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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Cesare Petruzzio – Das Vinhas de Vittorio Veneto às Matas do Rio Grande do Sul


Cesare Petruzzio – Das Vinhas de Vittorio Veneto às Matas do Rio Grande do Sul


Nascido em 1860, em Manzana, um pequeno vilarejo encravado nas colinas do comune de Vittorio Veneto, no coração da província de Treviso, Cesare Petruzzio cresceu cercado pelo verde profundo dos vinhedos, que se estendiam como tapetes sobre o relevo ondulado da região. Cada parreiral parecia carregar não apenas uvas, mas também a memória de gerações de famílias que ali haviam trabalhado a terra com mãos calejadas e esperanças silenciosas. Era uma vida marcada pelo labor incessante, pelo ritmo das estações e pelo peso das tradições que moldavam cada escolha, cada gesto.

Filho de meeiros, Cesare aprendeu desde cedo que a terra, embora bela e fértil, também podia ser implacável. O trabalho na vinha, os invernos rigorosos e as promessas nunca cumpridas da unificação italiana deixavam marcas profundas na pele, no corpo e no espírito. As palavras sobre progresso e justiça, que chegavam em folhetos ou discursos pomposos, eram como nuvens passageiras: bonitas de longe, mas incapazes de aliviar a fome, a miséria e o cansaço que se acumulavam dia após dia.

À medida que crescia, Cesare sentia a esperança de um futuro melhor escapar-lhe entre os dedos, tão efêmera quanto o aroma das uvas maduras que enchiam o ar do vilarejo. As colinas do Vêneto pareciam silenciosas testemunhas de uma vida de sofrimento, onde cada família sustentava-se com esforço titânico, mas sempre à mercê do acaso e da injustiça. Mesmo assim, havia algo nos olhos de Cesare — uma inquietação silenciosa, uma chama que recusava-se a se apagar — que o tornava diferente daqueles que simplesmente aceitavam o destino. Ele começava a sonhar com horizontes que iam além das vinhas de Manzana, imaginando um mundo onde o trabalho árduo pudesse, enfim, ser recompensado.

Aos vinte e dois anos, Cesare começou a perceber que algo estava mudando em Manzana. Rumores viajavam de boca em boca, carregados pelo vento que descia das colinas e atravessava as ruas estreitas do vilarejo: falava-se de terras vastas e férteis, no outro lado do oceano, no Brasil, onde o solo era vermelho e abundante, onde a promessa de uma vida digna não se perdia entre decretos e promessas vazias. Diziam que o governo pagaria a passagem para quem quisesse tentar a sorte naquele Novo Mundo, que havia espaço para trabalhar, plantar e, finalmente, erguer uma casa própria sem depender de senhores de terras ou da generosidade de donos de vinhedos.

Cesare ouviu esses rumores nos campos, entre fileiras de uvas, e também nas conversas baixas das tabernas, onde homens envelhecidos falavam com os olhos cheios de nostalgia e desejo. Até os párocos começaram a encorajar a partida, dando bênçãos discretas aos que sonhavam em ir embora. Em suas pregações, a emigração era apresentada quase como um ato de coragem e dignidade, uma rebelião silenciosa contra um sistema que esmagava os pobres e reduzia famílias inteiras à submissão e à miséria. Alguns padres, de fato, partiam junto com suas comunidades, carregando livros de oração e esperanças renovadas, como se quisessem assegurar que ninguém seria deixado para trás na travessia.

Para Cesare, a ideia de emigrar provocava uma mistura de medo e fascínio. Partir significava abandonar tudo que conhecia: a casa de pedra da família, os vinhedos que haviam sustentado gerações, os amigos e os rituais que marcavam cada estação do ano. Mas também representava uma promessa de liberdade, de um espaço onde a vida pudesse ser moldada pelo próprio esforço, e não pelas regras rígidas de um sistema que parecia ter esquecido os que nasciam pobres. A decisão começava a crescer dentro dele, lenta e implacável, como as raízes das parreiras que ele aprendera a cultivar: silenciosa, mas impossível de arrancar.

Foi assim que Cesare, com os olhos ainda cheios de esperança e o coração apertado de saudade, embarcou na travessia do Atlântico acompanhado de seus pais, já envelhecidos, mas ainda vigorosos e determinados, e de seus irmãos e irmãs, cujas mãos jovens ainda brilhavam com o vigor da terra natal. Cada um carregava na bagagem sonhos, lembranças e o peso silencioso da partida, sabendo que jamais poderiam voltar da mesma forma que partiram.

O navio cortava as águas revoltas do mar, rangendo sob o peso de famílias inteiras, de barris de alimentos e de esperanças contidas em baús de madeira. As noites eram longas, escuras e agitadas pelo balanço constante das ondas, que pareciam sussurrar histórias de naufrágios e promessas quebradas. Cesare passava horas no convés, observando o horizonte infinito, tentando imaginar o novo mundo que se abria à sua frente, enquanto o cheiro de maresia e o murmúrio distante das estrelas lhe recordavam Manzana, suas colinas e os vinhedos que nunca mais veria.

A viagem era uma prova de resistência. Doenças, enjoo e o frio cortante das madrugadas no convés transformavam cada instante em um desafio, e ainda assim a família Petruzzio encontrava força na união e nos pequenos gestos de solidariedade com os outros imigrantes. Havia histórias contadas em sussurros, lágrimas silenciosas, risos nervosos e a constante esperança de que, do outro lado, a vida seria diferente — uma vida onde cada homem e cada mulher poderia finalmente decidir seu destino.

Após semanas que pareceram meses, o Atlântico enfim cedeu lugar às primeiras vistas de terra firme. Após o Rio de Janeiro, onde desembarcaram e apresentaram os documentos de viagem e depois foi a vez do Rio Grande do Sul se apresentar com seu solo vermelho, denso e fértil, cortado por rios e florestas que pareciam desafiar os recém-chegados. Silveira Martins, a colônia recém-fundada, aguardava Cesare e sua família com o mesmo misto de promessa e incerteza que tinha caracterizado toda a viagem. Cada árvore derrubada, cada pedacinho de terra conquistado da mata virgem seria um passo rumo a uma nova vida — e para Cesare, uma prova de que a coragem de deixar Manzana não fora em vão.

Lá, no coração da mata cerrada, onde a sombra das árvores se entrelaçava com o canto incessante dos pássaros e o rugido distante de rios turbulentos, começaria para Cesare uma verdadeira epopeia de resistência e esperança. Cada manhã trazia consigo o desafio da natureza indomável: chuvas torrenciais que transformavam o solo em lama escorregadia, dias de sol impiedoso que castigavam a pele e a energia, e insetos e animais desconhecidos que pareciam querer testar a coragem dos recém-chegados.

A cada árvore derrubada com machados pesados, a cada pedra removida da terra vermelha e densa, Cesare sentia crescer em si algo mais do que um lar; sentia erguer-se uma nova identidade, forjada no esforço, na coragem e na determinação. O suor misturava-se à terra, deixando marcas que não seriam apagadas, lembranças tangíveis de que cada passo dado, cada hectare conquistado, era uma declaração silenciosa de vida, de pertença, de resistência.

A vida na colônia não era apenas trabalho: era aprendizado constante, adaptação e descobertas. Cesare observava o ritmo das estações, a força do vento que soprava pela mata, o modo como a chuva escorria pelos troncos e riachos, e aprendia a respeitar a terra e a ouvir seus segredos. Havia noites em que, exausto, ele olhava para o céu estrelado e pensava na aldeia distante, em Manzana, nas vinhas que moldaram sua infância, percebendo que, embora tivesse deixado o Vêneto para trás, parte de sua alma continuava ali — mas agora se entrelaçava com a terra vermelha do Rio Grande, criando raízes novas, mais profundas e irrevogáveis.

Cada vitória, por menor que fosse — um canteiro limpo, um barraco erguido, a primeira colheita que despontava no solo conquistado — representava um passo na construção de um futuro que antes parecia impossível. E, no esforço coletivo dos imigrantes italianos, Cesare descobria que aquela terra estrangeira, dura e implacável, podia se tornar um lar não apenas de sobrevivência, mas de sonhos realizados, de memória preservada e de identidade reconstruída, tijolo por tijolo, árvore por árvore, gota de suor por gota de suor.

Essa é a história de um homem comum, Cesare Petruzzio, que, como milhares de seus conterrâneos, carregou no peito a saudade de uma terra distante e a esperança de um futuro ainda por escrever. Ele transformou a dor da partida — o adeus às vinhas de Manzana, às ruas estreitas de Vittorio Veneto, às famílias e amigos deixados para trás — em força, coragem e determinação para recomeçar em uma terra desconhecida.

Em Silveira Martins, cada pedra arrancada da mata, cada árvore derrubada, cada fileira de lavoura erguida com mãos calejadas contava a história de um povo que se recusava a sucumbir. Cesare aprendeu, dia após dia, que o trabalho árduo não era apenas um meio de sobrevivência, mas também uma forma de resistência silenciosa, uma maneira de reivindicar dignidade em um mundo que, tantas vezes, negava oportunidades aos humildes.

O passado de Vittorio Veneto nunca deixou de ecoar em sua memória — o perfume das uvas maduras, o som dos sinos da aldeia, a luz dourada que se espalhava pelas colinas ao fim de cada dia — mas essas lembranças não eram correntes que o aprisionavam; eram sementes que ele plantava em terras novas, fertilizando a identidade de uma vida reconstruída. Entre as roças vermelhas, os rios caudalosos e o horizonte infinito do Rio Grande do Sul, Cesare encontrou uma nova pátria, feita de suor, sonhos e comunidade.

E assim, a saga de um homem simples tornou-se um testemunho de coragem e persistência. Um relato de perdas irreparáveis, de batalhas diárias e de pequenas vitórias que, somadas, ergueram não apenas casas e plantações, mas uma nova história de esperança. Cesare Petruzzio não apenas sobreviveu — ele viveu plenamente, deixando um legado que atravessaria gerações, lembrando a todos que, mesmo diante do desconhecido e do impossível, o espírito humano é capaz de criar raízes e florescer, mesmo nas terras mais distantes e inesperadas.

Nota do Autor

A história de Cesare Petruzzio e de sua família é fruto da imaginação do autor, e todos os nomes citados foram criados para dar vida à narrativa. No entanto, a obra se baseia em fatos históricos reais, extraídos de cartas, registros e relatos de emigrantes italianos, cuidadosamente preservados em arquivos e museus do interior paulista. Essas cartas documentam a vida, os desafios e as esperanças daqueles que, no final do século XIX, deixaram suas terras natais no Vêneto em busca de um futuro melhor no Brasil.

Ao combinar pesquisa histórica com ficção literária, procurei recriar a atmosfera, os sentimentos e a coragem desses homens, mulheres e crianças que enfrentaram longas travessias, a dureza das matas e as dificuldades de uma terra desconhecida. A narrativa procura honrar a memória desses emigrantes, transformando suas experiências em uma história que, embora inventada em seus detalhes, reflete a verdade da coragem, da perseverança e do espírito de recomeço que marcou gerações de italianos no Brasil.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta



sábado, 9 de setembro de 2023

A Imigração Italiana e o Nascimento de Caxias do Sul no Rio Grande do Sul

Colônia Caxias em 1880

 


Foi sobretudo na América do Sul, e em particular no Brasil, que a emigração italiana produziu, sob a pressão das cada vez maiores ondas de chegadas de imigrantes italianos dos anos 1890, a propagação de dezenas de povoações que deram início às etapas da evolução normal de um tecido urbano, passando rapidamente de aglomerados de cabanas à cidades populosas e cheias de vida.



A cidade de Caxias do Sul em 1930



A cidade de Caxias do Sul, localizada no estado do Rio Grande do Sul, pode ser tomada como exemplo emblemático: em 1880, as primeiras casas de madeira parecem ser dominadas pelas grandes copas de árvores que sobreviveram ao desmatamento dos colonizadores; cercas improvisadas com troncos irregulares dominam as ruas esburacadas e lamacentas.



Colônia Caxias em 1884



Alguns anos depois, a fotografia já revela a presença de um projeto urbanístico específico: as casas, mais numerosas e bem conservadas, erguendo-se às margens de uma rua larga, a futura rua Julio de Castilhos.




Mapa da distribuição dos lotes na Colônia Caxias



Quando em 1913 Caxias foi reconhecida como cidade, já se apresentava como um núcleo estruturado, dentro do qual não é difícil imaginar o fervor das iniciativas e atividades, supervisionadas pelo imponente maciço da igreja matriz dedicada a Santa Teresa.


Colônia Caxias em 1890



Na década de 1920 a cidade se mostrava com ruas largas e bem cuidadas, onde os carros começaram a substituir as carroças e carruagens; a corrente elétrica anima lojas, palácios e residências que, com a pompa das fachadas, testemunham o nível de riqueza alcançado pela burguesia local.



Colônia Caxias



Em torno dos edifícios públicos a presença massiva de pessoas, por ocasião de celebrações religiosas ou civis, dá a medida da vitalidade e expansão contínua de uma cidade onde a presença e a cultura dos emigrantes venetos são cruciais.





sexta-feira, 1 de setembro de 2023

domingo, 16 de abril de 2023

Uma Epidemia: A História dos Imigrantes Italianos e a Luta Contra as Doenças a Bordo

 

Colônia Caxias em 1884


Giuseppe, um jovem italiano de 24 anos, decidiu deixar sua pequena cidade natal em busca de uma vida melhor na América. Junto com seus dois irmãos mais novos, acompanhados de outros amigos da mesma vila no interior da província de Treviso, embarcou em um navio no porto de Gênova, na Itália, em meados do ano de 1890.

A viagem através do oceano para a América foi uma aventura emocionante para o jovem Giuseppe, seus irmãos e companheiros de viagem. Empolgados pela aventura, eles estavam animados com a perspectiva de começar uma nova vida em um país desconhecido, mas, ao mesmo tempo, também bastante preocupados com os desafios que encontrariam.

O navio em que Giuseppe e seus companheiros viajavam era um velho cargueiro já prestes a ser aposentado, usado no transporte a granel de carvão, readaptado às pressas para o transporte de passageiros para aproveitar o boom da grande emigração. Era grande e espaçoso, com a antiga estiva, hoje salões, ainda cheirando carvão. Apesar das reformas as condições a bordo eram ainda bastante precárias. Como acontecia em quase todas as companhias de navegação italianas, apesar de proibido, havia sempre uma super lotação em todas as viagens, com os passageiros mal acomodados em catres beliches rústicos, distribuídos em longas fileiras nos grandes salões. A higiene deixava muito a desejar por falta de limpeza diária e de instalações sanitárias suficientes para todos. A água para higiene pessoal era também racionada, limitando a higiene daquela enorme quantidade de passageiros.  Apesar disso, os imigrantes italianos tentavam manter o ânimo e a esperança de dias melhores.
A viagem, com as suas dificuldades de alojamento seguia normalmente, quando após uma semana da partida, eclodiu uma forte epidemia de tifo que, apesar dos esforços da tripulação, rapidamente, se  espalhou pelo navio. A doença era bastante contagiosa e de transmissão oral, geralmente pela água ou os alimentos contaminados servidos a bordo. Ela se propagou com bastante velocidade, facilitada   pela falta de higiene, deixando muitos passageiros doentes e fracos, principalmente os mais velhos e as crianças. A tripulação do navio tentou isolar os doentes e cuidar deles da melhor forma possível, mas a situação logo ficou fora de controle. Giuseppe e os irmãos estavam entre os poucos passageiros que ainda não tinham sido afetados, assim se ofereceram para auxiliar. Ajudaram transportar os enfermos para uma área isolada do navio disponibilizada para esse fim. Fizeram o possível para aliviar o sofrimento deles. Giuseppe também ajudou a organizar o fornecimento de alimentos e água para os doentes, trabalhando incansavelmente para garantir que todos fossem atendidos. 
A epidemia continuou por duas semanas, e alguns passageiros não resistiram morrendo a bordo do navio. Giuseppe e seus irmãos lutaram bravamente para manter a esperança dos passageiros, mas a situação era muito grave. Em certo momento, Giuseppe esgotado também contraiu a doença e ficou doente. Ele começou a ter febre alta acompanhada de muita diarréia e vômitos, mas se recusou a desistir. Ele sabia que seus irmãos dependiam dele e que muitos passageiros estavam em situação ainda pior. Por sorte devido às boas condições de saúde a doença foi leve e em poucos dias estava bem melhor. À medida que a viagem se aproximava do fim, a epidemia foi diminuindo, graças aos esforços do jovem médico e do pessoal sanitário do navio. Muitos passageiros se recuperaram, mas três deles não tiveram tanta sorte, inclusive um amigo de Giuseppe. Finalmente, o navio chegou ao seu destino, no porto do Rio de Janeiro, mas a sonhada chegada não foi como eles imaginaram. As autoridades sanitárias do porto temiam a propagação da epidemia pela cidade e o navio foi colocado em quarentena. Giuseppe e os outros passageiros tiveram que permanecer a bordo por mais alguns dias antes de poderem desembarcar. Nem mesmo a tripulação teve permissão para deixar o navio. Quando finalmente puderam desembarcar, muitos dos passageiros estavam ainda fracos. As autoridades portuárias tiveram que tomar medidas especiais para garantir que a epidemia não se espalhasse pela cidade. Os passageiros  foram levados para o hospital da Hospedaria dos Imigrantes para a quarentena e receberem cuidados médicos. Giuseppe e seus irmãos foram examinados pelos médicos e, felizmente, foram considerados saudáveis ​​o suficiente para deixar o hospital. Eles foram liberados para continuar a viagem até o destino final que era a Colônia Caxias, no Rio Grande do Sul, onde já se encontrava um tio com a família, morando ali  há quase seis anos. Foi este mesmo tio, que já encontrava bem colocado, que escreveu chamando a família do pai deles para virem também para o Brasil. Como muitos outros imigrantes, eles enfrentaram inúmeras dificuldades, mas eles perseveraram e chegaram ao seu destino. A experiência no navio e a epidemia deixaram uma marca indelével nos três irmãos. Eles viram em primeira mão a importância da solidariedade e da empatia em momentos de crise. Eles também aprenderam a importância da higiene e da prevenção de doenças. Giuseppe e os irmãos também se estabeleceram na Colônia Caxias e, com a ajuda do tio, começaram a construir uma nova vida. Compraram lotes de terras, se casaram e  logo vieram os filhos. Os três começaram a plantar parreiras com as mudas que tinham trazido da Itália, ideia do tio. Foram bem sucedidos como agricultores e, alguns anos mais tarde com a comercialização do vinho que produziam. Jamais esqueceram aquela viagem difícil de navio e a epidemia que enfrentaram, nunca desistiram de suas esperanças e sonhos. Essa experiência ajudou a moldar as vidas dos imigrantes italianos que sobreviveram àquela  aventura. Eles enfrentaram inúmeras dificuldades no Brasil, mas perseveraram e construíram uma vida melhor para si e suas famílias. A história desses imigrantes italianos é um exemplo de como a coragem, a esperança e a resiliência podem ajudar a superar as adversidades.

Aquela viagem de navio de imigrantes italianos em 1879 foi uma experiência desafiadora e traumática para muitos. A epidemia que se espalhou pelo navio deixou muitos doentes e fracos e levou à morte de outros passageiros. No entanto, também foi um exemplo de coragem, empatia e solidariedade, mostrando a importância de cuidar uns dos outros em momentos de crise.



Texto
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS













sexta-feira, 10 de março de 2023

Morte e Superstições nas Colônias Italianas do Rio Grande do Sul

 



Nas colônias pioneiras de imigrantes italianos, a morte era vista como um evento temido e misterioso, cercado por uma série de superstições, pavores, medos, simpatias e práticas. A preparação dos falecidos antes do enterro era uma tarefa solene e sagrada, envolvendo rituais e crenças que se estendiam além da simples preparação do corpo.

Uma das superstições mais comuns era a crença de que a alma do falecido permaneceria no corpo até o momento do enterro, e por isso era importante garantir que o corpo fosse preparado com todo o respeito e cuidado. Acredita-se que a alma permaneceria presa ao corpo se alguma parte fosse danificada ou não fosse tratada adequadamente.

Para garantir que a alma do falecido pudesse descansar em paz, havia uma série de práticas que deveriam ser seguidas. Uma delas era a lavagem do corpo com água benta, para purificá-lo e afastar os espíritos malignos. O corpo também era vestido com roupas limpas e brancas, e coberto com um lençol também branco.

Outra crença popular era que as janelas da casa deveriam ser abertas no momento da morte, para permitir que a alma do falecido pudesse escapar livremente. Além disso, todos os espelhos da casa eram cobertos, para evitar que o espírito do falecido ficasse preso neles.

Durante o velório, muitas vezes havia um ritual de acender velas ao redor do corpo do falecido, simbolizando a luz que guia a alma em sua jornada para o além. O velório era uma ocasião para reunir familiares e amigos, para compartilhar a dor da perda e homenagear o falecido.

Na manhã do enterro, era comum que a casa fosse limpa e purificada com água benta. Alguns acreditavam que o cheiro do incenso também ajudava a purificar o ambiente e afastar os espíritos malignos. O corpo era então colocado em um caixão, muitas vezes adornado com flores e velas, e levado em procissão até o local do enterro.

No cemitério, era costume jogar terra em cima do caixão antes de ele ser completamente baixado na cova, como forma de simbolizar o retorno do corpo à terra. Era comum também fazer o sinal da cruz com terra na testa do falecido, para garantir que ele pudesse descansar em paz.

Além dessas práticas, também havia uma série de superstições e crenças relacionadas à morte e ao luto. Por exemplo, acredita-se que o relógio da casa deveria ser parado no momento da morte, para simbolizar que a vida do falecido havia chegado ao fim. Também era comum cobrir os espelhos da casa com um lenço preto, para evitar que o espírito do falecido ficasse preso neles.

O luto também era visto como um processo sagrado, que exigia um período de reclusão e introspecção. Era comum que os familiares do falecido vestissem roupas pretas por um período de luto, que podia durar até um ano. Durante esse período, evitava-se festas e comemorações, e a família do falecido recebia visitas de condolências.

Outra crença relacionada ao luto era a ideia de que o falecido poderia enviar mensagens do além através de sonhos ou de objetos deixados para trás. Por exemplo, se um parente falecido aparecesse em um sonho, acreditava-se que isso era um sinal de que ele estava em paz e queria se comunicar com a família. Também era comum encontrar objetos que o falecido havia deixado para trás, como um chapéu ou um lenço, e interpretá-los como uma mensagem do além.

A preparação dos falecidos antes do enterro era, portanto, um evento muito importante nas colônias pioneiras de imigrantes italianos. As crenças e práticas relacionadas à morte e ao luto eram profundamente enraizadas na cultura e tradição dessas comunidades, e refletiam a importância que esses povos davam à honra e ao respeito pelos seus entes queridos falecidos.

Apesar de todas as superstições e crenças relacionadas à morte, havia uma profunda tristeza e dor associada à perda de um ente querido. Os imigrantes italianos pioneiros nas zonas rurais do Rio Grande do Sul enfrentavam a morte sem o auxílio de médicos e hospitais, e muitas vezes não havia tratamentos disponíveis para doenças graves.

A falta de recursos médicos e o isolamento geográfico das colônias também tornavam mais difícil lidar com a morte e o luto. Muitas vezes, a morte de um membro da comunidade era vista como um evento trágico e inesperado, e as famílias não tinham muitas opções para lidar com a dor e o sofrimento.

No entanto, apesar de todas as dificuldades, os imigrantes italianos pioneiros nas zonas rurais do Rio Grande do Sul mantinham sua fé e esperança em tempos melhores. A religião desempenhava um papel importante na vida dessas comunidades, e muitas vezes era vista como um conforto e uma fonte de consolo durante momentos difíceis.

Embora a falta de recursos médicos e as superstições e crenças em torno da morte pudessem tornar a vida nas colônias pioneiras de imigrantes italianos um desafio, essas comunidades perseveravam através da força da fé e da união. A preparação dos falecidos antes do enterro era apenas uma parte do complexo conjunto de crenças, práticas e tradições que definiam a vida desses povos, e que continuam a ser valorizados e respeitados até hoje.

Além disso, as comunidades de imigrantes italianos nas zonas rurais do Rio Grande do Sul também tinham suas próprias tradições em relação ao enterro dos falecidos. Por exemplo, era comum que o caixão fosse transportado para a igreja local em um carro de boi, em um cortejo fúnebre que incluía a família do falecido e membros da comunidade.

Na igreja, o corpo era colocado em um caixão aberto para que os familiares e amigos pudessem se despedir. Era comum que os presentes fizessem o sinal da cruz e oferecessem uma última homenagem ao falecido antes de ele ser levado para o cemitério.

No cemitério, a família e amigos do falecido se reuniam em torno do túmulo para uma última despedida. O padre local realizava uma breve cerimônia de oração, e então o caixão era colocado na cova. Em seguida, os presentes jogavam flores sobre o caixão e faziam o sinal da cruz mais uma vez.

Após o enterro, era comum que a família do falecido oferecesse um banquete para a comunidade em sua casa. Essa tradição era uma forma de agradecer aos amigos e vizinhos pelo apoio e conforto oferecidos durante o período de luto, e também de honrar a memória do falecido.

No entanto, apesar das tradições e práticas em torno da morte e do enterro, os imigrantes italianos pioneiros nas zonas rurais do Rio Grande do Sul ainda enfrentavam muitos desafios e dificuldades em relação à saúde e bem-estar. A falta de médicos e hospitais, aliada ao isolamento geográfico e às condições precárias de vida, tornavam a vida nas colônias pioneiras extremamente difícil.

Para lidar com essas dificuldades, os imigrantes italianos pioneiros contavam com sua força, resiliência e união. A vida nas colônias era baseada em valores como a solidariedade, a colaboração e o trabalho duro, e as comunidades eram capazes de superar muitos obstáculos graças a esses valores.

Hoje, as comunidades de imigrantes italianos nas zonas rurais do Rio Grande do Sul continuam a honrar as tradições e crenças em torno da morte e do luto que foram estabelecidas pelos seus pioneiros. Embora as condições de vida tenham melhorado e a medicina tenha avançado, essas tradições ainda são valorizadas como parte da rica herança cultural dessas comunidades.

Além disso, a preservação dessas tradições é importante para manter a conexão com a história e a identidade das comunidades de imigrantes italianos. Elas são uma forma de manter viva a memória dos pioneiros que se estabeleceram nessas terras, enfrentaram desafios enormes e construíram uma nova vida em um lugar distante e desconhecido.

As tradições em torno da morte e do luto também refletem a forte presença da religião na vida dessas comunidades. A fé católica era e ainda é uma parte fundamental da identidade dos imigrantes italianos, e as práticas em torno da morte e do luto eram moldadas pelos ensinamentos da Igreja.

Por exemplo, a crença na vida após a morte e na existência do céu e do inferno eram fundamentais para a compreensão da morte e do luto pelos imigrantes italianos. Eles acreditavam que a alma do falecido continuava a existir em outro lugar após a morte, e que o papel da comunidade era ajudar a preparar o falecido para essa jornada.

Outra prática comum entre os imigrantes italianos era a de oferecer missas pelo falecido após o enterro. Essas missas eram uma forma de continuar a honrar a memória do falecido e de pedir por sua alma, para que ela pudesse alcançar a paz eterna.

Em resumo, as tradições, superstições, pavores, medos, simpatias e práticas em torno da preparação dos falecidos antes do enterro nas colônias pioneiras de imigrantes italianos eram moldadas pela falta de recursos e pela forte presença da religião católica na vida das comunidades. Embora possam parecer estranhas ou supersticiosas aos olhos de algumas pessoas hoje em dia, essas práticas eram uma forma importante de lidar com a morte e o luto em uma época e lugar em que a vida era muito difícil.

Ao honrar essas tradições, as comunidades de imigrantes italianos nas zonas rurais do Rio Grande do Sul estão mantendo viva a memória de seus pioneiros e preservando uma parte importante de sua história e identidade cultural.


Texto
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS







segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

A Chegada dos Imigrantes Italianos na Colônia Caxias

 

Vapor Garibaldi no Porto Guimarães no Rio Caí


O primeiro nome da Colônia Caxias, futura cidade de Caxias do Sul, foi Colônia Fundos de Nova Palmira, quando então esta era apenas uma grande fazenda cuja área que se ficava nos fundos dessa propriedade foi destinada, pela Comissão de Terras do Império, para instalar os imigrantes que ali começaram a chegar a partir do ano de 1875. 

A cidade de Caxias do Sul pertenceu a São Sebastião do Caí e dela se emancipou no ano de 1890, quando foi elevada à categoria de município.

Caxias do Sul teve início na localidade de Nova Palmira, pertencente ao distrito de Vila Cristina.

É por esta localidade que os imigrantes europeus atravessavam, percorrendo a Estrada Rio Branco, para chegarem à colônia.


Travessia do Rio Caí e chegada dos imigrantes no porto



Subindo pelos meandros do rio Caí desde a capital Porto Alegre, a bordo de pequenos barcos fluviais à vapor, após uma viagem que durava aproximadamente doze horas, desembarcavam no porto fluvial da cidade de São Sebastião do Caí, que na época era denominada de Porto Guimarães.



Vapor Lageado no Porto Guimarães no Rio Caí
 



Aqueles imigrantes cujo destino era a Colônia Dona Isabel (atual Bento Gonçalves) e Conde d'Eu (atual Garibaldi) desembarcavam um pouco antes, em Montenegro, após sete horas de viagem subindo pelo rio Caí.

Entre São Sebastião do Caí e Montenegro, no município de Pareci, havia uma barragem que permitia a navegabilidade do rio Caí naquele trecho durante o período das cheias. Essa barragem era dotada de comportas - foi a primeira eclusa da América do Sul, se assemelhando bastante, guardando as devidas proporções,  com aquela do canal do Panamá.

Após uma breve parada, geralmente, de um dia para descanso e organização dos seus pertences, os imigrantes iniciavam a difícil subida da serra à pé, em carroções ou em lombo de mulas,  abrindo a estrada com foice e facões, acompanhados por guias da comissão de terras. Esta viagem muitas vezes podia durar até três dias e três noites.

Após todo esse esforço chegavam então ao núcleo de colonização localizada no Campo dos Bugres, nos fundos de Nova Palmira.



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS








sexta-feira, 20 de abril de 2018

A Presença dos Italianos e dos Vênetos na Colonização do RS



O Rio Grande do Sul foi uma terra disputada pelas coroas da Espanha e Portugal e a expansão da sua população teve o seu início com a chegada do século XVIII. Depois de muitos anos de cruentas lutas, a então Província foi delimitada e se deu início a sua colonização de forma sistemática. Assim no ano de 1824 chegaram os alemães e mais tarde, em 1875 as primeiras famílas de italianos. Tendo obtido bons resultados com as colônias alemãs, no ano de 1875 a província recebeu do Império as colônias Dona Isabel (mais tarde denominada de Bento Gonçalves) e Conde D'Eu (depois Garibaldi) destinadas a receberem imigrantes italianos em geral, sendo os vênetos que constituíram a grande maioria. Depois no Rio Grande do Sul foram criadas a Colônia Fundos de Nova Palmira, logo depois rebatizada como Colônia Caxias e a Colônia Silveira Martins. O primeiro grupo de imigrantes italianos chegou no Rio Grande do Sul em 1875 e se estabeleceu na Colônia Nova Palmira, no local chamado Nova Milano (hoje Farroupilha). Neste mesmo ano outros imigrantes italianos em geral e vênetos em particular se estabeleceram nas Colônias Conde D'Eu e Dona Isabel e já em 1877 na Colônia Silveira Martins, vizinho a atual cidade de Santa Maria. 


Os imigrantes italianos que vieram para as novas colônias no Rio Grande do Sul proveniam, na sua quase totalidade, do norte da Itália (Vêneto, Lombardia, Trentino Alto Adige, Friuli Venezia Giulia, Piemonte, Emilia Romagna, Toscana, Liguria). Um dado estatístico nos revela que por zona de proveniência temos: Vênetos 54%, Lombardos 33%, Trentinos 7%, Friulanos 4,5% e os demais 1,5%. Como se pode ver os vênetos e os lombardos constituíram 88% dos imigrantes fixados na Província do Rio Grande do Sul. Os imigrantes italianos chamados para substituir mão de obra escrava, com o advento da abolição da escravidão no Brasil, rapidamente, em poucos anos os territórios à eles destinados para colonização, já estavam inteiramente ocupados, obrigando os que chegavam, e atmbém aos filhos dos pioneiros, a procurar novas terras distantes das primeiras colônias. Assim foram surgindo outras colônias, sempre com a predominância numérica dos vênetos: Alfredo Chaves, Nova Prata, Nova Bassano, Antônio Prado, Guaporé e mais tarde, Vacaria, Lagoa Vermelha, Cacique Doble, Sananduva e Vale do Rio Uruguai, como Casca, Muçum, Tapejara, Passo Fundo, Getúlio Vargas, Erechim, Severiano de Almeida.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS