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sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Os Sonhos de Gianluca


 

Os Sonhos de Gianluca


Na Itália de 1887, Gianluca Pessina, um jovem agricultor em uma quase esquecida localidade de San Fiorenzo, na Toscana, vivia sob o peso insuportável da fome e da miséria. A terra que outrora pulsava vida, colorida com as tonalidades vibrantes de vinhedos e olivais, havia sido transformada por anos de estiagem implacável. O solo, antes fértil e generoso, agora não passava de um manto de pó estéril, rachado sob o sol abrasador. As colheitas, que em tempos passados garantiam sustento e alguma dignidade, tornaram-se um simulacro miserável de subsistência, mal permitindo à sua família enfrentar os dias.

A modesta propriedade dos Pessina, com seus campos ressequidos e muros de pedra gastas pelo tempo, recobertos por musgos espessos que delineavam os contornos das terras, erguia-se como um silencioso testemunho da decadência, um relicário da luta constante entre a esperança e a ruína. Gianluca percorria os campos diariamente, os olhos fixos no horizonte como se o próprio ato de encarar a vastidão pudesse trazer uma solução mágica para os problemas que os cercavam. Mas os dias se sucediam sem trégua, e o vazio em seus bolsos começava a refletir o vazio crescente no espírito.

Era nesse cenário que os rumores de uma terra distante, a América, ecoavam pelas ruas estreitas de San Fiorenzo. Sussurros escapavam das tabernas e dos mercados, carregados de uma promessa quase sobrenatural. Falavam de um continente onde os campos eram vastos e a terra tão fértil que o esforço humano era recompensado com fartura. Relatavam histórias de camponeses como ele, que deixaram para trás os grilhões da pobreza para se tornarem donos de suas próprias terras, senhores de um destino que parecia inalcançável em solo italiano.

Essas histórias, ora exaltadas com fervor, ora recebidas com ceticismo, chegavam a Gianluca como ventos inesperados, alternando entre a esperança e a dúvida. Ele não sabia ao certo se deveria confiar nessas promessas. Elas soavam como miragens que surgem no deserto, oferecendo um refúgio ilusório. Contudo, havia algo nelas que tocava um fio profundo em seu coração. Era uma esperança que não podia ser ignorada, uma força que se agarrava à alma mesmo quando a mente tentava resistir. Gianluca não sabia se a América era real, se era de fato um Éden ou apenas um sonho coletivo de um povo exausto. Mas a ideia de que poderia haver algo além da miséria cotidiana era poderosa demais para ser sufocada.

Em meio ao pó e à desolação, Gianluca sentia que a esperança era a única coisa que o mantinha em pé. Ela não alimentava seu corpo, mas sustentava sua alma.

Numa manhã de outono, envolta por uma neblina que pairava sobre as colinas de San Fiorenzo, Gianluca tomou a decisão irrevogável que alteraria o curso da história de sua família. Ao lado da esposa, Bianca, ele anunciou que a América não seria apenas um sonho distante, mas um destino concreto. Era uma escolha tanto de coragem quanto de desespero, movida pela necessidade de escapar de uma terra que já não lhes oferecia mais do que privações.

Com determinação silenciosa, Gianluca começou a vender os poucos bens que possuíam. A velha carroça, com seus eixos desgastados e tábuas rangentes, encontrou um comprador na vila vizinha, enquanto as duas galinhas, magras mas ainda valiosas, foram trocadas por algumas moedas e um saco de farinha para sustentar a família até a partida. Cada transação era acompanhada por um misto de alívio e melancolia. Esses objetos, por mais modestos que fossem, representavam anos de esforço e sacrifício, fragmentos de uma vida que agora ficaria para trás.

Com o dinheiro arrecadado, Gianluca caminhou até a agência de emigração mais próxima, localizada em uma cidade a quilômetros de distância. O trajeto foi longo e exaustivo, mas ele voltou com as passagens para o vapor La Spezia, um dos muitos navios que transportavam multidões de italianos em busca de um novo começo. O nome do navio parecia carregar uma promessa silenciosa de esperança e destino, uma ponte entre dois mundos.

Os dias que antecederam a partida foram marcados por uma mistura de ansiedade e nostalgia. Bianca, enquanto organizava os parcos pertences que levariam consigo, lutava contra a angústia de deixar para trás tudo o que conhecia. As paredes simples de sua casa, o cheiro familiar das oliveiras que cercavam o vilarejo, os vizinhos, que eram a sua família estendida e com quem compartilhavam os momentos de alegria e dor — tudo parecia ganhar um peso emocional insuportável. Ao mesmo tempo, o pensamento de um futuro melhor para os dois filhos, Matteo e Sofia, trazia-lhe forças para seguir adiante.

No dia da partida, o pequeno grupo seguiu em silêncio pela estrada de terra que levava à estação ferroviária. Matteo, de cinco anos, carregava uma trouxa contendo seus poucos brinquedos de madeira, enquanto Sofia, ainda no colo de Bianca, olhava ao redor com a curiosidade inocente de quem não entendia o significado daquela jornada. Gianluca, com o semblante marcado pela gravidade da responsabilidade, caminhava à frente, como um líder conduzindo sua família em uma travessia que era ao mesmo tempo física e espiritual.

O embarque no La Spezia, no porto de Gênova, foi um espetáculo caótico de despedidas e esperança. As docas fervilhavam de gente — famílias inteiras, carregando baús, sacos de comida e memórias. O navio, com seu casco escuro e chaminés altas, parecia tanto uma promessa de salvação quanto uma ameaça desconhecida. Gianluca segurava firme a mão de Matteo enquanto ajudava Bianca a subir a rampa de embarque. Cada passo parecia um adeus definitivo à velha vida e um salto para o desconhecido.

Ao cruzar o limiar do navio, o casal sentiu o coração dividido. A dor da partida era uma ferida aberta, alimentada pelo último vislumbre para o local onde possivelmente estavam as colinas de San Fiorenzo, agora apenas uma lembrança difusa nas suas mentes. Mas, à medida que o La Spezia começava a se mover, a promessa de um futuro distante — onde Matteo e Sofia pudessem crescer sem as sombras da fome e da miséria — tornou-se a única âncora de esperança a que podiam se agarrar.

O som das ondas contra o casco do navio misturava-se ao murmúrio constante dos passageiros, criando uma melodia de incerteza e expectativa. Gianluca e Bianca, de mãos dadas, mantinham-se juntos no convés, encarando o vasto mar que os separava de seu destino. A América ainda era um mistério, mas naquele momento, era também a única possibilidade de redenção.


A Travessia

A viagem no porão do La Spezia revelou-se uma verdadeira prova de resistência física e emocional. A escuridão era quase palpável, iluminada apenas por algumas lamparinas trêmulas que lançavam sombras distorcidas nas paredes de madeira. O espaço, exíguo e abafado, abrigava centenas de famílias que dividiam o chão frio com ratos e insetos. O ar era saturado pelo cheiro penetrante de sal, suor e comida estragada, uma mistura que parecia grudar na pele e nos pulmões.

Gianluca se esforçava para manter a sanidade e a esperança. Entre os gemidos de crianças doentes e o murmúrio incessante de preces em vários dialetos, ele concentrava-se em um único objetivo: proteger sua família. Matteo e Sofia, seus filhos, encontraram algum consolo nas histórias que ele contava sobre a nova terra. Mesmo que as palavras fossem pronunciadas em um tom baixo e hesitante, elas criavam um mundo de possibilidades para as crianças. Gianluca falava sobre campos verdejantes e uma colheita generosa, enquanto os olhos atentos de Matteo brilhavam com curiosidade, e Sofia, aninhada nos braços de Bianca, parecia momentaneamente tranquila.

Bianca, por sua vez, dedicava-se a preservar a dignidade da família em meio ao caos. Com uma pequena bacia de lata, ela lavava o rosto das crianças sempre que conseguia reservar um pouco de água limpa. Era um gesto simples, mas carregado de significado: um esforço para relembrar que, apesar das circunstâncias degradantes, ainda eram humanos, ainda possuíam um traço de orgulho que o oceano e a miséria não podiam apagar.

As noites no Atlântico, no entanto, eram implacáveis. Tempestades surgiam sem aviso, trazendo ondas que pareciam erguer o navio apenas para lançá-lo com violência contra o vazio do abismo. Dentro do porão, as pessoas agarravam-se umas às outras, tentando se equilibrar enquanto o navio balançava descontroladamente. O som das águas quebrando contra o casco misturava-se aos gritos de medo e às orações desesperadas.

Certa noite, enquanto o La Spezia enfrentava uma tormenta particularmente feroz, Gianluca ergueu os olhos para o teto de madeira, onde a água infiltrava-se em gotas geladas. O som das ondas parecia ecoar por todo o navio, um rugido constante que deixava claro o poder indomável do oceano. Ele sentia o peso da responsabilidade esmagando seus ombros. Naquele momento, porém, era impossível pensar no futuro — cada minuto exigia toda a sua energia apenas para sobreviver.

Os dias seguintes trouxeram uma calmaria inquietante, como se o mar houvesse exaurido sua fúria. Mesmo assim, a tensão no porão não diminuía. A escassez de comida e água tornava as pessoas mais agitadas. Crianças choravam de fome, e os adultos, com olhares vazios, sentavam-se em silêncio, poupando forças. Gianluca começou a se perguntar se a América realmente existia ou se era apenas uma miragem coletiva que mantinha aqueles passageiros de pé.

Então, um dia, a monotonia da paisagem azul foi quebrada. Um grito veio do convés superior, e logo o rumor se espalhou: terra à vista. Gianluca subiu até o convés com Bianca e os filhos. O vento frio do mar golpeava seus rostos, mas eles mal perceberam. No horizonte, uma linha de terra se desenhava contra o céu cinzento. Não era a imagem idílica que Gianluca imaginara, mas, para ele, representava a sobrevivência, a promessa de que aquela jornada absurda e cruel não fora em vão.

No convés, a atmosfera mudou instantaneamente. Homens choravam em silêncio, as lágrimas traçando linhas claras em rostos encardidos pela fuligem e pela salmoura. Mulheres ajoelhavam-se para rezar, algumas beijando as tábuas do chão como se agradecessem ao próprio navio por tê-las trazido até ali. As crianças, com a curiosidade característica da infância, empurravam-se para tentar ver mais da terra que agora parecia tão próxima, mas ainda inalcançável.

Enquanto o La Spezia avançava lentamente em direção à costa, Gianluca sentiu um alívio que mal conseguia expressar. Ele segurou a mão de Bianca, sentindo a pele áspera e fria contra a sua. Não era a vitória que ele imaginara, mas era um começo. A América os esperava — e, com ela, todas as incertezas e promessas que o futuro podia oferecer.

O Novo Mundo

Nova York era uma colisão de mundos, um vórtice onde esperança e desespero coexistiam. Quando Gianluca e sua família desembarcaram em Ellis Island, foram imediatamente envolvidos por uma atmosfera de tensão e expectativa. As longas filas serpentinas eram um mosaico de rostos exaustos e ansiosos, cada um carregando o peso de um passado difícil e os sonhos de um futuro incerto. Funcionários uniformizados, com olhares clínicos e impassíveis, conduziam os imigrantes por uma série de inspeções. Gianluca sentiu o estômago apertar ao perceber que, para os recém-chegados, a América começava não com acolhimento, mas com um escrutínio implacável.

Os exames médicos foram meticulosos e desumanizantes. Homens, mulheres e crianças eram examinados como mercadorias. Matteo, o filho mais velho, foi retido por um médico que desconfiava de sua febre alta. Bianca apertou os braços do menino com força, os olhos fixos no semblante indiferente do examinador. Cada segundo parecia eterno, até que um aceno brusco permitiu que a família avançasse. Gianluca, aliviado, evitou olhar para os outros imigrantes que não tiveram a mesma sorte, conduzidos para longe com destinos incertos.

A travessia para o continente trouxe um misto de alívio e inquietação. Nova York, com suas ruas movimentadas e arranha-céus em construção, era um espetáculo vertiginoso. Mas não havia tempo para admiração. Gianluca soube, quase imediatamente, que as promessas que haviam alimentado sua jornada eram em grande parte ilusórias. A realidade era crua: empregos eram escassos e mal pagos, e as condições de vida, precárias.

Em Pittsburgh, ele encontrou trabalho como operário em uma fábrica de aço, onde o ambiente era brutal. As fornalhas cuspiam um calor insuportável, e a fuligem enegrecia tudo ao redor, inclusive os pulmões dos trabalhadores. Gianluca suportava jornadas extenuantes, seus músculos protestando sob o peso de barras de metal e ferramentas. O suor escorria em rios por seu rosto, misturando-se com a poeira, e o som incessante de martelos e máquinas era ensurdecedor. Não havia espaço para fraqueza; um ritmo constante era exigido, sob o olhar vigilante de supervisores que tratavam os homens como engrenagens descartáveis de uma máquina gigantesca.

Bianca, por sua vez, encontrou trabalho em um pequeno ateliê de costura, onde mãos habilidosas transformavam tecidos ásperos em roupas finas destinadas a uma elite que ela jamais conheceria. O pagamento era uma miséria, e o trabalho, incessante. Ela costurava até os dedos ficarem dormentes, sentindo cada ponto como uma luta contra o tempo e a fome. A comida era racionada com cuidado, e mesmo assim parecia insuficiente. A escassez, que esperavam deixar para trás na Itália, agora os acompanhava no novo continente.

As noites eram momentos de silêncio pesado, em que os dois raramente trocavam palavras. O cansaço físico e emocional era um fardo que os unia e, ao mesmo tempo, os isolava. Gianluca sentia uma ironia amarga ao refletir sobre sua situação: na Itália, haviam sonhado com a América como uma terra de fartura; agora, lutavam para sobreviver em um lugar onde o trabalho os esmagava e a promessa de abundância se mostrava distante.

Aos domingos, o único dia de folga, Gianluca observava Matteo e Sofia brincando em uma viela atrás da pensão em que viviam. As risadas infantis, embora raras, ofereciam um breve consolo. Mas o barulho de um trem passando ao longe, carregando carvão e aço, era um lembrete constante de que, para eles, o sonho americano ainda não passava de um horizonte inalcançável. Bianca, com o olhar perdido, fazia pães improvisados com farinha barata, sua mente dividida entre a lembrança dos campos de San Fiorenzo e a dura realidade da cidade industrial.

A América, percebeu Gianluca, não era o paraíso prometido, mas um campo de batalha. Cada dia era uma luta para preservar a dignidade, manter a esperança e resistir à tentação de desistir. Enquanto ele olhava para as chaminés da fábrica que se estendiam até o céu, cobertas de fuligem, uma determinação silenciosa crescia dentro dele. Se a América os recebera com portas estreitas, ele estava disposto a forçá-las abertas, um esforço de cada vez.

A Virada

Após dois anos de trabalho implacável e sonhos desvanecidos, a monotonia da luta diária foi rompida por um vislumbre de possibilidade. Gianluca cruzou o caminho de Enrico, um homem cuja presença trazia uma energia peculiar em meio à desolação. Enrico era um imigrante italiano como ele, mas suas palavras eram carregadas de algo raro naquele ambiente opressivo: otimismo. Ele falava sobre o Brasil, um lugar que soava quase mítico. Enrico mencionava as colônias italianas no interior, especialmente na Serra Gaúcha, com um fervor que fazia Gianluca se agarrar a cada detalhe.

Os relatos eram vívidos. Enrico descrevia extensões de terra fértil onde os imigrantes cultivavam vinhedos que prosperavam sob um clima generoso, reminiscente das encostas ensolaradas da Itália. Era uma vida difícil, mas cheia de propósito. Ele falava de famílias que haviam começado do zero e, com o tempo, construíram não apenas sustento, mas também comunidades inteiras, onde o idioma, os costumes e a culinária italianos eram preservados como um tesouro compartilhado. Naquele pedaço de terra distante, parecia possível resgatar algo perdido, algo que o próprio Gianluca mal se permitia sonhar: dignidade.

As palavras de Enrico plantaram uma semente no coração de Gianluca. Ele retornou à pensão carregando consigo uma inquietação crescente. Naquela noite, enquanto a fumaça de uma lamparina tremeluzia no pequeno quarto que compartilhavam, o pensamento não o abandonou. Ele revivia a descrição da Serra Gaúcha, as fileiras de vinhas verdejantes contrastando com o azul do céu, como um eco da Itália, mas em um cenário onde o futuro parecia, enfim, tangível.

A decisão de partir novamente não foi imediata. Gianluca ponderou os riscos com cuidado, pois agora carregava não apenas os próprios sonhos, mas também as esperanças de Bianca, Matteo e Sofia. Ele sabia que a jornada para o Brasil seria tão incerta quanto a que os trouxera à América. O oceano, com suas tempestades impiedosas, precisaria ser cruzado mais uma vez. Além disso, havia o custo. Após anos de trabalho árduo, os dólares economizados eram escassos e valiam cada gota de suor derramado nas fábricas de Pittsburgh e nas horas intermináveis no ateliê de Bianca.

Apesar de tudo, a ideia de permanecer nos Estados Unidos, presos a um ciclo exaustivo que pouco recompensava seus esforços, era insuportável. O desgaste físico e emocional não era apenas uma sombra em seus rostos; era uma presença constante que ameaçava apagar qualquer fagulha de esperança. Gianluca sabia que, se continuassem naquele caminho, a chama que os mantinha em movimento poderia se extinguir.

Com os poucos recursos que tinham, começaram a planejar. Gianluca vendeu os modestos móveis da pensão, enquanto Bianca, determinada, economizava até o último centavo no mercado e nas costuras. O processo era lento e doloroso, cada moeda guardada simbolizando um sacrifício que parecia mais pesado por causa do incerto futuro.

Enfim, o dia chegou. As passagens para o Brasil foram compradas, cada bilhete representando não apenas uma nova jornada, mas um novo capítulo. Quando o vapor que os levaria ao sul atracou no porto, Gianluca sentiu um misto de ansiedade e expectativa. Na plataforma, segurando firmemente a mão de Bianca, ele olhou para o navio. Não era apenas um meio de transporte; era a ponte entre o desespero e a esperança.

Embora a América tivesse lhes ensinado lições duras, Gianluca partia com algo mais valioso: a resiliência que apenas a adversidade pode cultivar. Desta vez, ele prometeu a si mesmo, não deixaria a promessa de um novo mundo permanecer apenas no horizonte.

O Recomeço

Em 1884, após semanas de uma travessia extenuante e dias de estrada por terra, Gianluca e sua família chegaram ao Rio Grande do Sul, ao coração das colônias italianas. A paisagem que os recebia era ao mesmo tempo assustadora e inspiradora: uma vasta extensão de mata fechada, densa e quase impenetrável, que parecia guardar segredos antigos. Para os recém-chegados, no entanto, ela representava algo mais tangível — a promessa de uma nova vida, embora o custo fosse o suor e o sangue derramados na tarefa de transformá-la.

A realidade nas colônias revelou-se rapidamente. Gianluca trocou o calor das fornalhas das fábricas americanas pelo trabalho árduo de abrir caminho em uma terra selvagem. Com o machado em mãos, ele desferia golpes na madeira maciça, cada um reverberando como um desafio à natureza que parecia relutante em ceder. Os cortes nas mãos eram inevitáveis, os calos se multiplicavam, e o cansaço nunca o abandonava. Ainda assim, havia algo de diferente naquele esforço. Pela primeira vez em anos, Gianluca sentia que estava construindo algo que realmente lhe pertencia.

Bianca não ficava atrás. Entre a costura incessante e os cuidados com os filhos, agora três — o pequeno Giuseppe nascera durante a viagem —, ela equilibrava as obrigações domésticas e o apoio ao marido. Seus dias começavam antes do amanhecer, com o fogo aceso no fogão à lenha, e terminavam à luz trêmula de uma lamparina, com agulha e linha em mãos. Embora a carga fosse imensa, Bianca encontrava força no sorriso dos filhos e na visão de Gianluca voltando do trabalho, exausto, mas determinado.

A luta diária era compartilhada por todos na colônia. Os vizinhos, igualmente imigrantes, formavam uma rede de apoio e solidariedade, trocando conhecimentos e ajudando uns aos outros nos momentos mais difíceis. A construção de um sentido de comunidade ajudava a aliviar a saudade da Itália, embora esta nunca abandonasse completamente seus corações. Aos poucos, os italianos transformavam a paisagem, substituindo a floresta por campos cultivados e pequenas vinhas que pareciam promessas verdes contra o fundo marrom da terra revolvida.

O primeiro ano foi o mais árduo, mas também o mais transformador. Sob os cuidados atenciosos de Gianluca, as videiras começaram a brotar, frágeis a princípio, mas resistentes como os que as plantavam. Cada pequena folha que despontava era motivo de celebração discreta, um símbolo de que o esforço não era em vão. A paciência tornou-se a maior virtude, pois a terra, embora generosa, exigia tempo para retribuir o trabalho investido nela.

Quando a primeira colheita finalmente chegou, a emoção tomou conta de Gianluca. Ele observava as uvas penduradas nas vinhas com um misto de orgulho e gratidão, como se cada cacho fosse um testemunho das batalhas que havia enfrentado. O processo de transformação das uvas em vinho foi rudimentar, mas carregado de significado. Enquanto esmagava as frutas com cuidado, Gianluca não pôde deixar de se lembrar das vinícolas da Toscana, de sua infância em San Fiorenzo, onde o aroma do mosto fazia parte da memória coletiva.

O momento culminante chegou ao provar o primeiro vinho. Bianca, segurando um copo simples, levou-o aos lábios com hesitação e, ao sentir o sabor, seus olhos brilharam. Aquele vinho, ainda jovem e imperfeito, carregava algo que nenhuma safra americana ou qualquer terra estrangeira poderia oferecer: a essência de casa, o retorno simbólico a uma identidade que haviam temido perder. Aquele sabor era mais do que um prazer — era uma vitória, um sinal de que haviam começado a reconstruir o que a vida lhes roubara.

Embora a estrada à frente continuasse cheia de desafios, Gianluca e Bianca, pela primeira vez em muitos anos, sentiam que estavam no caminho certo. A colônia tornava-se um reflexo de sua resiliência, e a cada safra, a cada passo adiante, eles se aproximavam de um futuro que, finalmente, parecia estar ao seu alcance.

Epílogo

Os Pessina se consolidaram como pilares de uma nova colônia italiana, onde a terra, embora bruta e indomável, oferecia aos seus habitantes uma chance de renascimento. Gianluca, com o tempo, tornou-se uma figura central na comunidade. Sua experiência nas lutas iniciais fez dele uma fonte de sabedoria para outros imigrantes, que chegavam em busca de orientação e coragem. Ele ensinava a arte de preparar o solo, de cuidar das vinhas jovens, de persistir mesmo diante de frustrações inevitáveis. Em suas mãos calejadas, os novatos encontravam confiança, e em seus olhos, a determinação de quem já atravessara os mais difíceis mares.

Bianca, por sua vez, tornou-se o coração pulsante da colônia. Ela liderava as mulheres na criação de uma rede de apoio que transcendia as barreiras linguísticas e culturais. Costuravam juntas, trocavam receitas, cuidavam das crianças umas das outras, transformando as dificuldades diárias em laços que fortaleciam a comunidade. O pequeno Giuseppe, junto com Matteo e Sofia, cresceu testemunhando o esforço incansável dos pais, absorvendo, quase por osmose, a noção de que o trabalho e a solidariedade eram os pilares de qualquer conquista.

Os anos passaram, e o progresso chegou à colônia. A mata cedeu espaço a vilarejos ordenados, e os vinhedos tornaram-se um marco de prosperidade. As festas comunitárias celebravam não apenas as colheitas, mas a vitória coletiva sobre as adversidades. Gianluca e Bianca viam, com orgulho silencioso, as crianças que antes corriam entre as vinhas se tornarem adultos responsáveis, integrando-se ao ciclo de crescimento da comunidade. As sementes que haviam plantado, tanto no solo quanto no espírito daqueles que os rodeavam, floresceram de formas que eles jamais poderiam imaginar.

Mesmo na velhice, Gianluca nunca abandonou o campo. Embora o corpo já não tivesse a mesma força de outrora, ele se recusava a ser apenas um espectador da vida. Caminhava entre as fileiras de videiras, inspecionando os frutos, orientando com palavras precisas aqueles que agora assumiam as rédeas do trabalho. Ele compreendia que seu legado ia além do vinho ou da terra cultivada; estava na perseverança que havia inspirado, na coragem que ajudara a cultivar.

Bianca, ao seu lado, envelheceu com a mesma graça resiliente que sempre a caracterizara. Mesmo enquanto os cabelos embranqueciam e os passos se tornavam mais lentos, sua presença irradiava a força tranquila de quem nunca se curvou diante das tempestades da vida. As noites eram frequentemente passadas ao redor da lareira, com os netos atentos às histórias que os avós contavam, fascinados pelos relatos de travessias oceânicas, batalhas contra a floresta e a construção de uma nova vida.

Quando o ciclo da vida se completou para Gianluca, ele partiu em paz, cercado por sua família, sua obra mais grandiosa. Os campos que uma vez foram selva agora prosperavam, e as gerações que o sucederam mantinham viva a chama do sonho que ele e Bianca haviam perseguido. As videiras, com suas raízes profundas e galhos robustos, tornaram-se o símbolo duradouro de uma jornada de sacrifício e redenção. A colônia que os Pessina ajudaram a construir tornou-se uma comunidade vibrante, marcada pelo espírito de união e pela força de seus pioneiros.

Nos anos que se seguiram, os descendentes de Gianluca mantiveram viva sua memória. Os vinhos produzidos na terra que ele cultivou eram mais do que uma bebida; eram uma celebração de uma história de coragem, de escolhas difíceis e de sonhos realizados. A cada taça, as pessoas brindavam não apenas à colheita, mas à prova viva de que, mesmo nos momentos mais sombrios, há sempre uma luz para aqueles que ousam acreditar.


Nota do Autor


Embora os personagens e suas histórias sejam frutos da imaginação criativa deste autor, o enredo de Os Sonhos de Gianluca está profundamente enraizado em eventos e contextos históricos rigorosamente pesquisados. A trajetória da imigração italiana no século XIX, as condições duras da vida rural na Itália, a árdua travessia pelo Atlântico, e os desafios enfrentados nas colônias do sul do Brasil refletem a realidade vivida por milhares de famílias.

Este romance busca dar voz e forma à experiência humana por trás dos registros históricos, transformando dados e fatos em uma narrativa vívida que pretende honrar a coragem, a esperança e a resiliência daqueles que ousaram buscar um futuro melhor. Através de uma pesquisa cuidadosa em arquivos, relatos e documentos da época, o autor procurou recriar o ambiente, o espírito e os dilemas que marcaram a vida dos imigrantes, conferindo à ficção uma base sólida na verdade histórica.

Assim, Os Sonhos de Gianluca convida o leitor a mergulhar não apenas em uma saga familiar, mas também no amplo cenário das transformações sociais e humanas que moldaram uma era, preservando a memória daqueles que, mesmo diante das adversidades, nunca desistiram de sonhar.

Dr. Piazzetta

terça-feira, 24 de junho de 2025

A Saga de Carlo e Sofia: Imigrantes Italianos na Argentina

 



A Saga de Carlo e Sofia 
Imigrantes Italianos na Argentina


Em 1878, na pequena localidade de Jesus Maria, localizada na província de Córdoba, Argentina, acabava de chegar um jovem casal de imigrantes italianos, Carlo e Sofia Ricci. Eles deixaram sua amada terra natal na Itália em busca de uma nova vida em terras distantes e promissoras. Sua história começa com um misto de desejo de aventura e de explorar horizontes além das fronteiras conhecidas, mas, principalmente da necessidade de deixar para trás aquela miséria crônica que os cercava desde a infância, de abandonar uma Itália sem futuro, que não era nem capaz de oferecer um posto de trabalho digno para sustentar a família. Milhares de outros italianos já tinham partido, emigrado para outros países vizinhos ou do outro lado do oceano  e outros milhares, de norte ao sul da península, aguardavam uma oportunidade para também seguirem o mesmo caminho.

Carlo, um homem de espírito indomável e grande ambição, escolheu embarcar nessa jornada ao lado de sua amada esposa, Sofia. A cansativa viagem pelo mar não foi isenta de desafios, mas eles nunca perderam a esperança. Ao longo de quase quarenta dias de viagem e 8 dias de paradas, enfrentaram o mal-estar do mar e muitas incertezas, mas finalmente chegaram sãos e salvos a Buenos Aires, Argentina, em 1º de março.

A aventura deles não parou por aí. Após uma rápida estadia na hospedaria em Buenos Aires, foram levados  para a província de Córdoba, para a quase pedida localidade de Caroya. Rodeada por altas montanhas e habitada por uma maioria de indígenas, pessoas humildes e generosas, essa localidade esquecida parecia prometer uma vida melhor para Carlo e Sofia. Lá, o casal fez amizade com outros imigrantes italianos, alguns provenientes de lugares próximos à sua terra natal e outros do sul do país. Esses encontros fortuitos fortaleceram seu senso de comunidade e solidariedade, formando laços que durariam por muito tempo.

Carlo e Sofia estavam determinados a construir uma vida próspera na Argentina. Iniciaram a construção de sua casa, unindo forças para fazer tijolos e coletar materiais locais. Sua casa seria um lar acolhedor para eles e para a família que esperavam construir.

Descobriram que o solo na Argentina era fértil e rico em recursos agrícolas. Essa descoberta os motivou a começar a cultivar a terra ao redor e a criar uma nova vida baseada na agricultura. As promessas de abundância de alimentos e a oportunidade de possuir terras sem ter que pagá-las imediatamente eram fonte de grande entusiasmo para o jovem casal.

Enquanto Carlo e Sofia se adaptavam à sua nova vida, participavam também das atividades  religiosas e festivas  locais. Esses eventos festivos os ajudaram a mergulhar na cultura argentina e a sentir um vínculo cada vez mais forte com sua nova pátria.

A vida deles na Argentina era dura e permeada de inúmeros desafios. Tinham que lidar com a saudades da sua vila natal, a grande distância de suas famílias na Itália, mas a esperança de uma vida melhor os mantinha unidos e firmes no propósito de vencer. Enquanto não tomava posse de um lote de terra, Carlo trabalhava arduamente no campo como peão, ganhando um salário de 70 francos por mês, além de alojamento e alimentação, enquanto Sofia cuidava da casa e mais tarde dos filhos.

Seus dias eram simples e cheios de trabalho árduo, mas estavam repletos de esperança para o futuro. Com o tempo, o casal teve a alegria de formar uma família, enquanto Carlo ganhava o respeito da comunidade local por seu trabalho sério e dedicado.

À medida que Carlo e Sofia mergulhavam nas complexidades da vida argentina, suas experiências se entrelaçavam com os altos e baixos da nação em crescimento. A família crescia, os campos prosperavam, mas desafios inesperados testavam sua resiliência. Uma reviravolta inesperada trouxe à tona dilemas éticos e decisões difíceis, desafiando os alicerces da vida que construíram.

A comunidade de Caroya tornou-se palco de eventos que ecoariam através das gerações, moldando não apenas a história de Carlo e Sofia, mas também o destino da localidade. Suas contribuições se tornaram um legado, um testemunho da força do espírito humano e da capacidade de construir algo duradouro em terras estrangeiras.

No entardecer de suas vidas, Carlo e Sofia olhavam para trás, contemplando uma jornada que transcendeu as fronteiras da Itália e se entranhou nas raízes da Argentina. Seus descendentes celebravam não apenas a coragem de um casal, mas a herança de uma família que floresceu em solo argentino.

A história de Carlo e Sofia permaneceu viva nas tradições familiares, nas ruas de Caroya e nos corações daqueles que aprenderam sobre sua saga. Uma história de amor, perseverança e construção de sonhos que resistiram ao teste do tempo, tornando-se uma narrativa eterna que ecoa como um lembrete inspirador de que, onde quer que as sementes da esperança sejam plantadas, raízes profundas podem se formar, criando um legado que transcende gerações.

Nota do Autor

"A Saga de Carlo e Sofia: Imigrantes Italianos na Argentina" é mais do que uma história de migração; é um tributo ao espírito humano que ousa sonhar além das fronteiras e superar as adversidades. Inspirada por relatos históricos e enriquecida pela imaginação, esta narrativa busca retratar a coragem de homens e mulheres que deixaram sua terra natal em busca de um futuro melhor, enfrentando desafios que testaram sua resiliência e moldaram seu caráter.

Carlo e Sofia representam muitos dos imigrantes italianos que, no final do século XIX, contribuíram para o desenvolvimento social, cultural e econômico da Argentina. A força do amor, o trabalho incansável e a capacidade de adaptação são elementos centrais que nos mostram como vidas ordinárias podem produzir feitos extraordinários.

Esta obra é uma homenagem aos pioneiros que, como Carlo e Sofia, deixaram um legado duradouro não apenas para suas famílias, mas também para a sociedade que os acolheu. É um convite para refletir sobre a universalidade dos sonhos e a importância de preservar e celebrar as histórias que nos conectam às nossas raízes e nos inspiram a olhar para o futuro com esperança.





sábado, 26 de abril de 2025

Da le Tere Vècie de Vicenza: Na Stòria de Superassion e Speransa ´ntel Brasile


Da le Tere Vècie de Vicenza: Na Stòria de Superassion e Speransa ´ntel Brasile


Nte la Colònia Dona Isabel, ntel 1885, Pietro Ferranesi, de 42 ani, lu el zera un òmo de poche parole e tanta determinassion. Quando el ze rivà al porto del Rio de Janeiro, con el so mòier Caterina e i tre fiòi picolini, no gaveva gnanca idea de quel che i li aspetava ´ntela Colonia Dona Isabel, che se catava ´ntel cor del Rio Grande do Sul. La so strada fin là la ghe volèa qualcossa de setimane de viàio in altra nave, fin al porto de Rio Grande. Dopo qualche zorni de aspeta, un´altra olta in barcheti a vapor el doveva traversar la Lagoa dos Patos fin la capitale, Porto Alegre, sensa desbarcar, e da sto posto, con el stesso barco, salìr su par el fiume Caí par sei o sete ore fin a Montenegro, el punto pì vissino del destino: la Colónia Dona Isabel, che incòi la ze Bento Gonçalves. Una volta rivà a Montenegro, dopo un zorno de riposo, lori i continuava a piè o in groppa de mulo fin al posto ndove se trovava la colónia tanto sonià.

El viàio traverso l'oceano, la ga durà 40 zorni a bordo dela grande nave a vapor Giulio Cesare, la zera stà duro, pien de malatie e insertesse, ma quel el zera sol el prinsìpio de uns sfìda ancora pì grande.

Quando el ga leso la lètara de so zio Giovanni Ferranesi, che el se gaveva sistemà in Brasile ani prima, Pietro el gaveva alimentà la speransa de na vita miliore. "Ghe ze tere fèrtili qua, ma ghe vole coràio. Vegni, la colónia la ga bisogno de zente lavoradora come voi", che diseva la lètara. Sta promessa la gaveva dà forsa al spìrito de Pietro, anca quando el ga vendù el so toco de terren drio Vicenza e el ze partì par lo sconossuo, lassando drio amighi, parenti e la so tera cara ndove el ga nassesto.

Dopo el desbarco a Montenegro, la strada fin la Colónia Isabel la zera stà na odissea. Sensa risorse, la famèia la ga dovù caminar su par strade strete e fangose, inseme ad altri poari emigranti che i gaveva lo stesso destin. Par quasi do zorni, Pietro e Caterina i ga dovù tagiar la foresta con el manarin par far strada. La note, i piantava acampamenti improvisà soto i àlbari giganteschi, ndove Caterina, anca straca morta, la preparava pasti con el poco che i gaveva.

Finalmente, i ze rivà ´ntela colònia e i ga trovà Giovanni e la so famèia, che i ghe ga dà un abrasso con le làgrime su l’oci. Ma la gioia del rivar la ze stà sparì presto con la dura realtà: el teren destinà a lori el zera montagnoso e pien de foresta spessa. “Ghe vol pì de forsa fìsica par far de sta tera na casa,” che pensava Pietro.

I primi mesi i ze stà brutai. Pietro el ga scominsià a taiar àlbari, a construir na cabana rudimentària e a piantar sorse e fasòi. Caterina la se ocupava dei fiòi e lei ancora aiutava el marì ´ntela fatica. La foresta la pareva magnar la picola radura che i gaveva fato, ma Pietro, con l´ aiuta de Giovanni, el continuava a libarar la tera.

Le dificultà le ze stà tante: malatie come la febre tifoide le meteva a risco i fiòi, e la nostalgia de la Itàlia la pesava su el cor. Pietro el soniava speso con i campi verdi de la so tera natal, ma quando vardava i fiòi che i zocava intorno a la cabana la ghe dava bruta forsa.

Do ani dopo, Pietro el ga vardà i fruti del so lavor. Le sorze le ze cressù alte, e i porseleti che el alsava i ghe dava sustento e scambio con la comunità. El ga imparà dai vissini a piantar ua, na tradission che lori i gaveva portà da la Italia. El primo vin, anca se rudimentar, la ze stà un motivo de orgòio par la famèia.

La pìcola colónia la gaveva scominsià a prosperar, e Pietro el ze diventà un leader de la comunità taliana. El ga organisà lavori in comun par far nove strade e el ga costruì, inseme ai vissini, na cesa che la ze diventà el cuor spiritual de la colónia.

Nel 1895, un dessénio dopo el so rivar, la Colónia Dona Isabel la gaveva siapà forma. Pietro e Caterina i gaveva trasformà un peso de foresta vèrgine in una colónia produtiva. I fiòi, che ormai i zera zòveni, i li aiutava ´ntel lavor e i soniava de ingrandir i vigneti de la famèia.

Pietro el saveva che no el saria mai tornà in Itàlia, ma el capiva che el so vero legado no el se catava ´ntela tera che el gaveva lassà, ma in quela che el gaveva costruì par el futuro de la so famèia.
Ntela piassa sentral de la colónia, un marco de piera la ga portà ´na frase de Pietro par render omàio a i pionieri:

“La tera no ze nostra; semo noi che femo parte de lei, e con el nostro sudor la diventa na casa.”
I Ferranesi, come tanti altri emigranti, i gaveva trovà in Brasile no solo na nova vita, ma un propòsito che el ze andà oltre le generassion.

Nota de l'Autore

"Da le Tere Vècie de Vicenza: Na Stòria de Suprassion e Speransa ´ntel Brasile" la ze un romanso inspirà da le dificoltà e i sòni de tanti taliani che i ga lassià le so radise par sercar na vita nova ´nte le terre brasiliane al fin del Ottocento. Anca se i eventi, i personagi e le situassion ghe ze inventà, le emossion e le sfide descrite le rapresenta la realtà de tanti emigranti.

Sto libro el vole ricordar la forza, la determinassion e la speransa de quei che i ga traversà l’osseano, lassando drio le sue tera, ma portando con lori la cultura, la tradission e l’amor par la famèia. Ghe voleva coraio par afrontar un destino sconossùo, ma sto coraio el ze el vero protagonista de sta stòria.

Pietro Ferranesi e la so famèia, anca se invéntai, i xe sìmboli de quei che, con sudor e sacrifìssio, i ga trasformà foreste in vigne, lontan de i paeseti de Vicenza che lori i gaveva lassà. La so stòria la parla de sopravivensa, perseveransa e comunion, ndove ogni conquista la ze stà condivisa con chi che ga partissipà a sto viaio de vida.

Me auguro che sto libro el trasporte chi che lese a un tempo de grande resiliensa e transformassion. Che el possa inspirar riflession sul peso de le radise e sul valore de costruir un futuro.

Con i pensieri e gratitudene a tuti quei che i ga fato sta stòria possìbile,

Dotor Piazzetta



segunda-feira, 31 de março de 2025

A História de Giuseppe Mezza: Uma Jornada de Vignolo à América


 


A História de Giuseppe Mezza: Uma Jornada desde Vignolo à América

Giuseppe Mezza nasceu em Vignolo, na província de Cuneo, no ano de 1898. Ele cresceu em uma família de agricultores que viviam nas colinas da região. Aos dezoito anos, foi convocado para o serviço militar e enviado para o front de batalha no Trentino, junto com as tropas alpinas, durante a Primeira Guerra Mundial. Após o término da guerra, Giuseppe foi designado para servir em Fiume, Província de Pordenone, no Friuli Veneza Giulia, onde participou das operações para conter D’Annunzio e, em seguida, foi enviado à Sérvia como parte do corpo expedicionário italiano. Após anos de serviço militar, Giuseppe finalmente retornou para casa em outubro de 1921.
Já estando afastado há tempos do mundo agrícola, Giuseppe decidiu embarcar em uma nova jornada em 1922, rumo à América. Três de seus irmãos já haviam migrado antes dele: um para Chicago e dois para San Francisco. Giuseppe partiu com mais oito jovens de sua cidade natal, todos veteranos de guerra. Eles foram encaminhados para Genova por uma agência de emigração e embarcaram no navio “Cristoforo Colombo” da Navigazione Generale Italiana em 9 de setembro de 1922. A embarcação fez uma parada em Nápoles para embarcar mais emigrantes e então seguiu para Nova York, onde chegaram em 20 de setembro.
Na entrevista de imigração, Giuseppe relatou  que possuía 80 dólares e estava a caminho de São Francisco, onde seu irmão Maurizio vivia já há alguns anos. Ele foi submetido a exames médicos em Ellis Island e admitido sem problemas, mas enfrentou dificuldades ao viajar de trem pelo interior dos Estados Unidos, já que não falava inglês. Ele dizia mais tarde, quando se referia a essa experiência, que viajar sem conhecer a língua de um país é como estar morto.
Quando finalmente chegou a São Francisco, felizmente encontrou seu irmão na estação. Começou a trabalhar em uma fábrica de papel e, mais tarde, conseguiu emprego em um restaurante. Essa época coincidiu com os conturbados anos da Lei Seca, quando era proibido o consumo de bebidas alcoólicas no país e Giuseppe sempre comentava com os amigos que sempre havia algumas maneiras de se ganhar dinheiro, mas era um negócio arriscado. Ele tinha a preocupação com a possibilidade de ser deportado com desonra.
Em 1932, durante a Grande Depressão, Giuseppe decidiu retornar temporariamente à Itália com as economias que havia acumulado. Sua intenção era casar-se e começar uma família, enquanto esperava que a situação nos Estados Unidos melhorasse antes de retornar definitivamente. Logo após seu retorno, Giuseppe conheceu Maria, uma jovem de sua cidade natal de Vignolo, com quem se casou.
Nos anos que se seguiram, Giuseppe e Maria tiveram oito filhos. A vida de Giuseppe tomou um rumo completamente diferente do que ele havia planejado enquanto estava na América, mas, por outro lado, encontrou alegria e satisfação em sua nova vida como pai e marido. Ele compartilhava com seus filhos as histórias emocionantes de suas aventuras nos Estados Unidos, enquanto trabalhava duro para sustentar a crescente família como agricultor em suas amadas colinas de Vignolo.
Os filhos de Giuseppe cresceram ouvindo as histórias de seu pai sobre a América, e eles sonhavam com a possibilidade de um dia visitar aquele país distante. Enquanto a América continuava a ser um sonho distante para eles, a família Mezza construiu uma vida feliz e unida em Vignolo, apreciando as tradições italianas e a solidariedade da comunidade local.
Giuseppe passou o resto de sua vida cultivando os seus parreirais, criando seus filhos com amor e compartilhando histórias de suas experiências na América. Ele se tornou uma figura querida na comunidade, conhecida por sua sabedoria e generosidade. Embora nunca tenha retornado aos Estados Unidos, Giuseppe encontrou a verdadeira riqueza na sua família e nas relações que construiu em sua cidade natal.
Giuseppe Mezza faleceu no final dos anos setenta, deixando para trás uma família unida e uma rica narrativa de aventuras e desafios superados, que continuaram a ser contadas pelas gerações seguintes.



sábado, 22 de março de 2025

La Zornada dei Fradèi Morette: Italiani che i ga Vinto a San Paolo


 

La Zornada dei Fradèi Morette: 

Italiani che i ga Vinto a San Paolo


Intel 1878, verso la fin del sèculo XIX, inte na pìcola vila de le pianure de Mantova, in Lombardia, Itàlia, i fradèi Giuseppe e Angelo Morette i passava i so zorni a aiutar i zenitori a coltivar la picolina proprietà rural de la famèia. La vita, anca se tranquila, no la dava segnali de portar miglioramento ´ntele condission finansiare de quei pòveri contadin. Anca se el pare el fusse proprietàrio de quel tereno pìcolo, eredità dai so antenati, e anca se i fusse in situassion mèio de tanti altri abitanti del posto, no i zera imuni a quel che stava sussedendo in tuta l’Itàlia, soratuto dopo l’unificassion del paese in un regno ùnico. La levassi contìnua dei pressi dei prodoti che i ghe voleva comprar, spinti da na inflassion crónica, insieme a la creassion de nove tasse e, soratuto, la forte concorensa con i grani importà, i rendeva insostenibile continuar quel laoro in agricoltura, zà considerà sensa futuro par i pìcoli produtori. Le frustrassion dopo le racolte, par via dei cambiamenti del clima, i agravava la situassion anca ´nteia campi de la Lombardia. Tanti altri produtori rurai, anca pì afortunà de lori, i gaveva zà vendù le so proprietà e i zera partì in emigrassion par altri paesi, sia quei visin de l’Itàlia che, soratuto, par la lontana Amèrica. El desidèrio de miliorar la vita, de scapar da quela mancansa de prospetive e l’anelo de aventura i zera scriti ´ntei so cuori. Intel 1893, spinti da le stòrie de sussesso in Brasil contà con emossion ´ntele lètare che le rivava dai emigranti, Giuseppe, che l’era el fradèl pì vècio, e Angelo, el pì novo, lori i ga deciso de ‘mbarcarse in na zornada insserta. Con la benedission dei genitori, i ga lassà la so famèia, sperando che la promessa de quele tere lontane e oportunità le ghe ricompensasse. Ai genitori i ga assicurà che, na volta sistemà in Brasil, i ghe mandaria schei par i bilieti par lori venir a trovarli. 

Dopo un longo viàio, pien de trambusti, che l’ha durà un mese, lori i ze rivà ´ntel interno de lo stato de San Paolo, ndove i ga scomenssià la vita in na tera foresta. Pian pian, con tenassità, lori i ga costruo le so vite in solo brasilian. Con i pochi schei che el pare ghe gaveva dà, Giuseppe el se ga aventurà ´ntel comèrssio local, verzando na pìcola botega par vender sechi e moià, che la ze diventà na referénssia in sità. Pì tarde, el ga anca investìo in na matonaria, fabricando matoni e tègole par sodisfar i bisogni de na sità che la cresseva sempre. Angelo, invesse, el ga vardà na oportunità ´nte la creassion e slevamento de porsèi, che el ingrassava e vendeva a na fàbrica de salami e sonza de na sità visina. Le so atività le ga contribuìo tanto par el sgrandimento de l’economia local. Dopo sinque ani, come che i gaveva promesso, i ga mandà schei ai genitori, che dopo i ze vegnù a star in Brasil. Intel 1913, Giuseppe, oramai sposà e pare de sei fiòi, el ga deciso de far un viàio de ritorno in Itàlia par incontrar parenti e amici che i viveva ancora là. Purtropo, la so vìsita la ze stà coincisa con l’inisio de la Prima Guera Mundial, e el ze stà recrutà, lassando la so famèia e el so comèrssio. El ga podù tornar in Brasil solo intel 1919, ndove el ze stà ricevù con gioia da la moglie e dai fiòi, includendo el so sètimo fiol, che par sto motivo el se ciamava Settimo, che el gaveva ancora da conosser.

Ntei ani dopo, Giuseppe el ga fato pì viài in Itàlia, na dei quali insieme al fiol pì vècio Attilio, che lu el ze restà in penìnsola par tre ani, assorbendo la cultura dei so antenati. Purtropo, in del 1930, na tragèdia la ga colpìo la famèia Morette, quando Angelo el ze morto presto, lassando la so mòie e sete fiòi. La famèia la se ga unìo par superar la dificoltà, mantenendo la eredità de laoro duro e perseveransa lassà da Angelo. Incòi, i dissendenti dei fradei Giuseppe e Angelo Morette i ze sparsi in vàrie sità dei stati de San Paolo e Paraná, mantenendo vive le tradission e le stòrie dei so antepassà italiani, che i ga lassà el so segno ´ntela stòria de la region.


quinta-feira, 13 de março de 2025

La Stòria de Giuseppe Mezza: Na Zornada da Vignolo fin in Amèrica

 


La Stòria de Giuseppe Mezza: Na Zornada da Vignolo fin in América


Giuseppe Mezza lu el ga nassesto a Vignolo, ´nte la provìnsia de Cuneo, ´nte’l ano 1898. Lu el ze cressesto ´nte na famèia de contadin che vivea su per i cole de la region. A desoto ani, el ga siapà su par el servisio militar e mandà al fronte de la guera in Trentino, insieme con le trope alpine, ´ntel perìodo de la Prima Guera Mondial. Finida la guera, Giuseppe lu el ze stà mandà a Fiume, provìnsia de Pordenone, in Friuli Veneza Julia, par partessipar a le operassion de fermar D’Annunzio e dopo lu el ze stà mandà in Sèrbia con el corpo espedissionàrio italiano. Dopo ani de servisio militare, Giuseppe lu el ze finalmente tornà a casa in ottobre del 1921.

Da tanto che el zera lontan dal mondo de la tera, Giuseppe el ga decidì de partir par na nova aventura in 1922, andando fin in Amèrica. Tre de so fradèi i zera za emigrà prima de lu: un a Chicago e do a San Francisco. Giuseppe lu el ze partì insieme con oto zóvani de so paese, tuti veterani de guera. Lori i ze mandà a Génova da na agensia de emigrassion e i ze imbarcà sul vapor “Cristoforo Colombo” de la Navigasione Generale Italiana, el 9 settembre del 1922. El barco el se ga fermà a Napoli par siapar su altri passegièri, tuti emigranti come lori e dopo el ze rivà a Nova York, el 20 setembre.

Inte la intervista de imigrassion, Giuseppe el ga deto che el gaveva 80 dolari in scarssea e che el zera direto a San Francisco, ndove so fradel Maurizio el zera za sta par diversi ani. Lu el ga passà i controli mèdici a Ellis Island sensa problemi, ma lu el ga trovà dificoltà a viaiar con el tren intel interior de i Stati Uniti, parchè no el savea parlar inglés. El disea dopo, cuando el contava ste aventure, che viaiar sensa saver la léngua de un paese la ze come èsser morto.

Quando finalmente el ze rivà a San Francisco, so fradel el zera là a spetàrlo in stassion. Giuseppe el ga tacà a laorar in na fàbrica de carta e, dopo, el ga trovà un posto in un ristorante. El perìodo el ze coincidente con i ani turbolenti de la Lege Seca, quando el consumo de àlcool el zera proibì ´ntel paese. Giuseppe el contava sempre che ghe zera tanti modi par far qualche soldo, ma che el zera anca na roba periculosa. El gavea sempre paura de poder èsser deportà con desonor.

In 1932, intel perìodo de la Grande Depression, Giuseppe el ga decidì de tornar temporalmente in Itàlia con le economie che el gavea messo via. So intenssion la zera de sposarse e far na famèia, mentre che el spetava che la situassion intel Stati Uniti la migliorasse prima de tornar. Pochi mesi dopo el so ritorno, Giuseppe el ga conossù Maria, na zóvane de so paese de Vignolo, e i se ga sposà.

Intei ani che se seguì, Giuseppe e Maria i ze avù oto fiòi. La vita de Giuseppe la ga tacà un viàio diverso de quel che ´l gavea pensà quando el zera ancor in Mèrica, ma, de l’altra banda, el ga trovà giòia e sodisfassion inte la so nova vita come pare e marìo. El racontava ai so fiòi le stòrie emossionanti de le so aventure ´ntel Stati Uniti, mentre che’l laorava sodo par mantegner la famèia che cressseva su per i so amati col de Vignolo.

I fiòi de Giuseppe i ze cressiù sentindo le stòrie del pare su l’América, e i ghe soniava de un dì poder vardar quel paese lontan. Mentre che l’Amèrica restava un sònio lontan par lori, la famèia Mezza la ga costruì na vita felice e unida in Vignolo, apresando le tradission italiane e la solidarietà de la comunità local.

Giuseppe el ga passà el resto de la so vita curando le so vigne, criando i so fiòi con amore e contando stòrie de le so esperiense ´ntel Stati Uniti. El ze diventà na figura benvoluta ´ntel paese, conossù par la so saguessa e generosità. No’l ze mai tornà ´ndrio in Amèrica, ma Giuseppe el ga trovà la vera richessa ´ntela so famèia e ´ntele relassion che’l gavea costruì ´ntel so paese nadal.

Giuseppe Mezza l’è morto verso la fin de i ani setanta, lasciando drio na famèia unida e na rica stòria de aventure e sfide vinte, che le ze restà racontà par le generassion sussessive.



terça-feira, 27 de agosto de 2024

A Jornada de uma Família de Rovigo na 4ª Colônia Italiana do RS

 



No final do século XIX, a Itália enfrentava tempos difíceis. A fome, a pobreza e a falta de perspectivas atormentavam as famílias, especialmente no norte do país, na região do Vêneto. Foi em meio a esse cenário que Giovanni e Maria R., um casal de agricultores da pequena vila de Villanova del Ghebbo, na província de Rovigo, decidiram buscar uma nova vida. Com seus oito filhos, eles embarcaram em uma jornada que mudaria suas vidas para sempre, rumo ao Brasil.

Giovanni R. era um homem forte e determinado, de mãos calejadas pelo trabalho no campo. Maria, sua esposa, era uma mulher de espírito resiliente, conhecida por sua bondade e dedicação à família. Juntos, enfrentaram anos de dificuldades em Rovigo, mas quando a crise atingiu seu ápice, decidiram que era hora de partir, não queriam deixar como herança para os filhos a mesma miséria em que sempre viveram. Abandonar a terra natal não foi fácil; a despedida da casa onde nasceram e dos amigos de infância trouxe lágrimas e um peso no coração. Mas o desejo de oferecer um futuro melhor para os filhos foi mais forte.

Com uma mala cheia de poucas roupas e muitas esperanças, a família R. embarcou no porto de Gênova rumo ao Brasil. A viagem seria muito longa e cansativa, mas Giovanni e Maria estavam dispostos a enfrentar qualquer adversidade pela promessa de uma vida melhor.

O navio que os levaria ao Brasil era o Ester, uma embarcação repleta de outros imigrantes italianos, todos com histórias semelhantes. Durante a travessia, o casal enfrentou dias de mar agitado, noites sem dormir e o medo constante de doenças que rondavam o navio. Maria cuidava dos filhos com todo o carinho, enquanto Giovanni fazia amizade com outros homens que, como ele, sonhavam com a nova terra.

Os filhos, apesar do desconforto, mantinham o espírito jovem e aventureiro, maravilhados com a imensidão do oceano e as histórias que ouviam dos outros passageiros. A cada dia que passava, a Itália ficava para trás, mas o futuro ainda era incerto.

Após quase dois meses de viagem, finalmente avistaram o porto de Rio Grande, no sul do Brasil. A emoção tomou conta de todos, mas também o temor do desconhecido. Giovanni e Maria sabiam que a jornada estava longe de terminar. Depois de uma breve estadia em Rio Grande, onde ficaram provisoriamente abrigados em barracões de madeira esperando a chegada dos pequenos vapores fluviais, a família R. seguiu para o interior, rumo à Colônia de Silveira Martins, também conhecida como a 4ª Colônia Italiana do Rio Grande do Sul. Seguiram pela Lagoa dos Patos, passando pela capital do estado Porto Alegre e subindo as correntezas do Rio Jacuí até a cidade de Rio Pardo.

O caminho até Silveira Martins foi longo e árduo. A pé e em grandes carroças puxadas por bois, cruzaram estradas de terra, estreitas, verdadeiras picadas, chegando na localidade de Val del Buia, enfrentando o frio das serras e as dificuldades de comunicação com os brasileiros locais. No entanto, cada passo era um passo mais perto de sua nova vida. Após mais quinze dias, finalmente chegaram ao barracão que os abrigaria até a distribuição dos lotes de terra.

Ao chegarem à colônia, foram recebidos por outros italianos que já haviam se estabelecido na região. Giovanni e Maria ficaram impressionados com a beleza da paisagem, mas também perceberam que teriam que recomeçar do zero. O barracão que os abrigou era simples, feito de madeira, mas oferecia abrigo. Com o tempo, construíram uma simples choupana no lote a eles designado e, após roçarem uma pequena parte do terreno, iniciaram o primeiro plantio, como faziam em Rovigo, semeando milho, trigo e plantando algumas mudas de parreiras, que haviam trazido de casa.

Os dias eram longos e o trabalho, extenuante, mas Giovanni e Maria sempre encontravam forças um no outro e na esperança de um futuro melhor para seus filhos. Os oito jovens R. logo se adaptaram à nova vida, ajudando no campo, cuidando dos animais e aprendendo, na medida do possível, a língua portuguesa com algumas crianças locais.

Os primeiros anos foram difíceis. As doenças, a distância da família que ficou na Itália e a saudade dos entes queridos pesavam no coração de Maria. Giovanni, por sua vez, lutava contra o isolamento e a solidão das vastas terras. Mas a comunidade italiana em Silveira Martins era unida, e juntos, enfrentaram as dificuldades.

Com o tempo, a colheita começou a dar frutos, e a família R. começou a prosperar. Giovanni e Maria viram seus filhos crescerem fortes e saudáveis, adaptando-se à nova vida. A fé e a tradição italiana permaneceram vivas em seus corações, e as festas religiosas, como a Festa de San Giuseppe, eram momentos de celebração e lembrança da terra natal.

Décadas depois, a família R. se tornou uma das mais respeitadas na colônia de Silveira Martins. Giovanni e Maria envelheceram vendo seus filhos se casarem, terem filhos e prosperarem. A casa simples se transformou em uma propriedade próspera, e o nome R. passou a ser sinônimo de trabalho árduo e superação.

Giovanni, ao olhar para os campos que agora produziam fartura, lembrava-se dos dias em Rovigo, das mãos calejadas e das noites em que ele e Maria se preocupavam com o futuro. A Itália ainda estava em seu coração, mas ele sabia que o Brasil havia se tornado sua verdadeira casa.

Maria, por sua vez, mantinha viva a memória de sua terra natal através das histórias que contava aos netos, das canções italianas que cantava nas noites frias e da comida que preparava com tanto carinho. O sabor da polenta, do pão caseiro e do vinho feito em casa trazia um pouco da Itália para a nova geração.

Giovanni e Maria R., como muitos outros imigrantes italianos, foram pioneiros que ajudaram a construir o Rio Grande do Sul. Suas vidas foram marcadas pela saudade, pelo sacrifício e pela superação, mas também pelo amor, pela fé e pela esperança.

A história da família R. é a história de milhares de italianos que encontraram no Brasil uma nova pátria, sem nunca esquecer suas raízes. Hoje, seus descendentes mantêm vivas as tradições italianas, celebrando a cultura que Giovanni e Maria trouxeram consigo e que floresceu em solo brasileiro.


sexta-feira, 10 de maio de 2024

Entre Ruínas e Renascimentos: A Jornada de Marietta



No pequeno município de Segusino, situado entre o Monte Grappa e costeando a margem esquerda do Rio Piave, a vida sempre foi tranquila para Marietta e sua numerosa família. Filha de Giacomo e Maria Augusta, Marietta era a terceira de oito irmãos, cercada pelo afeto de sua família e pela presença reconfortante da nona Chiara, que aos 76 anos ainda irradiava sabedoria e amor. No entanto, a paz que conheciam foi abruptamente interrompida com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, que trouxe destruição e desolação à sua querida Segusino. O conflito deixou cicatrizes profundas na terra e na alma dos habitantes locais. Após a guerra, Marietta testemunhou a triste cena de sua comunidade despedaçada, forçada a deixar seus lares em busca de abrigo em cidades ao sul da Itália. Enquanto seus irmãos e irmãs optavam por permanecer nas terras devastadas, Marietta, então com 30 anos, decidiu trilhar um caminho diferente. Com coragem e determinação, Marietta reuniu suas poucas economias, e, com a ajuda preciosa de seus pais e irmãos, adquiriu as passagens de navio. Com o coração cheio de esperança, ela embarcou em uma jornada incerta rumo ao Brasil, buscando um novo começo em terras distantes. Acompanhada por antigos vizinhos, Marietta deixou para trás as ruínas de seu lar e partiu para uma terra promissora, onde os raios do sol pareciam sussurrar promessas de oportunidades e renovação.
Ao chegar ao porto de Santos, Marietta contemplou as vastas possibilidades e desafios que aguardavam sua chegada. Orientada por uma amiga de longa data, que emigrou com os pais e já residia em São Paulo desde os tempos anteriores à guerra, ela tomou o trem em direção à grande cidade, pronta para começar uma nova jornada. Sua amiga a ajudou a encontrar uma pensão não muito cara para morar, proporcionando-lhe um ponto de partida seguro para iniciar sua nova vida na metrópole. 
Com suas habilidades de costura, refinadas pela avó em sua cidade natal, Marietta encontrou uma oportunidade valiosa em uma renomada fábrica de roupas em São Paulo. Seu talento excepcional logo se destacou, tornando-a uma parte indispensável da equipe. Suas mãos habilidosas transformavam tecidos em obras de arte, enquanto ela se integrava harmoniosamente ao ritmo frenético da produção. Determinada a prosperar, Marietta não se contentava apenas com o emprego diurno; à noite, dedicava-se incansavelmente ao seu modesto ateliê na pequena peça, onde costurava e remendava roupas com habilidade e paixão. Cada ponto era uma contribuição para o seu sonho, cada peça restaurada uma pequena vitória. Com determinação inflexível, ela economizava cada centavo, consciente de que cada sacrifício era um investimento em seu futuro brilhante. Mesmo sua máquina de costura era alugada, pois ainda não tinha recursos para adquirir uma própria, mas isso não a detinha em sua busca pela independência e sucesso.
Com o passar dos anos, Marietta ganhou reputação como uma costureira habilidosa, conhecida pela qualidade de seu trabalho. Sua clientela cresceu, e ela finalmente pôde comprar sua própria máquina de costura, um símbolo tangível de sua independência e sucesso. 
No entanto, o destino reservava mais surpresas para Marietta. Aos 40 anos, quando menos esperava, ela encontrou o amor nos braços de Giovanni, um viúvo respeitado na comunidade italiana de São Paulo. Com mais de duas décadas de experiência como comerciante de tecidos, Giovanni compartilhava não apenas a herança italiana de Marietta, mas também a determinação de construir uma vida melhor no Brasil. 
Seis meses após seu primeiro encontro, Marietta e Giovanni se casaram em uma cerimônia simples, mas repleta de amor e esperança. Enquanto os raios dourados do sol se derramavam sobre o jardim onde a cerimônia acontecia, Marietta e Giovanni, rodeados pela fragrância das flores em plena floração, uniram seus destinos em frente aos olhos ternos de seus familiares e amigos. Entre os presentes estavam os três filhos de Giovanni, já adultos e casados, que testemunharam com gratidão e felicidade o novo capítulo na vida de seu amado pai. Com sorrisos radiantes e abraços calorosos, eles celebraram a união de Giovanni e Marietta, reconhecendo a beleza do amor que transcende fronteiras e adversidades. Enquanto a música suave embalava a atmosfera, as vozes dos convidados se uniram em alegres felicitações, ecoando o sentimento de esperança e renovação que permeava o ar. 
Marietta e Giovanni, mãos entrelaçadas e corações repletos de promessas, olharam para o horizonte com otimismo, sabendo que estavam prontos para enfrentar juntos tudo o que o futuro reservava. Com solidariedade e determinação, eles se uniram, fortalecendo-se mutuamente para enfrentar os obstáculos que surgiriam em seu caminho. Além disso, para aumentar a sua alegria, Marietta não hesitou em dividir suas esperanças com sua irmã mais nova, enviando-lhe as passagens para que pudesse se juntar a ela no Brasil e compartilhar os desafios e as alegrias de construir uma nova vida em terras estrangeiras. Assim, a história de Marietta se torna um testemunho de coragem, perseverança e amor, uma jornada que começou entre as ruínas de um passado doloroso e floresceu em um futuro cheio de promessas e felicidade.


quarta-feira, 3 de abril de 2024

A Jornada de Matteo de Assisi para o Brasil

 


Nas montanhas verdejantes que circundavam a pitoresca vila não longe de Assisi, na região da Umbria, a parte central da Itália, nasceu Matteo, filho de Giovanni e Maria. Era uma manhã ainda fria de primavera quando ele veio ao mundo, envolto nas esperanças e nas expectativas de seus pais, que há muito tempo trabalhavam na terra fértil da região.
Desde os primeiros momentos de sua vida, Matteo foi imerso na beleza rústica e na simplicidade da vida campestre. Cresceu entre os campos ondulantes de oliveiras e vinhas, respirando o ar fresco das montanhas e ouvindo os cânticos dos pássaros que pairavam nos céus azuis.
Seu pai, Giovanni, era um mezzadro respeitado na comunidade, um homem que dedicava suas horas ao trabalho árduo nos campos em troca de uma modesta parcela de terra para cultivar. Sua mãe, Maria, era o coração do lar, uma mulher forte e amorosa que cuidava da casa e dos filhos com dedicação inabalável.
Matteo cresceu rodeado pelo calor da família e pela solidariedade dos vizinhos. Na pequena vila natal, próxima de Assisi, onde todos se conheciam pelo nome e compartilhavam alegrias e tristezas, ele encontrou um senso de pertencimento que moldaria sua visão de mundo nos anos seguintes.
Enquanto o tempo passava, Matteo testemunhava as estações mudarem, cada uma trazendo consigo suas próprias bênçãos e desafios. Ele aprendeu com seu pai os segredos da terra, trabalhando lado a lado nos campos desde tenra idade, enquanto absorvia as histórias e os ensinamentos dos mais velhos na vila.
No entanto, mesmo em meio à tranquilidade da região, Matteo não conseguia ignorar as histórias de parentes e amigos que partiram em busca de oportunidades além-mar. A situação economica da Itália no pós guerra impedia o desenvolvimento e a criação de novos postos de trabalho para uma população que crescia nas cidades pelo abandono do campo. Embora seu coração estivesse profundamente enraizado na terra que o viu nascer, ele sabia que o mundo além das montanhas guardava segredos e possibilidades desconhecidas.
E foi assim que, apesar de sua resistência inicial, Matteo se viu confrontado com uma escolha difícil em 1924, quando a Itália ainda estava se recuperando da guerra, uma série de más colheitas e dificuldades financeiras assolaram sua família e muitos outros na vila. A tentação da emigração tornou-se irresistível, e junto com outras famílias da província, Matteo embarcou em uma jornada incerta em direção ao Brasil, deixando para trás as colinas verdejantes e os laços de sangue que o ligavam à sua terra natal.
Após desembarcar no Porto do Rio de Janeiro, Matteo se encontrou diante de uma paisagem completamente diferente daquela que deixara para trás na Itália. As ruas movimentadas, os sons estridentes e a mistura de culturas o deixaram maravilhado e um pouco atordoado. No entanto, ele sabia que ali estava apenas o início de uma nova jornada.
Ao chegar em Santos e subir a Serra do Mar até São Paulo, Matteo contemplou as vastas plantações de café que se estendiam pela região, compreendendo a magnitude da economia cafeeira que impulsionava o estado. Em São Paulo, ficou tentado a se estabelecer na cidade, seduzido pela promessa de oportunidades infinitas, mas o convite de seu amigo de infância o levou a seguir rumo ao interior até Ribeirão Preto.
Ao chegar em Ribeirão Preto, Matteo imergiu profundamente no universo da construção civil. Seu domínio das técnicas de alvenaria, cultivado desde a infância enquanto auxiliava um tio em suas empreitadas, rapidamente o destacou pela destreza e dedicação. Logo, viu-se envolvido em projetos audaciosos e desafiadores, contribuindo para erigir os fundamentos de uma cidade em pleno crescimento.
Enquanto se entregava ao trabalho árduo durante o dia, Matteo mergulhava de corpo e alma na riqueza da cultura brasileira durante suas horas de folga. Determinado a se integrar completamente, ele dedicou-se a aprender o idioma local, imergindo em festas tradicionais e estabelecendo laços de amizade que transcendiam fronteiras. Foi em uma dessas celebrações que o destino o presenteou com Giulia, uma mulher cativante, cujas raízes italianas ecoavam as suas próprias. O amor entre eles floresceu de forma arrebatadora e rápida, guiando-os a decidir, em pouco tempo, unirem-se em matrimônio.
Com Giulia como sua companheira, Matteo descobriu uma fonte renovada de motivação para alcançar o sucesso. Unidos, eles ergueram sua morada e deram vida a uma família. Matteo persistiu em sua jornada na construção civil, eventualmente fundando sua própria empresa, que ascendeu para se tornar uma das mais conceituadas da região. Enquanto isso, Giulia dedicava-se incansavelmente ao lar e aos filhos, espelhando a mesma devoção e amor que ele testemunhara em sua própria mãe.
Ao longo dos anos, Matteo testemunhou o florescimento de Ribeirão Preto diante de seus olhos, como um jardim que desabrochava com o tempo. Novas ruas foram meticulosamente pavimentadas, imponentes arranha-céus ergueram-se majestosos onde outrora se estendiam campos abertos, e a cidade transformou-se em um polo econômico vital na região. Enquanto isso, seus filhos foram criados imersos na rica herança italiana que Matteo trouxera consigo, mas também absorveram avidamente as oportunidades oferecidas pelo Brasil em constante evolução.
Matteo, agora idoso, contempla o passado com um coração transbordando de gratidão pela jornada que o conduziu até este ponto. Ele se regozija com o trabalho árduo que desempenhou, com as memórias preciosas que acumulou ao longo dos anos e com a família que teve a honra de construir ao lado de Giulia. Embora as montanhas verdejantes da Umbria permaneçam como um cenário nostálgico em sua mente, ele reconhece plenamente que encontrou um novo lar, uma nova pátria, e uma vida repleta de realizações e significado no caloroso coração do Brasil.