ga scominsià a sircolar ´ntei registri de la colònia, ligà a la perseveransa e a la bon resa del coltivo. ’Na sensassion tìmida de stabilità la se insinuava, ancora fràgile come un filo de vero, ma bastevole par dar a la famèia un novo fondamento.

Ogni passo, ogni racolta, ogni progresso consolidava la presensa dei Mussoni sora quel solo forestiero. Le case de legno se levava intorno ai campi, i magazini tegneva i fruti de mesi de fadiga, e la tera che al scomìnsio pareva ostìl scominsiava a mostrarse compagna. Ma drento al cuor de Bartolomeo restava un vodo che no se colmava mia. La nostalgia de la pàtria la no l’abandonava gnanca: ´nte le noti silensiose, con el vento che passava tra le fessure de la pìcola casa, lu se sentiva ancora in San Giacomo de Veglia, scoltando la campana de la ceseta e vardando le coline vénete che se colorava d’oro con el tramonto.

La vita ghe imparava che el zera possìbile far radise anca in tere lontan, ma mia strapar da l’ànima el ricordo de quel che zera lassà drio.

Bartolomeo, segnà da prove e da speranse, lu el ga imparà che el vero viaio no el stava mia solo ´nte la traversia del Atlàntico, ma ’nte la costrussion de ´na vita dignitosa ´nte tere che, anca se lontan e dure, podéa diventar casa par chi che gavea la perseveransa. Tra la memòria de le coline de Treviso e i orisonti spalancà del Rio Grande do Sul, lu el ga trovà el so destin — ’na esistensa de fadiga dura, pìcole conquiste e, sora de tuto, la promessa de un futuro fato con le so man.

Nota de l’Autor

Scrivar sta stòria la ze stà par mi pì che un eserssìsio de imaginassion: el ze stà un mergúio profondo ’nte la memòria cołetiva de mile e mile de famèie che, come Bartolomeo Mussioni, i ga lassà la so tera nativa in serca de ’na vita mèio. Contando i passi de un personaio finto, ma inspirà a la realtà de tanti emigranti véneti e de altre region de l’Itàlia, mi go volù dar vose a l’esperiensa universal de chi che se cata diviso tra l’amor par le radise e el bisogno de vardar verso novi orisonti.

La scielta de contar la vita de Bartolomeo la ze nassesta da la voia de capir el drama silensioso de l’emigrassion: el peso de la fame, de le racolte inserte, de lo adio con làgreme, ma anca la speransa testarda che moveva òmini e done a traversar el mar. Scrivar de lu el ze stà ’na maniera de onorar mia soł ’na generassion de italiani che i contribuì a costruir el Brasil, ma anca le stòrie de fadiga, adatamento e fede che le resta vive ancora ’nte la memòria dei so dessendenti.

´Nte la narassion, mi go sercà de mostrar che la traversia de Bartolomeo no se fermava mìa soł a l’Atlàntico: la zera anca ’na traversia interior. Ogni vigne piantà, ogni peso de tera lavorà, el zera mìa sol un gesto de sobrevivensa, ma ’na tentativa de refar, ´nte tera forestiera, la pàtria lassà drio. E qua che la stòria la deventa universal: tuti noaltri, a un serto punto de la vita, semo costreti a imparar a meter in bilansia quel che portemo da l’orìgene con quel che speta noi pì avanti.

Mi go decìso de scrivar Tra le Radise e i Orisonti parchè credo che la leteratura la ga la forsa de salvar quel che tante volte el tempo el vol canselar. La saga de Bartolomeo Mussioni la ze, in fondo, un tributo al coraio, a la perseveransa e a la nostalgia. La ze anca un invito al letor a rifletar sora le so pròprie radise e orisonti — sora quel che gavemo lassà drio e sora quel che spinge noialtri a ´ndar avanti.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Na Região de Santa Maria – A Vida dos Irmãos Bellatto na Colônia Silveira Martins


Na Região de Santa Maria – A Vida dos Irmãos Bellatto na Colônia Silveira Martins


No outono de 1887, três irmãos partiram das colinas pedregosas de Vittorio Veneto rumo ao desconhecido. Antonio, Gabriele e Ernesto Bellatto carregavam nos ombros a herança de uma família de pequenos camponeses, marcada pela pobreza, pelas dívidas e pelas sucessivas más colheitas que assolavam o Vêneto. A terra natal já não lhes oferecia sustento, e os recrutadores que percorriam os vilarejos descreviam o Brasil como um mundo novo, onde a terra era vasta e fértil, e onde cada braço de trabalho encontraria recompensa. Entre a miséria conhecida e a promessa distante, escolheram a promessa.

A viagem até o porto de Gênova foi o primeiro passo de uma marcha penosa. Embarcaram em um navio abarrotado de emigrantes como eles, famílias inteiras com baús de madeira, crianças doentes, velhos que tossiam sem parar. O ar nas porões era pesado e úmido, impregnado de maresia e suor. As semanas em alto-mar testaram a resistência de cada um. Muitos adoeceram, alguns morreram, e seus corpos foram lançados ao oceano com preces apressadas. Quando, após longas semanas, avistaram a linha irregular do litoral brasileiro, os três irmãos sentiram o peso de um destino sem volta.

No Rio de Janeiro, a recepção foi tumultuada. As multidões de recém-chegados eram empurradas para escritórios onde funcionários apressados os registravam e distribuíam para colônias agrícolas espalhadas pelo interior do país. Antonio, Gabriele e Ernesto com mais algumas dezenas de famílias seguiram viagem em outro navio rumo ao sul do país, até o porto de Rio Grande. Após algumas semanas de angustiante espera, abrigados precariamente em barracões de madeira perto do porto e com pouca privacidade, embarcaram novamente, desta vez em pequenas embarcações fluviais, atravessando a extensa Lagoa dos Patos e a seguir subindo contra a correnteza do rio Jacuí durante quase um dia inteiro, até alcançarem a modesta localidade de Rio Pardo onde desembarcaram. Dali em diante prosseguiram a jornada por terra, parte a pé, parte em carroças puxadas por bois, avançando lentamente pelo terreno pedregoso e íngreme até o coração da província do Rio Grande do Sul, em direção a um lugar chamado Santa Maria da Boca do Monte onde se localizava a extensa Colônia Silveira Martins. O nome soava grandioso, mas o que encontraram foi uma vastidão de matas fechadas, colinas íngremes e clareiras abertas a golpes de machado.

A realidade abateu-os logo nos primeiros dias. O governo pagava pelo trabalho de abrir estradas, mas os ganhos mal cobriam os custos de sobrevivência. Recebiam moedas em troca de jornadas inteiras sob o sol ou sob a chuva, cortando árvores colossais e arrastando troncos, sempre rodeados por enxames de insetos e pelo risco constante de febres. O alimento era escasso e repetitivo: mandioca, milho, feijão mal cozido. O corpo enfraquecia, e a saudade da pátria se tornava um fardo invisível.

A esperança de possuir terras próprias parecia distante. Os lotes prometidos eram quase sempre montanhosos, cheios de pedras e difíceis de cultivar. Cada clareira exigia semanas de esforço para ser aberta. As árvores, com raízes profundas, resistiam ao machado. O solo, quando exposto, revelava-se úmido demais em alguns pontos e árido em outros. Antonio, o mais velho, mantinha o grupo unido com sua disciplina. Gabriele, mais robusto, assumia as tarefas mais duras, sustentando a família com a força dos braços. Ernesto, ainda jovem, sofria mais com a adaptação; o clima sufocante, as febres e o trabalho exaustivo punham em risco sua saúde frágil.

Ao redor deles, repetia-se a mesma história. Centenas de famílias vindas da Itália enfrentavam os mesmos desafios: casas de madeira improvisadas, trabalho pesado para o governo, doenças que se espalhavam como incêndios. Muitos não resistiam. Alguns, desesperados, tentavam regressar, mas quase todos estavam presos pela falta de recursos. A travessia de volta custava mais do que a ida, e a pobreza tornava impossível a fuga.

Com o tempo, os irmãos Bellatto tomaram posse de suas tão sonhadas terras que juntas, unidas lado a lado, cobriam uma extensa área de floresta. Aprenderam a sobreviver. Descobriram plantas medicinais com os indígenas da região, caçaram animais menores, plantaram pequenas roças de milho e batata-doce. A cada ano, uma nova clareira era aberta. O cansaço acumulava-se, mas também crescia a sensação de pertencimento. A floresta, antes inimiga, começava a se transformar em lar.

A religiosidade sustentava-os nas horas de desespero. Aos domingos, caminhavam longas distâncias para assistir à missa em capelas improvisadas. Nessas reuniões, reencontravam outros conterrâneos, trocavam notícias e dividiam sofrimentos. As preces eram ditas com fervor, e as lágrimas que escorriam durante os cânticos falavam de saudade, mas também de esperança.

Os anos passavam, e a promessa de prosperidade permanecia incerta. O governo continuava a usar imigrantes como mão de obra barata para abrir estradas e construir ferrovias, e os colonos lutavam para transformar lotes inóspitos em campos produtivos. Muitos desistiram, outros morreram, mas os Bellatto resistiram e tornaram-se ricos agricultores.

A trajetória deles não foi de conquistas grandiosas, mas de persistência silenciosa. Antonio envelheceu curvado pelo machado e pela enxada, mas orgulhoso de ter mantido os irmãos unidos. Gabriele criou raízes na terra, adaptando-se à nova vida até tornar-se parte dela. Ernesto, embora frágil, encontrou forças para seguir, ajudando a família com o que podia. Nenhum deles voltou à Itália. O sonho de retorno esvaiu-se com os anos, substituído pela certeza de que sua vida agora pertencia ao Brasil.

A saga dos três irmãos confundiu-se com a de milhares de outros italianos que atravessaram o oceano naquele final de século. Não construíram palácios, nem acumularam riquezas, mas deixaram na terra sul-rio-grandense o rastro de sua luta. Cada clareira aberta, cada pedaço de estrada, cada colheita arrancada da mata foi parte de uma epopeia coletiva.

Sob o céu ardente de Santa Maria da Boca do Monte, os irmãos Bellatto transformaram sofrimento em resistência. Foram pioneiros de uma terra que os recebeu com dureza, mas que acabou por se tornar seu destino. Na memória das gerações que vieram depois, permaneceram como símbolos de coragem anônima, daqueles que ousaram trocar o certo pelo incerto, e que, entre perdas e cicatrizes, fincaram raízes no coração do Brasil.

Nota do Autor

A narrativa que o leitor acaba de conhecer é um resumo de um livro e foi inspirada em fatos reais do período da imigração italiana no Brasil, na segunda metade do século XIX. Os acontecimentos, os locais e as condições de vida descritos correspondem à realidade enfrentada por milhares de famílias que deixaram o Vêneto e outras regiões da Itália em busca de uma promessa de prosperidade nas terras brasileiras.

O ponto de partida desta história é uma carta autêntica, escrita em Santa Maria da Boca do Monte, em 1887, por imigrantes recém-chegados. Nela, relatavam com franqueza as dificuldades encontradas, os perigos da mata, o trabalho pesado e a decepção com as promessas não cumpridas. Essas cartas, ainda preservadas em arquivos e estudos históricos, revelam a dureza da vida dos primeiros colonos e sua luta constante entre esperança e desespero.

Para esta versão literária, os nomes originais foram substituídos por outros da mesma região de origem, a fim de proteger a identidade dos personagens e, ao mesmo tempo, preservar o valor universal de suas experiências. Assim nasceram os irmãos Bellatto, que representam tantos outros homens e mulheres anônimos que viveram dramas semelhantes.

Trata-se, portanto, de uma reconstrução literária baseada em documentos históricos, mas enriquecida por elementos narrativos que buscam transmitir a intensidade da vida cotidiana, a paisagem hostil do Brasil do século XIX e a dimensão humana da imigração. Nada aqui é invenção gratuita; ao contrário, tudo é fruto da realidade testemunhada pelos próprios imigrantes.

Esta é uma homenagem à coragem silenciosa daqueles que, com o coração dividido entre a saudade da pátria e a necessidade de sobreviver, escreveram com suor e lágrimas uma das páginas mais duras da história da imigração italiana no Brasil.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta